ASSOCIAÇÕES ENTRE A CORRENTE DE JATO SUBTROPICAL E COMPLEXOS CONVECTIVOS DE MESOESCALA PARTE I: A INFLUÊNCIA DA CORRENTE DE JATO SUBTROPICAL NO DESENVOLVIMENTO DE COMPLEXOS CONVECTIVOS DE MESOESCALA Eny da Rosa Barboza Natalia Fedorova Universidade Federal de Pelotas Centro de Pesquisas Meteorológicas natalia@cpmet.ufpel.tche.br ABSTRACT The influence of the subtropical jet stream (SJS) on the formation of mesoscale convective complexes (MCC) was investigated. The nineteen occurrence of MCC and SJS was selected during 1997 year above the areas of Northern Argentina, Uruguay and Southern Brazil. Two groups were selected: 1) the SJS determines favorable conditions for MCC formations; 2) Cumulonimbus conglomerations were formed close to the frontal zone and SJS. The vertical movements, temperature advection and moisture transportation at the MCC and SJS regions were calculated by grids of horizontal wind components. The low-level jet were analyzed. 1. INTRODUÇÃO Os sistemas convectivos de mesoescala, em especial os complexos convectivos (CCM), estão associados à condições de tempos severos e intensas precipitações. Isso justifica investigações, em diferentes escalas, sobre as possíveis causas do desenvolvimento de complexos convectivos de mesoescala. Entre outros estudos, destacam-se o de Maddox (1983), Guedes e Silva Dias (1984), Guedes (1985), Scolar e Figueiredo (1994). Um CCM pode evoluir associado a mais de um forçante o que torna mais difícil identificar as condições prévias favoráveis à sua gênese e ao seu desenvolvimento. Objetivou-se, neste estudo, comparar as condições meteorológicas dos casos em que a corrente de jato subtropical (CJS) mostrou-se como o único determinante para o desenvolvimento de CCM com as condições em que o relacionamento entre este escoamento e a evolução dos complexos convectivos não é tão nítida, devido a presença de outros forçantes, ou mesmo não exista correlação entre esses sistemas. Desta forma, um padrão sinótico como indicativo da formação de complexos convectivos pode ser estabelecida, fornecendo algum subsídio para a previsão do tempo. 2. DADOS E METODOLOGIA Neste estudo foram analisados os casos de ocorrência da CJS e de CCM no centro-sul da América do Sul para o ano de 1997. Foram utilizadas imagens do satélite GOES e METEOSAT, (canal infravermelho), de 3 em 3 h, para identificar os períodos de coexistência da CJS e de CCM sobre a região centro-sul a América do Sul. Para caracterizar as regiões das nebulosidades ( da CJ e do CCM) utilizou-se campos de análise (00 h) e de previsão (12 h), do National Center for Enviromental Prediction (NCEP, Washington) para os parâmetros: temperatura e umidade relativa (em superfície e 850 hpa); divergência, linhas de corrente e vento horizontal (em 850, 500 e 250 hpa); altura geopotencial (em 700, 500 e 250 hpa). Com as grades das componentes do vento horizontal, para os níveis 850, 500 e 250 hpa, foram calculados os movimentos verticais, através do método cinemático (Barboza e Fedorova, 1998a e 1998b), e determinadas as trajetórias das parcelas de ar, em 850 hpa, que superpostas nos campos de temperatura e de umidade permitiram determinar as advecções na região de desenvolvimento dos CCM (Fedorova, 1999). Cálculos de gradientes de temperatura e de altura geopotencial permitiram identificar as regiões de zonas frontais em baixos e em altos níveis. Os 18 casos analisados foram divididos em dois grupos conforme a correlação entre o desenvolvimento do CCM e a presença da CJS. 3209
3. ANÁLISE DOS RESULTADOS As análises permitiram dividir os casos selecionados em dois grupos: grupo I englobando os casos em que a corrente de jato foi identificada como o determinante das condições que favoreceram o desenvolvimento dos CCM; grupo II constituído dos casos em que foi evidenciada a ação da CJS e de outros forçantes do surgimentos dos complexos convectivos tais como a presença de frentes. Nas tabelas 1 e 2 apresenta-se o quadro resumo das características que padronizaram os casos de cada um dos grupos. Tabela 1 Condições associadas ao desenvolvimento dos CCM e a correlação com a corrente de jato para o grupo I. PM parâmetro meteorológico; SM sistema meteorológico, JBN- jato de baixos níveis, JAN jato de altos níveis. PM e SM Características dos PM e SM Descrição do processo de correlação Divergência CCM em região de divergência em Indução de divergência convergência horizontal altos níveis e convergência em devida as circulações transversais na Advecção de temperatura JBN Transporte de umidade Zonas frontais níveis baixos De 2 a 4 C/12h Presente em todos os casos e em acoplamento favorável com o JAN Aumento da umidade relativa na região dos CCM em relação as áreas vizinhas e no decorrer do tempo Presentes em alta e média troposfera Inexistentes em baixa troposfera na região dos CCM CJ As circulações transversais intensificaram-se e proveram aumento de advecção Agente transportador de calor e umidade para a região dos CCM JBN como responsável pelo transporte de umidade A ausência de frentes em baixos níveis configuram a CJ como o determinante da formação dos CCM Tabela 2 Condições associadas ao desenvolvimento dos CCM e a correlação com a corrente de jato para o grupo II. PM parâmetro meteorológico; SM sistema meteorológico, JBN jato de baixos níveis, JAN jato de altos níveis. PM e SM Características dos PM e SM Descrição do processo de correlação Divergência CCM em região de divergência em altos níveis e convergência em níveis baixos Indução de divergência- convergência não só associada às circulações transversais da CJ como também a Advecção de temperatura Transporte de umidade JBN Zonas frontais de 2 a 4ºC/12h Aumento de umidade relativa na região do CCM em relação à áreas vizinhas e no decorrer do tempo Presente em todos os casos mas nem sempre em acoplamento favorável com o JAN Presentes em baixa e alta troposfera na região do CCM ou muito próximo a essa. penetração de ar frio em níveis baixos Aumento da advecção relacionado as circulações transversais e à frentes em baixos níveis JBN com responsáveis pelo transporte de umidade O JBN foi o agente transportador de calor e umidade para a região do CCM A CJ não se configurou como o único agente determinante do CCM; em alguns casos não teve influência na evolução desses sistemas 3210
Os aspectos padrões das nebulosidades, para ambos os grupo, foram: o surgimento da massa de nuvens Cirrus, nas imagens de satélite, antecede o aparecimento da nebulosidade dos CCM, embora o intervalo de tempo de antecedência seja variável de um caso a outro; os CCM desenvolveram-se no lado quente da corrente de jato e o intervalo de tempo entre o surgimento e o decaimento foi superior a 6 h. Alguns dos complexos convectivos do grupo II não apresentaram as fronteiras tão bem definidas, como foi o caso dos sistemas do grupo I, portanto, não se enquadraram perfeitamente nas definições estabelecidas por Maddox (1980) para esses complexos convectivos. Nas Fig.1 e Fig.2 mostra-se as nebulosidades para um caso do grupo I e um caso do grupo II respectivamente. Figura 1 Campo de nebulosidade para o grupo I. Imagem do satélite GOES no canal infravermelho às 08:45 UTC para o dia 5 de novembro de 1997. Figura 2 Campo de nebulosidade para o grupo II. Imagem do satélite GOES no canal infravermelho às 08:45 UTC para o dia 26 de dezembro de 1997. A determinação dos gradientes de temperatura, para 850 hpa, e de altura geopotencial, para os níveis 850, 500 e 250 hpa, mostram que os CCM do grupo I desenvolveram-se afastados da zona frontal, em baixos níveis, na borda norte da zona frontal em médios níveis e próximos a zona frontal na alta troposfera. A inexistência de zona, em baixa troposfera, nas proximidades da região de formação dos complexos convectivos, é um indicativo do papel da corrente de jato como o forçante dos movimentos verticais ascendentes que se estabeleceram e a conseqüente formação dos complexos convectivos desse grupo. Para o grupo II, os gradientes de temperatura de altura geopotencial, em superfície e em 850 hpa, assumiram valores mais elevados em áreas muito próximas aos CCM, indicando presença de zona frontal também em baixos níveis. Para a maioria dos casos desse grupo os sistemas convectivos desenvolveram-se na periferia norte da área em os gradientes de temperatura são mais elevados em 850 hpa; portanto, para os casos deste grupo a penetração de correntes de ar frio, em baixa troposfera nas áreas de formação dos CCM, foi um aspecto relevante, formando uma zona de confluência de ar frio e de ar quente transportado pelos JBN. Diferentemente do grupo I, para o grupo II a corrente de jato não pode ser identificada como o único determinante das condições que favoreceram a evolução dos sistemas de mesoescala, tendo-se em vista o levantamento de ar provocado pela corrente de ar frio. A Fig.3a e a Fig.3b ilustra o escoamento em baixa troposfera para um caso do grupo I e um caso do grupo II respectivamente. 3211
(a) (b) Figura 3 Campo de linhas de corrente em 850 hpa para o grupo I em 5 de novembro de 1997 às 12 h (a) e para o grupo II em 26 de dezembro de 1997 às 12 h (b) Destaque-se ainda que, em alguns casos do grupo II, os CCM desenvolveram-se na região de saída do núcleo da corrente de jato e, nestes casos, as circulações transversais associadas a esse escoamento não podem ser consideradas como as responsáveis pelo surgimento dos movimentos ascendentes, tendo em vista que esta é uma região de circulação térmica indireta. Em geral, a zona frontal em baixa troposfera, organizou-se num tempo muito próximo a gênese dos CCM, podendo-se estimar que as circulações transversais, associadas a corrente de jato, por si sós, não seriam suficientes para propiciar o desenvolvimento dos complexos convectivos nos casos em que esses ocorreram na região de entrada do núcleo do JAN. O JBN foi identificado em 850 hpa em todos os casos e mostrando-se como o agente transportado de calor e de umidade para a área de evolução dos CCM, no entanto a configuração das linhas de corrente mostram que nem sempre o JBN e o JAN apresentaram-se em acoplamento favorável às condições de formação dos CCM nos casos do grupo II. Note-se que as advecções de temperatura assumiram valores dentro do mesmo intervalo para os dois grupos. Outro resultado compatível entre os dois grupos foram os obtidos pelas análises de transporte de umidade, ou seja, uma variação em torno de 20% na umidade relativa entre a região do CCM e as áreas circunvizinhas com aumento desse parâmetro (valores superiores a 80% da umidade relativa), na extensão dos complexos, durante a fase de crescimento dos sistemas. Tomando-se como termos de comparação os perfis estabelecidos por Maddox (1983), pode-se constatar uma boa concordância qualitativa com os casos do grupo I em termos de existência de uma camada de convergência, em baixa troposfera, que se estendem para níveis mais altos no decorrer do tempo. Alguns aspectos na estrutura vertical de divergência diferem os dois grupos. No grupo II, em alguns casos, o padrão de divergência em alta troposfera e convergência em níveis baixos não foi muito evidente no período pré formação dos CCM. Para estes casos é constatado que a penetração do ar frio na região gênese dos CCM é um pouco difusa inicialmente, evidenciando-se melhor a confluência e convergência de massas de ar quente e frio no decorrer do tempo, quando também o padrão vertical de divergência, necessário para o desencadeamento dos movimentos ascendentes torna-se mais definido na região em análise. O padrão de movimentos verticais para o grupo I consiste na existência de movimentos verticais ascendentes, em baixos níveis, desde o período pré formação dos CCM, sendo que esses, em alguns casos, já atingiram a média troposfera nesta fase; extensão da área atingida por esses movimentos e intensificação dos mesmos durante o crescimento dos CCM. Para os casos do grupo II, a intensidade e extensão dos movimentos apresentou-se bastante variável de caso a caso. Um padrão que pode ser inferido foi o fato de que os movimentos ascendentes apresentaram maiores velocidades nas proximidades da confluência das massas de ar no nível 850 hpa, tanto no período pré formação como no período de desenvolvimento dos CCM. 4. CONCLUSÕES Os resultados mostram que nos casos considerados como grupo I que, na ausência de zonas frontais em baixa troposfera e pelas associações que puderam ser estabelecidas, a corrente de jato identificou-se como o determinante da intensificação dos jatos de baixos níveis. Esses JBN, por sua vez, foi o forçante para advecções de calor e de umidade, acarretando os movimentos convectivos e, em conseqüencia, estabelecendo as condições 3212
favoráveis à formação e desenvolvimento dos CCM. Nos os casos do grupo II, fez-se presente uma corrente de ar frio, em baixos níveis, ocorrendo confluência dessa massa de ar e do ar quente transportado pelo JBN. Esses JBN transportaram ar quente e úmido para a região de formação dos CCM onde é verificada advecção de calor e de umidade compatíveis aos casos do grupo I; no entanto, para o grupo II, o levantamento de ar não pode ser considerado como um efeito somente devido a presença do JBN mas também está associado a penetração de ar frio, em baixos níveis na região dos CCM. 5. AGRADECIMENTOS As autoras agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo financiamento deste trabalho no Centro de Pesquisas Meteorológicas da Universidade Federal de Pelotas. 6. REFERÊNCIAS BARBOZA, E. R., FEDOROVA, N. Corrente de Jato subtropical e complexo convectivo de mesoescala. Parte I: Situações sinóticas e correntes principais para a formação do compexo convectivo de mesoescala. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE METEOROLOGIA, 10, Brasília, 1998a. Anais (CD-ROM). BARBOZA, E. R., FEDOROVA, N. Corrente de Jato subtropical e complexo convectivo de mesoescala. Parte II. Divergência e movimentos verticais na região de nebulosidade.in: CONGRESSO BRASILEIRO DE METEOROLOGIA, 10, Brasília, 1998b. Anais (CD-ROM). FEDOROVA, N. Meteorologia Sinótica. v. I., Pelotas: Editora Universidade Federal de Pelotas, 1999, 259 p. GUEDES, R. L., SILVA DIAS, M. A. F. Estudo de Tempestades Severas Associadas com Jato Subtropical na América do Sul. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE METEOROLOGIA, 3, Belo Horizonte, 1984. Anais v. 2, p. p. 289-296, 1984. GUEDES, R.L., 1985. Sistemas de Mesoescala. In: Curso de Interpretação de Imagens e Análise Meteorológica. Curso de Extensão Universitária. São José dos Campos: Universidade do Vale do Paraíba, 28p. MADDOX, R. A. Large-scale Meteorological Conditions Associated With Midlatitude, Mesoscale Convective Complexes. Mon. Weat. Rev., v.111, p.1475-1493, 1983. SCOLAR, J. FIGUEIREDO, J. C. Análise das Condições Sinóticas Associadas a Formação de Complexos Convectivos de Mesoescala. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE METEOROLOGIA, 8, Belo Horizonte, 1994. Anais v. 2, p. 455-461, 1994. 3213