Análise da Eqüidade e dos Mecanismos de Desenvolvimento Limpo no Plano Internacional: em Busca de uma Justiça Ambiental



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Transcrição:

Análise da Eqüidade e dos Mecanismos de Desenvolvimento Limpo no Plano Internacional: em Busca de uma Justiça Ambiental Ibrahim Camilo Ede CAMPOS ¹ Thiago Alberto dos Santos NOCE ² Introdução O Direito do Meio Ambiente se desenvolveu significativamente nos últimos anos, firmando-se como ramo especializado do Direito. Apresenta reconhecidamente um caráter interdisciplinar, com contribuições da Biologia, Geografia e Economia. Além disso, dentro da ordem jurídica, sofre influências de outros ramos e perspectivas, constituindo-se um ramo multifacetado e que desafia a clássica divisão Direito Público/Direito Privado. Suas interfaces estão relacionadas com o Direito Empresarial, com o Direito Constitucional, com o Direito Administrativo e, mais recentemente, com o Direito Internacional (em especial o Direito Internacional dos Direitos Humanos). Este artigo pretende explorar um aspecto pouco discutido pela doutrina: a análise da legislação ambiental sob a ótica da eqüidade, no âmbito internacional. Para cumprir este desafio, serão examinados diversos Tratados e Convenções internacionais, em especial o Protocolo de Kyoto, que se destaca por trazer inovações na abordagem da questão ambiental. Além disso, busca-se discutir como a proteção ambiental, por meio de mecanismo de flexibilização internacional (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo) viabiliza o desenvolvimento econômico nacional amparado nas bases da sustentabilidade ambiental e tecnológica. Por fim, se analisa como o tema Meio Ambiente tem sido abordado nos tratados e convenções internacionais e como este tratamento tem sido modificado ao longo dos últimos vinte anos, bem como sua interface com o conceito de Desenvolvimento ¹ Graduando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais e membro do Núcleo de Estudos em Direito Ambiental (NEDA). camiloede@yahoo.com.br ² Graduando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais, e Administração Pública pela Fundação João Pinheiro; membro do Grupo de Estudo em Direito Internacional dos Direitos Humanos (GEDI-DH). thiagonoce@yahoo.com.br

Responsabilidade comum, porém diferenciada 1 O princípio da responsabilidade comum, porém diferenciada, baseia-se na noção de eqüidade. 2 Reflexo da necessidade de se atingir alternativas viáveis e factíveis do ponto de vista de determinado objetivo internacionalmente pretendido, bem como corolário de proposições econômicas, históricas e tecnologicamente justificadas, alicerçadas na concepção de justiça material, tal princípio resulta em tratamento diferenciado entre os países, no tocante ao estabelecimento de obrigações e meios para que essas possam ser exeqüíveis. Becker aponta que a noção de responsabilidade comum, porém diferenciada, não se restringe à temática das mudanças climáticas, mas se aplica a dimensões mais amplas, vale dizer, aos tópicos de Direito internacional ambiental de uma forma geral. 3 Com efeito, a positivação do conceito de responsabilidade comum, porém diferenciada, em vários documentos internacionais, respalda tal assertiva. Em 1992, a Declaração do Rio de Janeiro sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, um dos cinco documentos oficiais aprovados 4 durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento CNUMAD, conhecida como Rio-92, assim expressa, no art.7º: Os Estados irão cooperar, em espírito de parceria global, para a conservação, proteção e restauração da saúde e da integridade do ecossistema terrestre. Considerando as diversas contribuições para a degradação do meio ambiente global, os Estados têm responsabilidades comuns, porém diferenciadas. Os países desenvolvidos reconhecem a responsabilidade que lhes cabe na busca internacional do desenvolvimento sustentável, tendo em vista as 1 O princípio também é usado no plural, ou seja, Princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas. A utilização, neste artigo, do termo no singular não significa que haja a escolha de uma concepção específica; diz respeito apenas à uniformização do seu uso. 2 SANDS, Philippe. Principles of International Environmental Law. 2ª.ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2003. p. 285-287 3 FONTANA, Bernardo Becker. Responsabilidades comuns, porém diferenciadas, na proteção do clima global. In: BENJAMIM et al. Mudanças Climáticas, Biodiversidade e Uso Sustentável de Energia. Volume 2. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2008. p. 03 a 16 4 Os outros quatro documentos são: 1) Agenda 21, 2) Convenção sobre Mudanças Climáticas, 3) Declaração de Princípios sobre Florestas e 4) Convenção sobre Biodiversidade. BARBIERI, José Carlos. Desenvolvimento e Meio Ambiente: As Estratégias de Mudanças da Agenda 21. Petrópolis: Vozes, 1997. p.46-47

pressões exercidas por suas sociedades sobre o meio ambiente global e as tecnologias e recursos financeiros que controlam (grifo nosso). no art. 3º, I, que Já na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, tem-se, As Partes devem proteger o sistema climático em benefício das gerações presentes e futuras da humanidade com base na eqüidade e em conformidade com suas responsabilidades comuns, mas diferenciadas e respectivas capacidades. Em decorrência, as Partes países desenvolvidos devem tomar a iniciativa no combate à mudança do clima e a seus efeitos (grifos nossos). Oportuno, frisar, todavia, que o consenso em torno de se estabelecer padrões diferenciados entre os países, em decorrência de necessidades especiais de países em desenvolvimento, realiza-se a partir da Conferência de Estocolomo (Suécia), em 1972, ganhando força a partir do final da década de 80 e início da década de 90. 5 Estabelecendo-se um paralelo entre a evolução do Direito Internacional do Meio Ambiente e a inserção do princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, no campo das tratativas internacionais ambientais, percebe-se que há pontos de contato entre esses dois temas o primeiro aparentemente sendo continente do segundo. Conforme assevera Rei, com a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, em 1992, deu-se o segundo principal capítulo da evolução do Dima [Direito Internacional do Meio Ambiente], que vem alterando as relações entre os Estados e outros atores internacionais, desenhando novas formas de atuação entre eles de maneira que contribuam todos, ainda que de forma diferenciada, para a saúde do planeta e para a melhoria do meio humano. 6 5 FONTANA, ob. cit., p. 6 6 O primeiro e principal capítulo da evolução do Direito Internacional do Meio Ambiente seria a Conferência de Estocolmo (Suécia), realizada em 1972. Ver: REIS, Fernando. A peculiar dinâmica do Direito Internacional do Meio Ambiente. In: NASSER, Salem Hikmat, REIS, Fernando (orgs.). Direito Internacional do Meio Ambiente. São Paulo: Atlas, 2006. p.7

quais sejam: Chirs Wold, analisando o princípio em estudo 7, o decompõe em quatro aspectos, a) a contribuição histórica - pretérita e presente - dos países economicamente desenvolvidos no processo de utilização econômica dos recursos naturais, atingindo-se um grau de degradabilidade ambiental maior em relação aos países em desenvolvimento econômico, impondo-se, pois, maior ônus àqueles na solução dos problemas ambientais globais. b) o reconhecimento da diferenciação de potencial calcado nos aspectos financeiro e tecnológico entre os países economicamente desenvolvidos e os países em desenvolvimento, ao lidar com os problemas ambientais, de forma que, em havendo especificações obrigacionais ambientais a determinado país em desenvolvimento, tendo os primeiros dado causa ao problema, devem prover recursos financeiros necessários para a implementação dessas obrigações. 8 c) tal princípio permite a constituição de uma regra de modelagem das obrigações internacionais dos Estados, segundo as variações encontradas nos ecossistemas do planeta 9. Nesse sentido, a diferenciação das responsabilidades ambientais delineia-se não somente em torno da qualidade dos Estados - economicamente desenvolvidos ou não -, mas em relação aos ecossistemas e respectivas funções ambientais próprias que se localizam em um território geopoliticamente determinado (Estado), todavia importantes para a manutenção do equilíbrio ecológico global. d) pode ser visualizado como uma ferramenta jurídica e política, com vistas a promover a cooperação entre os Estados na resolução dos problemas ambientais globais. Deste modo, como princípio consolidado nos documentos e negociações internacionais, partese do pressuposto e reconhecimento da diferenciação das responsabilidades, porém comuns, entre os países economicamente desenvolvidos e os países em desenvolvimento. Facilita-se, 7 WOLD, Chris. A Emergência de um Conjunto de Princípios Destinados à Proteção Internacional do Meio Ambiente. In: SAMPAIO, José Adércio leite; WOLD, Chris; NARDY, Afrânio José Fonseca. Princípios de Direito Ambiental na Dimensão Internacional e Comparada. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 05-31. 8 Idem, p.15. 9 Idem, p. 16.

pois o acesso ao cerne teórico e prático-político das discussões e negociações entre os Estados no que tange a assuntos específicos, tais como biodiversidade, desertificação e mudanças climáticas. Sands, partindo da consideração do princípio em análise como uma aplicação da eqüidade no plano do Direito Internacional, assim pontifica: The principle of common but differentiated responsibility has developed from the application of equity in general international law, and the recognition that the special needs of developing countries must be taken into account in the development application and interpretation of rules of international environmental law 10. O autor mencionado divide em dois elementos o princípio em análise, a saber: 1) o elemento da responsabilização comum dos Estados na proteção e melhoria da qualidade ambiental; e 2) o elemento da diferenciação circunstancial, notadamente no que se refere à contribuição de cada país para o surgimento de determinado problema ambiental, bem como os meios/capacidade para prevenir e controlar as ameaças. 11 Sobre o primeiro elemento, o professor afirma que se trata de obrigações partilhadas entre dois ou mais Estados, visando a proteger determinado recurso natural, com maiores possibilidades de ser aplicado onde o recurso não é propriedade ou não é de exclusivo domínio - de um único Estado. 12 Assim, com fundamento na solidariedade, todas as nações devem cooperar 13 na resolução dos problemas de alcance global, tendo em vista os efeitos desse mesmo alcance, natural e totalmente alheio às circunscrições político-territoriais. 14 Dessa forma, Yoshida 10 SANDS, Philippe. Principles of International Environmental Law. 2ª. ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2003. p. 285 11 Idem, p. 287. 12 Common responsibility describes the shared obligations of two or more states towards the protection of a particular environmental resource, taking into account its relevant characteristics and nature, physical location, and historic usage associated with it. Natural resources can be property of a single state, or a shared natural resource, or subject to a common legal interest, or the property of no state. Common responsibility is likely to apply where the resource is not the property of, or under the exclusive jurisdiction of, a single state. Idem. p.286 13 DINH, Nguyen Quoc; DAILLER, Patrick; PELLET, Alain. Direito Internacional Público. Trad. Vitor Marques Coelho. 2ª.ed. Lisboa: Fundação Calouste Belkian, 2003. p.1.337-1.338 14 RAJAMANI, p.121, apud BECKER, p.11.

pontua que sublinhar a questão das responsabilidades não implica em eximir-se delas em adotar uma postura negativa nas negociações. 15 Por fim, ainda Sands, em pertinente síntese: The special needs of developing countries, the capacities of all countries, and the principle of common but differentiated responsabilities has also resulted in the establishment of special institutional mechanisms to provide financial, technological and other technical assistance to developing countries to help them implement the obligations of particular treaties 16 Certo é, porém, que a afirmação e consolidação dessa face da eqüidade não deve pairar sobre um debate e argumentação somente teórico, muito menos retórico. A realização de tal princípio passa por um topos complexo, de variadas feições (políticas estratégicas, econômicas, tecnológicas e, ainda que indiretamente, bélicas). Ressalte-se que alguns mecanismos existem e que, ao menos no plano de sua idealização, contribuem para a realização da eqüidade no plano internacional. Eqüidade Ao mesmo tempo em que se desenvolve uma consciência crítica sobre a necessidade de preservação do Meio Ambiente, se debate sobre as conseqüências de um tratamento não-diferenciado para os países, os quais se encontram em diferentes estágios de desenvolvimento. Nesse sentido, um tratamento equitativo do sistema de proteção ao Meio Ambiente imporia um Direito de Poluir àqueles países que não contribuíram para os atuais níveis de poluição e que se encontram em níveis mais baixos de desenvolvimento. 15 YOSHIDA, Consulelo Yatsuda Moromizato. Mudanças climáticas, Protocolo de Quioto e o Princípio da Responsabilidade Comum, mas Diferenciada: A posição estratégica do Brasil. Alternativas energéticas, avaliação de impactos, teses desenvolvimentistas e o papel do Judiciário. In: BENJAMIM et al. Mudanças Climáticas, Biodiversidade e Uso Sustentável de Energia. Volume 1. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2008. p. 93-112. 16 SANDS, ob.cit, p. 289.

De fato, o caráter absoluto com que a proteção ao Meio Ambiente tem sido tratada ignora o fato de que os atuais níveis de poluição e degradação ambiental (sobretudo em relação ao clima) foram causados por países desenvolvidos, que se beneficiaram do tratamento mais flexível da questão ambiental e, com isso, puderam estabelecer sistemas de proteção social aos seus cidadãos (Welfare State). Nesse sentido, os países em desenvolvimento teriam um Direito de Poluir como meio legítimo para alcançarem o status de desenvolvido? Nesse caso, a proteção ao Meio Ambiente seria relativizada à sua contribuição para a promoção do desenvolvimento humano, bem relacionada com a degradação/poluição pregressa realizada em determinado Estado. A questão se coloca como um desafio para os teóricos do Direito Internacional Ambiental e para os agentes públicos envolvidos nas negociações multilaterais. Por um lado, a proteção ao Meio Ambiente é tida como cogente (ou jus cogens, para o DIP) e, portanto, como uma obrigação absoluta, pois se refere a um bem de uso comum (ou bem público, na linguagem econômica) da humanidade. Por outro, não há como negar que tornar mais rígidas certas normas de proteção ambiental afeta a competitividade entre os países. Noce, ao analisar a relação entre Direito (normas) e Economia (fatos econômicos), aponta que grande parte dos conflitos surgidos no âmbito internacional diz respeito aos impactos da legislação no desempenho econômico dos países. 17 O pesquisador salienta que a ausência dos Estados Unidos na assinatura do Protocolo de Kyoto é uma evidência de que há uma certa oposição entre crescimento nominal da economia e proteção ambiental, ou em outras palavras, que o grau de proteção ambiental interfere (favorável ou negativamente) no desempenho da economia de curto prazo. Em relação à faculdade aqui cunhada como Direito de Poluir, não há consenso internacional desse tipo de liberalidade. Muitos países em desenvolvimento, notoriamente África do Sul, China e Índia, têm defendido o tratamento mais flexível da proteção ambiental tendo em vista a possibilidade de melhorar o bem-estar de suas sociedades ainda que causando danos ao Meio Ambiente. Outros, de maneira diferente, afirmam que os erros pregressos não podem ser novamente cometidos. A analogia com o crime parece esclarecer a 17 NOCE, Thiago Alberto. Uma Análise Neoinstitucional da Legislação Ambiental: Custo, Valor e Poder. Belo Horizonte: COLADRI, 2007. p. 15

argumentação: o fato de algumas pessoas terem ficado ricas através do roubo, não licencia as demais para a prática do crime. Da mesma forma, o fato de alguns países terem causado danos ao Meio Ambiente, com impactos globais, não autoriza os demais a fazer o mesmo simplesmente porque não o fizeram ainda. A interpretação do Direito do Meio Ambiente como um Direito Humano também não resolve o problema. Aliás, é possível pensar na sua limitação frente a outros direitos igualmente humanos. É legítimo destruir uma floresta de um bioma específico para construir uma usina de energia, sabendo-se que esta obra poderá aumentar a qualidade de vida das pessoas, dar-lhes emprego, melhorar a alimentação? Ou não, a floresta constitui um bem jurídico indisponível? Quantas vidas podem ser salvas com a exploração de um certo minério? Quantas serão perdidas neste mesmo processo? Não há respostas claras para estes dilemas, assim como faltam estudos apontando este balanço. De fato, as respostas a estas questões têm sido aleatoriamente dadas e não há tendências claramente definidas. O momento atual constitui um momento crítico para a interpretação e estudo das conseqüências de uma maior ou menor proteção ambiental. Desenvolvimento sustentável No Brasil, o conceito jurídico de meio ambiente é dado pela Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente: Artigo 3 - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: I - meio ambiente: o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas. O conceito legal do inc. I do art. 3º da Lei 6.938/81 sinaliza o meio ambiente como uma unidade formada por inter-relações entre o homem, a natureza original, a artificial e os bens culturais, de forma interdependente. Portanto, o ambiente é um bem unitário formado também pelo patrimônio cultural em sentido amplo (histórico, artístico, turístico, paisagístico e arquitetônico).

Nesse aspecto, tomemos a lição de José Afonso da Silva, para quem o conceito de meio ambiente há de ser, pois globalizante, abrangente de toda a natureza, o artificial e original, bem como os bens culturais correlatos, compreendendo, portanto, o solo, a água, o ar, a flora, as belezas naturais, o patrimônio histórico, artístico, turístico, paisagístico e arquitetônico. 18 A respeito dos elementos corpóreos e incorpóreos que integram o meio ambiente, diz-se que possuem conceitos e regimes jurídicos próprios, sendo constantemente alvo de legislação específica, como ocorre, por exemplo, com o patrimônio cultural, que tem tratamento constitucional. No âmbito internacional, a questão também é tratada de forma semelhante, sendo determinados aspectos do meio ambiente latu sensu são particularizados em tratados e normas internacionais (Comércio, Migração, Guerras). Na maioria das vezes, o que chamamos de meio ambiente é um resídio teórico que se refere a um conjunto de recursos naturais disponíveis para uso, exploração e extração das populações humanas, o que constitui, do ponto de vista econômico, o substrato material, a partir do qual são extraídos os recursos necessários para a produção de bens e prestação de serviços. O conceito [de sustentabilidade] foi introduzido no início da década de 1980 por Lester Brown, fundador do Worldwatch Institute, que definiu comunidade sustentável como a que é capaz de satisfazer às próprias necessidades sem reduzir as oportunidades das gerações futuras. 19 Nesse sentido, para Jean-Pierre Leroy, sustentabilidade não é algo facilmente construído, mas um complexo exercício de democracia. Sustentabilidade é um processo onde 18 SILVA, José Afonso da. In DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros, 1994. 19 CAPRA in TRIGUEIRO, André. Meio Ambiente no Século XXI. Rio de Janeiro: Editora Sextante, 2003. p.19

cada um diz o que quer para sua cidade, seu estado e seu país. E hoje, quem define as necessidades das pessoas são aquelas que vivem em altos padrões. 20 Desta forma, este processo de desenvolvimento sustentável deve ser capaz de manter um padrão positivo de qualidade, apresentar autonomia de manutenção, trabalhar em redes (também sustentáveis), promover a colaboração de tecnologias, tendo em vista a harmonia das relações entre a sociedade e o meio ambiente. Segundo José Luiz de França Penna, O desenvolvimento sustentável é aquele que é viável economicamente, justo socialmente e correto ambientalmente, levando em consideração não só as nossas necessidades atuais, mas também as das gerações futuras, tanto nas comunidades em que vivemos quanto no planeta como um todo. 21 Como bem definido por Penna, o processo envolve a participação política e integra sustentabilidades econômica, ambiental, cultural, em aspectos coletivos e individuais, para o alcance e a manutenção da qualidade de vida. Este objetivo deve ser assumido nos momentos de abundância de recursos ou quando há escassez, mas as perspectivas de cooperação e solidariedade, entre os povos e as gerações, devem não podem ser esquecidas. Assim, como aponta Maurice Strong, as necessidades do presente não podem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem as suas próprias necessidades. 22 Quando se trata de sustentabilidade, não se quer dizer que os recursos naturais deverão ficar intactos, mas que eles estejam em condições de gerar riquezas durante ciclos prolongados. No caso brasileiro, as concepções de que abrir estradas no centro da floresta 20 Ver BARBIERI, José Carlos. Desenvolvimento e Meio Ambiente: as Estratégias de Mudanças da Agenda 21. Petrópolis: Vozes, 1997. 21 Idem. p.45 22 STRONG, Maurice. Where on Earth Are We Going? New York: Editora International Thomson Learning Publishing, 2001.

amazônica levaria o progresso ao desabitado Norte se sustentam(aram) numa oposição errônea entre desenvolvimento econômico e manutenção de recursos naturais. Convenção do Clima: instrumentos e alternativas O Protocolo de Kyoto é um tratado internacional 23, aprovado em dezembro de 1997, na cidade de Kyoto (Japão), por ocasião da Terceira Conferência das Partes 24 (COP 3). Em vigor desde fevereiro de 2005, depois de ratificado por 55 dos Estados do Anexo B 25 do Protocolo com 55% do total de emissões de gás carbônico, estabelece obrigações concretas aos países economicamente desenvolvidos com o objetivo de redução de emissão de gases de efeito estufa (GEEs) 26 Por sua vez, a Convenção-Quadro nas Nações Unidas sobre Mudança do Clima - CQNUMC (Union Nations Framework Convention on Climate Change UNFCCC) 23 Adota-se aqui o conceito de tratado definido no art. 2, 1 a), da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, qual seja: acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, quer conste de um instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação específica. Nguyen et al assim definem tratado: designa qualquer acordo concluído entre dois ou mais sujeitos de Direito Internacioanl, destinado a produzir efeitos de Direito e regulado pelo Direito Internacional. Ob. cit. p. 120. 24 Na primeira Conferência das Partes (COP 1), foi adotado o Mandato de Berlim, uma decisão que permitiu o início de novas negociações sobre um compromisso mais detalhado sobre a redução de GEE. O Protocolo de Kyoto foi negociado durante dois anos e no dia 11 de dezembro de 1997, durante a terceira COP, as partes o aprovaram. As negociações do Protocolo chegaram no seu auge na COP 7 (realizada entre 29 de outubro a 09 de novembro de 2001, em Marraqueche), onde foi aprovado um livro de regras a fim de guiar a aplicação do Protocolo, detalhando os planos de ação que devem ser seguidos para que pudesse ser finalmente ratificado por um número suficiente de países. Ver: JASKULSKI, Anderson. O Protocolo de Kyoto e os Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDL) enquanto instrumentos do Direito Ambiental Brasileiro. In: BENJAMIM et al. Mudanças Climáticas, biodiversidade e uso sustentável de energia. Volume 1. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2008. p. 601-614. 25 Como ensina Lopes, o Anexo B integra o Protocolo de Kyoto, em que estão fixadas as metas de redução quantificadas de GEEs. Já o Anexo I é uma lista integrante da CNMUNC. Excetuando-se Turquia e Belarus, todas as Partes listadas no Anexo I estão listadas no Anexo B. Ver: LOPES, Ignez Vidigal (coord.). O mecanismo de desenvolvimento limpo: guia de orientação. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2002. p. 46. Disponível em http://www.bndes.gov.br/conhecimento/especial/ GuiaMDL.pdf. Acesso em 13 de Julho de 2008. 26 No Anexo A do Protocolo de Kyoto, especificam-se os gases de efeito estufa (GEEs), a saber: Dióxido de carbono (CO 2 ), Perfluorcarbonos (PFCs), Metano (CH 4 ), Óxido nitroso (N 2 O), Hidrofluorcarbonos (HFCs) e Hexafluoreto de enxofre (SF 6 ).

representa o primeiro ato normativo internacional a versar sobre alterações climáticas 27. Projetada em Nova York em Maio de 1992, entrou em vigor em Março de 1994, com o objetivo, conforme dispõe o art.2º, de estabilização das concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera num nível que impeça uma interferência antrópica perigosa no sistema climático. Silva define Protocolo Acordo como um tratado que cria normas jurídicas complementares a um tratado principal 28. No objeto de estudo em questão, trata-se do Protocolo de Kyoto à Convenção - Quadro nas Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. Tocante à definição de Convenção, o mesmo autor afirma que são acordos internacionais que criam normas gerais acerca de determinada matéria de Direito Internacional. 29 Sendo Convenção-Quadro, necessita-se de outros mecanismos para regulála. A respeito, afirma Jaskulski: Por isso, a implementação e a concretização da Convenção Quadro é feita mediante a realização periódica de Convenções subseqüentes (conferências partes - COP), onde, por intermédio de tratados específicos, se criam, desenvolvem e implementam técnicas para alcance do objetivo esculpido na Conferência Quadro 30. Nesse contexto, o Protocolo de Kyoto, como tratado acessório da CQMUNC, regulamenta-a e a especifica, dispondo, dentre outras obrigações aos Países do Anexo I, metas de redução de emissão de gases de efeito estufa. A sensível diferença, em termos de obrigação de redução de emissão de gases de efeito estufa, entre os países economicamente desenvolvidos (Anexo I da CQNUMC ou Anexo B do Protocolo) e os países em desenvolvimento, traduzida na meta de redução de pelo menos 5% em relação aos níveis de emissão de 1990 (no período de 2008-2012, primeira fase 27 MENEGOTTO, Marília Gouveia. Protocolo de Kyoto no Brasil: o processo de certificação de projetos brasileiros no mecanismo de desenvolvimento limpo. In: BENJAMIM et al. Mudanças Climáticas, biodiversidade e uso sustentável de energia. Volume 2. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2008. p. 525-540. 28 SILVA, Roberto Luiz. Direito Internacional Público. 3ª.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 81 29 Idem, p. 78. 30 JASKULSKI, ob.cit. p. 604.

de implementação) 31 e, de outro lado, nenhuma obrigação aos países em desenvolvimento apenas obrigações procedimentais - figura como expressão direta do princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas. O referido princípio está insculpido no Protocolo de Kyoto, mais precisamente no artigo 10, em que, eximindo as Partes não incluídas no Anexo I de metas de redução de GEEs, apenas estabelece obrigações procedimentais a serem cumpridas por essas mesmas Partes, tal como no definido no art. 4, I, da CQNUMC. (p.ex., elaborar inventários nacionais de emissões antrópicas por fontes e das remoções por sumidouros dos GEEs não controlados pelo Protocolo de Montreal). Os mecanismos de flexibilização do Protocolo de Kyoto. Prevê-se, no Protocolo de Kyoto, mecanismos flexíveis adicionais para contribuir para o alcance das metas dos Países do Anexo I. Saliente-se que a obtenção e desenvolvimento de tais mecanismos permitem o cumprimento das obrigações consistentes no Protocolo, sem necessariamente cingir-se ao âmbito territorial de cada Estado. 32 São três os mecanismos de flexibilização referidos no Protocolo de Kyoto: joint implementation (implementação conjunta), emission trading (comércio de emissões) e, o que mais interessa ao presente trabalho, o clean development mechanism (mecanismo de desenvolvimento limpo). Quanto aos dois primeiros mecanismos, trata-se de negociações comerciais realizadas somente entre os países do Anexo I, ao passo que, no tocante ao último mecanismo, 31 Artigo 3 Protocolo de Kyoto: 1. As Partes incluídas no Anexo I devem, individual ou conjuntamente, assegurar que suas emissões antrópicas agregadas, expressas em dióxido de carbono equivalente, dos gases de efeito estufa listados no Anexo A não excedam suas quantidades atribuídas, calculadas em conformidade com seus compromissos quantificados de limitação e redução de emissões descritos no Anexo B e de acordo com as disposições deste Artigo, com vistas a reduzir suas emissões totais desses gases em pelo menos 5 por cento abaixo dos níveis de 1990 no período de compromisso de 2008 a 2012. 32 AOKI, William Ken. O Banco internacional para reconstrução e desenvolvimento como fomentador do desenvolvimento sustentável no Brasil através do mecanismo de desenvolvimento limpo do Protocolo de Quioto. 2004. Dissertação. Faculdade de Direito, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2004. p. 148

a negociação dá-se entre as Partes países do Anexo I e das Partes países que não integram o Anexo I (países em desenvolvimento). A implementação conjunta, exposto no art. 3 do Protocolo de Kyoto 33, é um mecanismo que permite às partes do Anexo I cumprirem as metas de redução de forma conjunta, dividindo os ônus negocialmente 34. Já o comércio de emissões, disposto no art. 6º do referido Protocolo 35, prevê que as partes incluídas no Anexo I, através de unidades de redução de emissão decorrentes de investimentos em projetos de mecanismos de desenvolvimento limpo (MDL), podem adquirilas ou transferi-las para outra Parte. Nesse sentido, Aoki conclui que este mercado internacional de certificados de redução de emissão de GEE terá como demanda, ou clientes, os Países partes do Anexo I e, como fornecedores os Países do não Anexo I 36 Mecanismo de desenvolvimento limpo (MDL) O mecanismo de desenvolvimento limpo (MDL) contribui para o alcance da sustentabilidade global, nas dimensões ambiental e econômica. Intrinsecamente relacionado com a necessidade de se realizar concretamente o princípio do desenvolvimento sustentável 37, 33 Art. 3, 1: As partes incluídas no Anexo I devem, individual ou conjuntamente,, assegurar que suas emissões antrópicas assegurar que suas emissões antrópicas agregadas, expressas em dióxido de carbono equivalente, dos gases de efeito estufa listados no Anexo A não excedam suas quantidades atribuídas, calculadas em conformidade com seus compromissos quantificados de limitação e redução de emissões descritos no Anexo B e de acordo com as disposições deste Artigo, com vistas a reduzir suas emissões totais desses gases em pelo menos 5 por cento abaixo dos níveis de 1990 no período de compromisso de 2008 a 2012. 34 AOKI, ob.cit, p. 148. 35 Artigo 6, 1 A fim de cumprir os compromissos assumidos sob o Artigo 3, qualquer Parte incluída no Anexo I pode transferir para ou adquirir de qualquer outra dessas Partes unidades de redução de emissões resultantes de projetos visando a emissão das emissões antrópicas por fontes ou o aumento das remoções antrópicas por sumidouros de gases de efeito estufa em qualquer setor da economia (...). 36 Idem. p. 149. 37 A temática do desenvolvimento sustentável é permeada por riquíssimas e conflituosas abordagens, seja do ponto de vista teórico seja sob o prisma da práxis política. Em que pese não haver espaço para o aprofundamento

o MDL visa a assistir as Partes que não integram o Anexo I (países em desenvolvimento) a se desenvolverem economicamente por meio de projetos ambientalmente sustentáveis. 38 De outro lado, referido mecanismo de flexibilização auxilia os países do Anexo I a cumprirem as metas individuais de redução estipuladas no Anexo B do Protocolo de Kyoto, por meio de reduções certificadas de emissões (RCE) (Certified Emission Reductions). Portanto, através do investimento em projetos de MDL, o ônus financeiro dos países investidores é menor, o que permite maior atração da atividade economicamente sustentável nos países que necessitam tanto de gerar riquezas como gerirem de forma adequada seus recursos naturais (preservação ambiental). Através da implementação dos projetos de MDL, após a aprovação pela Autoridade Nacional Designada (no caso do Brasil, a Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima), serão emitidos certificados de emissões reduzidas (CER), aptos a serem adquiridos ou comercializados com a finalidade de se cumprir as metas de cada Parte do Anexo I. 39 Frise-se que, assim como os outros dois mecanismos de flexibilização, o MDL é susbsidiário às obrigações quantificadas e especificadas de redução de emissão de GEEs. Significa dizer que os Países do Anexo I não podem utilizar somente tais mecanismos para o cumprimento das respectivas metas previstas no Anexo B do Protocolo de Kyoto. 40 do tema em referência, apenas para fins de precisão provisória do conceito, pode-se caracterizá-lo, num sentido estrito, como a necessidade de, frente às limitações intrínsecas ao sistema técnico-econômico vigente (capitalismo) (finitude dos recursos naturais), adequar as necessidades humanas primárias e secundárias à capacidade de estoque e renovação dos recursos naturais. 38 Art. 12 do Protocolo de Kyoto: O objetivo do mecanismo de desenvolvimento limpo deve assistir às Partes não incluídas no Anexo I para que atinjam o desenvolvimento sustentável e contribuam para o objetivo final da Convenção, e assistir as Partes incluídas no Anexo I para que cumpra seus compromissos quantificados de limitação e redução de emissões, assumidos no artigo 3. 39 Para que um projeto resulte em reduções certificadas de emissões- RCEs -, as atividades de projeto do MDL devem, necessariamente, passar pelas etapas do ciclo do projeto, que são sete: elaboração de documento de concepção de projeto(dcp), usando metodologia de linha de base e plano de monitoramento aprovados; validação (verifica se o projeto está em conformidade com a regulamentação do Protocolo de Kyoto; aprovação pela Autoridade Nacional Designada -AND, que no caso do Brasil é a a Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima CIMGC (verifica a contribuição do projeto para o desenvolvimento sustentável; submissão ao Conselho Executivo para registro; monitoramento; verificação/ certificação; e emissão de unidades segundo o acordo do projeto. Disponível em : http://www.mct.gov.br/upd_blob/0024/24749.pdf. 40 MENEGOTTO, ob.cit,.p.530.

Ensina Aoki, com base no artigo 9 e 12 do Protocolo de Kyoto, bem como na Decisão 17/ COP 7, F33, dos Acordos de Marrakesh, que tanto as pessoas jurídicas de direito público como as pessoas jurídicas de direito privado interno poderão participar dos projetos de MDL. 41 Observe-se que o MDL é, na expressão de Bekhechi, um mecanismo de redução suplementar de GEEs. 42. Assim, as reduções de emissão de GEEs realizadas devem ser adicionais, acrescentando-se àquelas que teriam lugar na ausência de atividade. Faz-se, pois, uma correspondência entre dois cenários: o nível de emissão que se teria sem o MDL, a partir do qual o volume efetivamente emitido pode ser mensurado 43. Vale dizer, cada tonelada de GEE deixada de ser emitida ou retirada da atmosfera pode ser negociada no mercado internacional 44 Sobre o requisito da adicionalidade, assevera Martini que por este [requisito da adicionalidade], as reduções ou capturas devem ser adicionais às reduções ou capturas que ocorreriam na ausência do projeto. Ou seja, estas reduções não seriam possíveis sem a implementação do projeto de MDL 45 Os requisitos legais do mecanismo de desenvolvimento limpo, para que haja a conversão em RCE (redução certificada de emissão) são, como ensina Lopes 46 : 41 AOKI, ob. cit. Fl. 151. 42 BEKHECHI, Mohammed Abdelwahab. Les mécanismes internationaux du financement de la protection de l environnement. In: Réunion mondiale des juristes et associations de droit de l environnement. Vers un nouveau droit de l environnement?. Limoges, 2003. p.173-188. 43 Compte tenu de cette transformation et sur la base des travaux déjà réalisés dans le cadre de la phase pilote du Mécanisme d exécution conjointe (MEC), il faudra déterminer un profil de référence au-delà duquel les réductions réalisées deviennent additionnelles. Ce profil correspond au niveau d émission de GES [gaz à effet de serre] que prévaudrait dans le cas d un scénario sans AC ou MDP; et à partir duquel le volume effectivement émis peut être mesure. Idem, p. 187. 44 MARTINI, Daniel. O mercado de carbono no âmbito dos instrumentos judiciais e extrajudiciais de tutela coletiva. In: BENJAMIM et al. Mudanças Climáticas, biodiversidade e uso sustentável de energia. Volume I. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2008. p. 113-126. 45 Idem. p. 117. 46 LOPES, Ignez Vidigal (coord.). O mecanismo de desenvolvimento limpo: guia de orientação. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2002. p. 23. Disponível em http://www.bndes.gov.br/conhecimento/especial /GuiaMDL.pdf.

1) participação voluntária [do país Anfitrião] em atividade de projetos de MDL aprovação do País [pela entidade operacional designada] no qual as atividades forem implementadas por cada Parte envolvida; 2) atingir os objetivos de desenvolvimento sustentável definidos pelo País no qual as atividades do Projeto forem implementadas; 3) redução de emissões de GEE de forma adicional ao que ocorreria na ausência da atividade de Projeto de MDL; 4) contabilizar o aumento de emissões de GEE que ocorrerem fora dos limites das atividades do Projeto que sejam mensuráveis e atribuíveis a estas atividades; 5) levar em consideração a opinião de todos os atores que sofrerão os impactos das atividades do Projeto e que deverão ser consultados a respeito; 6) não causem impactos colaterais negativos ao meio ambiente local; 7) proporcionem benefícios reais, mensuráveis e de longo prazo relacionados com a mitigação do clima; 8) estejam relacionados aos gases e setores definidos no Anexo A do Protocolo de Kyoto ou se refiram a atividades de reflorestamento e reflorestadas. Analisando-se o status atual das atividades de projeto do MDL no Brasil e no mundo, com base nos dados atualizados de 20 de junho de 2008, um total de 3.471 projetos de MDL encontravam-se em alguma fase do clico dos mecanismos de desenvolvimento limpo. Conforme dados do Ministério de Ciência e Tecnologia do governo brasileiro, o Brasil ocupa o terceiro lugar como receptor de projetos de MDL (287 projetos - 8%), sendo que a China encontra-se em primeiro lugar (1212-35%), na frente da Índia (987 projetos - 28%). 47 47 Disponível em: http://www.mct.gov.br/upd_blob/0024/24749.pdf.

Em relação ao Brasil, as atividades de projeto no país, abrangendo um lapso temporal de Fevereiro de 2004 a Maio de 2008, cresceram consideravelmente em termos quantitativos, o que reflete uma tendência de aumento numérico dos projetos de MDL. Considerações finais O princípio da responsabilidade comum, porém diferenciada, expressa-se fortemente no documento do Protocolo de Kyoto. A ausência de obrigações de cumprimento de metas de redução de gases de efeito estufa (GEE) para os Países que não estão no Anexo I (países em desenvolvimento) é consectário da eqüidade no plano internacional. Uma das características do Protocolo de Kyoto que traz à lume essa necessidade de aproximação benéfica, entre países economicamente desenvolvidos e países em desenvolvimento, reflete-se no mecanismo de desenvolvimento limpo, de forma que, contribuindo-se para o desenvolvimento sustentável dos países anfitriões dos projetos de MDL, pari passu, permitese aos Países obrigados a cumprirem, parcialmente, através de mecanismos de flexibilização, metas quantificadas de redução de emissões de GEEs. Referências bibliográficas AOKI, William Ken. O Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento como Fomentador do Desenvolvimento Sustentável no Brasil através do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo do Protocolo de Quioto. Dissertação. Faculdade de Direito, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2004. BARBIERI, José Carlos. Desenvolvimento e Meio Ambiente: as Estratégias de Mudanças da Agenda 21. Petrópolis: Vozes, 1997. BEKHECHI, Mohammed Abdelwahab. Les mécanismes internationaux du financement de la protection de l environnement. In: Réunion mondiale des juristes et associations de droit de l environnement. Vers um nouveau droit de l environnement?. Limoges, 2003. p. 173-188.

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