Economia Solidária a produção dos sujeitos (des)necessários
2011 Karen Eidelwein Direitos desta edição reservados à Paco Editorial. Nenhuma parte desta obra pode ser apropriada e estocada em sistema de banco de dados ou processo similar, em qualquer forma ou meio, seja eletrônico, de fotocópia, gravação, etc., sem a permissão da editora e/ou autora. Capa e Projeto Gráfico Laís Foratto Preparação Elisa Santoro Revisão Nicole Guim 1ª Edição: Fevereiro de 2011 Ei26 Eidelwein, Karen. Economia Solidária: a produção dos sujeitos (des)necessários / Karen Eidelwein -- Jundiaí, Paco Editorial: 2011. 200 p. c/ Bibliografi a. ISBN: 978-85-63381-85-9 1. Economia solidária. 2. Subjetividade. 3. Discurso. I. Eidelwein, Karen. II. Título. CDD: 300 Av. Dr. Carlos Salles Block, 658 - Sl 21 Anhangabaú - Jundiaí-SP
Agradeço A todas as pessoas que me acompanharam ao longo do caminho que resultou na presente obra, pela confiança, pelas parcerias, pelos apoios, incentivos e afetos!
[...] não há dominação sem resistência: primeiro prático da luta de classes, que significa que é preciso ousar se revoltar. Ninguém pode pensar do lugar de quem quer que seja: primado prático do inconsciente, que significa que é preciso suportar o que venha a ser pensado, isto é, é preciso ousar pensar por si mesmo. Pêcheux (1995)
Apresentação Originalidade, criatividade e ousadia, marcas presentes nesse livro. Tratar o tema da economia solidária e a produção da subjetividade sob a ótica da análise do discurso, na linha francesa, compõe o diferencial dessa obra. A análise do discurso não é uma técnica ou metodologia para tratamento das informações de uma pesquisa. Ela exige que o pesquisador, além do conhecimento da teoria, seja também incorporado pela mesma, deixando de ser um pesquisador para ser tornar um analista do discurso; analogamente representa a metamorfose da lagarta em borboleta. As transformações no mundo do trabalho, sob o olhar de uma analista do discurso, proporciona, ao leitor, outra compreensão da realidade. Realidade que é desnudada corajosamente pela autora, ao demonstrar o quanto o modo de produção capitalista produz sujeitos necessários à manutenção do capital sob o discurso de sujeitos desnecessários. A produção de sentido, presente especificamente na temática da economia solidária, deflagra a contradição desses sujeitos (des)necessários, da produção da subjetividade individual-coletiva e do próprio sistema econômico vigente. A economia solidária, enquanto política pública, também cumpre seu papel contraditório entre (re)produção do capital
e ruptura com um modo de organização das relações de trabalho, através da autogestão, participação, democracia. Com perceber o sentido de discursos que por si só são carregados de contradições? Discursos que se constituíram historicamente numa mesma formação ideológica, mas que se situam em formações discursivas diferentes e por consequência, representam posições sujeito diferentes. Essas diferenças caracterizam uma zona de tensão e estão presentes na reprodução ou enfrentamento de interesses econômicos, sociais e políticos antagônicos. A produção de sentido desses discursos é magnificamente demonstrada pela autora ao longo de seu texto e decorrem de uma peculiaridade própria de sua formação e trajetória profissional, transitando entre as áreas da psicologia social e do serviço social. Trabalho e emprego, em tempos de reestruturação produtiva, de flexibilização da acumulação do capital, de renovação do sistema capitalista é o grande impasse que os sujeitos em situação de vulnerabilidade social, excluídos do mercado de trabalho, enfrentam diariamente. Alguns trabalhadores enfrentam esse impasse através da economia solidária, acreditando no potencial de transformação nas relações de trabalho, mas acima de tudo na possibilidade de viver nessa sociedade enquanto cidadão de direto e ter acesso a uma geração de renda que lhe permita viver com qualidade de vida. É possível, através da economia solidária, ser sujeito, mesmo sendo assujeitado e interpelado pela relação capital-trabalho? É possível ressignificar as relações de trabalho através de subjetividades individuais-coletivas? É possível a produção de sentidos de discursos que refletem interesses antagônicos e contraditórios? Três perguntas que incidem sob os três pilares do
conhecimento que solidificam esse trabalho: a tensão entre capital - economia solidária, subjetividade e análise do discurso. Em tempos de desemprego estrutural decorrente da reestruturação produtiva, a discursividade que ideologicamente caracteriza a formação discursiva do capital é de que o emprego é uma conquista por meio das competências individuais, do nível de escolarização, da capacidade do trabalhador ser polivalente e multifuncional, dos trabalhadores terem que atingir metas e patamares de produtividade sob pena da perda do seu posto de trabalho, enfim o trabalhador está sendo regido por um discurso em que o sucesso da manutenção de seu emprego depende de seus esforços pessoais e de quanto sua força de trabalho contribui no processo de acumulação do capital. O trabalhador que conquista seu espaço no mercado de trabalho formal está assegurado pelos direitos trabalhistas, que ainda não foram desregulamentados. A subjetividade é visceralmente individual, embora com repercussões de um imaginário coletivo de desvalia generalizada. A formação discursiva da economia solidária, embora com base na formação social da ideologia capitalista, se constitui por enunciados discursivos que acreditam ser possível o emprego ou trabalho a partir da relação coletiva, da autogestão, do vínculo com os movimentos sociais, ou seja, estabelece outra relação com o modo de produzir e comercializar. A subjetividade deveria ser visceralmente singular-coletiva, mas a interpelação da formação ideológica do capital está tão presente que a economia solidária passa a ser tratada não como outro modo de produção, mas como uma alternativa ao desemprego e direcionado aqueles trabalhadores em situação de vulnerabilidade social, de baixa escolaridade, geralmente
sujeitos que se encontram no mercado informal e que não estão assegurados pelas Leis Trabalhistas. Em outras palavras: nessa formação discursiva, é possível destacar duas posições sujeitos: aquela em que a economia solidária se caracteriza por um modo de produção e que realmente tem a condição de superação e enfrentamento ao capital e aquela que se configura como uma alternativa precária dentro do sistema e que por si só acaba por reproduzir a formação discursiva do capital. Esses discursos embora dispersos na sociedade, em documentos oficiais, nas legislações demonstram uma regularidade que permite a autora demonstrar o processo de subjetivação presente nas diferentes formações discursivas e as respectivas posições sujeitos. A Análise do Discurso nos proporciona a clareza de perceber esses diferentes efeitos de sentido dos discursos, que caracterizam formações discursivas marcadas por contradições e determinantes ideológicos historicamente constituídos. O leitor terá a oportunidade de descobrir as formas como os discursos podem ser perversos ou libertadores, quais seus sentidos, o que não foi dito sob a forma daquilo que foi enunciado, terá outro olhar sobre o mundo do trabalho, sobre a economia solidária, sobre a subjetividade e sobre a riqueza que a Análise de Discurso da linha francesa, pode proporcionar para compreender a sociedade e as relações sociais e econômicas em que vivemos. Depois de conhecer os efeitos de sentido do discurso, deflagrados nesse trabalho, o sujeito leitor nunca mais será o mesmo. Gleny Terezinha Duro Guimarães PUCRS Faculdade de Serviço Social
ÍNDICE Capítulo 1 Ostra feliz não faz pérola...15 Capítulo 2 Mutações capital - trabalho...33 1. A acumulação capitalista...33 2. Os ciclos de transformação do capital e do trabalho...38 3. Discursos sobre o (des)emprego...51 4. A Economia Solidária...56 Capítulo 3 Economia solidária: uma formação discursiva...61 1. As condições de produção da Formação Discursiva da Economia Solidária no Brasil...61 2. Os discursos sobre a Economia Solidária no Brasil...71 3. A Formação Discursiva da Economia Solidária...88 Capítulo 4 A produção de subjetividades singulares-coletivas...93 1. O processo de produção subjetiva...93 1.1. A subjetividade privatizada...96 1.2. A subjetividade social...100 2. Subjetividade na língua e para além da língua...112
Capítulo 5 A produção dos sujeitos (des)necessários...119 1. A CONAES como produtora de discursos sobre a Economia Solidária...119 2. Dispositivos para uma Política Pública de Economia Solidária...125 2.1. Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES)...125 2.2. Conselho Nacional de Economia Solidária (CNES)...127 2.3. Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES)...128 3. A produção de sentidos em torno da Economia Solidária...130 3.1. Economia Solidária: um modo de organizar a produção, a distribuição e o consumo...130 3.2. Economia Solidária: um movimento social...134 3.3. Economia Solidária: uma perspectiva de desenvolvimento social includente...137 3.4. Economia Solidária: uma política pública...140 4. Os sujeitos da Economia Solidária...161 Considerações finais...167 Certezas provisórias diante de dúvidas permanentes...167 Referências Bibliográficas...181 Apêndices...195
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABICRED Associação Brasileira de Instituições de Microcrédito AD Teoria da Análise do Discurso ADS Agência de Desenvolvimento Solidário ANTEAG Associação Nacional dos Trabalhadores de Empresas em Autogestão ARIE Aparelhos Repressivos e Ideológicos do Estado BIRD Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CLT Consolidação das Leis do Trabalho CNES Conselho Nacional de Economia Solidária CNPJ Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica CONAES Conferência Nacional de Economia Solidária COOESPERANÇA Cooperativa Mista de Pequenos Produtores Rurais e Urbanos EAF Entidades de Apoio, Assessoria e Fomento EBES Estado de Bem-Estar Social EES Empreendimentos Econômicos Solidários ES Economia Solidária FAPERGS Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul FASE Federação de Órgãos para a Assistência Social e Educacional FAT Fundo de Amparo ao Trabalhador FBES Fórum Brasileiro de Economia Solidária FD Formação Discursiva FDES Formação Discursiva da Economia Solidária
FI Formação Ideológica FMI Fundo Monetário Internacional FS Forma-sujeito GEPsTAS Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Trabalho e Assistência Social IBASE Instituto Brasileiro de Análise Socioeconômica LDB Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional LOAS Lei Orgânica da Assistência Social MDA Ministério de Desenvolvimento Agrário MDS Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome MTe Ministério do Trabalho e Emprego NEDEPS Núcleo de Pesquisa em Demandas e Políticas Sociais OPEP Organização dos Países Exportadores de Petróleo PACS Instituto de Políticas Alternativas para o Cone Sul PEQ Programa Estadual de Qualificação PPA Plano Pluri-Anual PS Posição-sujeito PUCRS Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul ITCP Rede de Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares RBSES Rede Brasileira de Socioeconomia Solidária SENAES Secretaria Nacional de Economia Solidária SIES Sistema Nacional de Informações em Economia Solidária SUAS Sistema Único de Assistência Social SUS Sistema Único de Saúde TFG Trabalho Final de Graduação UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul UNIFRA Centro Universitário Franciscano UNITRABALHO Rede Universitária Nacional
CAPÍTULO 1 Ostra feliz não faz pérola 1 A produção de conhecimento, por meio da escrita de uma tese de doutorado que dá base à obra, exige esforço físico e mental; dedicação de tempo; curiosidade de querer saber; inconformidade com a(s) realidade(s); (des)acomo- 1 Título do livro de Rubem Alves (2008).