A HISTÓRIA DA MATEMÁTICA NO BRASIL O DESENVOLVIMENTO DAS NOÇÕES DO CÁLCULO, DA GEOMETRIA E DA MECÂNICA NO SÉCULO XIX



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A HISTÓRIA DA MATEMÁTICA NO BRASIL O DESENVOLVIMENTO DAS NOÇÕES DO CÁLCULO, DA GEOMETRIA E DA MECÂNICA NO SÉCULO XIX Nelson Lage da Costa Mestre em Ensino de Ciências Professor UCB nelsonlage@ig.com.br Teresa Cristina de Carvalho Piva Doutora em História das Ciências Professora HCTE/UFRJ teresa.piva@yahoo.com.br INTRODUÇÃO A primeira escola oficial que iniciou efetivamente a ensinar Matemática no Brasil foi a Academia Real de Marinha. Quando a corte portuguesa transferiu-se para o Brasil em 1808, essa Academia passou a ser considerada como parte integrante da corte. Transportada de Lisboa para o Rio de Janeiro, estabeleceu-se, por Aviso no dia 3 de maio de 1808 e a instituição escolhida para o funcionamento foi o Convento dos Religiosos Beneditinos. A matemática utilizada àquela época era ensinada de modo muito elementar limitando-se a noções fundamentais de cálculo diferencial e integral, um pouco da geometria geral e um estudo introdutório da mecânica. Com a criação da Academia Real Militar em 04 de dezembro de 1810, foram implementadas mudanças profundas para o estudo da matemática, passou-se a se ensinar o curso completo de matemática, de ciências físicas e químicas e de história natural. A duração destes ensinamentos totalizava sete anos. Em 1839, a academia passou a se chamar Escola Militar e até esta nova denominação, foram poucas as modificações curriculares. No entanto, mudanças mais significativas quanto à grade curricular foram introduzidas com a criação da Escola Central em 1858. O desenvolvimento da Matemática, como o de outra ciência qualquer pode ser apreciado de acordo com a sua teoria e quanto às suas aplicações; e somente quando encarado sob estes dois aspectos, pode ser completa a sua análise. Neste estudo, o objetivo não foi à busca da evolução real 592

da ciência, trata-se, porém da evolução no Brasil, durante o século XIX, das suas abordagens teóricas, somente. Por outro lado, objetivou-se ainda apresentar, como as mudanças curriculares estabelecidas por estas transformações das instituições contribuíram para o desenvolvimento do ensino de algumas áreas da Matemática, como por exemplo, do Cálculo, da Geometria e da Mecânica. A MATEMÁTICA NO BRASIL NO SÉCULO XIX A PRIMEIRA METADE De acordo com o Regulamento da academia a Matemática era ensinada em três anos, de acordo com a seguinte distribuição: 1 ano: Aritmética Geometria Trigonometria; 2 ano: Princípios de Álgebra (até as equações do 2 grau, inclusive) - Geometria (continuação do 1 ano complementando o estudo das seções cônicas) - Mecânica com aplicação imediata a aparelho e manobra; 3 ano: Trigonometria Esférica Estudo da Navegação (teórica e prática) Como pode ser observada, pela distribuição em cada ano de aprendizagem, a ciência era ensinada em seu conjunto; organizada de forma muito elementar, pois além da Álgebra e Geometria estudadas no segundo ano, seriam exigidos necessariamente, como pré-requisitos indispensáveis ao estudo da Mecânica, as noções fundamentais do cálculo diferencial e integral e da Geometria Geral. Em 04 de dezembro de 1810, o Príncipe Regente, D. João e o Ministro da Guerra, Conde de Linhares, fundaram no Rio de Janeiro a Academia Real Militar, com duração de sete anos. Na carta de sua fundação constava a ordem para a criação de um curso completo de Matemática, de Ciências Físicas e Químicas e de História Natural. Com a criação do novo curso, o currículo da Matemática foi distribuído da seguinte forma: 1 ano: Aritmética Álgebra (até equações do 3 e 4 graus) Geometria e Trigonometria (retilínea seguida das primeiras noções da esférica). Ressalta-se aqui que a Carta Régia mandava adotar a Geometria e a Trigonometria utilizado por Adrien-Marie Legendre (1752-1833), a Aritmética e a Álgebra de Sylvestre Lacroix (1757-1833) e os Elementos de Álgebra de Leonhard Paul Euler (1707-1783), sobre os quais o lente deveria organizar um compêndio para o curso. A Carta Régia determinava ainda que o desenvolvimento da Geometria dos sólidos e o desenvolvimento da Trigonometria estivessem ligados aos da Geodésia, orientando consultar a obra de Jean Baptiste Joseph Délambre (1749-1822). 593

2 ano: Neste ano eram repetidas e ampliadas as noções de Cálculo dadas no primeiro e era feito o estudo da Geometria Geral, do Cálculo Diferencial e Integral e de Geometria Descritiva. As obras indicadas para adoção pela Carta Régia eram as de Sylvestre Lacroix e de Gaspard Monge (1746-1818). 3 ano: Estudavam a Mecânica e sua aplicação nas máquinas. Ordenava a Carta Régia que o lente tivesse como fonte de consulta a obra de Louis Benjamin F. Francoeur (1773-1849) devendo consultar os últimos tratados sobre o assunto, em especial as dos autores: Gaspard Clair François M. Prony (1707-1751), Abade Charles Bossut (1730-1814), Jean Antoine Fabre (1749-1834) e Olinthus Gilbert Gregory (1774-1841). Além destes, os lentes também deveriam consultar sobre o movimento dos projéteis, Étienne Bézout (1700-1783) Benjamin Robins (1707-1751) e Memórias de Leonhard Paul Euler. 4 ano: Era adotado o compêndio de Lacroix para servir de base à exposição da Trigonometria esférica, que deveria ser ministrada em toda a sua extensão. No estudo do Sistema do Mundo que se seguia ao estudo muito desenvolvido da óptica, deveriam ser consultadas as obras de Nicolas Louis de Lacaille (1713-1762), e a Joseph Jérôme Lefrançois de Lalande (1732-1807) e a Mecânica Celeste de Pierre Simon, Marquês de Laplace (1749-1827). O ensino dos três últimos anos (5, 6 e 7 ano), versava sobre as Ciências Militares, Físicas e História Natural. Pelo conjunto das matérias que constituíam o curso de Matemática desta antiga Academia Militar e pelos autores indicados pela Carta Régia para serem adotados e consultados percebeu-se que no Brasil de 1810 ensinava-se Matemática com boa qualidade. Em 1839 a Academia Militar foi então reorganizada e passou a se chamar Escola Militar. Era composta de dois cursos designados como: Primeiro Curso e Segundo Curso. O estudo da Matemática passou a ser ministrado no 1, 3 e 4 ano, com a seguinte formatação: 1 ano Cadeira de Geometria, compreendendo o curso elementar de Matemática pura e aplicada à Topografia. 3 ano Cadeira de Análise Matemática, compreendendo o cálculo das funções diretas e o das funções indiretas; Cadeira de Geometria, compreendendo o estudo da Geometria Analítica e o estudo da Geometria Descritiva. 4 ano - Cadeira de Mecânica, compreendendo o estudo da Mecânica racional e o estudo de Cálculo das probabilidades. 594

No dia 09 de março de 1842 o regulamento da Escola sofreu outra alteração e o curso de Matemática passou a ser feito com a seguinte grade curricular: 1 ano 1ª. Cadeira: Aritmética, Álgebra Elementar, Geometria e Trigonometria Plana: 2 ano 1ª. Cadeira: Álgebra Superior, Geometria Analítica, Cálculo Diferencial e Integral: 3 ano - 1ª. Cadeira: Mecânica Racional e aplicada às máquinas. 4 ano 1ª. Cadeira: Trigonometria Esférica, Astronomia e Geodésia. As reformas e modificações pelas quais passou inicialmente a Academia Real Militar e posteriormente a Escola Militar até o ano de 1842, em nada alteraram o conjunto útil da ciência que desde 1810 começou a ser ensinada. Em 1858 novas modificações sofreram as chamadas escolas do Estado. A Academia de Marinha, reorganizada com a denominação de Escola de Marinha continuou a manter um curso de Matemática mais elementar do que o que fora instituído desde o começo na Escola Militar. Foi criada a Escola Central, onde passou a ser feito o curso Matemático da Militar, que ficou então destinada a estudos diretamente relativos à arte da guerra. Na Escola Central começavam-se os estudos nas aulas do então criado curso preparatório e continuava-se nos quatro primeiros anos do curso superior. A única alteração real que os seus estatutos apresentavam, em relação ao ensino da ciência fundamental, era a que se referia ao Cálculo das Variações. O regulamento instituiu o estudo deste cálculo conjuntamente com o das probabilidades e o das diferenças finitas, na primeira cadeira do segundo ano, após o estudo na Geometria descritiva e do Cálculo Diferencial e Integral. Além do que, eram ministradas desde o curso preparatório até o segundo ano, as noções de Cálculo e de Geometria necessários e suficientes para o estudo completo da Mecânica Racional, feito no terceiro ano. Na Escola Militar, eram ensinados também, em aula preparatória, os elementos da Matemática. Todavia, no estudo dos dois anos que constituíam o curso militar, inseriam-se a Matemática pelas suas aplicações, na Topografia, na Balística e na Arquitetura. Igualmente, na Escola Central, as aplicações eram feitas no curso de Engenharia Civil. 595

A MATEMÁTICA NO BRASIL NO SÉCULO XIX A SEGUNDA METADE Em substituição ao Regulamento de 1858, o Regulamento de 1860 fez alterações quanto à distribuição das matérias por anos, porém nenhuma modificação fundamental foi acrescentada ao conjunto da ciência a ser ensinada, a não ser a supressão do Cálculo das Variações. Este regulamento suprimia também a parte da matéria em que, na Escola Militar eram ensinados os Elementos da Ciência. Em 1863 foram feitas reorganizações na Escola Central e na Escola Militar, e criou-se novamente nesta última, o curso de Matemática, iniciando os estudos desde Aritmética evoluindo até estudos mais complexos da Mecânica. A Aritmética, a Álgebra isolada e a Geometria preliminar eram estudadas no curso preparatório anexo à Escola Militar e nos três anos posteriores estudava-se a Teoria Geral e resolução numérica das equações, Cálculo Diferencial e Integral, Geometria Analítica e Descritiva e Mecânica. O Curso da Escola Central sofreu ainda modificações quanto à disposição das matérias na distribuição das séries a serem cursadas, porém não se percebeu nenhuma alteração importante em relação ao que era ensinado em 1860. No entanto, desta reforma resultou a criação de mais uma escola oficial, onde era ministrado o ensino da Matemática. Vale ressaltar que com a evolução que se processava no mundo com referência à ciência e à técnica, nas décadas de 1860 e 1870 existiu uma forte pressão, junto ao Imperador, para que houvesse a separação definitiva do ensino militar do ensino civil. Na década de 1870 foram efetivadas grandes reformas no Estatuto da Escola Central, transformando-a em uma escola civil, e houve definitivamente a separação do ensino militar. No ano de 1870 ocorreu certa instabilidade política no Brasil que antecedeu a derrocada do Império. Naquela década e nas décadas seguintes as questões políticas aliadas às questões ideológicas, econômicas e sociais geraram, na elite letrada da sociedade brasileira, sentimento de mudanças e de busca de soluções para os problemas que assolavam o país. Naquela época, as questões que mais causavam incômodos eram: a escravidão, o analfabetismo, a estrutura do sistema escolar, a imigração, o casamento civil, a separação entre o Estado e Igreja Católica. Enfim, o quadro de insatisfação geral que envolvia a sociedade brasileira balizou por muitos anos a vida das instituições de ensino do país, bem como da sociedade como um todo. Alheia aos problemas por que passava o Brasil, a Academia Real Militar era uma instituição de ensino e regime militares e, destinava-se a formar oficiais Topógrafos, oficiais Geógrafos, bem 596

como oficiais para as armas de Engenharia, Infantaria, Cavalaria e Artilharia para o exército de D. João VI. A Academia Real Militar tinha em sua estrutura dois cursos: um Matemático, com duração de quatro anos e outro Militar com duração de três anos. Ao todo, seu curso tinha a duração de sete anos. Todavia, nem todos os seus alunos tinham a obrigação de cursar os sete anos de Academia Real Militar. Em 1871, um novo regulamento foi dado à Escola de Marinha, porém não foi notada nenhuma alteração realmente importante em relação ao desenvolvimento da ciência matemática, que era ali ensinada de forma mais elementar do que nas escolas Central e Militar. Em 1874, a Escola Central passou a ser chamada Escola Polytecnica. Esta reformulação produziu alterações profundas no conjunto das doutrinas que eram ensinadas. Permaneceu-se no curso geral o ensino do que era verdadeiramente útil em Matemática, estabeleceram-se cursos especiais nos quais as teorias abstratas receberam um desenvolvimento extraordinário. A Escola Militar, tornada na época totalmente independente da Escola Polytecnica também não teve nenhuma modificação real quanto ao desenvolvimento das teorias matemáticas. CONCLUSÃO Pelo que foi exposto, foi possível concluir através desta pesquisa que, desde a fundação das primeiras escolas oficiais, até o final do século XIX, no Brasil, no ensino da Matemática nessas instituições, principalmente as particulares, existiram noções científicas que permaneceram e foram sendo continuamente propagadas, ganhando em extensão e profundidade. É importante acrescentar ainda que as escolas oficiais foram as verdadeiras propulsoras da vulgarização das noções científicas, e que estas instituições deveriam ter sido conservadas. No entanto, as condições do Brasil, na época não permitiram nem a conservação dessas instituições e muito menos o desenvolvimento científico por elas proposto desde o início do Século XIX. 597

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL, Carta de Lei de 04 de dezembro de 1810. Dispõe sobre a criação da Academia Real Militar do Rio de Janeiro. Lex: Colecção das Leis do Brazil, Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1891. Leis do Império, disponível em http://www2.camara.gov.br/atividadelegislativa/legislacao/publicacoes/doimperio/colecao1.html. Acesso em 05/09/2011. CARDOSO, Licinio Athanasio. Revista do Instituto Polytechnico Brazileiro, Tomo XVIII Secção de Mathematica Evolução da Mathematica no Brazil, 1862, p.1-13. Biblioteca de Obras Raras da UFRJ. MIORIM, Maria. Ângela. Introdução à História da Educação Matemática. São Paulo: Atual Editora, 1998. NACHBIN, Leopoldo. Aspectos do desenvolvimento recente da matemática no Brasil. Anu. Soc. Paran. Mat., n.3.p.28-41, 1956.. O Ensino da matemática no treinamento de engenheiros. Bol. Soc. Paran. Mat. V.3, p.17-20. 1960. OLIVEIRA, João Carlos de. D. João VI, adorador do Deus das ciências: A Constituição da Cultura Científica no Brasil (1808-1821). Rio de Janeiro: E-Papers, 2005. PIRASSINUNGA, Adailton Sampaio. O Ensino Militar no Brasil período Colonial. Biblioteca do Exército Editora, 1958. SCHARTZMAN, Simon. Formação da comunidade científica no Brasil. Rio de Janeiro: FINEP/Ed. Nacional, 1979. SILVA, Circe Mary Silva da. A Matemática Positivista e sua difusão no Brasil. Vitória: EDUFES, 1999. 4671. VALENTE, Wagner. R. Uma História da Matemática Escolar no Brasil, 1730-1930. São Paulo, Annablume/FAPESP, 1999. 598