casa arquitetura decoração texto: Paula Ignacio Fotos: Beto Riginik/Divulgação Ambientações do arquiteto João Mansur Cantinhos de fé De santinhos católicos a anjos, velas, flores, sinos e outros símbolos, os oratórios e altares fazem parte das crenças religiosas e ajudam a demonstrar personalidade e a fé dos moradores ter um espaço em casa dedicado à oração e meditação é muito importante para aqueles que gostam de reservar uma parte do seu tempo e do seu dia a espiritualidade. É possível definir um local para relaxar, rezar e meditar, já que o contato com símbolos e imagens, além de inspirador, pode contribuir muito para o bem estar dos moradores, independente de quais sejam suas crenças religiosas. Os oratórios católicos são os mais conhecidos no Brasil. Surgiram durante a Idade Média na Europa e consistiam em bases de madeira construídas para abrigar imagens de santos e relíquias. Somente as famílias mais ricas tinham recursos financeiros para ter um oratório em casa, pois havia muitos adereços artísticos como tecidos finos e entalhes em madeira que encareciam as peças. Por aqui eles chegaram junto com os portugueses, e com o tempo foram assimilados também pelo enorme sincretismo religioso. Hoje, 86 Revista Regional um pouco mais raros nas residências, os oratórios resistem ao tempo e são carregados de história, tradição e fé. O mineiro da cidade de Tiradentes Cristiano Paiva diz que durante toda a sua infância conviveu com a crença religiosa dos seus familiares. Venho de uma família muito católica, como a maioria das famílias das pequenas cidades interioranas, principalmente as históricas em Minas Gerais. Na adolescência me afastei um pouco desse ambiente, depois me formei em História e passei a ver as tradições como a Semana Santa, por exemplo, não apenas sob o âmbito religioso, mas também pelo aspecto cultural que representa para a comunidade e para os seus visitantes. Cristiano diz que a arquitetura das igrejas da cidade teve uma influência fundamental para o seu trabalho. Hoje construo oratórios católicos para uma variedade de pessoas que em geral são fiéis devotos. Essas peças me encantam desde a infância, quando visitava
Beto Riginik/Divulgação Aqui, a imagem religiosa está perfeitamente harmonizada com a casa Revista Regional 87
casa Oratórios construídos pelo mineiro Claudio Paiva Takao Fotos: Divulgação as casas de parentes e sempre havia um oratório para observar. Todos na cidade são muito religiosos e dedicam parte do dia a orações, diz o historiador e especialista. Mas nem só de oratórios católicos vive o Brasil. Nós somos um misto de cultura e religiosidade. Quem visita bastante os amigos e convive com diferentes tipos de crenças compreende que é possível encontrar até mesmo cômodos inteiros das casas dedicados especialmente aos momentos de reza. De orixás a anjos, todas as crenças devem ser respeitadas, e é muito interessante conhecer detalhes e histórias de fé. Dedicado a sua religião, Luís Paulo Silva é um exemplo. Há alguns anos, teve permissão para construir na sua casa um altar residencial. Sou membro da Igreja Messiânica Mundial do Brasil há 26 anos. Através de um amigo descobri a força do Johrei, que é uma poderosa oração que purifica o espírito, eliminando nossos pecados e impurezas. Desde então, descobri minha fé e dedico meu tempo livre às orações e também para ajudar as pessoas, seja na Igreja ou quando estou em casa. Alguns elementos que compõem o altar messiânico são flores e arranjos de ikebanas, que segundo Luís Paulo, trazem mais beleza ao ambiente. A beleza é boa, nos faz sentir bem e atrai o que é bom, por isso para nós é muito importante ter sempre arranjos de flores em todos os cômodos da casa, e não seria diferente no altar, que deve estar sempre limpo e iluminado, e permanecer em um ambiente nobre da casa, diz Luís Paulo, que se dedica a orações diárias, nos períodos da manhã e da noite. Hoje, com a vida corrida que levamos, deixamos de nos dedicar a compreensão de nós mesmos e da nossa espiritualidade, mas muitos ainda procuram criar um espaço zen dentro de casa, onde é possível ao menos meditar um pouco e relaxar. De acordo com a decoradora e consultora Regiane Ivanski, o maior diferencial das residências hoje é mostrar as referências de quem vive nelas. Pesquisando e observando muito a respeito de tendências de morar bem, percebi que as pessoas no geral não querem mais uma casa cheia de regras e modismos. Quanto mais nosso lar doce lar exprime nossas preferências, mais prazer ele nos dá, diz Regiane. Para o arquiteto e designer de interiores João Mansur, ambientes com imagens religiosas não agridem as decorações das casas, porque Oratório budista mostram as personalidades de quem vive nelas. Usadas com bom senso e segundo algumas proporções, essas imagens se coordenam perfeitamente em quaisquer ambientações. Os oratórios podem ser colocados em ambientes internos tais como hall de entrada, hall de circulação, quartos e em um canto especial do living. No caso de Sérgio Basaglia, budista há 39 anos, o oratório já é parte integrante da sala. Ter o oratório na residência é muito importante para nós, porque nele está consagrado o Espelho da Vida, que nos enche de fé e abre nossos caminhos. Dedicamos diariamente 88 Revista Regional
Fotos: Paula Ignácio A ex-comissária de bordo Cecília Ferreira mantém imagens de anjos por toda a casa de uma hora e meia a duas horas por dia as orações, e realizamos reuniões em casa para nos aprimorarmos sobre a prática da fé, da educação e da paz na nossa comunidade. Comecei com um oratório pequeno por falta de espaço e condições financeiras, mas hoje já posso ter um bem maior. Quanto maior a visibilidade e tamanho do oratório melhor, sentimos alegria em poder mostrar a nossa fé. Espiritualistas A ex-comissária de bordo Cecília Ferreira é apaixonada por anjos desde a infância na pequena cidade de Águas de Santa Bárbara. Sua mãe era essencialmente católica e muito fiel ao Arcanjo Miguel. Na religião católica conhecemos melhor os anjos relatados no Novo Testamento da Bíblia, mas citados nominalmente são apenas três. Como era muito curiosa em relação ao tema, iniciei uma pesquisa sobre essas criaturas tão bonitas e que tanto me chamavam a atenção. Durante toda a vida colecionei imagens de anjos, livros e cheguei até a cursar Filosofia para tentar compreendê-los conceitualmente. Como disse Santo Agostinho: A fé eu já tenho, agora preciso compreender. Hoje, me sinto mais segura para falar e escrever sobre essa crença, em especial quando as pessoas estão abertas a dividir experiências e trocar informações sobre suas pesquisas individuais, conta Cecília, que dedica salmos e orações diárias aos anjos. Minha casa está em harmonia com o todo que sou, com as minhas crenças, e compartilho carinhosamente tudo com os amigos, diz a ex-comissária. Cecília mantém uma espécie de altar dedicado ao seu anjo cabalístico, com elementos como pedras naturais, velas e incensos. É na relação com o anjo que aprendi a sustentar a alegria interior e experimentar a vida de uma maneira mais significativa, conclui. Crenças variadas que nem sempre estão exatamente de acordo com as religiões que conhecemos também podem ser encontradas e culturalmente são muito ricas. É o caso da especialista em informática Erica Cardoso, que se considera espiritualista e mantém um lindo altar em casa. Meu cantinho de fé é composto por imagens hindus e budistas. Tenho Shiva e Parvati juntos em estátua, bem como seu filho Ganesha. Também tenho uma imagem de Buda para quem sempre acendo velas amarelas ou brancas. Além disso, há um quadro com índios, que revela meu passado, minha essência, pois minha ascendência é indígena e já participei de estudos xamânicos. Jesus Misericordioso e São Jorge também regem meus passos. Nessa parte sou tradicional: Altar messiânico de Luís Paulo Silva São Jorge fica em cima da geladeira e Jesus perto da cama, já que esse respeito cristão trago da minha família interiorana, revela Erica. Deuses hindus, orixás, oratórios budistas, cristais, velas, aromas, almofadas, plantas, antiguidades. Elementos que contribuem para criar cantos e espaços dedicados a meditação e religiosidade. Independente de qual seja a sua fé, é fundamental conviver com ela da melhor maneira possível, e levar para casa elementos que representem seus sentimentos em relação a aspectos da própria espiritualidade e da maneira de ser e pensar o mundo é tão bonito quanto qualquer decoração. Meu cantinho surgiu naturalmente, algo me chamava a atenção e eu levava para casa. No início era algo que me fortalecia, que me deixava segura. Hoje sei que o que mais me fortalece são as minhas ações e o passo firme junto com a ética nos relacionamentos e o respeito que tenho pela natureza. Os elementos do meu altar me ajudam a nunca esquecer deste respeito, ética e práticas de paz, conclui Erica. Paula Ignácio Revista Regional 89