EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA COMARCA DE SANTA CRUZ DO PIAUÍ-PI O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PIAUÍ, através de seu presentante abaixo assinado, arrimado no art. 127 e 129 da CF, no art. 1º, IV, 3º e 5º da Lei n.º 7.347/85 e no art. 461 do CPC, alterado pela Lei n.º 10.444/2002, vem perante V. Exª. a fim de propor AÇÃO CIVIL PÚBLICA INIBITÓRIA, c/c PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA Em face do MUNICÍPIO DE SANTA CRUZ DO PIAUÍ e a pessoa física JURANDIR MARTINS DOS SANTOS, prefeito do aludido município, brasileiro, com residência funcional no prédio da Prefeitura Municipal de Santa Cruz do Piauí, o que faz pelos seguintes fatos e motivos: 1. Dos fatos Conforme se vê do acórdão em anexo doc. nº 01, publicado em 01.09.2010, o PREFEITO RÉU foi cassado pela Justiça Eleitoral por abuso do poder político e econômico, estando o seu afastamento do cargo na iminência de ocorrer, dependendo tão somente da publicação do acórdão que apreciar os embargos de declaração, opostos justamente com a finalidade de protelar a posse do candidato segundo colocado no pleito de 2008 (vide doc. nº 02 em anexo).
No dia 10.09.2010 será depositado na conta bancária do município mais uma parcela do FPM, principal fonte de receita da municipalidade. Vossa Excelência bem sabe do clima político que vive atualmente a cidade de Santa Cruz e, se nas eleições passadas o PREFEITO RÉU praticou conduta vedada e praticou abuso do poder econômico, é perfeitamente factível que, agora, se aproveite dos seus últimos dias de Prefeito e realize saques vultosos da conta do município, aproveitando-se da parcela do FPM que será depositada no dia 10 próximo para cumprir compromissos políticos financeiros assumidos, lesando o erário público. 2. Do cabimento da inibitória Asserta o art. 5º, XXXV da CF: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:... XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; Tal garantia constitucional pétrea é explícita em denotar que o Poder Judiciário, órgão estatal responsável pela prestação jurisdicional, tem o dever público de evitar qualquer tipo de ameaça a direito, quando provocado. Se certo é que compete ao Judiciário lenir qualquer irregularidade oriunda de quaisquer outros poderes da República ou de atividade privada, que afronte, concreta (lesão) ou abstratamente (ameaça), direito, não se pode olvidar que, presentes elementos probatórios hábeis a se antolhar que tal direito está ameaçado, tem aquele o dever constitucional de agir, através das medidas que se fizerem necessárias para afastar tal ameaça ou fazer cessar atual lesão. Somente assim haverá segurança jurídica e paz social, não se podendo esquecer que a garantia retro indigitada exorta a necessidade de proteção de ambas as tutelas: preventiva e repressiva, além de outras, destas decorrentes (ressarcitória, etc.). Ainda. O direito à prestação da tutela preventiva, incontestavelmente, garante maior efetividade jurisdicional, razão pela qual não se pode mais relegar que, se materializado, evitará diversas ações reparadoras, bem como lesão ao direito então ameaçado (regular aplicação dos recursos públicos municipais), assegurando, o Poder Judiciário, o cumprimento do dever público de proteção ao erário. Eis as palavras de Luiz Guilherme Marinone 1 :...Quando a tutela inibitória é prestada através da jurisdição, pouco importa se há ordem de não fazer ou de fazer, uma vez que a norma pode impor um não fazer ou um fazer com função preventiva, isto é, para dar tutela inibitória aos direitos. Importa deixar claro, assim, que a norma que impõe, com escopo preventivo, determinada conduta, abre oportunidade para ação inibitória em 1 Tutela Inibitória (individual e coletiva), 3ª edição revista, atualizada e ampliada, Editora RT, p. 63;
que o juiz pode ordenar um fazer. O objetivo desta ação é prestar a tutela inibitória não alcançada fora do processo, dando efetividade à norma de direito material. Como é evidente, esta ação nada tem a ver com o dano, mas apenas com a norma, ou melhor, apenas com a necessidade de efetividade da norma. Quando o Prefeito realiza saques da conta do município na boca do caixa, exatamente no dia em que é depositada parcela do FPM, somente porque está prestes a ser afastado do cargo, está, na verdade, cometendo ato de improbidade administrativa, incorporando ao seu patrimônio ou usando em proveito próprio valores do acervo patrimonial do município (art. 9º, XI e XII da Lei 8.249/92). 3. Dos elementos necessários à tutela inibitória Sendo a tutela preventiva medida jurisdicional para se impedir ou cessar ameaça a direito, seus elementos diferem consideravelmente dos necessários à tutela repressiva. Nesta faz-se preciso para a proteção jurisdicional a existência de ato humano capaz de produzir resultado, que este seja hábil a causar um dano a bem juridicamente protegido, que haja nexo causal entre a conduta e o dano e, por fim, culpa na conduta que deu causa ao dano. Tratando-se de tutela inibitória, vários destes requisitos não são precisos. Segundo a melhor doutrina, para se prestar a tutela jurisdicional inibitória devem estar presentes duas circunstâncias: fatos que denotem, pelo menos indiciariamente, a possibilidade de ameaça a direito; e a existência deste Direito. A existência do direito difuso à aplicação regular dos recursos públicos é facilmente demonstrável com a interpretação a contrario senso do art. 10, XI, da Lei 8.429/92, que considera ato de improbidade administrativa liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular. Quanto à prova de ameaça de lesão ao erário público, a partir do próprio motivo que levou o TRE-PI a cassar o PREFEITO RÉU (abuso do poder econômico e político, com distribuição de cestas básicas nas vésperas das eleições municipais, conclui-se ser perfeitamente possível e provável que, nas vésperas de deixar o cargo e nas vésperas de um pleito eleitoral, haja saques na intenção de desviar verbas públicas ou aplicá-las sem observância dos princípios da impessoalidade e da finalidade pública. 4. Da antecipação dos efeitos da tutela inibitória Diz o mestre Luiz Guilherme Marinoni 2 :...A tutela antecipatória pode ser concedida no curso do processo de conhecimento, constituindo verdadeira arma contra os males que podem ser acarretados pelo tempo do processo, sendo viável não apenas para evitar um 2 Manual do Processo de Conhecimento. A tutela jurisdicional através do processo de conhecimento, 2ª edição revista, atualizada e ampliada, Editora RT, p. 229.
dano irreparável ou de difícil reparação (art. 273, 1, CPC), mas também para que o tempo do processo seja distribuído entre as partes litigantes na proporção da evidencia do direito do autor e da fragilidade da defesa do réu (art. 273, 11 e 6. CPC). Em última análise, é correto dizer que a técnica antecipatória visa apenas a distribuir o ônus do tempo do processo. É preciso que os operadores do direito compreendam a importância do novo instituto e o usem de forma adequada. Não há motivos para timidez no seu uso, pois o remédio surgiu para eliminar um mal que já está instalado, uma vez que o tempo do processo sempre prejudicou o autor que tem razão. É necessário que o juiz compreenda que não pode haver efetividade sem riscos. A tutela antecipatória permite perceber que não é só a ação (o agir, a antecipação) que pode causar prejuízo, mas também a omissão. Na lição do processualista acima, se constata que o tempo do processo deve ser repartido entre as partes litigantes, pois prestar a tutela jurisdicional é dizer o direito em tempo hábil à sua justa efetivação, o que ante o excesso de pleitos às portas do Judiciário, vem sendo impossibilitado diariamente em nossos Juízos. Tal necessidade, há muito demonstrado pela doutrina, restou erigida à categoria de garantia fundamental pela Emenda Constitucional n.º 45/2004, que inseriu o inciso LXXVIII no art. 5º da CF, explicitando o dever estatal de prestar a jurisdição de maneira efetiva e em tempo hábil. O art. 273 do CPC enumera os requisitos legalmente exigidos à antecipação final dos efeitos da tutela, instituto processual que materializa tal garantia. São basicamente três: prova inequívoca da verossimilhança das alegações; fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; e possibilidade de reversibilidade. Hodiernamente não mais se tolera saques de recursos públicos pelo Prefeito para que, com dinheiro em espécie, realize livre e arbitrariamente despesas, assim como faz um particular. Esse regime de adiantamento somente excepcionalmente é permitido (vide art. 65, parte final, da Lei 4320/64) e o TCE-PI ainda o tolera, dentro do limite de R$ 3.500,00 (três mil e quinhentos reais), em casos de municípios onde não há estabelecimento bancário (vide art. 17, 4º, da Resolução TCE-PI nº 1452/2003), o que não é o caso de Santa Cruz do Piauí. O art. 68 da Lei 4320/64 dispõe, in verbis: Art. 68. O regime de adiantamento é aplicável aos casos de despesas expressamente definidos em lei e consiste na entrega de numerário a servidor, sempre precedida de empenho na dotação própria para o fim de realizar despesas, que não possam subordinar-se ao processo normal de aplicação. Em regra, os recursos públicos devem sair da conta bancária diretamente aos credores, para pagamento das despesas com pessoal e de fornecedores, até porque, enquanto o dinheiro permanece no banco o município não corre riscos de ser assaltado e ainda aufere rendimentos decorrentes de aplicações financeiras. Ademais, a saída de recursos públicos diretamente do banco para os credores propicia uma maior transparência e permite uma fiscalização mais eficaz. Demonstrada a prova inequívoca da verossimilhança, passa-se a demonstrar a presença do requisito do fundado receio de dano de difícil reparação.
In casu, resta inconteste também o perigo na demora da prestação jurisdicional, pois, uma vez concretizado o dano ao erário só restará a via da tutela ressarcitória, cuja experiência prática revela uma verdadeira via crucis sem final feliz, pois não raro as batalhas judiciais se arrastam anos a fio e a pessoa física do prefeito acaba não ressarcindo ao erário por não possuir bens em seu nome. Quanto ao terceiro requisito, há de se notar que a doutrina e a jurisprudência nacional já pacificaram que o que deve ser reversível é a medida, não as conseqüências pretéritas desta, ou seja, a decisão antecipatória é que deve ser passível de revogação a qualquer tempo (reversibilidade), o que pode ser facilmente realizado no presente feito. Assim, por ser inconteste a verossimilhança das alegações, bem como ser evidente o periculum in mora que o tempo processual pode causar, e sendo possível a reversibilidade antecipatória, requer-se, de logo, nos termos do art. 273, I do CPC, a antecipação dos efeitos da tutela final a ser requerida no mérito, para que: O PREFEITO RÉU se abstenha de emitir cheques e efetivar saques de quaisquer das contas do município; e O Gerente da Agência do Banco do Brasil de Santa Cruz do Piauí, mediante comandos a serem dados no sistema de informática do aludido Banco, não permita, durante o mês de setembro/2009: a) Saques de qualquer das contas do município; b) O desconto ou compensação de cheques do município de Santa Cruz do Piauí emitidos pelo PREFEITO RÉU. 5. Do pedido 5.1. Preliminarmente Requer este Órgão Ministerial, preliminarmente, o seguinte: a) Sejam, nos termos do art. 273, I, do CPC, antecipados os efeitos finais da tutela a ser requerida no mérito, devendo: a.1) Ser ordenado ao PREFEITO RÉU que se abstenha de realizar saques e emitir cheques referentes a quaisquer das contas do município, passando a trabalhar, doravante, apenas com ordens bancárias; a.2) Ser ordenado ao Gerente da Agência do Banco do Brasil de Santa Cruz do Piauí que, durante o mês de setembro/2009, proíba saques de qualquer das contas do município, bem como que também proíba o desconto ou compensação de cheques do município de Santa Cruz do Piauí emitidos pelo PREFEITO RÉU; b) Para o caso de descumprimento das ordens sugeridas no item a.2 supra, seja cominada multa ao Gerente do Branco do Brasil de Santa Cruz do Piauí correspondente aos valores sacados, descontados ou compensados em desacordo com a liminar de antecipação de tutela supra requerida; c) Seja requisitado ao Gerente da agência do Banco do Brasil de Santa Cruz do Piauí que remeta a Vossa Excelência:
c.1) Cópia de todos os cheques de quaisquer das contas do município assinados pelo PREFEITO RÉU e submetidos em setembro/2010 à compensação no Banco do Brasil; e c.2) A relação de todas as pessoas beneficiadas, em setembro/2010, com transferências bancárias partidas de contas do município de Santa Cruz do Piauí, especificando-se os valores recebidos por cada uma delas. 5.2. No mérito Ex positis, requer este Parquet ainda o seguinte: a) Seja o MUNICÍPIO DE SANTA CRUZ DO PIAUÍ citado, na pessoa do prefeito, para, querendo, apresentar resposta à presente demanda, nos termos da lei adjetiva civil, sob pena de revelia; b) Para o mesmo fim, seja citada também a pessoa física JURANDIR MARTINS DOS SANTOS; c) Seja expedido edital de citação de terceiros interessados, nomeadamente credores portadores de cheques do município de Santa Cruz do Piauí; d) Seja observado o rito ordinário para o processamento do feito; e) Ao final, seja proferida sentença: e.1) Confirmando a tutela antecipada; e.2) Condenando o PREFEITO RÉU a efetuar o pagamento das despesas do município apenas mediante ordem bancária; e e.3) Autorizando o desconto dos cheques que comprovadamente tiverem sido emitidos: antes do advento da presente demanda, para realizar pagamento de credores que já cumpriram com a obrigação contratual e após o cumprimento das etapas de despesas previstas na Lei 4320/64. Transcorrido o prazo para oferecimento de defesa e após a fase das eventuais providências preliminares, protesta-se pelo julgamento antecipado da lide. Valor da causa para fins legais: R$ 1.000,00 (mil reais). Nestes Termos, Pede Deferimento. Santa Cruz do Piauí, 08 de setembro de 2010. Marcelo de Jesus Monteiro Araujo Promotor de Justiça