PARA UM DEBATE SOBRE A QUESTÃO MIGRÁTORIA NO BRASIL: PANORAMA ATUAL DA SITUAÇÃO DOS HAITIANOS NO ACRE E SUA REPERCUSSÃO NA PEB



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Transcrição:

PARA UM DEBATE SOBRE A QUESTÃO MIGRÁTORIA NO BRASIL: PANORAMA ATUAL DA SITUAÇÃO DOS HAITIANOS NO ACRE E SUA REPERCUSSÃO NA PEB Miguel P. P. Dhenin (UFF) Raísa Skinner (UFF) Doutorado em Ciência Política na Universidade Federal Fluminense (miguel_uvsq@yahoo.fr) Graduação em Relações Internacionais na Universidade Fluminense (raisaskinner@gmail.com) Resumo: A instabilidade mundial mudou de maneira significativa as relações entre os países. Nesse contexto internacional imprevisível, as crises financeiras e econômicas estimularam o deslocamento de milhares de trabalhadores para outras regiões do globo. Recentemente, o fluxo migratório no Brasil ficou mais intenso, particularmente na região de Brasiléia, Acre. A entrada ilegal em 2011 de centenas de haitianos mudou a rotina da pequena cidade fronteiriça. Com isso, precisamos nos questionar: como esses novos fluxos migratórios afetam a relação entre os países da trifronteira? Como lidar com os refugiados legalmente e conciliar os direitos humanos de populações vulneráveis? Como atender as demandas dos refugiados e garantir os seus direitos? Com este artigo, queremos analisar o caso dos haitianos, por ser um caso emblemático dos problemas de migrações no Brasil. Pode-se analisar um crescimento de imigração no território brasileiro como um todo, desde trabalhadores legais até aos ilegais. Porém, precisamos compreender esse fenômeno, para entender as dinâmicas regionais e locais, afetadas pela entrada de novas populações que consigo trazem sua cultura, hábitos e novos modos de pensar. Depois de quase três anos de presença haitiana, queremos oferecer um panorama da situação atual, a partir de dados coletados em julho de 2013, sobre um problema que saiu claramente da agenda nacional. O objetivo do artigo é também de suscitar um debate na academia, entre direitos 1

humanos e política externa. As questões geopolíticas norteiam as discussões em torno da presença haitiana na região da fronteira. Carregam consigo problemas cujas implicações são importantes para o Brasil e precisam ser debatidas. Por isso, é necessário mencionar os direitos humanos na questão haitiana, pois observou-se a precariedade da situação dos migrantes. Introdução O problema da imigração haitiana no Acre necessita um debate claro e aberto na academia brasileira. É preciso trabalhar sobre as problemáticas que envolvem uma série de atores relevantes na esfera das relações internacionais. A partir de uma experiência de campo realizada em julho de 2013, queremos apresentar alguns elementos que poderão servir de base para realizar uma reflexão aprofundada sobre o tema. Lembramos também a importância da questão migratório nas regiões periféricas do Brasil, que enfatizam o caráter multifacetado de um país que pretende ser um líder regional e assumir suas responsabilidades internacionalmente. Como frisado por Thomaz: as palavras miséria, diáspora e instabilidade costumam se repetir nas narrativas veiculadas sobre a história e a realidade do Haiti. Tendo sido uma nação pioneira na obtenção da independência e na abolição da escravidão, o país e a população são, no entanto, lembrados atualmente na agenda internacional como incapazes de se recuperar e desenvolver, passadas décadas de crises políticas e pobreza, acompanhadas de intervenções externas e ajuda internacional. (THOMAZ, 2013) Um dos efeitos da catástrofe de 2010 foi a chegada gradual de migrantes haitianos para o Brasil. A presença das tropas da MINUSTAH desde 2004 na ilha pode ter influenciado, em certa medida a escolha do Brasil como destino final para a sua trajetória de migração. De fato, é difícil avaliar os motivos da escolha do país. Os resultados econômicos dos últimos dez anos acelerou o processo migratório, tanto legal como ilegal. Ao sediar a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016, o Brasil atrai não somente investidores como também a mão de obra de regiões que passam ou passaram por crises econômicas severas, como 2

por exemplo, a Europa ou mesmo os Estados Unidos. De qualquer modo, essa tragédia criou uma nova rota de imigração ilegal de moradores da ilha caribenha para o Brasil. Os imigrantes deixam Porto Príncipe, a capital haitiana, de navios e atravessam o Mar do Caribe até chegarem ao Panamá. De lá, seguem para o Equador e depois para o Peru. Dos portos de Lima, os grupos seguem de ônibus, táxis e até mesmo a pé pela Rodovia Transoceânica rumo ao Brasil. (GOVERNO DO ACRE, 2012) A questão migratória no Brasil e a evolução do marco legal Para realizar o nosso trabalho de reflexão sobre esse tema, precisamos apresentar alguns elementos históricos da questão migratória no Brasil. A elaboração do arcabouço jurídico específico levou um tempo importante dado o caráter sensível da matéria. Podemos brevemente visualizar três fases: a primeira de 1945 até 1964, a segunda de 1964 até 1985 e finalmente a ultima a partir de 1988, com a nova Carta Magna. Ao sair da Segunda Guerra mundial até o começo da década de 1960, a posição do país foi de abertura ao refugiado. Com efeito, o Brasil assinou e ratificou a Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados, elaborada em 1951 na ONU. (ACNUR, 2011) A Convenção de 1951 relativa ao estatuto dos refugiados que estabeleceu o estatuto dos refugiados define-o, no artigo 1º, como sendo aquela pessoa que temendo ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, se encontra fora do país de sua nacionalidade e que não pode ou, em virtude desse temor, não quer valer-se da proteção desse país, ou que, se não tem nacionalidade e se encontra fora do país no qual tinha sua residência habitual em conseqüência de tais acontecimentos, não pode ou, devido ao referido temor, não quer voltar a ele (ACNUR, 2011) Com a queda de João Goulart e a 3

chegada dos militares ao poder, esse processo de abertura foi travado durante quase duas décadas, o que impossibilitou a evolução da legislação sobre a questão. Assim, o governo brasileiro preferiu conceder o estatuto de asilado, ao invés de refugiado, para a maioria de não europeus. (BÓGUS e RODRIGUES, 2011, p.104) O controle da estrutura tripartite (ONGs, Governo e Nações Unidas) fez parte de um processo de organização por parte do regime militar. De acordo com Julia M. Bertino, the committee institutional design consolidates the tripartite structure that was formed in Brazil in the 1970s (during the military dictatorship), gathering the actors working with refugees in the country: NGOs, the UN refugee agency and the Brazilian government represented by its bureaucratic agencies. (BERTINO, 2012) Com a Declaração de Cartagena em 1984, no âmbito regional, houve um avanço para resolver questões específicas da América Central. Na seqüência, a Carta Magna de 1988 no seu art. 1 inciso III instituiu o princípio do respeito à dignidade da pessoa humana, que viabilizou o esforço para o surgimento de uma nova lei no final da década de 1990. A Lei 9474/97 favoreceu a criação do Conselho Nacional para os Refugiados, e vai ser justamente o objeto da próxima parte. A definição de refúgio na Lei 9.474/97 merece uma grande atenção. No seu Artigo. 1, reconhece como refugiado todo indivíduo que: I devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se a proteção de tal país; II não tendo nacionalidade e estando fora do país onde ates teve sua residência habitual, não possa ou não queira regressar a ele, em função das circunstancias descritas no inciso anterior; III devido à grave e generalizada violação de direitos humanos, e obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país. (ACNUR e IMDH, 2007) De acordo com os documentos do Ministério da Justiça, o Conare (Comitê Nacional para os Refugiados) é o órgão colegiado, vinculado ao Ministério da Justiça, que reúne segmentos representativos da área governamental, da Sociedade Civil e das Nações Unidas, e que 4

tem por finalidade: analisar o pedido sobre o reconhecimento da condição de refugiado; deliberar quanto à cessação ex oficio ou mediante requerimento das autoridades competentes, da condição de refugiado; declarar a perda da condição de refugiado; orientar e coordenar as ações necessárias à eficácia da proteção, assistência, integração local e apoio jurídico aos refugiados, com a participação dos Ministérios e instituições que compõem o Conare; e aprovar instruções normativas que possibilitem a execução da Lei nº 9.474/97. Recentemente, a atuação do CNIg trouxe novos elementos para a compreensão da questão dos migrantes haitianos no Brasil. Assim, o Conselho Nacional da Imigração (CNIg) é formado por representantes de oito Ministérios (do Trabalho e Emprego, que o preside; da Justiça; das Relações Exteriores; da Agricultura e do Abastecimento; da Ciência e Tecnologia; do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior; da Saúde e da Educação), cinco representantes dos trabalhadores (indicados pelas Centrais Sindicais) e cinco representantes dos empregadores (indicados pelas Confederações Nacionais da Indústria, do Comércio, do Transporte, da Agricultura e das Instituições Financeiras), com uma vaga para a comunidade científica (indicada pela SBPC). Como podemos observar, a questão da migração e dos refugiados abrange uma série de problemas e de atores que participam da organização sócio-econômica do país. Porém a visão que permanece até hoje é de uma migração representando um certo grau de ameaça para o equilíbrio do Estado. Esses elementos são corroborados com a legislação em vigor, que foi estabelecida durante o regime militar (1980). A região Norte e suas especificidades A entrada no território brasileiro de milhares de haitianos durante os três ultimos anos fez que a situação sanitária piorasse rapidamente. A região que recebeu o fluxo maior de migrantes haitianos foi a região Norte. Em função do contexto geográfico, é difícil realizar um trabalho de acompanhamento da situação. Sendo assim, a fiscalização federal de fronteiras é intensa em algumas áreas, porém, considerando a vastidão da selva amazônica, é humanamente impossível 5

manter um controle 100% eficaz nessas condições de traslado permanente. (OLIVEIRA, 2006) Em virtude da vulnerabilidade sob a qual estes indivíduos estão submetidos, eles também podem ser explorados de outras formas como por exemplo, o tráfico de pessoas para trabalho escravo. Haja vista que são indivíduos muitas vezes sem documentação, por conta do terremoto de 2010, e com dificuldade de comunicação, sabendo-se que em sua maioria comunicam-se apenas pelo idioma nativo do Haiti, isto é o crioulo haitiano ou mesmo pelo francês. Sem recursos financeiros, já que a maior parte ou toda quantia de sua posse foi gasta no deslocamento. De acordo com o responsável pelo campo de refugiados, Damião Borges de Melo, estão presentes no momento entre 850 a 900 imigrantes ilegais, que pediram auxílio ao Brasil. De fato, o governo federal, com a ajuda das autoridades do estado do Haiti, resolveu receber os haitianos que chegassem, tentando oferecer de modo emergencial os recursos básicos para manter sua dignidade. Atualmente, a área reservada aos haitianos é de responsabilidade do governo de Estado do Acre, que passou por diversas dificuldades relacionadas ao abastecimento de comida, no local onde eles estão abrigados. O governo federal conseguiu oferecer alguma ajuda financeira (repasse) devido às dificuldades enfrentadas pelo governo acreano. Em depoimento, Damião Borges resumiu a evolução da situação dos haitianos e o cenário caótico para encontrar um lugar decente em relação a uma população que não parou de crescer: eles [os haitianos] já passaram por seis lugares. No primeiro lugar, eles chegaram ao ginásio de Brasiléia, deixamos eles quatro meses lá e depois levamos pro ginásio de um município vizinho em Epitaciolândia. Depois os tiramos e trouxemos para um hotel, o Hotel Brasiléia, que fica aqui no centro da cidade, mas tivemos um alagamento e levamos para um local que tem perto do posto de gasolina, depois o tiramos e colocamos em uma casa que alugamos na saída da cidade, de lá conseguimos trazer de volta para esse canto que eles estão. A situação dos haitianos no Acre: o fim da viagem? 6

A população acreana tem que conviver com a população flutuante da cidade de Brasiléia. O município é localizado no sul do estado do Acre. Sua população em 2010 era estimada em 21 398 habitantes. Sua área é de 3.916,507 km² (5,46 h/km²). Localizado ao sul de Rio Branco, na fronteira com a Bolívia, tem limites com os municípios de Epitaciolândia, Assis Brasil, Sena Madureira e Xapuri. Os refugiados agem de uma maneira inconsciente no cotidiano local, alterando tanto no ponto de vista social, econômico e cultural da estrutura populacional de Brasiléia. As atividades econômicas encontram-se praticamente paralisadas, sua agricultura é tradicional, a indústria dá lentos sinais de recuperação, com a instalação de uma beneficiadora de leite, que permitirá abastecer mercados como Epitaciolândia e Cobija (Bolívia); algumas serrarias e fábricas de móveis, no setor de prestação de serviços estão completamente paralisadas. Quando um imigrante se desloca para um outro país, ele carrega toda uma bagagem cultural, os hábitos e os costumes que fazem parte de sua identidade. Isso pode causar em certa medida um impacto na região de chegada, podendo ter diversos efeitos, desde a xenofobia mais evidente até a criação de novos hábitos e recortes culturais com a população. Fica difícil avaliar o impacto da presença dos haitianos na cidade de Brasiléia, pois não existem estatísticas que permitem traçar um perfil do migrante. As interações entre os moradores e os haitianos não são muito frequentes. De acordo com Damião Borges, o migrante passa em média três meses no acampamento antes de seguir seu caminho, geralmente no Sul ou no Sudeste do Brasil, procurando emprego e renda. A questão do trabalho migrante é um outro ponto de grande relevância, pois também implica um papel que envolve a identidade pessoal dele e dos costumes que ele traz. Tudo começa no próprio país de origem. Uma parte significativa dos haitianos se endivida para conseguir o dinheiro necessário para pagar os custos da viagem. Um método utilizado é a hipoteca da própria casa para conseguir o financiamento. Outro modo utilizado é emprestar com agiotas, onde o migrante se compromete a enviar dinheiro pela família para pagar o empréstimo. 7

Apesar de instituída como área de livre comércio, Brasiléia não foi regulamentada. Atualmente, registra-se forte dependência comercial com o vizinho município boliviano de Cobija, em função dos baixos preços. A entrada de migrantes do lado boliviano é proibida pelas autoridades. Essa situação precária do trabalhador haitiano gera uma tensão muito grande para conseguir uma renda. Durante a nossa observação, foi confirmado o fato de que qualquer pessoa que entrasse no acampamento era rapidamente solicitada para um emprego, por dezenas de haitianos. O perfil dos imigrantes haitianos O perfil dos imigrantes haitianos é variado. De acordo com Damião Borges, a entrada de haitianos depende do mês do ano. Assim, houve meses que chegaram jovens de quinze a trinta anos, outros com mais de 40 anos. Não existe um padrão claro de migração. Quando foi feita a observação do acampamento em julho de 2013, foi clara a presença dominante de homens no acampamento. A proporção de homens e mulheres é mais ou menos de sete homens e três mulheres a cada dez indivíduos. Essa assimetria pode ser explicada pelo fato do marido (no caso de uma célula familiar) majoritariamente ter mais disposição para realizar uma viagem arriscada, como também as mulheres ficarem no país para cuidar dos filhos e dos familiares, enquanto o marido tenta alcançar meios de se estabilizar, conseguir enviar dinheiro para os parentes, e no melhor dos casos, traze-los para o país onde estão trabalhando. Essa situação foi a mais comum das histórias de vida dos haitianos presentes naquele momento. Uma questão importante merece ser abordada, que diz respeito à situação da mulher haitiana. Apesar dos riscos da viagem, o número de mulheres é importante. As motivações são diversas, mas recebemos algumas respostas dramáticas, por exemplo, por medo de que caso o marido viesse, eles a abandonassem no Haiti. Embora a situação no Acre segue controlada, é possível perceber tensões entre as mulheres, principalmente na hora da refeição, servida no acampamento. A convivência entre homens e mulheres não é das melhores, principalmente por conta da falta de liderança no acampamento. De acordo com os nossos dados, não houve relatos de violência, moral ou sexual, 8

mas a dificuldade em realizar uma entrevista com uma mulher gerou uma série de perguntas. Além das dificuldades no dia-a-dia, existe uma assimetria entre homens e mulheres na hora de procurar um emprego. Para a mulher haitiana, é mais difícil conseguir um trabalho no Brasil, pois a maioria das empresas que contratem trabalhadores, buscam um perfil masculino, devido à carga pesada e o caráter repetitivo do trabalho. Elas geralmente são recrutadas para indústrias textis, ou vendem artesanatos pela cidade. A situação do refugiado em Brasiléia é precária, apesar dos esforços do governo estadual. Não há camas (os refugiados fiquem deitados no chão). Os raros colchões são sujos e finos. A água do acampamento não é tratada e os casos de diarréias são muito frequentes entre os refugiados. Os problemas de saúde da população haitiana têm um impacto na rede pública, que fica congestionada. Os moradores, embora sensibilizados pela situação dos refugiados, começam a mostrar sinais de impaciência e cobram das autoridades respostas e soluções para esta situação. A procura para um emprego no Brasil parece justificar uma viagem longa e perigosa, em toda ilegalidade. Apesar dos esforços do Brasil, junto à sua embaixada de Porto Príncipe, em tentar regularizar a situação dos vistos no Haiti, a situação permanece crítica, e o custo da manutenção (6 milhões de reais desde 2011) não deve diminuir. Paradoxalmente, o ACNUR considera o Brasil como um país com grande potencial de acolhimento. De acordo com dados do Comitê Nacional para Refugiados (Conare), há no Brasil cerca de 4.500 refugiados reconhecidos pelo governo, provenientes de 76 países diferentes. A maioria de Angola e Colômbia. (BÓGUS e RODRIGUES, 2011, p.107) As mulheres constituem cerca de 30% dessa população. A maioria desses refugiados está concentrada nos grandes centros urbanos do país (ACNUR, 2011). Questões relativas a política do Estado são necessárias para amenizar os impactos dessa vinda desenfreada de haitianos. A exemplo do município de Brasiléia, justamente o qual foi mais impactado, com 21 mil habitantes chegou ao número de 1,2 mil de estrangeiros haitianos, aproximadamente 5,7% de suas população. O que acaba sendo algo bastante problemático. Pois estas pessoas necessitam de serviços, como saúde segurança, habitação, trabalho, saneamento. No 9

início deste ano mais precisamente em fevereiro de 2012 uma grande cheia do rio Acre atingiu cerca de 95% do município, assim como outros municípios a margem do rio, como Epitaciolândia. Fato este que maximizou a problemática da condição das comunidades locais e do excedente estrangeiro. Entre as principais dificuldades apontadas pelos participantes em relação ao acesso da população refugiada ao mercado de trabalho brasileiro, estavam: 1) dificuldade com o idioma português; 2) baixa qualificação profissional; 3) desconhecimento por parte dos empregadores e dos funcionários das entidades de facilitação de mão de obra sobre o tema do refúgio; 4) desconhecimento dos refugiados sobre as regras trabalhistas brasileiras; 5) dispersão territorial dos refugiados em solo brasileiro; 6) falta de acesso dos refugiados a atividades produtivas, como micro crédito e economia solidária; 7) dificuldade de validação de diploma emitido no país de origem. Repercussão na política externa brasileira da situação dos refugiados A partir dos dados apresentados, precisamos avaliar rapidamente os custos políticos para a diplomacia brasileira de uma crise migratória no Acre. De fato, apesar de a situação piorar, o governo abriu a fronteira e assumiu publicamente seu compromisso com a população haitiana no Brasil. A proteção dos refugiados e sua regularização são objetivos claros do Itamaraty para evitar uma crise maior, como ocorreu em 2012. Apesar dos esforços, não parece haver uma vontade política para sair da crise na qual os refugiados se encontram. Além das soluções de curto prazo, o governo brasileiro precisa oferecer alternativas para a população haitiana. As orientações no Haiti sobre a dureza da situação no Brasil não parece ter freado o movimento migratório. A rota entrou num ciclo rotineiro, e os coiotes estão lucrando todos os dias com eles. Fischel de Andrade (2002) analisa os principais fatores que motivaram a atuação do governo brasileiro na proteção de refugiados, ressaltando que: as inovações constitucionais, a 10

necessidade de o Estado brasileiro reorganizar sua agenda externa, o objetivo de compor uma imagem mais positiva no contexto internacional e o aceite do Brasil para com a idéia contemporânea de globalização dos direitos humanos, facilitaram a inserção da questão dos refugiados na agenda nacional. (FISCHEL DE ANDRADE, 2002, p. 172). Devido a todas as dificuldades de se manter esse acampamento, e certo incomodo da população local devido a constante presença haitiana na cidade, apesar de não haver relatos de nenhum tipo de agressão ou problemas graves entre eles e os locais, é questionável o porquê o Brasil continuar mantendo essa política de aceita-los em território brasileiro. Uma das hipóteses, levantada por Damião Borges, é que o Brasil quer barganhar uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU. Uma crise maior (como a expulsão de centenas de refugiados) ou o fato de parar de ajudar os haitianos, pode repercutir negativamente no cenário internacional, e dificultar essa agenda do Itamaraty. Também é preciso salientar o fato de que a linha política da presidente Dilma segue um caráter social e enfatizo o respeito dos direitos humanos. Acolher e ajudar os haitianos faz parte do perfil adotado por seu governo, que preza as questões políticas sociais e a boa relação com os países, sejam dos mais aos menos desenvolvidos. A situação está longe de ser resolvidas. Conclusão O problema dos refugiados haitianos no Acre é complexo pois ele abrange vários setores. A exploração dos refugiados pelos coiotes até a barganha política ao nível internacional para conseguir avançar na agenda do Itamaraty fazem que essas questões são relevantes na análise das relações internacionais do Brasil. Apesar dos riscos, os haitianos continuam acreditando na possibilidade de melhorar suas vidas no país, procurando um futuro melhor. A questão haitiana no Brasil como foi exposta acima é delicada e possui diversos 11

desafios. Ao mesmo tempo em que os direitos humanos têm que ser preservados e eles necessitam de assistência, tem que ser levado em consideração as possibilidades do país de sustentar e abrigar os imigrantes, sem prejudicar a população local. O Brasil precisa dar atenção a pontos chaves que seriam a estrutura e o encaminhamento dos haitianos durante sua estadia no Brasil, para que não vire um problema imigratório grave e eles acabem sendo marginalizados perante a sociedade e que se tenha um aumento maior da pobreza e da miséria. Talvez o maior problema dos haitianos encontra-se na dificuldade para organizar um fluxo migratório coerente, e fazer valer os seus direitos perante a comunidade internacional. Na observação do acampamento, não foi possível determinar quem era a liderança instituída, em função da precariedade das instalações, mas também a ausência de um projeto coletivo. Esse sentimento é reforçado pelas palavras de Valler Filho, quando ele explica que a nação haitiana não chegou a ser consolidada, pois não houve o desenvolvimento de uma visão coletiva de cidadania. As diferentes forças internas nunca se interessaram na elaboração de um projeto de nação, até porque as elites nunca chegaram a estruturar um diálogo com as outras classes sociais. E, uma vez no poder, cada grupo buscou aniquilar o outro. Os únicos vínculos sociais derivam apenas e, em certos casos, do compartilhamento de determinadas tradições culturais e de certas práticas religiosas. (VALLER FILHO, 2007, p.161) Bibliografia 12

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