CALVINO E SUA INFLUÊNCIA NO MUNDO OCIDENTAL

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Transcrição:

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Calvino e sua influência no mundo ocidental 1990, Editora Cultura Cristã. Publicado originalmente com o título Calvin and his influence in the western world pela Zondervan Publishing House, Grand Rapids, Michigan USA. Todos os direitos são reservados. 1ª edição 1990 3.000 exemplares 2ª edição 2014 3.000 exemplares Conselho Editorial Antônio Coine Augustus Nicodemus Gomes Lopes Cláudio Marra (Presidente) Heber Carlos de Campos Jr. Misael Batista do Nascimento Tarcízio José de Freitas Carvalho Ulisses Horta Simões Valdeci da Silva Santos Produção editorial Revisão Claudete Água Elvira Castanon Editoração Zenaide Rissato Capa Magno Paganelli R353c Reid, W. Santford Calvino e sua influência no mundo ocidental / W. Santford Reid. São Paulo: Cultura Cristã, 2014. 400 p.: 16x23cm Tradução de Calvin and his influence in the Western World ISBN 978-85-7622-071-8 1. Calvinismo 2. Cosmovisão 3. História da Igreja I. Título CDU 275.4 A posição doutrinária da Igreja Presbiteriana do Brasil é expressa em seus símbolos de fé, que apresentam o modo Reformado e Presbiteriano de compreender a Escritura. São esses símbolos a Confissão de Fé de Westminster e seus catecismos, o Maior e o Breve. Como Editora oficial de uma denominação confessional, cuidamos para que as obras publicadas espelhem sempre essa posição. Existe a possibilidade, porém, de autores, às vezes, mencionarem ou mesmo defenderem aspectos que refletem a sua própria opinião, sem que o fato de sua publicação por esta Editora represente endosso integral, pela denominação e pela Editora, de todos os pontos de vista apresentados. A posição da denominação sobre pontos específicos porventura em debate poderá ser encontrada nos mencionados símbolos de fé. EDITORA CULTURA CRISTÃ Rua Miguel Teles Jr., 394 - CEP 01540-040 - São Paulo - SP Caixa Postal 15.136 - CEP 01599-970 - São Paulo - SP Fones: 0800-0141963 / (11) 3207-7099 / 33462700 - Fax: (11) 3209-1255 www.editoraculturacrista.com.br - cep@cep.org.br Superintendente: Haveraldo Ferreira Vargas Editor: Cláudio Antônio Batista Marra 01 Capa.pmd 4 17/04/2014, 15:55

Sumário Introdução......007 01. O Calvinismo como força cultural...0 11 Por Robert D. Knudsen 02. A propagação do Calvinismo no século 16..........0 30 Por W. Stanford Reid 03. Suíça: triunfo e declínio...0 53 Por Richard C. Gamble 04. A idade de ouro do Calvinismo...na França: 1533-1633.......072 Por Pierre Courthial 05. Calvino e o Calvinismo nos Países Baixos... 93 Por W. Robert Godfrey 06. A Igreja Reformada da Alemanha: Calvinistas, uma influente minoria 122 Por D. Clair Davis 07. A Reforma helvética na Hungria......141 Por Kálmán O. Tóth 08. Calvino e a Igreja Anglicana....173 Por Phillip Edgcumbe Hughes 02 Sumário.pmd 5 13/12/2010, 16:42

09. A modificação puritana da teologia de Calvino....204 Por R. T. Kendall 10. A Contribuição do Calvinismo à Escócia.........223 Por J. D. Douglas 11. Origens cristãs da América: A Nova Inglaterra...puritana como um caso de estudo... 248 Por George M. Marsden 12. Os irlandeses-escoceses na América....... 271 Por C. Gregg Singer 13. O Calvinismo holandês na América....297 Por John H. Bratt 14. A influência de Calvino no Canadá.....319 Por W. Stanford Reid 15. O impacto do Calvinismo na Australásia.....334 Por Alexander Barkley 16. O Calvinismo na África do Sul........355 Por Gideon Thom Notas 377 02 Sumário.pmd 6 13/12/2010, 16:42

Introdução O objetivo desta obra de dezesseis capítulos, escritos por diferentes autores tidos por especialistas em suas respectivas áreas, é mostrar a natureza e a importância do Calvinismo como força moldadora da cultura ocidental, força que atuou fortemente nos dois primeiros séculos depois da Reforma e que, nos séculos 18 e 19, grosso modo, entrou em declínio, sofrendo distorções provocadas pelo advento do Racionalismo que o confrontou como força externa, e pelo surgimento de formas de dissidências internas, dentre as quais se destacam o Arminianismo e o Puritanismo. O Puritanismo, não obstante constituir, em alguns aspectos, uma distorção do Calvinismo particularmente no ascetismo da vida cotidiana e na concepção da economia que veio a desenvolver-se posteriormente, foi uma força extraordinária que atuou singularmente na formação da grande nação do Norte. Eis como Alexis de Tocqueville, em A Democracia na América, se refere aos puritanos:... os imigrantes da Nova Inglaterra levavam consigo admiráveis elementos de ordem e de moralidade; entravam pelo deserto acompanhados de suas esposas e de seus filhos. Mas o que os distinguia, sobretudo, de todos os outros [colonizadores] era a própria finalidade de sua empreitada. Não tinham abandonado o seu país forçados pela necessidade; deixavam para trás uma posição social cuja perda seria lamentável e meios de vida garantidos; tampouco passaram ao Novo Mundo a fim de ali melhorar a sua situação ou de fazer aumentar as suas riquezas; arrancavam-se às doçuras da pátria para obedecer a uma necessidade puramente intelectual; expondo-se às misérias inevitáveis do exílio, desejavam fazer triunfar uma ideia.... os imigrantes pertenciam àquela seita inglesa que, por causa da austeridade de seus princípios, tinha recebido o nome de puritana. O Puritanismo não era apenas uma doutrina religiosa: confundia-se ainda, em vários aspectos, com as teorias democráticas e republicanas mais absolutas. Por causa dessa tendência tinha ganho os seus mais perigosos adversários. Perseguidos pelo governo da mãe-pátria, ofendidos no rigor de seus princípios pela marcha cotidiana da sociedade em cujo seio viviam, os puritanos procuravam uma terra tão 03 Apresentação.pmd 7 13/12/2010, 16:45

8 CALVINO E A SUA INFLUÊNCIA NO MUNDO OCIDENTAL bárbara e tão abandonada pelo mundo que nela pudessem ainda viver à sua maneira e rezar a Deus em liberdade. 1 Assim, na opinião abalisada de Alexis de Tocqueville, a contribuição dos puritanos para a formação cultural e política da Nova Inglaterra foi de singular importância e marcou funda e indelevelmente a tradição de liberdade e da consequente responsabilidade, que ainda hoje, não obstante as vicissitudes advenientes nos últimos tempos, caracterizam a democracia americana. As colônias inglesas, e foi essa uma das principais causas da sua prosperidade, sempre gozaram de maior liberdade interior e de maior independência política que as de outras nações; em nenhuma parte, porém, foi esse princípio de liberdade mais completamente aplicado que nos Estados da Nova Inglaterra. 2 Parece haver, sem dúvida, uma relação de causa e efeito entre o tipo de colonizadores da Nova Inglaterra primeiro os puritanos da Inglaterra e, mais tarde, os calvinistas da Escócia, da Irlanda e da Holanda, e a grandeza reconhecida de suas instituições culturais, jurídicas, sociais e econômicas, grandeza que prevalece até hoje. Os capítulos deste livro que falam da influência do Calvinismo na Escócia, na Irlanda e na Holanda, permitirão ao leitor entender de que modo os colonizadores calvinistas que saíram desses países, desempenharam seu papel na construção da grande democracia dos Estados Unidos, papel que ficou claro não só na organização política dessa nação, mas também e sobretudo no que se refere ao valor e à solidez de seus sistemas de educação. Em seu livro A religião e o desenvolvimento da ciência moderna, 3 R. Hooykaas fala da participação dos protestantes na pesquisa científica e diz que As pesquisas sociológicas têm demonstrado que, até bem recentemente, os protestantes foram relativamente mais numerosos entre os cientistas do que seria de se esperar, em função do seu número global. Segundo Hooykaas, ainda, A. de Candolle Constatou que, entre os membros estrangeiros da Académie des Sciences de Paris, de 1666 a 1883, os protestantes foram bem mais numerosos do que os católicos-romanos. Na população da Europa Ocidental, fora da França, a proporção de católicos-romanos para protestantes era de seis (católicos) para quatro (protestantes), enquanto, entre os membros estrangeiros da Académie des Sciences, a proporção era de seis (católicos) para vinte e sete (protestantes). Na Suíça, a proporção de católicos-romanos para protestantes era de dois (católicos) para três (protestantes). No entanto, para o período mencionado, houve quatorze protestantes suíços membros da Académie e nenhum católico-romano. 4 Hooykaas cita ainda R. K. Merton, 03 Apresentação.pmd 8 13/12/2010, 16:45

INTRODUÇÃO 9 para quem, em 1938, entre os grupos de dez cientistas que, durante a Commonwealth, constituíram o núcleo que daria origem à Royal Society, sete eram acentuadamente puritanos. 5 A explicação para esse fenômeno não está na importância dada à doutrina da predestinação, como sugeriu Merton, que ampliou essa tese, demonstrando que a atitude de autorrepressão, simplicidade e diligência também fomentou o interesse e a aptidão pela pesquisa científica e tecnológica. 6 Na verdade, a explicação mais consentânea está na natureza das Confissões de Fé amplamente aceitas pelas comunidades reformadas, pois, segundo Hooykaas, essas Confissões são provavelmente os documentos mais representativos da opinião dominante entre os genuínos calvinistas do século 16. Segundo essas Confissões, na observação de Hooykaas, para a fé protestante, as boas obras são consideradas como frutos da gratidão pela salvação recebida e não uma confirmação por havê-la recebido. Isso é claro tanto do Catecismo de Heidelberg quanto da Confissão belga (os chamados 37 Artigos). O que é mais impressionante acerca dos primeiros cientistas protestantes é o seu amor pela natureza, na qual reconhecem a obra das mãos de Deus, e o prazer que revelam em investigar os fenômenos naturais. Um dos pais da anatomia comparada, o holandês Volcker Coiter (1534-76), jamais se cansava de exaltar a providência do Criador, evidenciada na maravilhosa adaptação da estrutura animal; o botânico Clusius declarou que as descobertas botânicas causavam-lhe tanta alegria como se ele tivesse descoberto um prodigioso tesouro; o oleiro huguenote Bernard Palíssy, (1510-90), amava apaixonadamente as plantas, mesmo as mais desprezadas. Em uma ocasião, ele manifestou sua ira contra alguns trabalhadores por estarem maltratando plantas; em seu profundo sentimento por essas criaturas irmãs, ele dizia que não sabia por que as plantas não clamavam contra as torturas que sofriam nas mãos dos homens. 7 Do ponto de vista de sua influência política, o Calvinismo tem favorecido governos representativos e tem lutado contra as várias formas de Absolutismo, como diz John T. MacNeill, em sua obra The History and Character of Calvinism. Na verdade, foi com o Calvinismo que a forma representativa de governo (democrático-republicano) se desenvolveu e se consolidou nos tempos modernos. Samuel Rutherford, um dos mais capazes defensores do Calvinismo político britânico, sustenta que a salus (salvação, bem-estar) descansa sobre 03 Apresentação.pmd 9 13/12/2010, 16:45

10 CALVINO E A SUA INFLUÊNCIA NO MUNDO OCIDENTAL a soberania do povo. Ele diz que o poder não vem diretamente do céu àqueles que o exercem, mas é dado ao povo por Deus como direito hereditário, e é tomado emprestado do povo pelos que governam, e pode ser retomado pelo povo, quando quem o exerce se torna embriagado por ele! Assim, ao ler este livro, o leitor poderá avaliar o testemunho dos autores de cada capítulo a respeito do impacto do Calvinismo sobre a cultura em geral e sobre o sistema de educação e de governo com seus reflexos na economia e na vida social das respectivas comunidades, sistemas estabelecidos e desenvolvidos nos países em que prevaleceu, como força dominante, a influência do Calvinismo. Sabatini Lalli Editor da 1ª edição 03 Apresentação.pmd 10 13/12/2010, 16:45

1 O CALVINISMO COMO FORÇA CULTURAL Calvino foi patrono dos modernos direitos humanos. Em seu pensamento ele antecipou a moderna forma republicana de governo. Contribuiu para a moderna compreensão da relação entre lei natural e lei positiva. Ao lado dos movimentos sociais e políticos de seu tempo, compreendeu que a origem do Estado nacional moderno, o surgimento do comércio burguês internacional, o desenvolvimento da classe burguesa e a vasta expansão do mercado monetário exigiam uma nova avaliação da proibição de empréstimo de dinheiro a juro. Além disso, Calvino levantou-se contra os abusos do poder, em seu tempo, e debateu o problema do direito à revolta. O impacto de Calvino e do Calvinismo sobre a moderna cultura ocidental está bem documentado. Reconhece-se que essa influência foi grande. Calvino e o Calvinismo ocuparam seu lugar entre as maiores forças que moldaram nossa moderna sociedade ocidental. É importante descrever essas influências do ponto de vista histórico. Qual foi a influência do Calvinismo? Até onde se estendeu essa influência? Contudo, para avaliar o Calvinismo como uma força cultural propriamente, é preciso descer a um nível mais profundo de questionamento. O que, no Calvinismo, determina a forma peculiar pela qual ele se relaciona com a cultura? Qual é o caráter distintivo que ele imprime à cultura? Nesses aspectos, em que difere ele de outros movimentos protestantes? Sem levantar questões como essas, dificilmente alguém tem condições de inquirir significativamente em que extensão ocorreu sua influência. 1 Torna-se claro que a mais significativa maneira de alguém aproximar-se do Calvinismo é ter em mente que qualquer movimento que alcançou importância histórica, terá uma correspondente influência cultural. Isso é um Capítulo 1.pmd 11 13/12/2010, 16:46

12 CALVINO E A SUA INFLUÊNCIA NO MUNDO OCIDENTAL fato em relação ao Calvinismo. Contudo, é também verdade quanto ao Luteranismo, ao Anabatismo, ao Metodismo, ao Puritanismo e a outros movimentos. É verdade de qualquer movimento, independentemente da atitude que ele tenha para com a cultura. Mesmo a postura antissecular de um segmento de igrejas que se confessam cristãs, tem um tipo especial de influência cultural, ainda que seja uma influência negativa. O retraimento de cristãos em relação àquilo que é chamado de envolvimento cultural tem, em si mesmo, um impacto cultural. Mais importante do que o problema da extensão da influência do Calvinismo será o problema da qualidade dessa influência. Ao tratar o Calvinismo como uma força cultural portanto por mais importante que essa força possa parecer não temos em mente uma descrição desacompanhada da influência que ele exerceu sobre a nossa cultura ocidental. Em vez disso, indagamos o que é que, no Calvinismo, determinou o caráter dessa influência. Por que o Calvinismo teve uma atitude positiva para com a cultura e foi capaz de fazer contribuições culturais construtivas? Porque, em verdade, essa atitude positiva pertence ao verdadeiro gênio do Calvinismo, tanto que o Calvinismo teve em mira não só uma reforma na doutrina, na vida individual e na vida da Igreja, mas também a transformação de toda a cultura, em nome de Cristo. Ao responder a essas indagações, podemos, por conveniência, organizar nossos pensamentos em torno de quatro pontos principais: 1. No Calvinismo não há dicotomia entre Cristianismo e cultura; 2. Por causa de sua maneira penetrante de entender a doutrina da criação, a universalidade da revelação divina e o lugar da lei é impossível ao Calvinismo e observe-se a importância de manter-se intacta a doutrina bíblica da relação Criador-criatura pensar em termos de uma simples e incondicional distinção entre as esferas de atividade divina e humana; 3. Toda a vida, inclusive a cultura, é teonômica, isto é, tem sentido somente quando está sujeita a Deus e à sua lei; 4. O poder do Deus-Criador-Soberano abrange também o curso da História, de modo que se pode discernir a revelação de Deus também naquilo que pertence mais imediatamente à cultura ou, seja, à atividade formadora do homem. Atitude positiva do Calvinismo em relaçã à cultura Calvino expressou sua gratidão a Deus, porque Deus, ao mesmo tempo em que trouxe à luz o evangelho em sua pureza, trouxe à existência também o renascimento das humanidades. 2 Foi Guilherme Budé que, ao tempo de Capítulo 1.pmd 12 13/12/2010, 16:46