Síntese de ácidos gordos e triacilgliceróis 1- O termo lipogénese pode utilizar-se para referir genericamente todos os processos que levam à síntese de lipídeos, quer a partir de compostos não lipídicos, quer a partir de componentes lipídicos da dieta. No entanto também pode ser utilizado num sentido mais restrito e referir-se à síntese endógena de palmitato (maioritariamente a conversão de hidratos de carbono em palmitato) e incluir ou não transformações que o palmitato sintetizado endogenamente pode sofrer (dessaturação e elongação) e a subsequente esterificação (maioritariamente a síntese de triacilgliceróis). O contexto poderá ajudar a perceber o sentido em que o termo lipogénese está a ser utilizado mas, para evitar eventuais ambiguidades, usa-se, por vezes, a expressão lipogénese de novo para referir a síntese endógena de ácidos gordos e outros lipídeos a partir de precursores não lipídicos. Para evitar eventuais ambiguidades o termo lipogénese será usado com parcimónia no texto que se segue. 2- Embora os ácidos gordos com número par de carbonos (a maioria) não sejam substratos para a síntese de glicose, a glicose pode ser substrato para a síntese de ácidos gordos. Comparativamente com outros tecidos, esta síntese é mais ativa no fígado, no tecido adiposo e na glândula mamária ativa. Nos músculos esqueléticos e cardíaco não há síntese de ácidos gordos porque, nestes tecidos, não existe a síntase do palmitato, uma das enzimas da via metabólica que leva à conversão da acetil-coa em palmitato. 3- No homem adulto, a lipogénese de novo é, nas condições das dietas mistas mais comuns nos países da civilização ocidental 1, uma via metabólica muito pouco ativa; em geral, a massa de palmitato formada endogenamente não chega a 5% da massa dos ácidos gordos provenientes da dieta. O destino metabólico mais importante dos glicídeos é a conversão em glicogénio e, em última análise, a sua oxidação; não é a conversão em ácidos gordos [1]. Contudo, a síntese endógena de palmitato pode ter relevância quando existe ingestão elevada de glicídeos no contexto duma dieta pobre em lipídeos; se o valor calórico dos glicídeos da dieta exceder a despesa energética e a capacidade do organismo para armazenar o excesso de glicose na forma de glicogénio for ultrapassada, os glicídeos em excesso são convertidos em palmitato [1]. O acetil-coa forma-se na mitocôndria a partir do piruvato (produto da glicólise) por ação catalítica da desidrogénase do piruvato e pode originar palmitato. No entanto, as enzimas envolvidas na conversão da acetil-coa em palmitato estão no citoplasma e não na mitocôndria. O transporte de acetil-coa da mitocôndria para o citoplasma envolve a (1º) formação de citrato na mitocôndria (síntase do citrato: ver Equação 1), (2º) o transporte de citrato para o citoplasma (ver Equação 2) e (3º) a regeneração de acetil-coa no citoplasma (líase do ATP-citrato: ver Equação 3). Equação 1 Equação 2 Equação 3 acetil-coa + oxalacetato + H 2 O citrato + CoA (reação na mitocôndria) citrato (mitocôndria) citrato (citoplasma) citrato + CoA + ATP oxalacetato + acetil-coa + ADP + Pi (reação no citoplasma) 4- O palmitato é um ácido gordo saturado com 16 carbonos e a sua síntese ocorre pela adição sucessiva de unidades de 2 carbonos ao grupo acetilo do acetil-coa. Estas unidades de 2 carbonos também têm origem no acetil-coa, mas a sua utilização requer a prévia ativação a malonil-coa. A carboxílase de acetil-coa (ver Equação 4) é uma lígase que contém como grupo prostético a biotina e que catalisa a formação de malonil-coa. A reação pode ser entendida como a acoplagem de um processo exergónico (a hidrólise do ATP) com outro endergónico (a de carboxilação da acetil-coa; o resíduo malonilo tem 3 carbonos). A síntese de malonil-coa é o primeiro passo na síntese de palmitato mas, mesmo em células onde esta síntese não é um processo relevante ou não existe (músculos esquelético e cardíaco), a carboxílase de acetil-coa tem um papel importante pois o malonil-coa regula (inibe) a oxidação dos ácidos gordos. Equação 4 ATP + H 2 O + CO 2 + acetil-coa ADP + Pi + malonil-coa 1 Numa dieta típica na civilização ocidental, os hidratos de carbono representam cerca de 50% do valor calórico, as gorduras cerca de 35% e as proteínas cerca de 15%. Página 1 de 7
5- A segunda enzima envolvida na síntese do palmitato é a síntase do palmitato (também designada de síntase de ácidos gordos), uma enzima dimérica citoplasmática que contém como grupo prostético a 4 -fosfopanteteína (um derivado do ácido pantoténico). A síntase do palmitato é um complexo multienzímico que contém 7 atividades catalíticas distintas que operam sequencialmente. A síntese do palmitato começa com a (1) transferência de um resíduo acetilo (2C) da acetil-coa para um grupo tiol de um resíduo de cisteína da síntase e (2) com a transferência do resíduo malonilo (3C) da malonil- CoA para outro grupo tiol, o grupo tiol da 4 -fosfopanteteína. Seguidamente ocorre (3) a transferência do resíduo acetilo para o carbono 2 do resíduo malonilo com libertação do CO 2 e a formação de 3- cetobutiril-enzima (também designado por acetoacetil-enzima), em que o grupo carboxílico do resíduo acetoacetilo (4C) está ligado (ligação tioéster) ao grupo tiol da 4 -fosfopanteteína. Os passos seguintes são (4) a redução dependente do NADPH do acetoacetil-enzima a D-3-hidroxi-acil-enzima, (5) a desidratação do D-3-hidroxiacil-enzima a 2 -enoil-enzima e (6) a redução também dependente do NADPH do 2 -enoil-enzima a acil-enzima. Neste primeiro ciclo de reações, após a adição de uma unidade de 2 carbonos (proveniente do malonilo do malonil-coa) ao acetilo, o acilo formado contém 4 carbonos: assim, o acil-enzima correspondente designa-se por butiril-enzima. A transferência do resíduo acilo ligado à 4 -fosfopanteteína para a cisteína e de um novo malonilo (do malonil-coa) para a 4'- fosfopanteteína permite a continuação da síntese em sucessivos ciclos de adição de 2 carbonos. Na fase de palmitil-enzima (C16) ocorre (7) a hidrólise (tioestérase) e a libertação de palmitato não esterificado. Partindo de acetil-coa, em cada ciclo catalítico (de 6 passos) são acrescentados 2 carbonos e, ao fim de 7 ciclos, dá-se uma hidrólise que liberta palmitato (C16). Em cada ciclo o dador dos 2 carbonos acrescentados é o malonil-coa e o carbono 2 do resíduo de malonilo liga-se no carbono carboxílico do ácido gordo saturado intermediário (com sucessivamente 2, 4, 6, 8, 10, 12 e 14 carbonos) que é substrato em cada ciclo. Um dos dois carbonos do resíduo malonilo acrescentados em cada ciclo é o grupo carboxílico do intermediário que se vai formando. Ou seja, os carbonos 15 e 16 do palmitato formado derivaram diretamente do acetil-coa que, no primeiro passo do processo, se ligou ao resíduo da cisteína da enzima; os carbonos 13 e 14 derivaram do malonil-coa envolvido na síntese do acetoacetil-enzima (1º ciclo) e os carbonos 1 e 2 do malonil-coa envolvido no último ciclo. 6- A equação soma relativa à atividade da síntase do palmitato pode ser escrita: Equação 5 7 malonil-coa + acetil-coa + 14 NADPH palmitato + 6 H 2 O + 14 NADP + + 7 CO 2 + 8 CoASH Durante o processo catalisado pela síntase do palmitato ocorre a libertação dos CO 2 (ver Equação 5) que haviam sido usados na carboxilação do acetil-coa a malonil-coa (ver Equação 4). Na atividade da síntase de palmitato, o passo em que ocorre a libertação do CO 2 é um passo exergónico que contribui para que o processo reativo global evolua no sentido da formação do palmitato e não em sentido inverso. Embora todos os carbonos do palmitato sintetizado provenham do resíduo acetilo do acetil- CoA, apenas os carbonos 15 e 16 resultam diretamente do acetil-coa que não foi previamente (via carboxílase de acetil-coa) convertido em malonil-coa. Nos 7 ciclos catalíticos que levam à formação de uma molécula de palmitato ocorre a oxidação de 14 moléculas de NADPH (duas por ciclo) que reduziram intermediários 3-cetoacil-enzima (como, por exemplo, o 3-cetobutiril-enzima) a D-3- hidroxiacil-enzima e os intermediários 2 -enoil-enzima a acil-enzima. 7- Se estritamente descrito pelas reações representadas pelas equações 1-3, o processo de transporte de acetil-coa da mitocôndria para o citoplasma seria, obviamente, insustentável: estas equações representam um processo cataplerótico sem que, simultaneamente, ocorra um outro anaplerótico. O processo descrito levaria ao esgotamento do oxalacetato mitocondrial e à sua acumulação no citoplasma. Uma via metabólica que poderá ter relevância no processo anaplerótico compensador inclui a ação da enzima málica: o oxalacetato é reduzido a malato no citoplasma (desidrogénase do malato; ver Equação 6); de seguida, o malato é oxidado a piruvato (enzima málica; também designada de desidrogénase do malato dependente do NADP + ; ver Equação 7) e, por último, o piruvato entra para a mitocôndria onde é convertido em oxalacetato pela ação da carboxílase do piruvato (Equação 8). Esta via permite, simultaneamente, fornecer parte dos equivalentes redutores (na forma de NADPH) para a atividade da síntase do palmitato e transportar oxalacetato do citoplasma para a matriz. Equação 6 oxalacetato + NADH malato + NAD + Página 2 de 7
Equação 7 Equação 8 malato + NADP + piruvato + CO 2 + NADPH piruvato + ATP + CO 2 oxalacetato + ADP + Pi Uma outra via que permite a conversão de oxalacetato citoplasmático em oxalacetato mitocondrial (mas, neste caso, sem haver formação concomitante de NADPH) é a sua redução a malato no citoplasma (ver Equação 6), a entrada do malato para a mitocôndria e a sua subsequente reoxidação a oxalacetato na matriz mitocondrial (ver Equação 6). 8- Por mole de palmitato sintetizado 14 moles de NADPH oxidam-se a NADP + (ver Equação 5). No entanto, mesmo que admitamos que a via metabólica descrita pelas equações 6-8 é a única envolvida no transporte de oxalacetato do citoplasma para a mitocôndria, a via permite formar apenas 8 NADPH (1 por cada acetil-coa transportado ) por mole de palmitato sintetizado. No entanto, para além da enzima málica (ver Equação 7) existem outras enzimas citoplasmáticas envolvidas na redução do NADP + e que têm relevância no processo de síntese de palmitato. Na via das pentoses-fosfato, a redução do NADP + a NADPH ocorre por ação catalítica da desidrogénase da glicose-6-p e da desidrogénase do 6-fosfogliconato (ver Equação 9 e Equação 10). Embora tenha menor relevância, esta redução também pode resultar da ação da desidrogénase do isocitrato citoplasmática (ver Equação 11). Dado que a glicose é o combustível da via das pentoses-fosfato e que, quer o malato, quer o isocitrato (intermediários do ciclo de Krebs) se formam (via carboxílase do piruvato) a partir da glicose, pode dizer-se que, para além de fornecer o substrato para a síntese de palmitato (acetil-coa), a glicose é também essencial no processo de formação do agente redutor pertinente no processo: o NADPH. Equação 9 glicose-6-fosfato + NADP + 6-fosfogliconolactona + NADPH Equação 10 6-fosfogliconato + NADP + ribulose-5-fosfato + NADPH + CO 2 Equação 11 isocitrato + NADP + α-cetoglutarato + CO 2 + NADPH 9- Quer o palmitato formado endogenamente, quer os ácidos gordos que entram nas células são imediatamente ativados. A expressão ativação dos ácidos gordos é usada para referir a sua esterificação com a coenzima A e é catalisada pela sintétase de acil-coa (ver Equação 12). Com exceção da oxidação em ómega (oxidação em ω; uma via quantitativamente irrelevante), a formação de acis-coa é sempre o primeiro passo nas diferentes vias que os ácidos gordos podem seguir. A ativação dos ácidos gordos é sempre o primeiro passo nas vias de dessaturação (introdução de duplas ligações), elongação (aumento do tamanho da cadeia carbonada), esterificação (síntese de triacilgliceróis ou outros lipídeos complexos), oxidação em β (ou oxidação em α) ou de conversão em corpos cetónicos. Equação 12 ácido gordo + CoA + ATP acil-coa + AMP + PPi 10- Na regulação da síntese de palmitato estão envolvidos, quer mecanismos de curto prazo como a fosforilação inativadora e a ativação e inibição alostéricas da carboxílase de acetil-coa, quer mecanismos de longo prazo envolvendo a indução e a repressão de genes codificadores das enzimas que participam nestes processos. A insulina tem ações ativadoras quer de curto quer de longo prazo. No fígado, a glicagina tem ações inibidoras. A disponibilidade de glicose tem também um papel independente da insulina na ativação do processo. A pouca relevância da lipogénese de novo nos indivíduos que vivem nos países mais desenvolvidos é uma consequência das dietas típicas nestes países (comparativamente com outras, mais ricas em lipídeos e mais pobres em glicídeos) e dos seus efeitos na regulação deste processo. 11- A lipogénese de novo pode ser ativada se a dieta for rica em glicose (e pobre em lipídeos) durante uma série de dois ou mais dias (regulação a longo prazo ). Neste efeito estão envolvidos mecanismos que envolvem a ativação da transcrição dos genes de enzimas diretamente envolvidas na lipogénese (líase do ATP-citrato, carboxílase da acetil-coa e síntase do palmitato), de enzimas envolvidas na redução do NADP + (desidrogénases de glicose-6-fosfato e 6-fosfogliconato e enzima málica) e, no fígado, de enzimas da glicólise (hexocínase IV e cínase do piruvato). A transcrição de todos estes genes é ativada pela ingestão de glicose. Um dos mecanismos envolvidos na ativação de alguns destes genes (cínase do piruvato, carboxílase de acetil-coa, síntase do palmitato e também dessatúrase de estearil-coa; ver à frente) é o aumento da concentração citoplasmática de xilulose-5-fosfato que, alostericamente, ativa uma fosfátase A2 que promove a desfosforilação e a consequente ativação de um Página 3 de 7
fator de transcrição denominado ChREBP (Carbohydrate-responsive element-binding protein; proteína de ligação ao elemento de resposta aos carbohidratos) [3-4]. Quando a glicemia aumenta, a concentração citoplasmática da xilulose-5-fosfato também aumenta, o que ativa o ChREBP e a atividade das enzimas acima referidas. A glicagina tem, no fígado, um efeito inativador do CHREBP porque, via ativação da PKA, promove a fosforilação deste fator de transcrição; por isso, no fígado, a glicagina inibe a lipogénese de novo. A insulina também aumenta a síntese de enzimas envolvidas na conversão de glicose em palmitato. Um dos mecanismos que está envolvido nesta ação da insulina é o aumento da síntese de um fator de transcrição denominado SREBP-1c (sterol regulatory element binding protein 1-c; proteína 1c de ligação ao elemento de resposta aos esteroides 2 ). O SREBP-1c aumenta a transcrição dos genes da líase do ATP-citrato, da carboxílase de acetil-coa e da síntase do palmitato. Opondo-se à insulina os ácidos gordos poli-insaturados têm o efeito oposto inibindo a síntese do SREBP-1c [2]. 12- A atividade da carboxílase da acetil-coa fornece malonil-coa para a síntese de palmitato (e para a elongação) e a sua regulação de curto prazo tem sido muito estudada. Para além de regulada ao nível da transcrição (ativação pela ChREBP e pela SREBP-1c), a carboxílase de acetil-coa também é regulada (i) por fosforilação e desfosforilação reversíveis e (ii) por mecanismos alostéricos (citrato ativador e acis-coa inibidores). Quando a glicemia e/ou a insulina estão elevadas, a concentração de citrato (em última análise o precursor citoplasmático da via em análise; ver Equação 3) aumenta ligeiramente no fígado e admite-se que esta variação poderá contribuir para a ativação da carboxílase de acetil-coa. Nestas condições metabólicas as cínases de proteínas que catalisam fosforilações inativadoras da carboxílase de acetil-coa estão pouco ativas. A enzima com o papel mais importante na inativação da carboxílase de acetil-coa é a cínase de proteínas ativada pelo AMP (AMPK). A AMPK é uma cínase de proteínas que está mais ativa quando aumenta a concentração intracelular de AMP ou, no caso do fígado, quando a glicagina aumenta no plasma sanguíneo. Possivelmente a ação da glicagina envolve a ativação da PKA (via aumento da concentração do AMP cíclico) que catalisa a fosforilação e a consequente ativação de uma cínase que, por sua vez, catalisa a fosforilação (e ativação) da AMPK. A AMPK catalisa a fosforilação da carboxílase de acetil-coa em resíduos específicos que levam à sua inibição e, consequentemente, à inibição da síntese de palmitato. A insulina tem o efeito oposto ao da glicagina: quando a insulina aumenta fica ativa uma fosfátase de proteínas que catalisa a desfosforilação e consequente ativação da carboxílase de acetil-coa e, em última análise, a síntese de palmitato. O palmitato formado neste processo de síntese é ativado a palmitil-coa (ver Equação 12) e, tal como outros acis-coa, o palmitil-coa é inibidor alostérico da carboxílase de acetil-coa. Desta forma, via palmitil-coa, o palmitato inibe a sua própria síntese. 13- Os ácidos gordos saturados mais abundantes nos mamíferos são o palmítico (16:0; significa 16 carbonos e zero ligações duplas) e o esteárico (18:0). O ácido esteárico pode formar-se endogenamente a partir de ácido palmítico por ação de enzimas do retículo endoplasmático que catalisam a adição de dois carbonos (do malonil-coa) ao palmitil-coa. Pela adição sucessiva de unidades de dois carbonos no carbono 1 de ácidos gordos (elongação) podem formar-se endogenamente ácidos gordos com um número de carbonos superior a 16 (por exemplo, formação de estearato a partir de palmitato). O processo de elongação envolve enzimas com atividades catalíticas semelhantes às que foram referidas para a síntase do palmitato. O dador da unidade de dois carbonos é também o malonil-coa e o agente redutor o NADPH. No entanto, no caso da elongação, existem para cada um dos passos do processo diferentes enzimas e os intermediários libertam-se em cada passo como derivados ligados ao CoA (e não à enzima) [2]. O processo parte de um acil-coa em que o acilo tem n carbonos gerando outro acil- CoA com n+2 carbonos: a equação que descreve a elongação do palmitil-coa a estearil-coa é a Equação 13. Tal como no caso da síntase do palmitato os dois carbonos acrescentados ao resíduo palmitato do palmitil-coa passam a constituir os carbonos 1 e 2 do resíduo estearato do estearil-coa formado. Equação 13 palmitil-coa + malonil-coa + 2 NADPH estearil-coa + 2 NADP + + CoA + H 2 O + CO 2 2 Embora se denomine steroid response element binding protein-1c o SREBP-1c (ao contrário do SREBP-2) não se liga a esteroides. Página 4 de 7
14- No retículo endoplasmático podem também formar-se ácidos gordos insaturados e a reação é catalisada por sistemas enzímicos genericamente designados como dessatúrases de acil-coa. O processo de dessaturação envolve uma cadeia de oxiredútases (que inclui o citocromo b5) em que o O 2 funciona como oxidante último do acil-coa e do NADPH (ou do NADH). O somatório dos processos catalisados pelos sistemas das dessatúrases de acil-coa é a Equação 14. O O 2 reduz-se a H 2 O aceitando 4 eletrões: 2 são cedidos pelo acil-coa onde se forma a ligação dupla e os outros 2 pelo NADPH ou pelo NADH. Equação 14 acil-coa + O 2 + NADH ou NADPH acil-coa insaturado + 2 H 2 O + NAD + ou NADP + Existem dessatúrases com diferentes especificidades no que se refere ao carbono onde a dupla ligação é introduzida. A dessatúrase 9 (também designada de dessatúrase do estearil-coa; ver Equação 15) catalisa a conversão do ácido esteárico (18:0) em oleico (18:1;9; significa 18 carbonos e uma ligação dupla no carbono 9) e do palmítico (16:0) em palmitoleico (16:1;9). Outras dessatúrases são a dessatúrase 6 e a dessatúrase 5 que estão envolvidas na introdução de novas duplas ligações em ácidos gordos poli-insaturados. Nos ácidos gordos poli-insaturados entre duas duplas ligações consecutivas há sempre um grupo metileno ( CH=CH-CH 2 -CH=CH ). As duplas ligações dos ácidos gordos naturais são sempre de tipo cis. Equação 15 estearil-coa (ou palmitil-coa) + O 2 + NADH ou NADPH oleil-coa (ou palmitoleil-coa) + 2 H 2 O + NAD + ou NADP + 15- No caso dos mamíferos não é possível a introdução de duplas ligações em carbonos com número superior ao carbono 9. Assim, o ácido linoleico (18:2;9,12) e o ácido α-linolénico (18:3;9,12,15) não são sintetizados nas células dos mamíferos e dizem-se essenciais ou nutricionalmente indispensáveis. O ácido linoleico é exemplo de um ácido gordo da série ω6 (ómega 6). Nos ácidos gordos ω6 a dupla ligação que está mais distante do grupo carboxílico situa-se entre o 6º e o 7º carbono a contar do fim; no caso do ácido linoleico o carbono ω6 corresponde ao carbono 13 e a dupla ligação mais distante do grupo carboxílico situa-se entre os carbonos 12 e 13. O ácido α-linolénico é exemplo de um ácido gordo da série ω3; ou seja, a dupla ligação mais distante do grupo carboxílico situa-se entre o 3º e o 4º carbono a contar do fim. 16- Nos mamíferos, é possível interconverter diferentes ácidos gordos ω6 entre si (ou diferentes ω3 entre si), mas não é possível converter ácidos gordos de uma série na outra nem formar ω3 ou ω6 a partir de saturados. Quando se discutem interconversões envolvendo ácidos gordos insaturados a nomenclatura ω tem vantagens relativamente à que ordena os carbonos considerando o carbono 1 o carbono carboxílico (nomenclatura clássica). Quando ocorre elongação, o número de carbonos de um ácido gordo aumenta 2 carbonos (que se ligam ao carbono que era originalmente o carboxílico) e, na nomenclatura clássica, o número associado aos carbonos onde existiam duplas ligações aumenta de igual modo; os carbonos continuam os mesmos, mas passam a ter um número diferente. No entanto, explicando a preferência pela nomenclatura ω, quando se tratam destes temas, a numeração ω não é afetada. 17- O ácido araquidónico (20:4;5,8,11,14) é um ácido gordo ω6 e é precursor na síntese de eicosanoides 3 e do neurotransmissor anandamida. O ácido araquidónico (ω6; 20:4) pode formar-se nos mamíferos a partir do linoleico (ω6; 18:2), por ação sequenciada da (1) dessatúrase 6, (2) de elongação e (3) da dessatúrase 5. A dessaturação no carbono 6 (ver Equação 16) forma o ácido γ-linolénico (18:3;6,9,12 ou ω6; 18:3), que, elongado em 2 carbonos (ver Equação 17), origina o ácido eicosatrienóico da série ω6 (20:3;8,11,14 ou ω6; 20:3); a dessaturação, agora no carbono 5, origina o ácido araquidónico (ver Equação 18). Admitindo que o NADH não intervém, a Equação 19 é a que representa o somatório do processo de síntese de araquidonil-coa a partir de linoleil-coa. O EPA 3 Eicosanoides são substâncias (prostaglandinas, tromboxanos, leucotrienos e lipoxinas) formadas a partir de ácidos gordos poli-insaturados com 20 carbonos que se libertam em muitas células do organismo e que provocam efeitos interagindo com recetores situados na membrana celular das mesmas células onde se libertam (sinalização autócrina) ou em outras células da proximidade (sinalização parácrina). Página 5 de 7
(ácido eicosa-penta-enoico, 20:5;5,8,11,14,17 ou ω3, 20:5) é, tal como o α-linolénico (ω3; 18:3), um ácido ω3; forma-se numa sequência de reações iguais às referidas para o caso do ácido araquidónico mas, neste caso, partindo do ácido α-linolénico. Admitindo que o NADH não intervém, a Equação 20 é a que representa o somatório do processo de síntese de eicosa-penta-enoil-coa a partir de α-linolenil- CoA. De facto, em qualquer dos casos, quer os substratos quer os intermediários das vias de conversão são sempre ácidos gordos ativados: os acis-coa respetivos. Equação 16 linoleil-coa + O 2 + NADH ou NADPH γ-linolenil-coa + 2 H 2 O + NAD + ou NADP + Equação 17 γ-linolenil-coa + malonil-coa + 2 NADPH eicosatrienoil-coa + 2 NADP + + CoA + H 2 O +CO 2 Equação 18 eicosatrienoil-coa + O 2 + NADH ou NADPH araquidonil -CoA + 2 H 2 O + NAD + ou NADP + Equação 19 linoleil-coa + 2 O 2 + 4 NADPH + malonil-coa araquidonil-coa + 5 H 2 O + 4 NADP + + CoA + CO 2 Equação 20 α-linolenil-coa + 2 O 2 + 4 NADPH + malonil-coa eicosa-penta-enoil-coa + 5 H 2 O + 4 NADP + + CoA + CO 2 18- Durante a digestão intestinal dos triacilgliceróis (os mais abundantes lipídeos da dieta) forma-se maioritariamente 2-monoacilglicerol e ácidos gordos que são absorvidos. Os ácidos gordos de cadeia longa e muito longa são esterificados nos enterócitos regenerando-se os triacilgliceróis: os ácidos gordos são ativados (sintétase de acil-coa: ver Equação 12) e os resíduos acilo dos acis-coa transferidos para as posições 1 e 3 do 2-monoacilglicerol por ação catalítica de duas transférases de acilo. Os triacilgliceróis formados vão, a seguir, incorporar-se nos quilomicra. 19- No fígado, no rim, na glândula mamária ativa, no tecido adiposo e nos músculos, o aceitador de resíduos acilo no processo de síntese de triacilgliceróis não é o 2-monoacilglicerol, mas o glicerol-3-fosfato. No tecido adiposo e nos músculos não existe cínase do glicerol (ver Equação 21) e todo o glicerol-3- fosfato resulta da redução da dihidroxiacetona-fosfato, um intermediário da glicólise (desidrogénase do glicerol-3-fosfato: ver Equação 22). Nos casos do fígado, do rim e da glândula mamária ativa, a presença da cínase do glicerol (ver Equação 21) permite a formação de glicerol-3-fostato a partir de glicerol e ATP. Na via da síntese dos triacilgliceróis, o glicerol-3-fosfato aceita (por ação catalítica de duas transférases de acilo que atuam sequencialmente) dois resíduos acilo de acis-coa formando-se, primeiro, o 1-acil-glicerol-3-fosfato e a seguir o 1,2-diacilglicerol-fosfato (ou ácido fosfatídico ou fosfatidato); ver Equação 23 e Equação 24. De seguida, a fosfátase do ácido fosfatídico catalisa a formação do 1,2-diacilglicerol (ver Equação 25) que aceita outro acilo formando-se o triacilglicerol (ver Equação 26). A equação soma que descreve a síntese de triacilglicerol (esterificação) a partir de glicerol-3-p e acis-coa é a Equação 27. Equação 21 ATP + glicerol glicerol-3-p + ADP Equação 22 dihidroxiacetona-p + NADH glicerol-3-p + NAD + Equação 23 glicerol-3-p + acil-coa 1-acil-glicerol-3-P + CoA Equação 24 1-acil-glicerol-3-P + acil-coa 1,2-diacilglicerol-3-P (= ácido fosfatídico) + CoA Equação 25 ácido fosfatídico + H 2 O 1,2-diacilglicerol + Pi Equação 26 acil-coa + 1,2-diacilglicerol triacilglicerol + CoA Equação 27 glicerol-3-p + 3 acil-coa + H 2 O triacilglicerol + 3 CoA + Pi Os triacilgliceróis constituem a mais abundante forma de reserva de energia num indivíduo normal e encontram-se maioritariamente no tecido adiposo (cerca de 95% dos lipídeos de um homem jovem normal encontram-se no tecido adiposo). A gordura de um indivíduo adulto normal com 70 kg (cerca de 10-15 kg de gordura) permite custear as suas necessidades energéticas durante cerca de 2 meses. As fibras musculares também acumulam uma pequena quantidade de gordura no seu interior (cerca de 300 g no conjunto do organismo). No exercício físico, juntamente com os triacilgliceróis dos adipócitos, os triacilgliceróis intramiocelulares têm um papel energético relevante. 20- A ação ativadora da insulina na síntese de lipídeos e a ação inibidora dos ácidos gordos poli-insaturados não se limita à lipogénese de novo. A ativação, pela insulina, da síntese de SREBP-1c e a ação inibidora dos ácidos gordos poli-insaturados na síntese deste fator de transcrição levam, respetivamente, ao Página 6 de 7
aumento e à inibição da transcrição de genes da lipogénese entendida num sentido mais amplo. São genes alvo os genes da dessatúrase do estearil-coa (ver Equação 15) [3], da acil-transférase do glicerol-3-fosfato (a primeira enzima no processo de esterificação; ver Equação 23) e genes de enzimas envolvidas no processo de elongação de ácidos gordos. (A transcrição do gene da dessatúrase do estearil-coa também é ativada pelo fator de transcrição CHREBP.) Pelo menos no tecido adiposo, a disponibilidade de glicerol-3-fosfato (que se forma a partir da dihidroxiacetona-fosfato, via glicólise) também ativa o processo de esterificação. A glicólise depende da entrada de glicose para dentro dos adipócitos que é ativada pela insulina via mobilização de GLUT4 para a membrana celular destas células. 1. Hellerstein, M. K. (1999) De novo lipogenesis in humans: metabolic and regulatory aspects, Eur J Clin Nutr. 53 Suppl 1, S53-65. 2. Jump, D. B., Botolin, D., Wang, Y., Xu, J., Christian, B. & Demeure, O. (2005) Fatty acid regulation of hepatic gene transcription, J Nutr. 135, 2503-6. 3. Foster, D. W. (2004) The role of the carnitine system in human metabolism, Ann N Y Acad Sci. 1033, 1-16. Página 7 de 7