GÊNEROS ORAIS POUCO FREQUENTES NA SALA DE AULA DOS ANOS INICIAIS: O TELEFONEMA ORAL GENRES LESS FREQUENT IN THE CLASSROOM OF THE EARLY YEARS: THE TELEPHONE CALL Amanda de Haro SENO ** Camila Tanure DUARTE *** RESUMO Este trabalho tem como objetivo verificar o uso dos gêneros orais em sala de aula, mais especificamente, o gênero telefonema. Apesar de os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa discursarem sobre a importância de se partir da oralidade dos alunos para lhes ensinar a língua materna, ainda se observa que a oralidade não é tão trabalhada em sala de aula, sendo considerada até secundária à escrita. A pesquisa é baseada na teoria de autores como Dolz & Schneuwly (2004) e Marcuschi (2008); o material de análise foi adquirido na E. E. Professor Octacílio Alves de Almeida, a partir do contato e observação de alunas pesquisadoras em sala de alfabetização. PALAVRAS-CHAVE: telefonema; gêneros orais; alfabetização. ABSTRACT This work aims to verify the use of oral genres in the classroom, specifically the telephone call genre. Although the Parâmetros Curriculares da Língua Portuguesa mentions the importance of teaching native language taking into account students oral expression, we can still observe that oral expression is not worked in class as it is supposed to be and sometimes it is considered secondary when related to writing practices. The research is based on Dolz & Schneuwly (2004) and Marcuschi (2008); the material for analyses was obtained at E. E. Professor Octacílio Alves de Almeida, through contact and observation in literacy classroom. KEYWORDS: telephone call; oral genres; literacy. Este artigo foi elaborado a partir das leituras e pesquisas baseadas no Projeto Bolsa Escola Pública e Universidade na Alfabetização, do Governo do Estado de São Paulo. ** Licencianda do curso de Pedagogia IBILCE/UNESP. *** Licencianda do curso de Pedagogia IBILCE/UNESP. 7
1. INTRODUÇÃO Atualmente o discurso sobre o ensino da língua materna nas escolas públicas tem enfatizado a relevância de se trabalhar a partir dos gêneros orais na alfabetização dos alunos. Este discurso encontra-se tanto nos Parâmetros Curriculares Nacionais como também em vários documentos escolares devido à importância de se enfatizar o conhecimento prévio dos alunos, enquadrando o currículo na realidade discente. Este enfoque colabora para a aquisição do aluno das diversas práticas sociais relacionadas à leitura e escrita. No entanto, o aproveitamento da oralidade dos alunos não é frequentemente observado nas práticas docentes, dado que impulsionou a motivação inicial desta pesquisa. Enfocar-se-á, nesse trabalho, o gênero telefonema, uma vez que este pode ser considerado um gênero vastamente utilizado pelos alunos em seu cotidiano, principalmente nos tempos atuais, com a utilização de celulares e outras tecnologias. Para tanto, o tema abordado partiu da observação em sala de aula pelas alunas pesquisadoras do Programa Ler e Escrever do governo do Estado de São Paulo e, em posterior reflexão, em reuniões semanais com os professores coordenadores do projeto. Pretende-se, assim, enfatizar a importância da utilização dos gêneros da oralidade como contribuidores relevantes para a aquisição da língua materna, essenciais nas salas de alfabetização. Esta pesquisa estrutura-se iniciando com as teorias de apoio, apresentando, como principais enfoques teóricos, Dolz & Schneuwly (2004) e Marcuschi (2008), a respeito de gêneros orais e seu ensino nas séries de alfabetização. Em seguida, apresenta-se uma discussão e análise do problema em questão, ou seja, o uso pouco frequente de gêneros orais em sala de aula, especificamente do telefonema. Como próximo tópico, a pesquisa comenta os resultados obtidos na escola observada, à luz das teorias discutidas. Como conclusão, apresenta-se sugestões de trabalho com o gênero oral telefonema, além da apresentação de um trabalho realizado pelas alunas pesquisadoras em sala de aula com o gênero oral entrevista, a partir da fábula "A Cigarra e a Formiga" (Esopo, La Fontaine, Monteiro Lobato, "Grilo"). 8
2. TEORIAS DE APOIO É importante o trabalho em sala de aula com gêneros textuais, pois são eles que permitem que o aluno compreenda as diferentes formas sociais de comunicação e raciocínio. Porém, as práticas em sala de aula, em geral, são pobres ou deixam a desejar no que se refere ao trabalho com vários gêneros textuais. O professor, muitas vezes, não sabe de sua importância na alfabetização e, quando faz uso deles, restringe seu trabalho em textos fragmentados muito comuns, como as cartilhas. Um dos motivos dessa ocorrência é a falta de material e informação a partir das quais o professorado possa tomar base para seu trabalho pedagógico. Segundo Marcuschi (2008), os próprios PCNs não definem claramente quais são os gêneros mais adequados para produção textual ou leitura, pois há textos que têm caráter mais receptivo e outros são mais necessários de se produzir no cotidiano. Nesse documento, os gêneros orais são ainda menos abordados do que os escritos. Não há como definir qual gênero é mais importante para se trabalhar, mas há os que têm maior e menor grau de formalidade, critério que auxilia na escolha do trabalho pedagógico para o nível em que se encontra o aluno. Os PCNs declaram, positivamente, ser contra alguns preconceitos observados nas escolas, entre eles, o de que as línguas falada e escrita são opostas, o que, na verdade, não são, visto que ambas modalidades constituem as práticas sociais, sendo equivocado afirmar, por exemplo, que a fala é estritamente coloquial e a escrita, estritamente formal. Também cabe destacar que a escrita não é a simples reprodução gráfica da fala. A concepção de que existe a fala certa também é outro equívoco, pois existem diferentes falares que podem ser considerados variedades linguísticas a depender de fatores socioeconômicos e culturais. Deste modo, não é função da escola corrigir desvios dos alunos, mas explicar em quais situações essa ou aquela variedade linguística deve ser utilizada. A falha do documento não está na abordagem do uso da língua, mas em não mostrar o que fazer com tais desvios. Os PCNs também deixam de abordar vários gêneros textuais decorrentes no dia-a-dia, de caráter coloquial, abordando, com mais ênfase, textos mais formais. Os textos formais são, sim, essenciais à formação do aluno; porém os demais gêneros não podem ser totalmente ignorados pela escola. Outro aspecto que merece ser destacado 9
diz respeito à ambigüidade na definição de oralidade e escrita, uma vez que a distinção não é especificada e pouco é sugerido para o trabalho da primeira; os telefonemas, por exemplo, nem sequer são citados. Pode-se perceber que os Parâmetros Curriculares Nacionais enfatizam a compreensão textual dando menor ênfase à produção o que também é observado em sala de aula, o que reflete o pouco uso da escrita por parte dos alunos. Na concepção de Dolz & Schneuwly (2004), os gêneros mais formais são os que devem ser trabalhados com maior ênfase pela escola, pois são mais difíceis de serem elaborados no cotidiano de forma espontânea e têm a estrutura mais rígida que os gêneros coloquiais. Nessa perspectiva, os autores elaboram uma proposta que a oralidade e a escrita não se sobrepõem, mas se complementam; os textos são produzidos com a finalidade de serem lidos por alguém para fins comunicativos e devem estar inseridos dentro do contexto cotidiano do aluno. Os gêneros orais constituem-se de um padrão elaborado pela sociedade para que haja compreensão entre o falante e o ouvinte. São instrumentos por meio dos quais se estabelece a comunicação. O gênero se define pelos conteúdos que transmite, sua estrutura e estilo. Além dessas características específicas, no gênero oral, há a entonação que marca diferenças nos seus usos. Os gêneros que devem ser ensinados, de acordo com Dolz & Schneuwly, são os de comunicação pública mais formal, pois os alunos normalmente já dominam bem as formas mais coloquiais, lembrando que estas também não podem ser esquecidas no trabalho em sala de aula. Os gêneros formais exigem do aluno uma análise de sua estrutura, diferente da que estão adaptados a fazer. Os gêneros orais são autônomos; portanto, não dependem da escrita para serem produzidos. 3. ANÁLISE E DISCUSSÃO Pelas leituras sobre o tema abordado, pode-se refletir acerca da importância do aproveitamento da oralidade dos alunos para a aquisição da língua materna. Com o aproveitamento da oralidade, o aluno enxerga-se dentro de um contexto, no qual a construção de um saber sistematizado se dá mais facilmente e de forma concreta. 10
Reflete-se ainda sobre a importância de trazer essas discussões para a formação dos docentes, em vista da dificuldade que os professores apresentam ao trabalharem os gêneros, tanto orais como escritos. Neste sentido, analisa-se também a falha nos materiais disponíveis aos profissionais da área quanto à diversidade de gêneros e sua utilização. Outra discussão refere-se ao uso de gêneros mais complexos, aqueles que não estão incorporados frequentemente no cotidiano das crianças. Estes são importantes para a construção de uma formação integral e uma organização na compreensão da escrita como um todo. 4. RESULTADOS OBTIDOS Pelas observações dos docentes na instituição onde se realizou a pesquisa, pode-se observar que as professoras trabalham com poucos gêneros, principalmente os orais. Nos casos em que foram trabalhados, partiu-se pouco da oralidade dos alunos, sendo as atividades de escrita mais valorizadas. Observou-se ainda uma forma muito tradicional de apresentação dos conteúdos, em que não há preparação prévia, nem estímulos aos alunos para apresentação dos gêneros trabalhados; estes, aliás, não são diversificados e ainda são de caráter mais simplista e, muitas vezes, fora do cotidiano do aluno. Ao trabalhar trava-línguas, por exemplo, a professora não explicou seu valor cultural e a dificuldade intencional para falá-los, apenas leu o texto com as crianças repetidas vezes. O mesmo ocorreu no trabalho com teatro. Não houve motivação, nem estímulos à imaginação, somente as falas pré-moldadas do livro de leituras do material Ler e Escrever foram ditas, sem grandes emoções e identificações que o alunado poderia realizar. Quando os gêneros são tomados como objetos de ensino, como os poemas, por exemplo, se observa que as professoras não têm clara consciência de por que ensinálos, pois eles não são utilizados e aproveitados para posteriores trabalhos; apenas para completar o livro didático utilizado em sala. Quanto ao gênero específico da pesquisa, o telefonema, observou-se uma única referência, com a utilização de um texto em que era narrada uma conversa no telefone. Como se pode observar, não estava relacionado à oralidade, mas à escrita, 11
pois a docente apenas transmitiu na lousa o diálogo telefônico, com posterior interpretação do texto, sem, ao menos, manifestar qualquer comentário sobre o gênero em questão, nem realizar atividades específicas, como uma simulação oral entre as crianças de uma conversa no telefone. 5. CONCLUSÃO Conclui-se, com esta pesquisa, que o trabalho com os gêneros orais, além de ter um espaço reduzido em sala de aula, principalmente nos anos iniciais, quando realizado, há uma valorização maior da escrita em detrimento da oralidade, o que, segundo os autores estudados, é uma das situações que devem ser evitadas nas escolas. Neste sentido, houve um período de regência durante as observações, no qual se trabalhou o gênero oral entrevista, com um texto sobre a fábula A Cigarra e a Formiga. O gênero trabalhado na regência também é de uso pouco frequente nas escolas, sendo aproveitado somente sua forma escrita. Assim, numa comparação com o gênero telefonema, buscou-se realizar uma aula embasada na oralidade do aluno. Iniciou-se o trabalho com a chamada de atenção dos alunos, utilizando-se cartazes. Em seguida, ativou-se o conhecimento prévio dos alunos com perguntas sobre o tema. Depois veio a contextualização histórica (época em que se criaram as fábulas). Leu-se o texto e houve trabalho com o vocabulário, o texto foi discutido, recontado, deram sua opinião se eram a favor da cigarra ou da formiga e, a partir daí, iniciaram-se as atividades escritas, partindo da oralidade, a saber: a reescrita do final da história, acróstico e bingo com o vocabulário dos textos. Com o gênero telefonema poderia se realizar um trabalho semelhante, com chamada de atenção com cartazes alguns deles contendo imagens de telefones de diferentes épocas ou mesmo trazendo um telefone para a sala. Ativação do conhecimento prévio se as crianças têm telefone, se sabem como se utiliza, se têm celular, com quem conversam, contextualização histórica, simulações, onde as próprias crianças podem ligar umas para as outras e haver produção textual a partir das ligações (as produções podem ser em duplas, o que possibilita maior trabalho com a oralidade, além de interação aluno-aluno). É um gênero muito amplo em 12
possibilidades e muito lúdico para se trabalhar, visto que se mistura com o brincar e com o faz-de-conta, tão comum à idade dos alfabetizandos. O oral pode e deve ser trabalhado em sala de aula e dar base para a produção textual, o que permite que a criança desenvolva não só conhecimentos relacionados à alfabetização, como também à oralidade, muito necessária nas práticas sociais da sociedade em que está inserida. REFERÊNCIAS DOLZ, J. SCHNEUWLY, B. O oral como texto: como construir um objeto de ensino. In:. Gêneros orais e escritos na escola. Tradução e organização de Rojane Rojo e Glaís S. Cordeiro. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2004, p.149-151; 170-185. (Coleção As faces da Linguística Aplicada ). MARCUSCHI, L. A. A questão dos gêneros e ensino de língua. In:. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo, Parábola Editorial, 2008, p.206-221. 13