REAÇÕES DE MICROFLOCULAÇÃO COM CARDIOLIPINA E SITOLIPINA EM SOROS DE LEPROSOS (*)



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Transcrição:

REAÇÕES DE MICROFLOCULAÇÃO COM CARDIOLIPINA E SITOLIPINA EM SOROS DE LEPROSOS (*) OSWALDO B. PORTELLA (**) JOSÉ OLIVEIRA DE ALMEIDA (***) E' de conhecimento geral entre patologistas que os testes serológicos para a sífilis, tanto os de floculação como os de fixação de complemento, apresentam em soros de leprosos, elevada percentagem de falsas reações positivas. Extensa literatura existe sabre esse assunto, e sabe-se que o sôro leproso, mercê do alto teor em globulinas que apresenta, mostra capacidade polifixante e floculante, que se revela com antígenos quer de emulsões de lepromas ou de suspensões de supostas culturas de Mycobacterium leprae, quer com os usados em reações para tuberculose e sífilis. As reações de fixação e floculação usadas no diagnóstico da sífilis com antígenos lipídicos são de longa data conhecidos como fornecendo resultados positivos diante do sôro leproso, estando mesmo em relação com a forma clínica da moléstia, encontrando-se u'a maior percentagem na forma lepromatosa. Completa revisão da literatura desde os trabalhos iniciais de Eitner até 1931, foi feita por Badger 2, seguindo outras de Cooke 4, e Hasseltine 11. Na avaliação levada a efeito em 1935 pelos Serviços de Saúde Pública dos Estados Unidos 5, encontrou-se positividade em casos de lepra presumivelmente não sifilíticos de 40-76% respectivamente com as reações de Hinton e Kahn presuntivos. Resultados promissores foram obtidos por Cappelli com a suspensão fenolizada de amostra Reiter recomendada por Gaehtgens para o diagnóstico da sífilis em fixação de complemento. Refere não ter obtido reações. (*) Trabalho realizado no Depart. de Microbiologia e Imunologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. (**) Assistente da Cadeira de Dermatologia e Sifiligrafia da Faculdade de Medicina da Universidade do Brasil, Rio de Janeiro, Brasil. (***)Assistente da Cadeira de Microbiologia e Imunologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil. Apresentado à Sociedade Paulista de Leprologia, sessão de 14 de abril de 1952.

MICROFLOCULAÇÃO COM CARDIOLIPINA E SITOLIPINA 33 inespecíficas com o sôro leproso, o qual só daria resultado positivo quando com concomitância de sífilis, Na Conferência Sorológica de Washington 28 em 1942, a positividade obtida com soros de leprosos variou entre 13,8-15% e 66-70%, respectivamente com as reações de fixação de complemento, de Mazzini, do Departamento de Saúde do Estado de New York, e com as reações de Hecht e Kahn presuntivo. Faget e Ross 7, em 1944, trabalhando com as reações de Kahn e Kolmer, encontraram 47,3% de resultados positivos em todos os casos de lepra, variando, respectivamente, a positividade em relação à forma clínica desde 10,7% na forma tuberculóide até 60.6% nos casos lepromatosos. Êsses autores acharam íntima correlação entre a atividade e manifestações clínicas da lepra e as reações sorológicas, independentes de tratamento antiluético, não realizado. Em exames post-mortem de 134 pacientes de lepra, com reações positivas para sífilis, em 90% de casos não foi notada evidência de lues. De outro lado, pacientes leprosos nos quais foi instituido tratamento antissifilítico não tiveram reversão sorológica, dados que constituiram evidência de que a lepra fosse capaz de produzir falsas reações positivas nas provas sorológicas para sífilis. Com a descoberta da Cadiolipina por Pangborn l7, e o seu emprêgo em associação com a lecitina e o colesterol, quer nas reações de fixação de complemento, como nas de floculação no diagnóstico da sífilis, o número de falsas reações positivas diminuiu consideravelmente. Assim aconteceu na malária, mononucleose, etc., mas os soros de lepra ainda continuam a dar com êsse fosfolipídeo reações positivas na ausência da sífilis. Assim, Rein e Bossak 19 não acharam diferenças significativas quando examinaram soros de leprosos com cardiolipina e extrato alcoólico de coração de boi; resultados semelhantes foram também obtidos por Utrilla 26. Reações de floculação e de fixação de complemento, feitas paralelamente, por Ross e Gemar 20, com as técnicas de Kahn e de Kolmer com cardiolipina, mostraram elevada incidência de falsos resultados positivos. A percentagem de falsas reações diminue com o emprêgo da cardiolipina; assim Shively e Kuhns 21, examinando soros de 120 leprosos encontraram, em pacientes presumivelmente não sifilíticos, 36,6% de resultados positivos empregando a reação de Kolmer com cardiolipina; a técnica de Kolmer com antígeno de Kolmer com 53,3%, VDRL 58,3% e Kahn com 75%. Outros autores encontraram menor percentagem, como Grasso 9 que, empregando técnica de Kolmer com antígeno de cardiolipina, achou uma positividade de 24,5%.

34 REVISTA BRASILEIRA DE LEPROLOGIA Na presunção de que reações sorológicas com antígenos lipídicos tenham significado específico de verdadeira reação antígeno-anticorpo. Kahn 13-14, aplicou sua técnica sorológica Universal em sôro leproso, obtendo diferença de perfil de precipitação entre soros de pacientes com tipo lepromatoso e tuberculóide da moléstia. Acredita esse autor na totipotência dos extratos lipídicos os quais conteriam diferentes frações antigênicas responsáveis pelas precipitações com auto-anticorpos homólogos presentes nos soros normais como nos de diferentes infecções inclusive a lepra. Acredita-se que verdadeiramente o que ocorre nesse fenômeno universal de precipitação, seja alteração qualitativa das globulinas do sôro que encontram na técnica utilizada da reação, condição ótima para evidenciar fenômenos inespecíficos de precipitação de antígenos lipóides. Reações de floculação mostram percentagem elevada de positividade na forma lepromatosa da doença, apresentando no entanto discrepâncias entre os diversos testes, como demonstraram Trespalacios e Otero 22, empregando as reações de Kahn, Mazzini, VDRL e Meinicke. Discute-se ainda hoje o significado das reações positivas para sífilis no sôro leproso, parecendo, entretanto, que se pode aceitar, em determinadas condições técnicas, o argumento antigo de que elas representem sífilis residual ou seja prevalência de sífilis ou outras treponematoses, no grupo de leprosos em estudo. Uroma e Tuomioja 24, usando técnica semelhante à de Pangborn no preparo da Cardiolipina, extraíram e purificaram do embrião do trigo, um novo fosfolipídeo a Sitolipina, de propriedades biológicas, composição química e comportamento sorológico muito afins da Cardiolipina, mostrando capacidade antigênica em reações para sífilis, também quando associada à lecitina e ao colesterol. Um estudo comparativo empregando soros de sifilíticos foi apresentado recentemente por Rein, Kelsec e Rosenfield 18, não achando êsses autores diferenças de comportamento entre sitolipina e cardiolipina. Em 1950, Uroma 25 apresentou os resultados de sua experiência com o novo fosfolipídeo, durante o Symposium Internacional, para o estudo da sífilis, em Helsinki, tendo ficado demonstrado atividade praticamente igual à obtida com Cardiolipina nas reações de Microfloculação. A fixação de complemento feita por Tuomioja 23, com sitolipina, mostrou ser mais sensível que o Wassermann com antígeno colesterinado. Na discussão do trabalho então apresentado perguntou-se se, a sitolipina tinha sido experimentada em soros de lepra; não tinha sido até então e o presente trabalho mostra o seu funcionamento em microfloculação, em comparação com a reação VDRL, com cardiolipina, em soros de hansenianos com a forma lepromatosa.

MICROFLOCULAÇÃO COM CARDIOLIPINA E SITOLIPINA 35 MÉTODOS EMPREGADOS Foram empregados antígenos da seguinte procedência 1. ) Cardiolipina * para reação de microfloculação, padronizada pelo U.S. Army Medical Service Graduate School. Washington, U.S.A. 2. ) Sitopilina ** para microfloculação; preparada pelo Dr. Eero Uroma, do State Serum Instituto de Helsinki. Finlândia. A técnica empregada no preparo da suspensão antigênica e na execução foi a descrita por Harris, Rosemberg e Del Vecchio 10, que utilizaram um diluente tamponado para o preparo do antígeno. Foram mantidas para a sitolipina e cardiolipina as proporções ótimas de lecitina e colesterol, como recomenda Uroma 25, assim como a agitação das lâminas e leitura dos resultados. Soros em exame Os soros foram inativados no dia da reação durante 30 minutos a 55 C.; quando os soros já tinham sido inativados, foram aquecidos por 10 minutos à mesma temperatura. RESULTADOS (*) Gentilmente oferecida pelo Dr. John Kent, Chefe do Laboratório de Sorologia do U.S. Army Medical Service Graduate School, Washington. (**) Sitolipina, gentilmente enviada pelo Dr. Eero Uroma, a quem consignamos os melhores agradecimentos.

36 REVISTA BRASILEIRA DE LEPROLOGIA Os resultados mostram que as reações se distribuem de acôrdo com o fosfolipídeo usado no antígeno, do seguinte modo: As reações concordaram em resultados em 99 soros, de 152 ou seja em 65%; tiveram pequena discordância em 41 soros (27%), e discordância total em 12 (8%). DISCUSSÃO Os resultados apresentados mostram claramente que ambos os fosfolipídeos a sitolipina e a cardiolipina dão reações fortemente positivas em soros de lepra. Não existe diferença significativa entre o comportamento dos dois antígenos, que nessas reações de microfloculação, apresentaram cêrca de 30% de resultados positivos. Os doentes sangrados no Sanatório Padre Bento (Departamento de Profilaxia da Lepra), não foram selecionados. Dessa forma a incidência de sífilis nessa amostra deve não diferir da incidência média da população não afetada pela lepra. Se já não bastasse o argumento de ordem demográfica, para mostrar que cêrca de 25% das reações em soros de leprosos eram falsas reações positivas, os resultados obtidos com fixação de complemento quantitativa, nesses mesmos soros por Almeida e Carvalho 1, com antígeno de cardiolipina, não mais deixariam dúvidas. Realmente, trabalhando nos mesmos soros aqui testados, esses autores não acharam mais de 5% de reações positivas para a sífilis, com a técnica de Wadsworth, Maltaner e Maltaner 27. Êsses resultados discrepantes eram de se esperar. A técnica quantitaiva de fixação de complemento, já por suas qualidades de padronização dos reagentes e critério de leitura e interpretação, tinha se mostrado bastante específica quando em exame de soros de leprosos. Assim, Malta-

MICROFLOCULAÇÃO COM CARDIOLIPINA E SITOLIPINA 37 ner 16, utilizando o método quantitativo, com antígeno alcoólico de coração de boi, em 1940, demonstrou ser satisfatória a especificidade da reação. Examinou 47 soros de leprosos, dos quais 35 foram negativos, dois mostraram-se insatisfatórios para exame e dois com títulos menores que dois, sem, portanto, valor diagnóstico para lues; oito soros reagiram com títulos maiores que dois; dêles apenas um não tinha tido reação positiva em datas anteriores e passado venéreo. Nesse trabalho, Maltaner 16 não confirmou a alta percentagem de positividade encontrada em soros de leprosos, demonstrando que a técnica quantitativa de fixação de complemento dá elementos bastante precisos para ser evidenciado o comportamento do sôro em relação a um antígeno, ainda impuro, inferior portanto à cardiolipina. Os resultados por nós obtidos com sitolipina e cardiolipina em lepra sugerem ser a falsa positividade obtida, devida às condições em que a reação é feita e não sòmente à qualidade do antígeno. Os fenômenos de precipitação, quer com extratos lipídicos como com antígenos purificados de cardiolipina ou sitolipina, ocorrendo com suspensões altamente colesterolizadas, estão mais sujeitos a fornecer resultados inespecifícos, do que os obtidos nas reações de fixação de complemento quantitativa, onde as condições são ajustadas para uma resposta de máxima especificidade. Se a reação antígeno-anticorpo para a sífilis tem um ótimo de condições já bem estabelecidas, como baixa temperatura e tempo relativamente longo de contacto, como provaram Jacobsthal 12, Kolmer 1, Eagle 6, e tantos outros pesquisadores, trabalhando com fixação de complemento, e se as reações de floculação devem se processar em alguns minutos, em temperatura ambiente, necessário foi modificar completamente a proporcionalidade entre cardiolipina, lecitina e colesterol, aumentando os dois últimos elementos, para que o fenômeno se tornasse facilmente visível. Não é de admirar portanto que os cristais de colesterina, com os antígenos adsorvidos em sua superfície, aglutinem tanto por efeito de reagina específica como por alterações qualitativas das globulinas séricas, que ocorrem na lepra, mesmo na ausência de infecção específica. A qualidade e pureza do elemento específico do antígeno que se adsorve à superfície do cristal do colesterol, melhora a especificidade da reação de "aglutinação de microcristais", sem evitar no entanto o aparecimento de reações intensamente positivas em soros de lepra cujo teor em globulina gama é alterado pela infecção 8, na ausência de processo sifilítico.

38 REVISTA BRASILEIRA DE LEPROLOGIA RESUMO Os autores examinaram 152 soros de leprosos em forma lepromatosa, empregando reação de microfloculação com cardiolipina e sitolipina. Os resultados foram concordantes em apenas 65% dos soros; tiveram pequena discordância (entre positivo ou negativo para duvidoso) 27% e discordância total (negativo para positivo) em 8%. Com a cardiolipina obtiveram: 27% de reações positivas; 19% de reações duvidosas e 54% de reações negativas; com a sitolipina: reações positivas 31,6%, reações duvidosas 18,4%o e negativas 50,0%. Os mesmos soros examinados previamente pela técnica quantitativa de fixação de complemento, empregando a cardiolipina, forneceram aproximadamente 5% de reações positivas. Os autores concluem que as reações positivas conhecidas de longa data na forma lepromatosa da lepra, com os antigos antígenos de lipoides usados em sôro diagnóstico da sífilis, também ocorrem com os antígenos de fosfolipídeos purificados em uso atualmente. Atribuem a positividade menos à falha de especificidade dos mesmos do que à técnica utilizada nas reações. SUMMARY The authors studied 152 patients' sera of Lepromatous leprosy, using the V.D.R.L. slide test with cardiolipin and sitolipin. Agreement was found only in 65% of sera studied; relative agreement was found in 27% and disagreement was found in 8%. Data was presented on the percent of positive, doubfull and negative tests with both antigens, and the results were quite similar. With cardiolipin 27% positive tests have been found, while with sitolipin 31.6% yielded positive results. The same group of sera were tested previously with the 50% end point complement fixations test of Wasdworth, Maltaner and Maltaner with which only 5% gave positive results. The authors concluded that false positive reactions are common both with cardiolipin or sitolipin by using them in microfloculation tests, as a function of the technique involved rather than of phospholipides themselves. REFERÊNCIAS 1. Almeida, J. O., Carvalho, R. P. S. Sôro-diagnóstico da sífilis em hansenianos de forma lepromatosa (em vias de publicação). 2. Badger, L. F. Significance of positive Wassermann and Kahn reactions in leprosy. Pub. Health Rep., 46:957-970, 1931. 3. Cappelli, E. La "Pallidareazione" di Gaehtgens sui sieri lebbrosi. Comtributo allo studio dell'essenza della R. Wassermann: Giorn. di Batteriol. e Immunologia, Mar., 22:425-436, 1939. 4. Cooke, J. V. Complement fixation with acid-fist bacteria. II. In leprosy. J. Infect. Dis., 25:474-492, 1919.

MICROFLOCULAÇÃO COM CARDIOLIPINA A E SITOLIPINA 39 5. Cumming, H. S., Hasen, H. H., Sanford, A. H., Senear, F. E., Simpson, W. M., Vonderlehr, R. A. The evaluation of Serodiagnostic tests for syphilis in the United States: Reports of Results. Ven. Dis. Inform., 16:189201, 1935. 6. Eagle, H. Studies in the Serology of Syphilis. J. Lab. Clin. Med., 18:821, 1933. 7. Faget, G. H., Ross, S. H. Evaluation of positive Kolmer and Kahn tests in leprosy. Ven. Dis. Inform., 25:133-137, 1994. 8. Gunter, H., Batista, L. e Vellini, L. L. Estudos eletroforéticos nas diversas formas clinicas da lepra. Rev. Brasil. Leprol., 19:27-40, 1951. 9. Grasso, P. Sul problema delle siero-reazioni positive "per especificità" nella lebra: impiego dell'antigene della cardiolipina. Annali Ital. de Dermatol. e Sifil., 6:72, 1951. 10. Harris, A., Rosemberg, A. A., Del Vecchio, E. The VDRL slide fluculation test for syphilis. II. A supplementary report. J. Yen. Dis. Information, 29:72-75, 1948. 11. Hasseltine, H. E. The treatment of leprosy with derivatives of chaulmoogra oil. Pub. Health Bull., 141:1-11, 1924. 12. Jacobsthal, E. Notiz zur Theorie und Praxis der Wassermannsche Reaktion. Mun. Med. Wochenschr., 57:689-690, 1910. 13. Kahn, R. L. Universal serologic reaction with lipid antigen. IV. In lepromatous leprosy. Am. Jr. Clin. Path., 19:408, 1949. 14. Kahn, R. L. Present Status of Universal Reaction in Health and Disease University of Michigan Medical Bull., 17:217-239, 1951. 15. Kolmer, J. A., Matsunami, and Trist, M. Studies in the Standardization of the Wassermann Reaction. XVII. A Comparative Study of Methods for Conducting the Primary Incubation for Complement Fixation in Syphilis with the Technic Recommended for a Standardized Test. Am. J. Syph., 5:63, 1921. 16. Maltaner, E. A study of the sera of lepers in quantitative complement fixation tests for syphilis and tuberculosis. Am. J. Trop. Med., 20:843-848, 1940. 17. Pangborn, M. C. A new serologically active phospholipid from beef heart. Proc. Soc. Exper. Biol. and Med., 48:484-486, 1941. 18. Rein, C. R., Kelsec, L. C., Rosenfield, T. M. The role of Sitolipin in Serologic tests for syphilis. Am. Jour. of Syphilis, 35:573-577, 1951. 19. Rein, C. R., and Bossak, H. N. Cardiolipin antigens in the serodiagnosis of syphilis. A microfloculation slide test. Leprosy. Am. Jour. of Syph. Gun. and Venereal Dis., 30:44, 1946. 20. Ross, H. and Gemar, F. Comparative studies of the cardiolipin antigens with the regular antigens in the Kolmer complement fixation and the Kahn precipitation tests in leprosy. Intern. Jour, of Leprosy, New Orleans, 17:383-388, 1949. 21. Shively, J. A., and Kuhns, D. M. Evaluation of cardiolipin antigen in the tests for syphilis in leprosy. Inter. Jour. of Leprosy, New Orleans, 18: 169-175, 1950.

40 REVISTA BRASILEIRA DE LEPROLOGIA 22. Trespalacios, F., and Otero, A. G. Las reacciones serologicas lueticas em el suero de leprosos. Bol. de 1ª Soc. Cubana de Derm. y Sifil., Habana, 8:19, 1951. 23. Tuomioja, M. Sitopilin complement fixation tests. Acta dermato-venereologica. Vol. 31,, supplementum 24. Transations of the International symposium on the study of syphilis. Helsinki, pg. 188, 1951. 24. Uroma, E., e Tuomioja, A. M. State Serum Institute, Helsinki: Syphilis antigen isolated from Wheat embryos. Ann. Med. Exp. Biol. fenn., 28:72-73, 1950. 25. Uroma, E. Sitolipin antigens in the serodiagnosis of syphilis. Acta dermatovenereologica. Vol. 31, supplementum 24. Transations of the International Symposium of the study of syphilis, pg. 184-187, 1951. 26. Utrilla, A. Estudio de sueros procedentes de leprosos practicado con antigeno de cardiolipina. Rev. Fontilles, Valencia, 7:597-600, 1947. 27. Wadsworth, A. Standard methods of the Division of laboratories and Research of the New York State Department of Health. 3th edition. The Williams & Wilkins Co. Baltimore, pgs. 385-465, 1947. 28. Washington Serology Conference Yen. Dis. Inform., 23:161-194, 1942.