Homenagem à Anna Rachel Machado: a linha de pesquisa Linguagem e Trabalho a partir da visão dos grupos ALTER e ATELIER

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Transcrição:

Homenagem à Anna Rachel Machado: a linha de pesquisa Linguagem e Trabalho a partir da visão dos grupos ALTER e ATELIER Paris, Montmartre (s/d) Várias homenagens póstumas já foram feitas à nossa grande mestra Anna Rachel Machado. A Revista L@el em (Dis-) Curso também providenciou uma homenagem a ela a partir de um trecho da Apresentação da obra O ensino como Trabalho: uma abordagem discursiva, da qual ela foi organizadora em 2004. Este livro foi um marco nos estudos em que se considera a atividade educacional, ou seja, a atividade do professor como trabalho. No trecho selecionado, a professora aborda a linha de pesquisa Linguagem e Trabalho a partir da visão do Grupo ALTER por ela criado em 2002, revelando uma parte de sua trajetória profissional e acadêmica que, infelizmente, já se encerrou, mas que deixa seu legado. Neste trecho, Anna Rachel comenta que o grupo ALTER foi, inicialmente, subgrupo do ATELIER. Por este motivo, realizamos uma entrevista com a Profª Drª Maria Cecília Pérez de Souza-e-Silva em que ela também aborda a linha de pesquisa Linguagem e Trabalho a partir da visão do Grupo ATELIER. Com carinho, saudade e admiração... Siderlene Muniz-Oliveira Ermelinda Barricelli 06/10/2012 Siderlene Muniz-Oliveira: Como se deu o desenvolvimento das pesquisas da linha Linguagem e Trabalho do Grupo Análise, Linguagem e Trabalho Educacional e suas relações (ALTER)? Anna Rachel Machado (2004): As inúmeras transformações que têm afetado o mundo do trabalho nas últimas décadas repercutiram em todas as instâncias sociais e têm sido causa de sérios. 3

problemas para os trabalhadores. Ao mesmo tempo, acompanhando essas transformações, têm-se desenvolvido pesquisas em diferentes disciplinas com o objetivo de se chegar a uma melhor compreensão desses problemas e de trazer subsídios para a sua superação. Muitas dessas pesquisas têm procurado, sobretudo, compreender características do trabalho na sociedade contemporânea e das atividades específicas de diferentes profissões, frequentemente não visíveis a um primeiro olhar, já que esse olhar é atravessado ou por representações de teorias inadequadas ou por representações do senso comum construídas ao longo de décadas e décadas da história humana. A meu ver, o mesmo fenômeno tem ocorrido em relação às atividades educacionais e, mais especificamente, em relação à profissão professor, que, em geral, não têm sido abordadas com a utilização de conceitos, instrumentos e metodologias originárias das chamadas Ciências do Trabalho (Psicologia do Trabalho, Ergonomia da Atividade, Ergologia, etc), aliados a uma abordagem propriamente discursiva. Do ponto de vista mais local, essa questão chamou-me atenção a partir de uma intensa interação com dois grupos de pesquisa do LAEL, um da linha Linguagem e Trabalho e outro da linha Linguagem e Educação, e com dois grupos de pesquisa internacionais, o Grupo APST da Universidade de Provence e o Grupo da Unidade de Didática das Línguas da Universidade de Genebra. Como membros do Grupo ATELIER, desde 1996, grupo esse coordenado pela Profª Drª Maria Cecília Pérez Souza-e-Silva, que, naquele momento, desenvolvia projeto de pesquisa no quadro do Acordo CAPES-COFECUB e introduzia no Brasil o estudo das relações entre linguagem e trabalho, comecei a questionar o fato de que as atividades educacionais não fossem tratadas como trabalho, o que, naquele momento, era negado tanto pelos pesquisadores brasileiros quanto pelos pesquisadores franceses envolvidos. Por outro lado, ao mesmo tempo, minhas relações com as pesquisas sobre Formação de Professores do LAEL e com o Grupo de Didática de Línguas da Universidade de Genebra, levavam-me a acreditar que elas poderiam ganhar desenvolvimento maior, se nelas fossem consideradas as contribuições de Ciências do Trabalho, tais como a Ergonomia e a Psicologia do Trabalho. Coincidentemente, em 2000, essas mesmas questões começaram a permear os trabalhos desenvolvidos por alguns dos pesquisadores de Genebra, que constituíram, sob a coordenação de Jean-Paul Bronckart, o Groupe LAF (Langage Action Formation), para o qual fui convidada a participar como consultora internacional do projeto de pesquisa L analyse des actions et des discours em situation de travail et leur exploitation dans les démarches de formation.. 4

Com esse reforço e incentivo adicional, constituímos, em 2001, o Grupo ALTER, com um subgrupo do grupo ATELIER, da linha de pesquisa Linguagem e Trabalho, no Programa de Estudos Pós-graduados em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem da PUC/SP, em torno do desenvolvimento do projeto de pesquisa Análise de linguagem, trabalho educacional e suas relações, que envolve pesquisadores doutores de quatro instituições brasileiras e doutorandos e mestrandos do LAEL. Nesse projeto, centramo-nos no estudo das diferentes práticas de linguagem que se desenvolvem no e sobre o trabalho educacional, para identificar as relações entre as práticas e sua influência sobre o agir dos profissionais da educação. Além do novo posicionamento assumido pelo Groupe LAF, posteriormente, em 2003, tivemos novo incentivo: o Prof Dr. Daniel Faita, com o qual mantínhamos contato desde o Acordo CAPES-COFECUB, considerado como um dos maiores linguistas franceses especializados justamente na análise do trabalho, também voltou-se para o estudo do agir educacional como trabalho, o que propiciou novo desenvolvimento para nosso projeto inicial, acoplado diretamente ao convite para minha permanência, em 2003, por três meses, como professora visitante no Institut de Formation de Maîtres de Marselha, junto a pesquisadores da equipe ERGAPE (Ergonomie de l Activité des Professionnels de l Education). Essa estadia na Europa estendeu-se com o convite do Groupe LAF para a minha permanência em Genebra durante dois meses para discussões científicas sobre nossos projetos. [A] motivação maior [da linha Linguagem e Trabalho do grupo ALTER] está diretamente relacionada às preocupações centrais que permeiam todo o sistema educacional brasileiro [...]. (p.vii-xi). Ermelinda Barricelli: O que significa a linha de pesquisa Linguagem e Trabalho na perspectiva do grupo de pesquisa Atelier Linguagem e Trabalho? Maria Cecília Pérez de Souza-e-Silva: A linha de pesquisa Linguagem e Trabalho teve início no LAEL na década de 90. São vários os professores nela envolvidos e diferentes as perspectivas teóricas que direcionam as investigações. Atenho-me, portanto, ao grupo que coordeno, Atelier Linguagem e Trabalho (CNPq), que começou a se delinear em 1995 e consolidou-se em 1997, com o convênio Capes-Cofecub "Activités de langage en situation de travail" (1997-2000), envolvendo,. 5

do lado brasileiro, a PUC-SP, a PUC-Rio e a UFRJ e, do lado francês, a Université de Rouen e a Université de Provence. Atualmente, além da PUC-SP, o grupo congrega doutorandos e mestrandos de diferentes universidades: PUC-RJ, PUC-RS, UFF, USP, UniRio, Unisinos, UPF, UNIFESP e UTFPR. Durante sua trajetória, o Atelier manteve interlocuções com alguns laboratórios de pesquisa: APST (Analyse Pluridisciplinaire des Situations de Travail), Ergape (Ergonomie de l Activité des Professionnels de l Éducation) e CNAM (Clinique de l Activité et de l Action). No momento, mantém convênio, em nível internacional, com o Departamento de Ergologia da Université Aix- Marseille I e faz parte da Rede Franco-Lusófona Ergologia, Trabalho e Desenvolvimento, formada por pesquisadores de universidades de diversos países: França, Portugal, Costa do Marfim, Moçambique, Ilhas Comores, Argélia e Brasil. Em nível nacional, tem acordo formalizado com a UERJ e com os grupos Pralins (Práticas de Linguagem e Subjetividade) e Tessitura: Vozes em (Dis)curso, ambos certificados pelo CNPq. As atividades desenvolvidas pelo grupo estão voltadas para três vertentes, duas delas centradas na relação linguagem e trabalho e uma terceira direcionada para os estudos discursivos: (i) estudo das práticas de linguagem relacionadas a uma determinada situação de trabalho; (ii) estudo das práticas de linguagem sobre o trabalho; (iii) estudo das práticas de linguagem em diferentes contextos. As pesquisas referentes à primeira vertente - que desenvolvo aqui com mais detalhe tendo em vista suas especificidades - ancoram-se na Ergologia, uma abordagem nova e criativa que reconhece a atividade de trabalho como debate de normas. A abordagem ergológica propõe uma dialética entre os saberes instituídos ou acadêmicos e os saberes investidos ou práticos. Os primeiros referem-se a conceitos advindos de várias disciplinas e que dizem respeito a tudo aquilo que é formalizado, ensinado e consultado, sob diversos suportes: livros, escritos, gráficos, etc, todo o referencial dos prescritos, das normas; enfim tudo aquilo que se encontra antes da realização do trabalho. Esse conjunto de prescrições é denominado por Schwartz de normas antecedentes. Já os saberes investidos ou práticos referem-se aos conhecimentos advindos da dimensão experimental, concreta, da dimensão conjuntural de cada situação de trabalho, isto é, do aqui e agora, mediado por indivíduos singulares com seus objetos e ambientes particulares. Leva-se em conta a experiência de cada trabalhador, de sua história, de seu saber acumulado, individual e/ou coletivamente. Toda a atividade de trabalho seja de professores, de enfermeiros, de controladores. 6

de voo e mesmo de vendedores informais é afetada pela infiltração do histórico, da experiência, dos saberes que cada um possui, adquirido no meio particular de vida e de trabalho. Trata-se aqui do patrimônio de conhecimentos advindos do próprio trabalhador. Em situação de trabalho sempre existem, por parte do trabalhador, escolhas, ajustamentos a serem feitos entre o geral, os saberes instituídos, e a variabilidade e instabilidade de cada situação localmente particular e inédita, os saberes investidos. Trata-se aqui de se estabelecer uma consonância entre os dois saberes o acadêmico e o prático. É o lugar da renormalização, das reavaliações, do retratamento de normas e de valores que estão enraizados nas gestões da atividade. As pesquisas da segunda vertente explicitam toda uma rede de produções discursivas que enfocam o tema trabalho, desde as mais locais, no interior de uma situação stricto sensu, até as mais externas, que colocam em circulação textos de diferentes esferas. Trata-se de estudos que possibilitam o resgate de uma certa historicidade do homem no trabalho, daquilo que dele ficou registrado em diferentes suportes, o que implica a possibilidade mesma de reconstrução de uma memória discursiva. Essa segunda vertente é uma característica das pesquisas desenvolvidas no Brasil. As francesas estão focadas na análise de situações de trabalho stricto sensu. Como exemplo de investigação nessa vertente, situam-se duas teses de doutorado. A primeira tem como objetivo reunir em um único arquivo os pronunciamentos de 1º de maio (1938-1994) e analisá-los como produções discursivas visando a identificar imagens de governo/trabalhador inscritas nesses discursos. Uma das conclusões aponta para a organização dos interlocutores em torno de uma topografia e de uma cronografia de ordem que estabelece os limites entre os quais se situam governo e trabalhadores. A segunda visa a depreender a forma pela qual um certo recorte da imprensa escrita, brasileira e argentina, está construindo discursivamente a participação do mundo do trabalho no processo de integração no marco do Mercosul. A compreensão de mundo do trabalho está ancorada em uma perspectiva ergológica e o momento contemporâneo da mundialização é visto sob o ponto de vista de uma vertente da Economia Política. O foco de estudo recai sobre a imprensa escrita, tendo como objeto de análise os jornais Clarín e Folha de S. Paulo, e como tema organizador do corpus, a indústria automotiva. Aponta-se para uma contradição na formação do Mercosul, finalizando com uma reflexão sobre os critérios de definição de espaço geográfico e econômico, num mundo em crise de espaços. Como resultado, foi possível identificar a atribuição de espaços discursivos mais complexos que a prevista pelo conceito econômico.. 7

A terceira vertente de estudos centra-se em um debate que prioriza os planos teórico e metodológico da investigação das práticas de linguagem sob uma ótica discursiva. O quadro teórico que serve de base aos trabalhos dessa vertente vem conferindo lugar de destaque às propostas enunciativo-discursivas tais como formuladas por D. Maingueneau, em especial no que diz respeito à articulação entre as noções de gênero de discurso e cenografia e à investigação da produtividade de conceitos como os de ethos e código linguageiro e, mais recentemente, de noções como destacamento, aforização e pequenas frases. Assim, valoriza-se uma perspectiva que enfatiza o lugar do heterogêneo nas práticas de linguagem, bem como a explicitação do papel desempenhado por tais práticas na produção de subjetividades. Uma das pesquisas dessa vertente voltou-se para a análise da revista Vida Executiva, a fim de depreender a imagem discursiva construída por esse veículo da mídia impressa quando tematiza as relações da mulher no trabalho. Para pensar nessa problemática, recorreu-se à noção de ethos, um comportamento socialmente avaliado, que permite refletir sobre o processo da adesão de sujeitos a uma certa posição discursiva (Maingueneau). A Vida Executiva, por sua própria enunciação, visa a integrar enunciadora e co-enunciadora em um mesmo mundo ético, o das executivas dinâmicas, competentes, brilhantes, ambiciosas, bem sucedidas, bonitas, atualizadas e corajosas; e o faz em um tom didático, disciplinador, isto é, confiante, seguro, objetivo, mas, ao mesmo tempo, otimista, alegre, descontraído. Por seu modo de dizer e de mostrar, o discurso da revista define um certo ideal de circular, conviver e se movimentar que associa as ideias que promove a uma maneira de habitar determinado espaço social, o mundo empresarial. Enunciadore(a)s e co-enunciadore(a)s compartilham da mobilidade, relatividade e individualismo propostos ao trabalhador no mercado de trabalho. Trata-se aqui do processo de incorporação que evoca imbricação radical do discurso e do seu modo de enunciação (Maingueneau). Pode-se dizer que a revista existe para levar a coenunciadora a preparar-se para trabalhar no mundo atual, competitivo. A preocupação em organizar o espaço, controlar o tempo, o corpo, vigiar constantemente a conduta da mulher, embora com desenvoltura, humor e leveza, mostra o funcionamento da revista como instância reguladora da vida da executiva. O discurso da mídia contemporânea mantém, assim, uma ligação privilegiada com o ethos; busca persuadir, ao associar os valores que promove a uma maneira de habitar o mundo do trabalho. A Vida Executiva, apoiando-se em estereótipos validados, procura, por meio da concordância das leitoras, dar sentido de participação a sua subordinação e o faz não na forma negativa da repressão, mas na forma mais. 8

sutil de adestramento, isto é, da produção positiva de comportamentos, uma forma de exercer o poder, característica de determinados saberes, de técnicas disciplinares (Foucault), que permite refletir sobre o processo da adesão de sujeitos a uma certa posição discursiva atualmente produzidas pela mídia para serem rapidamente consumidas.. 9