EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA COMARCA DE ALTO GARÇAS-MT. Referente ao Inquérito Civil nº 2/2010 (GEAP nº 000332-045/2010). Resumo Estruturado: Ação Civil Pública c/pedido de liminar. Irregularidades apuradas no serviço de distribuição e fornecimento de água. Descumprimento da Portaria nº 518/2004 do Ministério da Saúde. Água distribuída fora dos padrões necessários ao consumo humano. Laudo Pericial noticiando que a água distribuída encontra-se fora das condições necessárias ao consumo humano (exames revelaram a existência de coliformes fecais nas amostras coletadas). Soluções emergenciais paliativas indicadas na perícia realizada. Necessidade de condenação da demandada na obrigação de fazer consistente em implementar as aludidas soluções e na obrigação de fazer consistente em cumprir integralmente o disposto na Portaria nº 518/2004. O Ministério Público do Estado de Mato Grosso, por intermédio do Promotor de Justiça subscritor da presente exordial, vem, respeitosamente, perante Vossa Excelência, com fundamento no disposto no artigo 129, inciso III, da Constituição Federal, bem como com arrimo no art. 5º da Lei 7.347/85, ajuizar AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE LIMINAR DE ANTECIPAÇÃO PARCIAL DOS EFEITOS DA TUTELA PLEITEADA, contra: Companhia de Saneamento do Estado de Mato Grosso (Sanemat), pessoa jurídica de direito privado (sociedade empresarial de economia mista), representada por seu Diretor-Presidente, Sr. Serafim Carvalho Melo, com endereço na Avenida Gonçalo Antunes de Barros, nº 3.245, Bairro Carumbé, Cuiabá/MT, em virtude dos fundamentos fáticos e jurídicos doravante expostos: 1
I) Da Sinopse Fática: No primeiro semestre de 2010, foi instaurado inquérito civil visando apurar denúncia formulada por cidadãos locais no sentido de que a água distribuída pela demandada para a população local estava contaminada, sem condições de potabilidade. Em seguida, durante o curso das investigações, no bojo do inquérito civil supramencionado, que segue em anexo, foi requisitada ao Centro de Apoio Operacional do Ministério Público do Estado de Mato Grosso a viabilização de uma perícia. A aludida solicitação foi atendida, tendo o Centro de Apoio Operacional incumbido a Engenheira Sanitarista Dinalva Lima de Souza de se deslocar até Alto Garças para realizar uma inspeção in loco na rede de distribuição de água e para captar amostras da água que estava sendo distribuída para a população local. Cumprindo essa incumbência, a competente Engenheira Sanitarista Dinalva Lima de Souza esteve, nos dias 29 e 30 do mês de março de 2010, no Município de Alto Garças, realizando vistoria no sistema de captação e distribuição de água, que é gerido pela requerida. Na referida ocasião, foram coletadas amostras da água distribuída à população local, as quais foram submetidas a exames laboratoriais. 2
A perícia realizada encontrou várias graves irregularidades nos referidos sistemas, tendo os resultados dos exames laboratoriais efetuados na água coletada constatado a existência de coliformes fecais (fl. 33 do inquérito civil referenciado), demonstrando que a água distribuída para a população não obedecia aos condições de potabilidade definidas pela Portaria nº 518/2004, expedida pelo Ministério da Saúde. Consta do laudo pericial que a instalação física da casa de química apresenta-se em precário estado de conservação, necessitando de reforma geral, bem como área específica para armazenamento de produtos químicos (fl. 26 do incluso inquérito civil). Ao final do laudo, a referida Engenheira Sanitarista indicou, como solução definitiva para os problemas encontrados, a necessidade de construção de uma estação de tratamento de água, nos moldes da NBR 12216 (fls. 84 e seguintes), exarada pela Associação Brasileira de Normas Técnicas, e nos termos da Resolução nº 357/2005 do Conama (fl. 60) cuja consecução, no entanto, depende da realização de vultosos investimentos. Todavia, sendo sabedora das dificuldades necessárias para angariar os recursos públicos necessários para a implementação da aludida solução definitiva, a zelosa Engenheira Sanitarista indicou várias medidas paliativas urgentes, que poderiam assegurar, provisoriamente, enquanto não fosse possível a construção da estação de tratamento (NBR 12216), que a água distribuída pela população possa atender às condições mínimas de potabilidade (fls. 3
36/37). A título informativo, impende acrescentar que, no bojo de outro Inquérito Civil (nº 14/2010), logrou-se apurar que o Município de Alto Garças, sem que fosse realizada licitação, celebrou contrato de concessão de serviços públicos com a Companhia de Saneamento do Estado de Mato Grosso (Sanemat), ora demandada, outorgando-lhe, em regime de exclusividade, pelo prazo de 30 (trinta) anos, a exploração dos serviços públicos de abastecimento de água e de coleta e tratamento de esgoto (saneamento básico). Como o referido contrato foi celebrado sem licitação, o Ministério Público ajuizou, recentemente, ação civil pública postulando, dentre outros pedidos, que seja declarado nulo o referido contrato de concessão. Assim, levando em consideração que a implementação da solução definitiva depende da obtenção de vultosos recursos e tendo em conta que o contrato de concessão do serviço público de distribuição de água encontra-se sub judice, salvo melhor juízo, no presente momento, a única solução possível para resguardar minimamente o direito à saúde pública dos cidadãos locais consiste na necessidade de realização, em caráter emergencial, das medidas paliativas indicadas no laudo pericial supramencionado (fls. 36/37), a seguir listadas: a) efetuar reforma geral na estação de tratamento (ETA) já existente, estabelecendo áreas específicas para o depósito de produtos químicos; 4
b) instalar na ETA um mini-laboratório para que seja possível efetuar análises diárias da água distribuída para a população; c) instalar na ETA um agitador mecanizado no tanque de mistura de sulfato e cloro para promover a homogeneização da solução preparada; ambientais; d) elaborar um plano de controle de emergências e) efetuar a otimização do sistema de tratamento de água, com a implantação de um filtro descendente; f) oferecer treinamento para os operadores da ETA; g) contratar um responsável técnico para a ETA, o qual deverá permanecer residindo em Alto Garças; h) proceder à automatização das bombas dosadoras das soluções de sulfato de alumínio e cloro; defofo; i) substituir a adutora de ferro fundido por vinilfer j) realizar uma verificação na rede de abastecimento de água para aferir a necessidade de substituição das tubulações; 5
k) realizar um monitoramento diário da qualidade da água, definindo vários pontos de coleta em regiões variadas da cidade; produzido pela ETA; l) dar destinação sanitária adequada para o lodo m) implantar um plano de gerenciamento operacional e administrativo do sistema de abastecimento a fim de diminuir perdas na captação e distribuição. n) realizar a modificação indicada a fl. 39 do inquérito civil ( no reservatório de distribuição, foi observado que a saída da água para a rede de distribuição se faz rente ao fundo do mesmo, o que leva toda impureza do reservatório para as redes. Sugerimos que coloque uma curva de 90º com altura de mais ou menos 10 cm na saída da distribuição do mesmo.). II) Dos Fundamentos Jurídicos: O direito de acesso da população de Alto Garças a um serviço público eficiente de distribuição e fornecimento de água potável decorre do direito constitucional à saúde pública, garantido pelo artigo 196 da Lex Major, in verbis: Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. 6
Vale acrescentar que o artigo 6º, inciso X, do Código de Defesa do Consumidor, prevê, dentre os direitos básicos do consumidor, o acesso à adequada e eficaz prestação de serviços públicos. No que diz respeito à adequação e eficácia do serviço público de fornecimento e distribuição de água, releva acrescentar que a Portaria nº 518/2004 (fls. 46 e seguintes), expedida pelo Ministério da Saúde, estabelece os procedimentos e responsabilidades relativos ao controle e vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade. Além disso, convém acrescentar que a referida Portaria estabelece as características e padrões que a água distribuída deve ter para ser considerada apta para consumo humano, isto é, potável. Pois bem. Infelizmente, conforme relatado anteriormente, a perícia supramencionada constatou que a água distribuída em Alto Garças pela demandada não preenche os requisitos mencionados pela Portaria nº 518/2004 do Ministério da Saúde, de modo que não pode ser considerada potável. Aliás, não é demais recordar que, numa das amostras de água coletadas, constatou-se até mesmo a existência de coliformes fecais... Calha consignar, ainda, que a aludida perícia constatou que a demandada não vem cumprindo os procedimentos e exigências formulados pela mencionada Portaria. Nessa senda, é oportuno transcrever vários artigos da referida Portaria nº 518/2004, cuja observância tem sido olvidada pela demandada: Art. 21. O sistema de abastecimento de água deve contar com responsável técnico, profissionalmente habilitado. 7
Art. 22. Toda água fornecida coletivamente deve ser submetida a processo de desinfecção, concebido e operado de forma a garantir o atendimento ao padrão microbiológico desta Norma. Art. 23. Toda água para consumo humano suprida por manancial superficial e distribuída por meio de canalização deve incluir tratamento por filtração. Art. 24. Em todos os momentos e em toda sua extensão, a rede de distribuição de água deve ser operada com pressão superior à atmosférica. 1.º Caso esta situação não seja observada, fica o responsável pela operação do serviço de abastecimento de água obrigado a notificar a autoridade de saúde pública e informar à população, identificando períodos e locais de ocorrência de pressão inferior à atmosférica. 2.º Excepcionalmente, caso o serviço de abastecimento de água necessite realizar programa de manobras na rede de distribuição, que possa submeter trechos a pressão inferior à atmosférica, o referido programa deve ser previamente comunicado à autoridade de saúde pública. Art. 25. O responsável pelo fornecimento de água por meio de veículos deve: I - garantir o uso exclusivo do veículo para este fim; II - manter registro com dados atualizados sobre o fornecedor e/ou, sobre a fonte de água; e III - manter registro atualizado das análises de controle da qualidade da água. 1.º A água fornecida para consumo humano por meio de veículos deve conter um teor mínimo de cloro residual livre de 0,5 mg/l; 2.º O veículo utilizado para fornecimento de água deve conter, de forma visível, em sua carroceria, a inscrição ÁGUA POTÁVEL. 8
Diante disso, considerando o disposto no artigo 196 da Constituição Federal, no artigo 6º, inciso X, do Código de Defesa do Consumidor, e na Portaria nº 518/2004 do Ministério da Saúde, não restam dúvidas de que a demandada deverá promover urgentes alterações no sistema de captação e distribuição de água de Alto Garças, garantindo o acesso da população local à água potável, cumprindo os procedimentos e exigências formulados na Portaria nº 518/2004. III) Da necessidade de antecipação parcial dos efeitos da tutela: No caso presente, Nobre Julgador, é patente o fumus boni iuris, consubstanciado na prova documental e no laudo pericial encartado aos autos do incluso inquérito civil, bem como na legislação pertinente (art. 196 da Lei Maior, art. 6º, inciso X, da Lei nº 8.078/90, e Portaria nº 518/2004 do Ministério da Saúde). Por outro lado, também presente o periculum in mora, levando-se em consideração que o resultado dos exames laboratoriais das amostras de água coletadas pela Engenheira Sanitarista supramencionada consignam que foram encontrados até mesmo coliformes fecais na água fornecida pela demandada para a população local, o que coloca em risco a saúde pública dos cidadãos residentes neste Município. Assim, é imperiosa, com fundamento no artigo 273 do Código de Processo Civil, a concessão de antecipação parcial dos efeitos da tutela a fim de que a requerida seja compelida a, no prazo máximo de 30 (trinta) dias, sob pena de pagamento de multa diária no valor de R$ 1.000,00 (ou outro valor que este Juízo reputar adequado), realizar as medidas emergenciais indicadas no referido laudo pericial, a seguir listadas: a) efetuar reforma geral na estação de tratamento (ETA) já existente, estabelecendo áreas específicas para o depósito de produtos químicos; 9
b) instalar na ETA um mini-laboratório para que seja possível efetuar análises diárias da água distribuída para a população; c) instalar na ETA um agitador mecanizado no tanque de mistura de sulfato e cloro para promover a homogeneização da solução preparada; d) elaborar um plano de controle de emergências ambientais; e) efetuar a otimização do sistema de tratamento de água, com a implantação de um filtro descendente; f) oferecer treinamento para os operadores da ETA; g) contratar um responsável técnico para a ETA, o qual deverá permanecer residindo em Alto Garças; h) proceder à automatização das bombas dosadoras das soluções de sulfato de alumínio e cloro; i) substituir a adutora de ferro fundido por vinilfer defofo; j) realizar uma verificação na rede de abastecimento de água para aferir a necessidade de substituição das tubulações; 10
k) realizar um monitoramento diário da qualidade da água, definindo vários pontos de coleta em regiões variadas da cidade; produzido pela ETA; l) dar destinação sanitária adequada para o lodo m) implantar um plano de gerenciamento operacional e administrativo do sistema de abastecimento a fim de diminuir perdas na captação e distribuição. n) realizar a modificação indicada a fl. 39 do inquérito civil ( no reservatório de distribuição, foi observado que a saída da água para a rede de distribuição se faz rente ao fundo do mesmo, o que leva toda impureza do reservatório para as redes. Sugerimos que coloque uma curva de 90º com altura de mais ou menos 10 cm na saída da distribuição do mesmo.). Excelência, a realização dessas medidas emergenciais afigura-se necessária para evitar o que ocorreu no início do ano de 2010, quando a população de Alto Garças, ao abrir as torneiras, deparou-se com a água distribuída pela Sanemat exalando forte odor e apresentando coloração marrom, ou seja, em padrões impróprios ao consumo humano, como acabou demonstrando o resultado da já aludida perícia. 11
IV) Das Provas: O Ministério Público, desde já, faz prova do alegado mediante a juntada da prova documental e do laudo pericial que acompanham o inquérito civil que segue em anexo. Todavia, caso Vossa Excelência repute necessária a produção de novas provas, o Parquet consigna que lançará mão dos seguintes meios de prova: depoimento pessoal do representante legal da empresa demandada, prova pericial, prova testemunhal. V) Dos Pedidos: a) seja a ré citada para, querendo, oferecer contestação no prazo legal; b) seja concedida liminar de antecipação parcial dos efeitos da tutela, nos moldes pleiteados no item III da presente petição, ratificando-a, ao final, por ocasião da sentença de mérito; c) seja a ré condenada a realizar, sob pena de aplicação de multa diária no valor de R$ 1.000,00 (ou outro valor que este Juízo reputar adequado), a obrigação de fazer consistente em implementar, no exercício vindouro, todas as medidas emergenciais indicadas na perícia realizada, acima aludida, as quais foram enumeradas a fls. 9, 10 e 11 da presente exordial; d) a título de pedido cumulativo, seja a ré condenada a realizar, sob pena de multa diária no valor de R$ 1.000,00, a obrigação de fazer consistente em cumprir integralmente os procedimentos e exigências formulados no bojo da Portaria nº 518/2004, expedida pelo Ministério da Saúde, especialmente o disposto nos artigos 21 a 24 da referida Portaria; e) a produção das provas anteriormente indicadas. 12
O Ministério Público atribui à causa o valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). Em 20 de Dezembro de 2010. Márcio Florestan Berestinas, Promotor de Justiça. 13