Em nome do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime. UNODC quero agradecer ao coordenador residente, sr. Jorge



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Transcrição:

Boa tarde! Em nome do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime UNODC quero agradecer ao coordenador residente, sr. Jorge Chediek, e a toda sua equipe, pela oportunidade em participar desse importante debate sobre a legislação brasileira sobre drogas e os efeitos práticos de sua aplicação. Juntamente com nossos parceiros do Sistema das Nações Unidas, me sinto muito honrado em compartilhar este momento com tantas autoridades de alto nível, gestores e especialistas. Também gostaria de saudar o senhor Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, a Subprocuradora Geral da República, Raquel Dodge, o Secretário Nacional de Políticas sobre Drogas, Vitore Maximiniano, e a Procuradora de Justiça do Estado do Paraná, Maria Tereza Uille Gomes. Trata-se de uma discussão sumamente importante, tendo em vista que, em 2016, será realizada uma sessão especial da Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (UNGASS) para abordar a questão das políticas sobre drogas. 1

Nesse contexto, eventos como este adquirem enorme transcendência, uma vez que contribuem para o amadurecimento da posição dos países que se reunirão para discutir os rumos da política internacional sobre drogas. O UNODC é a agência com mandato para apoiar os países na implementação das três convenções da ONU sobre drogas, além das convenções contra o crime organizado transnacional e contra a corrupção. Para tanto, o UNODC presta assistência técnica aos Estados-membros para desenvolver e aprimorar legislações nacionais, além de construir respostas para os diversos problemas associados às drogas, com base em evidências científicas, no respeito aos direitos humanos e nos padrões éticos. A atual legislação em vigor no país, mais especificamente a lei 11.343, não penaliza com restrição de liberdade o consumo pessoal não autorizado de substâncias controladas. Um dos objetivos dessa lei foi, justamente, evitar que usuários chegassem ao sistema penitenciário e, portanto, diminuir a população carcerária. Isso parece não ter de fato ocorrido. Segundo o InfoPen houve um aumento de 320% no número de prisões por tráfico de drogas entre 2005 e 2012. Atualmente, o tráfico de drogas equivale a 25% dos casos, à frente de crimes como roubo e homicídio. 2

Quando projetada à população carcerária feminina a proporção dos crimes de tráfico de drogas alcança mais de 60% dos casos de prisão. Como se vê, as intenções legislativas não se concretizaram na aplicação da lei 11.343. Em vez de diminuir a população carcerária condenada por crimes relacionados a drogas, houve um crescimento desproporcional, o que pode ser explicado pelo fato de que alguns indivíduos que deveriam ser caracterizados como usuários passaram a ser considerados, pelo sistema de justiça penal, como traficantes, que passaram a ser punidos de modo ainda mais severo pela legislação de 2006. Hoje o Brasil conta com a quarta população carcerária do planeta, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, China e Rússia. Repensar o encarceramento para crimes relacionados às drogas pode ser uma alternativa para reverter esse processo. Estamos falando de, aproximadamente, 25% da população carcerária no País. Em quase toda parte, as prisões não propiciam a reintegração social. Tampouco são capazes de diminuir a oferta e a demanda ilícitas de drogas. 3

Pelo contrário, o encarceramento em massa, acompanhado por sérias violações aos direitos humanos, facilitou o surgimento das "universidades do crime" e o fortalecimento de grupos criminosos com alta capacidade de organização. Em geral, as pessoas presas são provenientes de contextos de ampla vulnerabilidade social e o sistema de justiça criminal apresenta baixa capacidade de lidar com aqueles que mais têm poder e influência no tráfico de drogas. Ao que tudo indica, no Brasil e em vários outros países, não são os grandes traficantes que estão indo para trás das grades e é necessário atuar para mudar essa situação. Embora o uso não medicinal e o tráfico de estupefacientes e substâncias psicotrópicas seja proibido pelas Convenções de controle de drogas, a severidade da punição varia consideravelmente entre os países. Sendo matéria de interpretação e alinhamento ao ordenamento jurídico de cada Estado parte, as convenções não dispõem de modo específico sobre a forma de se penalizar usuários, produtores e traficantes. A redução da oferta e da demanda deve estar em linha com os instrumentos internacionais de direitos humanos e se dar em conformidade com o princípio da proporcionalidade das penas. 4

Na publicação Da Coerção à Coesão, o UNODC se posiciona claramente a favor da transição de uma abordagem voltada à sanção para uma abordagem voltada à saúde, de forma consistente com as convenções internacionais de controle de drogas. De acordo com um grande número de evidências científicas, a abordagem de saúde parece ser a mais adequada para lidar com o tratamento da dependência e diminuição da demanda. Praticamente todos os países apresentam punições severas para o tráfico de grandes quantidades de drogas e crimes violentos relacionados às drogas. Por outro lado, há grande diversidade quanto à forma como se punem os crimes relacionados ao uso, ao porte e tráfico de entorpecentes ou substâncias psicotrópicas de menor natureza, conforme previsto no artigo 3, parágrafo 4(c), da Convenção de 1988. Na mesma medida, variam as penas para crimes de posse ou cultivo ilícitos de drogas. Deve-se dizer que as Convenções sobre drogas permitem, e mesmo indicam a necessidade de que se ofereçam medidas de tratamento, educação, reabilitação ou reinserção social como alternativas completas à condenação ou mesmo à declaração de culpabilidade. 5

As evidências apontam que o encarceramento de pessoas que fazem o uso problemático de drogas apenas agravam a situação de saúde destas pessoas. Em 2012, doze agências do sistema ONU se posicionaram contra a detenção compulsória de pessoas que fazem uso ilícito de drogas, exatamente pelas inúmeras violações de direitos praticadas em todo o mundo, seja em nome da saúde ou em nome da justiça. As convenções internacionais de controle de drogas não mencionam a questão de quantidades "pequenas", nem estabelecem limites para quantidades "aceitáveis" para a posse para consumo pessoal. Tampouco há consenso internacional sobre como medir a quantidade e qualidade de drogas controladas. Nesse sentido, o UNODC não faz recomendações sobre limites sobre posse e consumo. Portanto, os Estados Partes podem determinar esses limites segundo seus princípios constitucionais e conceitos fundamentais de seus sistemas jurídicos. No entanto, a recomendação é que a decisão sobre essas determinações deve ser feita com base em informação médica, técnica e científica. 6

Também reconhecemos a necessidade de que critérios claros sejam estabelecidos para balizar/nortear a ação dos operadores do sistema de justiça penal, no sentido de que pessoas que usam drogas não sejam tratadas como criminosos, mas como indivíduos que necessitam apoio e que possam beneficiar de políticas de saúde pública. Acreditamos que este debate de hoje seja o início de uma série de encontros que propiciarão entendimentos comuns para reverter o crescente encarceramento por tráfico de drogas controladas. Para tanto, é fundamental ouvir e aprender mais com as experiências de outros países. Afinal, se vários países colocam limites para fornecer referências para a aplicação da lei, uma questão central a discutir e comparar é o poder discricionário dos operadores do direito nesse processo. Considerando que a Lei 11.343 delimita critérios subjetivos e objetivos, a definição de quantidades específicas para balizar e orientar as decisões dos operadores do direito seria apenas o primeiro passo para mudar o quadro de encarceramento do país. Para que esses limites resultem em efeitos práticos é fundamental envolver e conscientizar policiais, promotores e juízes, entre outros 7

profissionais, sobre os efeitos das condenações por tráfico de drogas. É também preciso discutir formas de justiça que possibilitem a reintegração social das pessoas que estão encarceradas. Há experiências de justiça restaurativa e penas alternativas entre muitas outras e a Lei 11.343 abre caminho para que alternativas penais sejam aplicadas. Todo esse processo deve se guiar por princípios levados em consideração neste encontro de hoje. Contamos com a presença de autoridades de alto nível do executivo e do judiciário, além de representantes da comunidade acadêmica e da sociedade civil. Estão envolvidas diferentes perspectivas do fenômeno, que são fundamentais para entender e agir com relação ao encarceramento em massa. Estamos tratando de questões altamente técnicas, como medir qualidade e quantidade de substâncias ilícitas, mas também questões de cunho jurídico e social. O papel do conhecimento também é fundamental para entender os processos envolvidos na aplicação da lei 11.343, que estão levando a um aumento dos níveis de encarceramento. Ao se implementar parâmetros para orientar as decisões judiciais, devemos pensar também em como 8

monitorar e avaliar os efeitos da introdução desses novos recursos na aplicação da lei. Por fim, gostaria de reiterar meus agradecimentos por participar deste debate e deixar clara a importância do envolvimento dos operadores de direito como um dos componentes fundamentais para mudar esse quadro de encarceramento. É preciso passar por cima de diferenças para construir consensos que possibilitem uma mudança efetiva de paradigmas. Muito obrigado. 9