ANÁLISE CRÍTICA DOS VALORES DE NITRATO EM ROTULAGEM DE ÁGUAS MINERAIS COMERCIAIS Fernando Sambinelli 1, Carlos Jesus 2, Felipe Augusto Oliveira Costa 3, Paulo Duarte 4, Valéria Cristina Gomes Leal 5, Wellington Fábio de Oliveira Martins 6 1 Universidade Estadual de Campinas, Limeira, Brasil, fersambi@gmail.com 2 Universidade Estadual de Campinas, Limeira, Brasil, ti.carlos.jesus@hotmail.com 3 Universidade Estadual de Campinas, Limeira, Brasil, professor.felipecosta@outlook.com.br 4 Universidade Estadual de Campinas, Limeira, Brasil, paulo.duartes@outlook.com 5 Universidade Estadual de Campinas, Limeira, Brasil, vckawauchi@hotmail.com 6 Universidade Estadual de Campinas, Limeira, Brasil, wellifabio@hotmail.com RESUMO O objetivo deste estudo foi realizar uma análise crítica dos valores de nitrato informados nos rótulos de águas minerais comerciais em relação a algumas regulações sanitárias e de saúde vigentes no Brasil. Foram coletadas 175 amostras de rótulos de embalagens destes produtos. Em seguida, efetuaram-se as tabulações desses dados, analisando-os estatisticamente. Posteriormente, avaliou-se o atendimento dos valores de nitrato coletados em relação às exigências legais da Resolução RDC/274 de 2005 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária e da Portaria 2.914 de 2011 do Ministério da Saúde. Os resultados evidenciaram que todas as amostras analisadas atendiam às regulações de concentração máxima de nitrato contidas no produto. Entretanto, dado que as rotulagens não são claras quanto à forma de cálculo utilizada para aferição do nitrato, 2,3% das referidas amostras poderiam estar colocando em risco a saúde da população, mesmo atendendo plenamente as exigências de rotulagem da Portaria 470 de 1999 do Ministério de Minas e Energia. Observou-se também que os rótulos das embalagens apresentavam inconformidades em relação ao Código de Defesa do Consumidor, visto que os rótulos de água mineral omitiam informações corretas, atualizadas e claras sobre as características do produto e dos riscos que podem expor à saúde do consumidor. Palavras-chaves: Portaria 470/1999. RDC 274/2005. Portaria 2.914/2011. Contaminação de Água.
1 INTRODUÇÃO O consumo e a produção de água mineral no Brasil vêm crescendo continuamente, principalmente nas regiões Sudeste e Nordeste. Segundo o Departamento Nacional de Produção Mineral (NEVES et al., 2015), o volume de produção que era de 1,5 bilhão de litros, em 1995, passou para mais de 5,6 bilhões, em 2005 e, em 2014, para 7,59 bilhões. Já o consumo interno dos brasileiros atingiu 19,5 bilhões de litros em 2014, um acréscimo de 14,7% em relação ao ano de 2012. Estima-se um consumo per capita no país da ordem de 96,2 litros por ano (RODWAN, 2014). Outro dado que aponta para esse crescimento são as novas concessões de lavras de água mineral, autorizadas pelo Ministério de Minas e Energia. Em 1995, havia no Brasil 319 concessões de lavras de água mineral e potável de mesa, já em 2014, elas totalizaram 2008 unidades, distribuídas em 515 complexos produtivos. Em paralelo a este crescimento de consumo de água mineral no Brasil, surge a preocupação com o controle de qualidade desses produtos e os possíveis impactos na saúde da população. Um dos contaminantes que exigem maior atenção em águas subterrâneas é o íon nitrato, NO3-, que normalmente ocorre em aquíferos de zonas rurais e suburbanas. O nitrato em águas subterrâneas origina-se principalmente da aplicação de fertilizantes com nitrogênio (N), em plantações na zona rural, e da falta de saneamento básico, principalmente, esgoto humano, em regiões suburbanas (BAIRD, COLIN; CANN, 2011). O excesso de íon nitrato em água potável é preocupante, visto que, essa substância, causa a síndrome do bebê azul em recémnascidos. Em adultos, esses elementos são responsáveis por causar câncer de estômago e aumentar a probabilidade de câncer de mama em mulheres (BAIRD, COLIN; CANN, 2011). As entidades governamentais brasileiras possuem regulações e normativas para enfrentar essas preocupações legítimas da sociedade. A Resolução RDC/274 de 2005 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) (BRASIL, 2005) estabelece os padrões de identidade e qualidade para a água mineral no Brasil. No caso do íon nitrato, o limite máximo permitido nesta resolução é de 50 mg/l calculado como nitrato. Outro regulamento importante é a Portaria 2.914 de 2011 do Ministério da Saúde (BRASIL, 2011) que estabelece os procedimentos e responsabilidades do
controle e vigilância da qualidade da água destinada ao consumo humano, bem como os padrões de potabilidade. Dessa forma, para estar em conformidade com os níveis de substâncias químicas permitidos e que não representam riscos à saúde, as águas ditas potáveis devem apresentar como limite de concentração 10 mg/l de nitrato calculado como nitrogênio. De forma complementar, a Portaria 470 de 1999 do Ministério de Minas e Energia (BRASIL, 1999) traz instruções sobre as características básicas dos rótulos das embalagens de águas minerais e potáveis de mesa. Esta última tem por objetivo informar o consumidor sobre os parâmetros físico-químicos do produto que irá ingerir. 2 OBJETIVO O objetivo deste estudo foi realizar uma análise crítica dos valores de nitrato informados nos rótulos de águas minerais comerciais em relação a algumas regulações sanitárias e de saúde vigentes no Brasil. 3 MÉTODOS E MATERIAIS Foram analisadas 175 amostras de rótulos de embalagens de águas minerais comerciais adquiridas em estabelecimentos da região de Campinas, entre os meses de março e abril de 2017. Os valores de nitrato coletados nas amostras foram tabulados e analisados estatisticamente em relação às exigências legais da Resolução RDC/274 de 2005 da ANVISA e Portaria 2.914 de 2011 do Ministério da Saúde. Como o objetivo da pesquisa foi apenas quantificar e comparar a concentração de nitrato informadas nas embalagens com os valores previstos nas legislações vigentes, julga-se desnecessário informar as marcas comerciais das amostras coletadas.
4 RESULTADOS Com base nas informações coletadas nos rótulos das embalagens, a Tabela 1 apresenta os valores médios de concentração de nitrato, provenientes de suas respectivas fontes de água mineral. Em relação aos valores médios, observa-se que as amostras da fonte da cidade de Itu, Estado de São Paulo, destacam-se em relação às demais, visto que a concentração média de nitrato observada foi de 18,13 mg/l, sendo o maior valor coletado, enquanto a média geral foi de apenas 2,26 mg/l. O menor valor identificado foi de 0,01 mg/l em uma amostra da fonte da cidade de Mogi das Cruzes, Estado de São Paulo. Os dados médios apresentaram também variações relativamente expressivas para algumas localidades, por exemplo, na cidade de Lindóia, Estado de São Paulo, onde a média foi 2,97 mg/l e a variância amostral 2,86 mg/l. A variância populacional calculada foi de 7,52 mg/l. Tabela 1 - Média, valor máximo e mínimo das concentrações de nitrato das amostras nas origens das fontes de água mineral Fonte Elaborada pelo autor
Quanto à distribuição geográfica das origens das fontes de água mineral identificadas nos rótulos coletados, observa-se por meio da Figura 1 que a maioria delas se localizam na região sudeste do Brasil, em especial, nas fronteiras entre os Estados de São Paulo e Minas Gerais, e em algumas localidades do Estado do Rio de Janeiro. Figura 1 - Distribuição geográfica das origens das fontes de água mineral das amostras e suas respectivas médias de concentração de nitrato Nitrato (mg/l) Fonte Elaborada pelo autor Todos os valores de concentração de nitrato informados nos rótulos das amostras explicitavam a unidade de medida em miligrama por litro (mg/l), todavia não continham detalhes sobre o método de cálculo dessas medidas, assim, os rótulos não explicitavam claramente se o cálculo dessas substâncias era em função de nitrato ou de fração de nitrogênio na forma de nitrato. A Portaria 470 de 1999 do Ministério de Minas e Energia que traz instruções sobre as características básicas dos rótulos das embalagens de águas minerais, também não orienta sobre esse detalhe. Por isso, os valores não podem ser validados direta e objetivamente em relação às regulações. Se considerada a Portaria 2.914 de 2011 do Ministério da Saúde, cujo limite máximo é 10
mg/l calculado como fração de nitrogênio, então, quatro amostras não estariam em conformidade, e o percentual de atendimento à portaria seria de 97,7% do total. Contudo, se os valores nos rótulos foram calculados como nitrato, tomando o limite máximo estabelecido pela Resolução RDC/274 de 2005 de 50 mg/l, então, todas as amostras estariam em conformidade. A seguir, a Figura 2 sumariza as diferentes intepretações de conformidades das amostras em relação às regulações vigentes quando observados os diferentes modos de cálculo da concentração de nitrato. Figura 2 - Concentração de nitrato das amostras em relação às regulações vigentes Fonte Elaborada pelo autor 4 DISCUSSÃO Os valores de concentração de nitrato observados nos rótulos são preocupantes, sendo quatro amostras classificadas em não conformidade, dependendo da regulação considerada (Figura 2). Os valores identificados em três amostras da localidade de Itu, Estado de São Paulo, são 81,3% superiores aos limites máximos estabelecidos pela Portaria 2.914 de 2011 do Ministério da Saúde, caso os valores de concentração de nitrato expressos nos rótulos tenham sidos aferidos em função da fração de nitrogênio. De maneira semelhante, observou-se a ocorrência desse mesmo problema, porém, com valores um pouco menores, em uma única amostra da cidade de Lindóia, também no Estado de São Paulo, cujo valor de nitrato impresso no rótulo foi de 10,34 mg/l. Todavia, em média, as concentrações para esta
localidade estão bem abaixo desse valor encontrado nesta amostra, 2,97 mg/l (Tabela 1). Porém, dado que a variância populacional calculada se apresenta relativamente elevada, 7,52 mg/l, alguns valores amostrais estarão mais dispersos em relação à média geral. Entretanto, a preocupação com os níveis de nitrato na água mineral é muito pertinente, visto que os efeitos adversos à saúde podem ser severos, sobretudo em crianças por possuírem nesta fase condições adequadas em seu sistema digestivo para redução do nitrato em nitrito, principal causa da metemoglobinemia, ou síndrome do bebê azul (FERNÍCOLA e AZEVEDO, 1981), além de aumentar a probabilidade de incidência de câncer de estômago e de mama em adultos (BAIRD, COLIN; CANN, 2011). Nesse contexto, também se nota a existência de diferentes parâmetros máximos de concentração ao nitrato nas águas minerais reguladas pelos órgãos e ministérios governamentais brasileiros. Para o Ministério da Saúde, a água classificada como potável não deve ter mais de 10 mg/l de nitrato (BRASIL, 2011), calculado como fração de nitrogênio no nitrato, já para a ANVISA (BRASIL, 2005), é permitido comercializar água mineral com até 50 mg/l de nitrato, calculado como nitrato. Contudo, do ponto de vista do consumidor, a desinformação pode ser considerada um aspecto desrespeitoso dessas divergências regulatórias, tanto em relação aos parâmetros máximos permitidos, como do modo de cálculo de concentração do nitrato. O Artigo 31 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) (BRASIL, 1990), estabelece que todo produto comercializado no Brasil deve apresentar informações corretas, claras e em língua portuguesa sobre as características, qualidade, quantidade, composição, preço, garantia, prazo de validade e origem, além dos riscos que possam apresentar à saúde e segurança dos consumidores. Neste caso concreto, o CDC aparentemente não é atendido plenamente, visto que, mediante a leitura dos rótulos, não é possível averiguar se os parâmetros físico-químicos da água mineral estão adequados, ou não, ao consumo. Uma contramedida para estas preocupações seria a atualização da Portaria 470 de 1999 do Ministério de Minas e Energia acrescentando para o parâmetro nitrato dos rótulos de águas minerais a forma de cálculo considerada, se em função de nitrato ou fração de nitrogênio. Isso forneceria mais transparência de informação ao consumir e atenderia melhor os requisitos do CDC.
Outro aspecto importante é a variação dos valores aferidos nas fontes de águas minerais ao longo do tempo em relação aos valores encontrados nos rótulos comerciais, normalmente constantes. Estudos apontam, em monitoramentos de fontes de águas minerais, diferenças significativas entre as médias das concentrações de nitrato durante o período de mais de um ano, e concluiu que a rotulagem de valores fixos de qualidade da água não é recomendada (CUNHA et al., 2012). Nos rótulos das amostras somente foram encontradas informações sobre a análise realizada durante o processo de credenciamento da lavra, conforme Portaria 470 de 1999 do Ministério de Minas e Energia, e nos casos mais antigos datavam do ano de 2006. 5 CONCLUSÕES Não foi possível verificar a conformidade da água mineral comercializada na região de Campinas em relação aos requisitos estabelecidos pelas regulamentações vigentes para concentração máxima de nitrato, considerando apenas os valores impressos nos rótulos dos produtos, visto que não explicitavam sua forma de cálculo, se como nitrato ou fração de nitrogênio. Quando tomada a regulação mais restritiva para este fim, a Portaria 2.914 de 2011 do Ministério da Saúde, em que a concentração de nitrato é calculada em fração de nitrogênio, quatro amostras, que representavam 2,3% do total, não estavam em conformidade. Todavia, ao referenciar a regulação menos restritiva, a Resolução RDC/274 de 2005 da ANVISA, em que a concentração de nitrato é calculada em função do nitrato, todas as amostras estavam em conformidade. Também foi observado o descumprimento do CDC em relação à rotulagem na totalidade das amostras, visto que atualmente omitem informações corretas, atualizadas e claras sobre as características do produto e dos riscos que podem apresentar à saúde do consumidor, apesar de estarem todas as características dos rótulos em conformidade com a Portaria 470 de 1999 do Ministério de Minas e Energia. Sugere-se que esta portaria seja atualizada, acrescentado para o parâmetro nitrato dos rótulos das águas minerais a forma de cálculo considerada, se em função de nitrato ou fração de nitrogênio, e seja adicionada a data da última aferição de concentração de nitrato, desse modo, atendendo mais adequadamente os requisitos propostos no CDC.
REFERÊNCIAS BAIRD, Colin; CANN, Michael. Química Ambiental. 4a edição ed. Porto Alegre: Bookman, 2011. BRASIL. Lei 8.078 de 11/09/90 - Código de Defesa do Consumidor.. Brasília: Diário Oficial da República Federativa do Brasil., 1990. BRASIL. Portaria 2.914 de 12 de Desembro de 2011.. Brasília: Ministério da Saúde., 2011. BRASIL. Portaria 470 de 24 de novembro de 1999.. Brasília: Ministério de Minas e Energia., 1999. BRASIL. Resolução RDC/274 de 22 de setembro de 2005., Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília: Agência Nacional de Vigilância Sanitária., 2005. CUNHA, Helenilza Ferreira Albuquerque et al. Qualidade físico-química e microbiológica de água mineral e padrões da legislação. Ambiente e Água - An Interdisciplinary Journal of Applied Science, v. 7, n. 3, p. 155 165, 2012. FERNÍCOLA, Nilda Gallego Gándara De e AZEVEDO, Fausto Antonio. Metemoglobinemia e nitrato nas águas. Revista de Saúde Pública, v. 15, n. 2, p. 242 248, 1981. NEVES, Carlos Augusto Ramos e LIMA, Thiers Murniz e MEDEIROS, Karina Andrade. Sumário Mineral. Disponível em: <http://www.dnpm.gov.br/dnpm/sumarios/sumariomineral-2015>. Acesso em: 4 abr 2017. RODWAN, John G. Bottled Water Reporter. Disponível em: <http://www.bottledwater.org/public/bwr JulyAug 2015 Issue_BMC_2014 Bottled Water Statistics Article.pdf>. Acesso em: 4 abr 2017.