Redução anular intermitente com plastia de Alfieri no tratamento da insuficiência mitral em crianças: resultados iniciais

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ARTIGO ORIGINAL Redução anular intermitente com plastia de Alfieri no tratamento da insuficiência mitral em crianças: resultados Intermittent annular reduction with Alfieri s repair in the treatment of mitral insufficiency in children: initial results Moise DALVA 1, Grace Caroline Van Leeuwen BICHARA 2, Carlos Edson Campos CUNHA FILHO 3, Gustavo Fernandes CARNEIRO 3, Gustavo Niankowsky SALIBA 3, José Arteaga CAMACHO 3, José Viera ZÁRATE 3, Renán Prado LÍMACO 3 RBCCV 44205-1100 Resumo Objetivo: A insuficiência mitral com indicação cirúrgica na faixa etária pediátrica deve ser tratada por meio de plastia sempre que possível, evitando-se os inconvenientes da substituição valvar. O objetivo deste trabalho é propor técnica de plastia mitral baseada em abordagem funcional e anatômica. Métodos: Durante período de 13 meses, foram operadas oito crianças (idade de 2 a 12 anos, média de 6,37 ± 3,66 anos) portadoras de insuficiência mitral com realização de anuloplastia anterior e posterior de forma intermitente, associadas à plastia de Alfieri (passagem de ponto entre as cúspides no ponto de maior regurgitação, formando valva mitral biorificial). Resultados: Não houve óbito nesta série. Ecocardiografia de controle pós-operatório foi realizada em todos os pacientes, com insuficiência mitral discreta em três pacientes, e sem evidência de insuficiência em cinco pacientes. O tempo de permanência em unidade de terapia intensiva variou de 2 a 4 dias (2,5 ± 0,75), e o tempo de internação hospitalar variou de 5 a 8 dias (6,37 ± 1,06). Conclusão: Apesar do tamanho limitado da amostra, a opção proposta revelou-se eficaz na avaliação imediata do tratamento da insuficiência mitral isolada em crianças. O acompanhamento dos pacientes faz-se necessário para avaliação dos resultados em longo prazo. Descritores: Cardiopatias congênitas. Criança.Valva mitral. Abstract Objective: Mitral valve insufficiency must be treated by repair whenever as possible as it provides better results - especially within the pediatric population in order to avoid valve replacement inconvenients. The aim of this study is to describe mitral valve repair technique based on an anatomical and functional approach. Methods: During a 13 months period, eight children (age 1. Doutoramento em curso - Cirurgião Cardiovascular Pediátrico (Responsável pelo setor de cirurgia cardíaca pediátrica e das cardiopatias congênitas do Hospital Santa Marcelina) 2. Hemodinamicista Pediátrica (Responsável pelo setor de pósoperatório e hemodinâmica pediátrica - Hospital Santa Marcelina) 3. Cirurgião Cardiovascular - Hospital Santa Marcelina Endereço para correspondência: Dr. Moise Dalva - Rua Santa Marcelina, 177 - Itaquera, São Paulo, SP, Brasil. CEP 08270-070. E-mail: moise.dalva@gmail.com Trabalho realizado no Hospital Santa Marcelina Itaquera, São Paulo, SP, Brasil. Artigo recebido em 8 de janeiro de 2009 Artigo aprovado em 23 de junho de 2009 354

ranged from 2 and 12 years old 6.37 ± 3.66) with mitral valve insufficiency underwent intermittent anterior and posterior annuloplasty associated with Alfieri s repair - performed by placing a stitch between the anterior and posterior leaflets in the point of maximal regurgitation thus creating a double orificial mitral valve. Results: There were no surgical deaths. All patients underwent postoperative echocardiography. Three patients showed mild mitral valve insufficiency and five patients showed no insufficiency. The time in intensive care unit ranged from 2 to 4 days (2.5 ± 0.75), and the time of stay in hospital ranged from 5 to 8 days (6.37 ± 1.06). Conclusion: In spite of the little sample size, the proposed technique proved itself to be simple and effective in the treatment of single mitral valve insufficiency within the pediatric population. In addition, it also yielded satisfactory immediate results. Long-term follow-up is nevertheless necessary in order to evaluate long-term results. Descriptors: Heart defects,congenital. Child. Mitral valve. INTRODUÇÃO A insuficiência mitral constitui-se em doença multifatorial, devido aos diversos mecanismos envolvidos em sua gênese, no que concerne aos aspectos etiológicos, mecânicos e funcionais. Embora já esteja bem estabelecido o fato de que a realização de operações reconstrutivas por meio de técnicas de plastia apresente melhor resultados funcionais e menor impacto na morbidade em todos os pacientes [1], na faixa pediátrica tal assertiva torna-se ainda mais verdadeira, em virtude dos inconvenientes da realização de troca valvar. Técnicas cirúrgicas de plastia mitral evoluem continuamente, apresentando resultados duráveis e reprodutíveis [2], porém nenhuma técnica de plastia pode ser tomada como universal, uma vez que a multiplicidade de afecções e a grande complexidade de todo o aparelho mitral exigem manobras individualizadas para que a correção cirúrgica seja realizada com sucesso. O objetivo deste trabalho é propor técnica de plastia mitral inovadora, baseada em conceitos anatômicos e funcionais, cujo alvo maior é proporcionar competência mitral na faixa etária pediátrica. MÉTODOS Durante período de 13 meses (março de 2007 a abril de 2008), foram operados em nossa instituição oito pacientes portadores de quadro de insuficiência mitral importante. A idade dos pacientes variou de 2 a 12 anos, com média de 6,37 ± 3,66 anos. Nenhum dos pacientes apresentava outras anomalias cardíacas. Após admissão hospitalar, os pacientes foram submetidos à realização de ecocardiografia testemunhada pela equipe cirúrgica, e que visou especificamente a análise dos mecanismos envolvidos na gênese da insuficiência, com atenção especial à dilatação do anel, presença de jato regurgitante e dilatação volumétrica de cavidades atriais e ventriculares esquerdas. Um dos pacientes (12 anos) encontrava-se em classe funcional III, segundo os critérios da New York Heart Association (NYHA), dois pacientes encontravam-se em classe funcional II e os demais encontravam-se em classe funcional I. Cinco pacientes foram considerados como portadores de insuficiência mitral de etiologia reumática. Todos os responsáveis pelos pacientes assinaram termo de consentimento informado. A técnica utilizada constou de esternotomia mediana, estabelecimento de circulação extracorpórea (CEC) por canulação de aorta, veia cava superior e veia cava inferior, resfriamento do paciente a 30 graus, pinçamento de aorta e cardioplegia anterógrada, garroteamento das cânulas venosas, atriotomia direita e abertura do septo interatrial, de modo a proporcionar exposição adequada da valva mitral. A partir deste ponto, realizou-se teste de continência com injeção de solução salina, com o objetivo de avaliar o mecanismo de insuficiência sob visão direta. O anel mitral foi considerado dilatado em todos os casos, e sua correção foi realizada tomando-se como parâmetro o diâmetro do anel tricúspide, sendo realizada anuloplastia total escalonada, a qual consiste em realizar-se divisão imaginária do anel em quatro quadrantes, a partir da região intercomissural, denominando-se os quadrantes de anterior direito (AD), anterior esquerdo (AE), posterior direito (PD) e posterior esquerdo (PE), a partir da visão do cirurgião. Cada quadrante foi reduzido individualmente por meio de pexia de tira de pericárdio bovino com pontos separados de polipropileno passados no anel mitral, procurando-se manter a integridade da geometria anular (Figura 1). A partir deste ponto, realizou-se plastia de Alfieri, que consiste em fixação por meio de ponto de polipropileno ancorado em pequena almofada de pericárdio bovino da cúspide anterior à cúspide posterior em seu ponto médio (Figura 2), de modo a evitar prolapso de ambas as cúspides, o qual pode ocorrer devido a mecanismo primário de insuficiência ou como consequência da redução do diâmetro anular. Tal manobra determina formação de dois orifícios de escoamento do sangue do átrio esquerdo para o ventrículo esquerdo. Após a finalização da plastia, realizou-se teste com injeção salina, sendo a valva considerada continente em todos os casos, procedendo-se, então, ao aquecimento do paciente, rafia do septo interatrial, rafia de átrio direito, 355

realização de manobras para retirada de ar intracavitário, abertura de pinça de aorta, restabelecimento de batimentos cardíacos, desmame da CEC e finalização da operação de maneira habitual. O tempo de CEC variou de 50 a 75 minutos, com média de 61,75 ± 8,51 minutos, e o tempo de anoxia variou de 40 a 55 minutos, com média de 48,25 ± 4,92 minutos. e a extubação foi realizada no mesmo dia em cinco casos e, no primeiro dia, nos restantes. Ecocardiografia de controle pós-operatório foi realizada antes da alta hospitalar em todos os pacientes, revelando insuficiência mitral discreta em três pacientes, e sem evidência de insuficiência em cinco pacientes. Não houve evidência de estenose mitral pósoperatória na presente série. O período de seguimento pós-operatório variou de 1 a 11 meses, encontrando-se todos os pacientes em classe funcional I. DISCUSSÃO Fig. 1 - Anuloplastia intermitente: Realizam-se plicaturas com tira de pericárdio bovino nos diversos segmentos do anel Fig. 2 Plastia de Alfieri: Realiza-se aproximação de cúspide anterior e posterior no ponto de maior regurgitação, de modo a impedir prolapso das cúspides para além do plano valvar RESULTADOS Não houve nenhum óbito na presente série. Nenhum paciente apresentou intercorrências significativas ao término da cirurgia. O tempo de permanência em unidade de terapia intensiva variou de 2 a 4 dias, com média de 2,5 ± 0,75 dias, e o tempo de internação hospitalar variou de 5 a 8 dias, com média de 6,37 ±1,06 dias. Nenhum paciente apresentou eventos neurológicos ou piora da função renal, Sempre que exequível, a realização de plastia mitral deve ser considerada o tratamento padrão para todos os portadores de insuficiência mitral, particularmente os da faixa etária pediátrica, em virtude dos melhores resultados funcionais, menor incidência de endocardite infecciosa[3], baixo risco de tromboembolismo [4] e melhor desempenho do ventrículo esquerdo ao longo do tempo [5]. Deve-se considerar, ainda, que as técnicas de substituição valvar em crianças geram grandes inconvenientes, tais como a necessidade de reoperações frequentes por falência primária de próteses biológicas [6] ou eventual necessidade de anticoagulação nos casos de uso de próteses mecânicas. Os resultados com substituição de valva mitral por próteses biológicas ou mecânicas em crianças não são animadores [7], com alto índice de mortalidade e complicações, particularmente na faixa etária abaixo de dois anos, cuja mortalidade em 30 dias foi de 42% em revisão de casuística apresentada [8] pelo grupo do Great Ormond Street Hospital for Children, em Londres. Atualmente, a plastia valvar mitral pode ser realizada com baixa morbidade e mortalidade, graças principalmente ao grande avanço experimentado com o desenvolvimento de novas técnicas reconstrutivas, que evoluem continuamente [9]. Presume-se que a conservação do aparelho subvalvar é parte importante dos bons resultados em termos de manutenção da função ventricular esquerda [10]. A técnica universal para realização de plastia mitral não existe, em virtude dos múltiplos fatores envolvidos nessa entidade. A anatomia valvar mitral na espécie humana já foi detalhadamente estudada [11]. A valva mitral é bicúspide, sendo composta pelo anel atrioventricular esquerdo, cúspide anterior e cúspide posterior, que são ligadas aos músculos papilares ântero-lateral e póstero-medial por cordas tendíneas. A área combinada das duas cúspides representa aproximadamente o dobro da área do orifício mitral, fato que permite uma ampla área de contato entre as duas cúspides. A cúspide anterior é a maior, com formato grosseiramente triangular, com sua base ocupando cerca de um terço do anel valvar. A cúspide posterior é a menor e sua inserção ao anel valvar ocupa cerca de dois terços do 356

diâmetro deste. Embora classicamente considerado como estrutura inerte no que concerne à dinâmica do fechamento valvar, o anel valvar tem tido o seu papel redimensionado por estudos recentes, tendo-se chegado à conclusão de que sua função é muito mais efetiva do que mero suporte passivo para inserção das cúspides, pois existe efetiva diminuição da sua circunferência durante a sístole, que reduz a área a ser fechada [12]. A observação da ecocardiografia pré-operatória pela equipe cirúrgica é de capital importância para que a fisiopatologia de cada caso seja compreendida com base nos diversos elementos anatômicos, possibilitando que se planeje correção individualizada para cada paciente. Quando se realiza cirurgia de troca valvar mitral, deve-se tentar preservar a cúspide posterior com seu aparelho subvalvar, de modo a otimizar a função ventricular esquerda ao longo do tempo, porém isto nem sempre é possível em virtude do fato de que, por vezes, a estrutura do aparelho subvalvar apresenta anormalidades que requerem sua excisão para obtenção de tamanho adequado de via de entrada de ventrículo esquerdo. Por vezes é necessária a colocação da prótese em posição supra-anular, pois o anel nativo pode não comportar mesmo a menor prótese disponível [8], o que pode acarretar inconvenientes ainda maiores. Em crianças, o mecanismo envolvido na gênese da insuficiência mitral isolada por vezes é multifatorial, predominando os de causa reumática ou degenerativa, os quais podem afetar as cúspides, o anel ou o aparelho subvalvar [13]. Desde os trabalhos seminais de Carpentier [14,15], sabese que a abordagem para a correção da insuficiência mitral deve ser guiada pelo restabelecimento de sua integridade funcional, muitas vezes em detrimento da restauração da anatomia original. Tal conceito revolucionou o tratamento desta doença, beneficiando grande número de pacientes, que ganharam a chance de evitar a troca valvar com todos os seus óbices [16]. O mecanismo concernente ao fechamento da valva mitral ainda não foi totalmente elucidado. Considerado como elemento inerte na dinâmica valvar, o anel atrioventricular esquerdo não serve apenas como suporte para as cúspides, posto que apresenta comportamento dinâmico, com redução ativa em sua circunferência durante a sístole [17]. O conceito clássico de que a porção anterior do anel mitral não se dilata foi modificado com base em estudo anatômico bem fundamentado, o qual provou que mesmo a porção anterior do anel mitral, em sua porção intercomissural, a qual está inserida no esqueleto fibroso, apresenta grau variável de dilatação, podendo, portanto, apresentar componente ativo na gênese da insuficiência mitral [18,19]. Embora tal fato tenha sido comprovado especificamente em pacientes adultos portadores de cardiomiopatia dilatada de origem idiopática e isquêmica, a base teórica de sua gênese levou-nos a incluir a porção anterior do anel como elemento importante na realização de procedimentos de reparo valvar mitral. Em 1995, o grupo de Alfieri [9] propôs técnica de correção da insuficiência mitral que consiste em aproximação dos bordos livres das cúspides anterior e posterior no ponto de maior regurgitação, criando situação de valva mitral bi-orificial. Tal técnica obteve ampla aceitação na literatura, em virtude de sua aplicabilidade, reprodutibilidade e excelentes resultados imediatos e tardios em pacientes portadores de insuficiência mitral de variadas etiologias, inclusive em casos considerados difíceis [20,21]. O conceito de Alfieri foi inclusive adaptado para realização por meio de via percutânea [22], porém os resultados não foram satisfatórios por esse método, provavelmente pela não realização de anuloplastia concomitante, fator tido como essencial para sucesso da técnica [23]. Nossa casuística, embora pequena, comprova a exequibilidade e simplicidade do reparo proposto. A técnica de redução do anel mitral em toda a sua extensão com pequenas tiras de pericárdio bovino, de maneira intermitente, tem dois propósitos, quais sejam manter a geometria do anel com suas características originais e permitir crescimento, objetivos esses que não seriam atingidos caso o reparo fosse realizado de outra forma, pois anel inteiriço rígido ou flexível não biodegradável mantém geometria anular adequada, porém não permitem crescimento. Anéis segmentares para plastia da porção posterior do anel apresentam bons resultados cirúrgicos [24,25], porém permitem crescimento somente da porção anterior, o que pode levar à situação de desadaptação geométrica ao longo do tempo. Plastia do anel com técnicas que utilizam pericárdio bovino devem obrigatoriamente apresentar escalonamento, de modo a permitir crescimento. A técnica proposta baseia-se em restabelecimento fisiológico da função mitral. A plastia intermitente permite adequação morfológica do anel mitral com sustentação de toda a sua estrutura. A plastia de Alfieri proporciona excelente coaptação de ambas as cúspides, com virtual desaparecimento do jato regurgitante. A preocupação teórica de formação de quadro de estenose mitral por esta técnica não encontrou suporte na literatura, sendo o método empregado com liberalidade em diversos serviços, com grande casuística acumulada. CONCLUSÃO Embora a casuística apresentada seja numericamente pequena, os resultados obtidos permitem concluir que a técnica proposta é efetiva no tratamento da insuficiência mitral na faixa etária pediátrica em termos de resultados imediatos. O seguimento a longo prazo se faz necessário para avaliação de sua durabilidade e presença de eventuais complicações. 357

AGRADECIMENTOS Os autores agradecem ao Sr. Argemiro Falcetti Jr., pela confecção das ilustrações, e ao Sr. Marcos Roberto Visconti, pela revisão do manuscrito. REFERÊNCIAS 1. Aharon AS, Laks H, Drinkwater DC, Chugh R, Gates RN, Grant PW et al. Early and late results of mitral valve repair in children. J Thorac Cardiovasc Surg. 1994;107(5):1262-70. 2. Enriquez-Sarano M, Schaff HV, Orszulak TA, Tajik AJ, Bailey KR, Frye RL. Valve repair improves the outcome of surgery for mitral regurgitation. A multivariate analysis. Circulation. 1995;91(4):1022-8. 3. Yun KL, Miller DC. Mitral valve repair versus replacement. Cardiol Clin. 1991;9(2):315-27. 4. Galloway AC,Colvin SB,Baumann FG,Harty S,Spencer FC. Current concepts of mitral valve reconstruction for mitral insufficiency. Circulation. 1988;78(5 Pt 1):1087-98. 5. Mendez CA, Buena PFMFV. Plastia da valva mitral - Série monografias Dante Pazzanese Vol V- 2000. 6. Dunn JM. Porcine valve durability in children. Ann Thorac Surg. 1981;32(4):357-68. 7. Erez E, Kanter KR, Isom E, Williams WH, Tam VK. Mitral valve replacement in children. J Heart Valve Dis. 2003;12(1):25-9. 8. Beierlein W, Becker V, Yates R, Tsang V, Elliott M, de Leval M, et al. Long-term follow-up after mitral valve replacement in childhood: poor event-free survival in the young child. Eur J Cardiothorac Surg. 2007;31(5):860-5. 9. Fucci C, Sandrelli L, Pardini A, Torracca L, Ferrari M, Alfieri O. Improved results with mitral valve repair using new surgical techniques. Eur J Cardiothorac Surg.1995;9(11):621-6. 10. Bonchek LI, Olinger GN,Siegel R,Tresch DD,Keelan MH Jr. Left ventricular performance after mitral reconstruction for the mitral regurgitation. J Thorac Cardiovasc Surg. 1984;88(1):122-7. 11. Roberts WC. Morphologic features of the normal and abnormal mitral valve. Am J Cardiol. 1983;51(6):1005-28. 12. Wilcox BR, Anderson RH. Surgical anatomy of the heart. New York:Raven Press;1985. 13. Vlad P. Mitral valve anomalies in children. Circulation. 1971;43(4):465-6. 14. Carpentier A, Deloche A, Dauptain J, Soyer R, Blondeau P, Piwnica A, et al. A new reconstructive operation for correction of mitral and tricuspid insufficiency. J Thorac Cardiovasc Surg. 1971; 61(1):1-13. 15. Carpentier A. Cardiac valve surgery: the French correction. J Thorac Cardiovasc Surg. 1983;86(3):323-37. 16. Chavaud S, Fuzellier JF, Houel R, Berrebi A, Mihaileanu S, Carpentier A. Reconstructive surgery in congenital mitral valve insufficiency (Carpentier s techniques): long-term results. J Thorac Cardiovasc Surg 1998;115(1):84-92. 17. Perloff JK, Roberts WC. The mitral apparatus. Functional anatomy of mitral regurgitation. Circulation. 1972;46(2):227-39. 18. Hueb AC, Jatene FB, Moreira LF, Pomerantzeff PM, Kallás E, de Oliveira SA.Ventricular remodeling and mitral valve modifications in dilated cardiomyopathy: new insights from anatomic study. J Thorac Cardiovasc Surg. 2002;124(6):1216-24. 19. Glasson JR, Komeda MK, Daughters GT, Niczyporuk MA, Bolger AF, Ingels NB, et al. Three-dimensional regional dynamics of the normal mitral anulus during left ventricular ejection. J Thorac Cardiovasc Surg. 1996;111(3):574-85. 20. Alfieri O, Maisano F, De Bonis M, Stefano PL,Torracca L, Oppizzi M, et al. The double-orifice technique in mitral valve repair: a simple solution for complex problems. J Thorac Cardiovasc Surg 2001;122(4): 674-81. 21. Alfieri O, De Bonis M, Lapenna E, Regesta T, Maisano F, Torracca L, et al. Edge-to-edge repair for anterior mitral valve leaflet prolapse. Semin Thorac Cardiovas Surg. 2004;16(2):182-7. 22. Fann JI, St Goar FG, Komtebedde J, Oz MC, Block PC, Foster E, et al. Beating heart catheter-based edge-to-edge mitral valve procedure in a porcine model: efficacy and healing response. Circulation. 2004; 110(8): 988-93. 23. Timek TA, Nielsen SL, Lai DT, Liang D, Daughters GT, Ingels NB Jr, et al. Effect of chronotropy and inotropy on stitch tension in the edge-to-edge mitral repair. Circulation 2007;116(11 Suppl): I-276-81. 24. Cordeiro CO, Gregori F Jr, Gregori TEF, Murakami AN, Abrão A. Resultados da operação reconstrutora da valva mitral em pacientes com idade inferior a 15 anos. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2004;19(2):115-9. 25. Volpe MA, Braile DM, Vieira RW, Souza DR. Mitral valve repair with a malleable bovine pericardium ring. Arq Bras Cardiol. 2000;75(5):389-96. 358