O Ministério da Saúde 1 correlaciona a. Artigos de Revisão ADIMENSÃO VALORIZADA IMEDIA PSÍQUICA ECÉM- NASCIDO INTRODUÇÃO



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Zveiter M, Progianti JM AD ADIMENSÃO PSÍQUICA VALORIZADA NOS CUID UIDADOS IMEDIA MEDIATOS AO RECÉM ECÉM- NASCIDO Artigos de Revisão THE HE PSY SYCHOLOGIC CHOLOGICAL DIMENSION OF THE IMMEDIA MMEDIATE CARE TO THE NEWBORN Marcele Zveiter * Jane Márcia Progianti ** RESUMO: Este artigo tem por objetivo apresentar, através de revisão bibliográfica, as dimensões psíquicas da mãe e do bebê que devem ser valorizadas durante a realização dos procedimentos técnicos recomendados pela Organização Mundial de Saúde para a primeira hora de vida humana. Aponta ações práticas de enfermagem na preservação da saúde mental do recém-nascido e a diferença entre cuidado materno e cuidado profissional. Conclui que é primordial para a enfermagem conciliar a integridade psíquica da mãe e do bebê na política pública, o que certamente resultará num salto de qualidade em saúde materno-infantil. Palavras-chave: Cuidado imediato; recém-nascido; saúde da mulher; saúde mental. ABSTRACT: This article is a bibliographical revision on the psychological dimension of the technical procedures that are recommended by the World Health Organization for babies care, during the first hour of life. It points out the nurses practical actions that are involved on the preservation of the mental health of the newborn and the differences between the mother care and the professional care. It concludes that it is essential for nursing to conciliate the physiological integrity of mother and baby in public politics, what certainly will result in a quality jump in mother-baby s health. Keywords: Immediate I care; newborn; woman s health; mental health. INTRODUÇÃO O Ministério da Saúde 1 correlaciona a baixa qualidade da assistência nas maternidades brasileiras com a alta taxa de mortalidade neonatal precoce (0-6 dias de vida). Existe uma ligação entre o alarmante percentual de 40% de óbitos neonatais no primeiro dia de vida e as causas evitáveis, como: o não acesso e utilização dos serviços, a baixa qualidade da assistência no prénatal, no parto e nos cuidados ao recém-nascido (RN). Desse modo, a qualidade dos cuidados prestados nos primeiros momentos da vida de um bebê tem influência direta na mortalidade neonatal precoce, por causas potencialmente evitáveis. Ao pensar sobre as causas evitáveis de mortalidade neonatal precoce, é preciso revisitar a cena do nascimento em que os profissionais de saúde seguem os passos de um protocolo de atendimento ao RN ditado pela práxis científica 2. Esse conjunto de procedimentos, desenvolvido com base na ciência médica de modo geral, tornou-se protocolo quando a Organização Mundial da Saú- R Enferm UERJ, Rio de Janeiro, 2006 out/dez; 14(4):593-8. p.593

CUIDADOS IMEDIATOS AO RECÉM-NASCIDO de (OMS) o incluiu como parte do documento Cuidado Essencial ao Recém-Nascido ***. O protocolo aponta como necessidades básicas do RN o aquecimento, a limpeza, o aleitamento materno, a segurança e a vigilância. Visando ao atendimento dessas necessidades básicas, recomenda como elementos essenciais para o cuidado ao RN em casa, em centros de saúde ou em hospitais a proteção térmica, a amamentação precoce e exclusiva, a higiene e o cuidado com os olhos 3. Percebe-se que as necessidades do RN, em sua primeira hora de vida, e os cuidados essenciais recomendados pela OMS estão restritos às dimensões fisiológicas básicas. Nesse sentido, ao voltar o olhar para a saúde mental do bebê, não são encontradas informações relevantes sobre o assunto no cotidiano hospitalar, o que pode indicar a valorização parcial dos aspectos psíquicos do bebê e de sua mãe pelos profissionais de saúde. Este texto tem por objetivo apresentar uma revisão bibliográfica no campo interdisciplinar, envolvendo autores da psicanálise, psiquiatria infantil, neurociências e enfermagem obstétrica, que aponte os aspectos psíquicos da mãe e do bebê envolvidos no processo de cuidar do ser humano em sua primeira hora de vida. Assim, espera-se que este texto contribua para ampliar a valorização dessa dimensão no cuidado de enfermagem ao RN. AP RN APRIMEIRA HORA DE VIDA DO RN As vivências da gestante em relação à maternidade, à sua gravidez e a seu filho já influenciam a saúde mental do futuro bebê, mas é na primeira hora de vida que esse aspecto assume maior importância. Por isso mesmo, é o período referido como de inatividade alerta do RN, e dura em média 40 minutos 4. Nesta hora que sucede o parto, ambos, mãe e bebê, podem permanecer quietos e dedicados à inauguração de uma relação absolutamente particular, principalmente se o RN for colocado a uma distância de 25 a 30 centímetros de distância do rosto da mãe. Tal cuidado permite ao bebê fixar o olhar nos olhos de sua mãe, mesmo sem atividade motora. Esse comportamento do bebê provoca em sua mãe um impulso para permanecer na situação de olho-no-olho com ele durante muito tempo 4,e o contato que se instala neste momento permite a primeira oportunidade da mãe em ser sensibilizada pelo seu bebê. Por esse motivo, a primeira hora de nascimento é considerada a primeira fase sensível e precursora de apego 5. Vale lembrar que a cena do parto, na maioria dos hospitais e maternidades do Brasil, cuja primeira hora é completamente invadida por cuidados profissionais que não facilitam o encontro do bebê com sua mãe. Logo que nasce, o bebê é separado de sua mãe e levado a outro espaço para ser assistido pelo pediatra. Mesmo quando é mostrado à sua mãe, esta se encontra com sua atenção desviada para procedimentos invasivos característicos da assistência medicalizada a que está sendo submetida 6. OPROTOCOLO DA OMS Esse protocolo estabelece os cuidados imediatos ao RN, pontuando os fenômenos físicos. A OMS define proteção térmica como prevenção e/ou manejo da hipotermia e hipertermia neonatal. Do ponto de vista técnico, para se prevenir a hipotermia do RN deve-se: manter a sala de parto aquecida e sem correntes de ar, envolver o RN em roupas aquecidas, colocá-lo em superfície aquecida e/ou entregá-lo à mãe tão logo quanto possível. Também preconiza o contato pele-a-pele, nas primeiras horas de vida, não só para prevenir a hipotermia, como facilitar o início da amamentação 3. Quanto à amamentação, é recomendada ser iniciada na primeira hora de vida e que o bebê deverá ser alimentado exclusivamente de leite humano e de acordo com a sua própria demanda 3. A higiene do parto assim como os cuidados com o cordão umbilical são considerados apropriados se seguirem orientações simples 3 como: lavagem das mãos, limpeza do períneo da parturiente, atenção para não colocar nada que não esteja limpo no canal do parto, limpeza da superfície onde o RN será colocado logo após o nascimento, limpeza do material que será usado para cortar o cordão umbilical, atenção à higiene e ao cuidar do coto umbilical. Os cuidados com os olhos são incentivados no sentido de prevenir a oftalmia neonatal, que é definida como uma conjuntivite com grande potencial para levar à cegueira, e pode ocorrer nas duas primeiras semanas de vida, mais freqüentemente entre o segundo e o quinto dia após o nascimento 3. p.594 R Enferm UERJ, Rio de Janeiro, 2006 out/dez; 14(4):593-8.

Zveiter M, Progianti JM Diante do exposto, chama-se a atenção para o fato de que, enquanto os procedimentos técnicos de cuidados estão sendo realizados, com objetivos organizados, prioritariamente pela racionalidade científica, encontram-se simultaneamente em ação mecanismos psíquicos da mãe e do bebê, os quais poderão influenciar o futuro psíquico de ambos e a qualidade de suas relações sociais 7. Por isso mesmo, a intenção das autoras deste artigo é acrescentar aos fenômenos físicos dos cuidados imediatos, recomendados pela OMS 3, a dimensão psíquica. VALORIZANDO PSÍQUICAS AS DIMENSÕES As dimensões psíquicas presentes nos cuidados ao RN remetem à ampliação da concepção de ambiente. Assim, considerar a mãe como ambiente é possível graças ao estado de sensibilidade exacerbada e da preocupação materna primária 8 que ocorrem durante a gravidez e ganham intensidade conforme se aproxima o momento do parto. Dura aproximadamente o período em que o bebê é reconhecido como um RN e ganha estatuto de filho. Contudo, nem sempre o RN e sua mãe estão prontos para se aquecerem/estimularem. Tal fato pode ser devido a um processo de parto e nascimento prolongados que exijam a recuperação de ambos por algum tempo 9. Para compreender a mãe como a mais completa fonte de calor para o bebê, é utilizada a teoria winnicottiana, em que o ambiente perfeito é aquele que se adapta ativamente às necessidades 10:334 do recém-nascido. A partir daí, observando o início da vida, percebe-se que a comunicação entre o RN e sua mãe ocorre através da anatomia e da fisiologia. É no colo materno que fenômenos importantes se traduzem em interações primitivas fundamentais, como ouvir os batimentos cardíacos e os movimentos respiratórios, sentir o calor da pele e movimentar-se, indicando que é necessária uma mudança na posição. Nesse ambiente, o bebê se aquece e, simultaneamente, troca informações, se comunica. A partir dessa concepção de mãe como ambiente do bebê, amplia-se o sentido da amamentação 10. No colo materno, além dos fenômenos já citados, ocorre a amamentação. Essa atitude de doação da mãe, alimentando o bebê, inicia-se na cena do nascimento de maneira intuitiva. Nesse momento, a comunicação se dá na dependência da imagem do bebê, do seu choro e seus ruídos, que indicam para a mãe que ele necessita de seu leite 7. O estado de preocupação materna primária confere à mulher a capacidade de suportar a dor e/ou prazer do momento da sucção do mamilo pelo bebê, e contribui também para o exercício do cuidado materno. Esse estado mental alterado torna a mulher capaz de amamentar e desperta nela o desejo de oferecer-se como alimento 8. Ao considerar a amamentação como atendimento às necessidades do bebê, num ritmo e por estímulos singulares, este fenômeno passa a integrar o rol dos cuidados ao RN. A partir daí, é preciso incentivar a mãe para que ela tenha condições de cuidar de seu filho; essa atividade faz parte do delicado exercício de estímulo à aproximação mãe/filho, por parte das equipes das maternidades. Como ocorre na amamentação, a higiene possui uma importante implicação na formação do aparelho mental do bebê. No estado de preocupação primária, a mãe é capaz de identificar-se com o bebê, de colocar-se no seu lugar e corresponder às suas necessidades, que são, no início da vida, corporais alimentação, manutenção da temperatura, higiene, respiração. Depois, passam a ser necessidades psíquicas. Isto se dá através da possibilidade que o RN tem de fantasiar a partir das experiências físicas que são oferecidas pelo cuidado materno 8. Quando a mãe está limpando o bebê, ela funciona como ambiente facilitador, no processo adaptativo e de amadurecimento, por possuir três aspectos característicos 11 : a sustentação (holding) que é a possibilidade de sustentar o bebê num sentido amplo da palavra; esse sentido inclui deixá-lo em alguns momentos, protegê-lo, ser sensível à pele do lactente e cuidar dele diuturnamente; manejo (handling) que é justamente o modo especial como a mãe manipula o seu bebê e também como o bebê manipula a mãe; e a realização (realising) a satisfação das necessidades do bebê. Na ampliação da concepção de higiene como cuidado materno, destaca-se, na possibilidade de falhas, mais um dado importante 8. No ritmo do cuidado, existe um tempo, um intervalo entre a demanda do bebê e o atendimento da necessidade por parte da mãe. Nesse pequeno espaço de tempo, o bebê pode exercer sua capacidade imaginativa. Estando a mãe adaptada às necessida- R Enferm UERJ, Rio de Janeiro, 2006 out/dez; 14(4):593-8. p.595

CUIDADOS IMEDIATOS AO RECÉM-NASCIDO des do bebê, estabelece-se uma ilusão 12 de que tudo o que está no mundo é o que ele pode imaginar. Esse é mais um ponto do desenvolvimento emocional que lança as bases da saúde mental do sujeito. Desde 1960, os resultados das pesquisas 4 demonstram a capacidade que os RN têm de ver. Contudo, a percepção das imagens só é possível depois de algum tempo de contato com os cuidadores. A diferenciação das imagens e a transformação delas em percepção são veiculadas pelas trocas afetivas que ocorrem durante o cuidado 13. A troca de olhares é tão importante que a evitação dos olhares entre a mãe e seu bebê pode ser um critério para o diagnóstico da qualidade dessa relação 14. Do ponto de vista da mãe, é possível que a apresentação do bebê, imediatamente após o parto, produza uma capacidade especial de reconhecimento 15. Durante os cuidados com o bebê, a sua capacidade de fixar o olhar na face do adulto cuidador acaba favorecendo o vínculo entre eles 4. O protocolo de cuidados oferece uma referência segura para que se pautem as rotinas de cuidados de qualquer unidade de atenção ao nascimento. Por outro lado, a ausência da discussão que enfoque outras abordagens pode levar ao entendimento da equipe de saúde que os procedimentos recomendados sejam de natureza meramente técnicas. No entanto, cada passo a ser seguido nos cuidados iniciais ao RN traz um universo de possibilidades para a equipe e para a ampliação do significado de cuidado. Nesse sentido, o próximo item se dirige à discussão sobre os cuidados dirigidos ao RN. OS CUIDADOS E A SAÚDE MENTAL AL DO RN A temática em questão envolve basicamente dois tipos de cuidados: o materno e o profissional. Neste momento é importante que se faça uma distinção entre esses dois tipos de cuidado. Sabese que o cuidado materno provavelmente serviu de molde para o cuidado profissional da enfermagem, mas não deve ser confundido com ele, pois é justamente na subjetividade do cuidado materno que repousa a base da constituição psíquica singular de cada bebê 16. Nessa perspectiva, o cuidado materno não é aprendido em nenhuma escola de formação de mães, e não poderá ser prescrito por nenhum profissional, por mais detalhadas que sejam as ações a serem executadas. Ele pode ter a mesma técnica corporal do cuidado profissional, mas não terá as mesmas conseqüências psíquicas para cada criança. Assim, o cuidado materno é singular, é uma exclusividade de cada mãe e seu bebê 2. Já o cuidado de enfermagem é considerado uma intervenção profissional, pois ocorre num tempo cronológico, observa princípios éticos e técnico-científicos e não admite falhas. Diante de tais características, ressalta-se que a importância da assistência de enfermagem está justamente no apoio ao cuidado materno. Desse modo, as enfermeiras, ao cuidarem de uma mãe e de um bebê, estariam estimulando a autonomia do cuidado materno com o objetivo de garantir condições favoráveis para o seu desempenho. A possibilidade que a mulher tem de cuidar de seu RN está imbricada diretamente nas suas próprias experiências de ter sido cuidada. Além disso, o modo como a mãe toma o bebê diz respeito ao modo como ela toma a si própria 16. Refletindo sobre esse fato, o profissional pode flexibilizar as rotinas da unidade que abriga a mãe e seu bebê. Ainda que não exista a possibilidade de conhecer a história de cuidados recebidos por cada parturiente no pré-parto, deve-se estar muito atento para o que é dito durante o trabalho de parto. Considerando que a mulher já se encontra no estado de preocupação materna primária e que a vivência do trabalho de parto a sensibiliza para o cuidado materno 8, cada palavra ouvida por ela pode ganhar um sentido muito mais contundente, podendo refletir no seu cuidado e, conseqüentemente, na saúde do bebê. Para o profissional de enfermagem atento em apoiar e facilitar a realização do cuidado materno, vale reforçar o respeito à singularidade de cada mãe-filho e a criação de estratégias também singulares que favoreçam a comunicação entre eles. Desse modo, assim como o profissional deve evitar procedimentos invasivos com a mãe 17, ele deve também evitá-los com o RN. No ambiente hospitalar, são considerados procedimentos invasivos com o RN a aplicação de colírio nos olhos, de sondas nas narinas e sua separação da mãe ao nascer, muito embora, em alguns casos graves, sejam recomendados como procedimentos de urgência. Ao contrário, propiciar o silêncio para que a mãe possa apreender os sons do bebê, bem como substituir temporariamente o colo materno, caso p.596 R Enferm UERJ, Rio de Janeiro, 2006 out/dez; 14(4):593-8.

Zveiter M, Progianti JM a mulher esteja impossibilitada, são cuidados que mantêm o bebê ativo para sensibilizar a mãe para desenvolver o cuidado materno. CONSIDERAÇÕES FINAIS Este texto reconhece o protocolo de cuidados elaborado pela OMS como uma referência segura para que esses procedimentos sejam estabelecidos. No entanto, é recomendável que as dimensões psíquicas do bebê e de sua mãe sejam explicitados como embasamento teórico nos documentos oficiais da OMS e do Ministério da Saúde, com atenção para não constarem como mais uma lista protocolar. Esse reconhecimento inclui a integridade psíquica da mãe e do bebê nas políticas públicas assitenciais, o que pode resultar num salto de qualidade na saúde da mulher e da criança. Para cuidar nessa perspectiva, os profissionais de saúde devem ampliar seus conhecimentos, mudar sua abordagem na prática e flexibilizar suas rotinas instituídas. Não menos importante é a inclusão deste referencial nos Cursos de Graduação e Especialização em Enfermagem Obstétrica e Neonatal, na tentativa de reconstruir uma visão de mundo sensível, humanizando a atenção à mãe e a seu filho. E assim modificar o cuidado no atual cenário de assistência ao nascimento. REFERÊNCIAS 1. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Manual dos Comitês de prevenção do óbito infantil e fetal. Brasília (DF): Coordenação da Assistência Materno-Infantil; 2005. 2. Zveiter M. Contribuições ao documento da Organização Mundial de Saúde: cuidados essenciais ao recém-nascido: comentários sobre as implicações psíquicas [dissertação de mestrado]. Rio de Janeiro: Instituto Fernandes Figueiras/ Fiocruz; 2003. 3. World Health Organization. [site de internet]. Essential newborn care report of a technical working group [citado em 18 de jan 2005]. Disponível em: http:// www.who.int/reproductive-health/publications/ MSM_96_13/MSM_96_13_table_of_contents_en.html. 4. Klaus MH, Klaus PH. O surpreendente recém-nascido. Porto Alegre (RS): Artes médicas; 1989. 5. Bowlby J. Apego. São Paulo: Martins Fontes; 1990. (Original publicado em 1969). 6. Zveiter M, Progianti JM, Vargens OMC. O trauma no parto e nascimento sob a lente da enfermagem obstétrica. Pulsional R. Psican. 2005; 182 (6): 86-92. 7. Winnicott DW. Contribuição da psicanálise à obstetrícia. In: Winnicott DW. A família e o desenvolvimento individual. São Paulo: Martins Fontes; 1997. p. 153-63. (Original publicado em 1957). 8. Winnicott DW. Primary maternal preoccupation. In: Winnicott DW. Collected papers: pediatrics throw psychoanalysis. London (UK): Tavistock; 1958. p. 300-5. 9. Winnicott DW. A experiência do nascimento. In: Winnicott DW. Natureza humana. Rio de Janeiro: Imago; 1990. p. 165-72. 10. Winnicott DW. A mente e sua relação com o psicossoma. In: Winnicott DW. Da pediatria a psicanálise. Rio de Janeiro: Imago; 2000. p.332-46. (Original publicado em 1949) 11. Winnicott DW. A importância do setting no encontro com a regressão na psicanálise. In: Winnicott DW. Explorações psicanalíticas. Porto Alegre (RS): Artes Médicas; 1994. p.77-81. (Original publicado em 1964) 12. Winnicott DW. O ódio na contratransferência. In: Winnicott DW. Da pediatria a psicanálise. Rio de Janeiro: Imago; 2000. p.277-87. (Original publicado em 1947). 13. Spitz RA. O primeiro ano de vida. São Paulo: Martins Fontes; 2000. 14. Cramer B. A psiquiatria do bebê: uma introdução. In: Cramer B. A dinâmica do bebê. Porto Alegre (RS): Artes Médicas; 1987. p. 24-74. 15. Klaus MH, Jerauld R, Kreger NC, McAlpine W, Steffa M, Kennell JH. Maternal attachment: importance of the first post-partum days. New Eng J Med. 1972; 286(9): 460-3. 16. Winnicott DW. A experiência mãe-bebê de mutualidade. In: Winnicott D.W. Explorações psicanalíticas. Porto Alegre (RS): Artes Médicas; 1994. p. 195-202. (Original publicado em 1969). 17. Macedo PO, Progianti JM, Vargens OMC, Santos VL, Silva CA. Percepção da dor pela mulher:a influência do ambiente de pré-parto. Rev Enferm UERJ. 2005;13(3):306-12. R Enferm UERJ, Rio de Janeiro, 2006 out/dez; 14(4):593-8. p.597

CUIDADOS IMEDIATOS AO RECÉM-NASCIDO LA DIMENSIÓN PSÍQUIC SÍQUICA VALORIZAD ALORIZADA EN LOS CUID UIDADOS INMEDIA NMEDIATOS AL RECIÉN NACIDO RESUMEN: Este artículo tiene por objetivo presentar, a través de revisión bibliográfica, las dimensiones psíquicas de la madre y del bebé que deben ser valorizadas durante la realización de los procedimientos técnicos recomendados por la Organización Mundial de Salud para la primera hora de vida humana. Son señaladas acciones prácticas de enfermería en la preservación de la salud mental del recién nacido y la diferencia entre cuidado materno y cuidado profesional. Se concluye que es primordial para la enfermería considerar la integridad psíquica de la madre y del bebé en la política pública, lo que ciertamente resultará en un salto de calidad en salud materno-infantil. Palabras Clave: Cuidado inmediato; recién nacido; salud de la mujer; salud mental. Recebido em: 12.06.2006 Aprovado em: 31.10.2006 Notas * Enfermeira Obstétrica, Psicóloga, Mestre em Saúde da Mulher e da Criança pelo IFF-FIOCRUZ; Professora Auxiliar do Curso de Graduação em Enfermagem da UVA; Professora do Curso de Graduação em Enfermagem da UNIPLI. E-mail: marcelezveiter@hotmail.com ** Enfermeira Obstétrica, Doutora em Enfermagem/EEAN-UFRJ; Professora Adjunta do Departamento Materno-Infantil da Faculdade de Enfermagem da UERJ. E-mail: jmprogi@uol.com.br *** Este documento encontra-se disponível no site da OMS, com versões em inglês e francês. Optou-se pela versão em inglês e as partes do documento que constam neste artigo foram traduzidas livremente. p.598 R Enferm UERJ, Rio de Janeiro, 2006 out/dez; 14(4):593-8.