XII-006 - A RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA PELOS DANOS AMBIENTAIS EM ÁGUAS DOCES SUPERFICIAIS



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Transcrição:

22º Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental 14 a 19 de Setembro 2003 - Joinville - Santa Catarina XII-006 - A RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA PELOS DANOS AMBIENTAIS EM ÁGUAS DOCES SUPERFICIAIS Joyceane Bezerra de Menezes (1) Bacharel em Direito pela Universidade de Fortaleza. Mestre em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Doutoranda em Direito Público pela Universidade Federal do Pernambuco (UFPE). Professora Assistente da Universidade de Fortaleza. Endereço(1): Rua Mons. João Luis Santiago, 930 Jardim das Oliveiras - Fortaleza - Ce - CEP: 60821-430 - Brasil - Tel: (85) 278-3027 - e-mail: joyceane@unifor.br RESUMO As atividades humanas podem causar graves danos ambientais. Os danos ambientais são compreendidos como quaisquer lesão ao meio ambiente causadas por ação ou omissão das pessoas físicas ou das pessoas jurídicas de direito público ou de direito privado. Estas condutas comissivas ou omissivas se sujeitam aos efeitos legais, na medida em que se enquadram como infrações administrativa, civis e/ou penais. O dano quando envolve recursos hídricos ainda assume maior gravidade, afinal a água é um recurso cuja escassez preocupa a todos. A poluição em corpos hídricos ainda é encarada com mais rigor. O estudo aqui realizado está circunscrito ao análise da responsabilidade administrativa pela poluição em águas doces superficiais. Assim, estabelece os dispositivos legais que qualificam as infrações administrativa nesta seara com as respectivas sanções administrativas. Neste percurso, é feito um estudo sobre os possíveis conflitos de interpretação concretos e aparentes entre as leis examinadas, cotejando as normas constitucionais e os princípios ordenadores do Direito Ambiental. Além do exame aos dispositivos legais discute-se a competência material das entidades federadas no exercício do poder de polícia para o controle e fiscalização da atividade poluidora. PALAVRAS-CHAVE:

Repartição de competências; danos em águas doces; responsabilidade administrativa; poder de polícia; controle preventivo; controle repressivo; sanções administrativas; responsabilidade do estado. INTRODUÇÃO As atividades humanas desenvolvidas no meio urbano e rural, se não realizadas ordenadamente podem ocasionar drásticas alterações ambientais que se revertem em prejuízo do próprio homem. O poder de polícia administrativo, através da atividade fiscalizatória busca: 1) realizar a prevenção da ocorrência das infrações, mediante a observação dos comportamentos dos sujeitos sociais; 2) reprimir as infrações ambientais cometidas. Uma vez materializado o dano, há que se exigir a responsabilidade dos seus causadores. No que toca a responsabilidade administrativa, cabe a autoridade estatal aplicar as sanções previstas na lei de modo a inibir a reincidência do comportamento danoso. É importante definir a autoridade administrativa competente para a aplicação da sanção, bem como verificar as hipóteses em que a responsabilidade administrativa recai sobre o próprio Estado. JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS Em face de sucessivos danos ambientais em águas doces superficiais, importa apresentar os critérios que devem nortear o trabalho do administrador público na apuração da responsabilidade administrativa. Assim, é fundamental apresentar as teorias que fundamentam a responsabilidade administrativa pelo dano ambiental em águas doces superficiais, as principais sanções administrativas aplicáveis e a competência administrativa de cada entidade federada. METODOLOGIA O trabalho foi realizado mediante análise da doutrina ambiental pátria, em atenção a teoria da responsabilidade objetiva, e da legislação ambiental em consonância com os princípios constitucionais ambientais. RESULTADOS E DISCUSSÃO Mota(1999:66) apresenta a classificação das principais fontes de poluição da água como fontes localizadas e fontes não localizadas. As primeiras estão consubstanciadas no lançamento de esgotos domésticos e industriais; no lançamento de águas pluviais, através de galerias. As fontes não localizadas de poluição da água são a água do escoamento superficial; a água de infiltração; o lançamento direto de resíduos sólidos e outras impurezas e a intrusão de água salgada. Todos esses processos alteram a qualidade da água de modo a torná-la imprópria ao homem ou a outras formas de vida. O dano ambiental pode ser compreendido como qualquer lesão ao meio ambiente causada por condutas comissivas ou omissivas de pessoa física ou jurídica de direito público ou

privado (SILVA, 1994:207). Em atenção ao dispositivo constitucional no art. 225, 3o., as condutas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores às sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparação do dano. A responsabilidade jurídica envolve necessariamente a infração a uma norma, um prejuízo ocasionado por tal infração e o dever de reparação juntamente com a sanção aplicável. Em função da norma que se infringe, depreende-se três tipos de responsabilidade: a responsabilidade penal, a responsabilidade civil e a responsabilidade administrativa. A responsabilidade penal deriva da infração a uma norma penal, o cometimento de ação ou omissão tipificada como crime. O dano resultante da infração penal é de ordem social, fere a paz social, a despeito de muitas vezes apenas um individuo ser atingido diretamente. A responsabilidade civil resulta da causação de um prejuízo patrimonial material e/ou imaterial a outrem, individualmente considerado (SCAFF, 2001: 121). A responsabilidade administrativa (que nos interessa para a análise do caso proposto) é aquela decorrente da relação jurídica estabelecida entre o administrado e administrador, o Poder Público. Tem por objeto a aplicação de penas no âmbito do poder de policia administrativo, enquanto a responsabilidade penal é apurada pelo Poder Judiciário. A ação ou omissão considerada um ilícito administrativo pode ser ou não um ilícito penal ou civil. Sem dúvida, a responsabilidade administrativa é um instrumento valioso para o exercício do poder de policia ambiental, pois somente através da possibilidade da aplicação das sanções daí decorrentes, a administração pode desenvolver um controle repressivo mais eficaz daquelas condutas lesivas ao meio ambiente. A responsabilidade administrativa decorre da relação jurídica estabelecida entre o administrado e administrador, o Poder Público. Tem por objeto a aplicação de penas no âmbito do poder de policia administrativo. É um instrumento valioso para o exercício do poder de policia ambiental, pois através da aplicação das sanções, a administração desenvolverá um controle repressivo mais eficaz daquelas condutas lesivas ao meio ambiente, contribuindo ainda para inibir as diversas formas de poluição. Quanto ao aspecto subjetivo, a responsabilidade se classifica em subjetiva e objetiva, conforme se exija ou não a culpabilidade do agente como pressuposto para qualificar a infração. A tradicional teoria da responsabilidade subjetiva, de cunho civilista, exige a culpabilidade do agente para que se qualifique a infração. Neste caso, a apuração da responsabilidade está condicionada à ação ou omissão dolosa ou culposa. A responsabilidade objetiva dispensa a demonstração da culpa do agente, exigindo apenas o nexo de causalidade entre a sua conduta comissiva ou omissiva e o fato danoso. Está diretamente relacionada à atividade em função da qual se desencadeou o dano, dispensando o elemento da culpabilidade para atingir determinado sujeito. Na seara dos direitos difusos, a exemplo do direito ambiental, cujo interesse protegido interfere na vida de toda a comunidade, quiçá das futuras gerações, a responsabilidade administrativa se deixa avançar em consonância com a teoria do risco. Ou seja, o agente de atividade econômica é responsável por todos os seus efeitos, ainda quando derivados de procedimentos legais. Na responsabilidade administrativa definida conforme a teoria do risco, o dever de reparar o dano é, por si, custo de uma atividade econômica, sendo ônus do agente independentemente de qualquer variável.

A Política Nacional do Meio Ambiente adota a responsabilidade objetiva como uma forma de facilitar a reparação do dano. Uma das razões para a sua adoção está no fato de que a maioria dos acidentes ambientais mais graves são provocados por corporações econômicas ou pelas empresas estatais, onde a comprovação da culpa desses entes é praticamente impossível (KRELL, 1998:25). Para a apuração da responsabilidade basta a existência do nexo de causalidade entre a atividade do agente e o dano ambiental. Para a maioria dos autores, filiados que são à teoria do risco integral, inexiste qualquer excludente de responsabilidade, nem mesmo o caso fortuito e a força maior. A responsabilidade objetiva fundada na teoria do risco integral, inadmite qualquer modalidade de excludente, nem mesmo o caso fortuito e a força maior. Para Andréas Krell (1998:26) o problema da teoria do risco integral exsurge quando o particular a quem quer se imputar a responsabilidade pelo dano, está desenvolvendo a sua atividade dentro da legalidade e conforme licença concedida. Nas hipóteses em que o ato administrativo que concede a licença para a exploração da atividade é legal, inexiste culpa do particular que cumpre as exigências administrativa e mesmo assim sobrevem o dano, o Estado seria coresponsável em relação ao poluidor pela conduta não-culposa do seu agente que concedeu a licença. Seria o caso da empresa que obtem licenciamento do órgão competente para o exercício de determinada atividade e, mesmo cumprindo todas as recomendações impostas, surge o dano ambiental. Para os afiliados à teoria do risco integral ainda aqui o particular tem o dever de reparar o dano. Neste caso, Krell (1998:27) entende pela responsabilização do Estado, na pessoa da entidade federativa que concedeu a licença ou autorização descabida. Objetiva o argumento a garantia da proteção ao particular que age dentro dos padrões estabelecidos pelo Poder Público, evitando que venha a suportar um prejuízo isoladamente. Mesmo porque o Estado não é um ente irresponsável. Consoante se estabelece no art.37, 6º, da Constituição da República Brasileira, o estado tem responsabilidade pelos danos que os seus agentes causarem a outrem, por conduta omissiva ou comissiva, independente da demonstração de culpa. Entendemos em consonância com Paciornik (2000:114) seguindo a esteira de Régis Fernandes de Oliveira, "basta a voluntariedade, isto é, o movimento anímico consciente capaz de produzir efeitos jurídicos. Não há necessidade de demonstração de dolo ou culpa do infrator; basta que, praticando o fato previsto, dê causa a uma ocorrência punida em lei". Admitir a possibilidade de excludente da responsabilidade do agente seria afrouxar o sistema de proteção ambiental, e talvez, contribuir para a desatenção da iniciativa privada diante dos impactos ambientais. É válido o argumento de Andréas Krell, mas expira cuidado a sua aplicação no Brasil, por força das limitações dos órgãos ambientais. A teoria do risco integral, cobre parte dessas preocupações quando transfere completamente a responsabilidade aos particulares que, terão atenção redobrada na execução de suas atividades, de modo a evitar que estão possam estar associadas a qualquer tipo de dano ambiental. O meio ambiente ecologicamente equilibrado deve ser tutelado pelo Poder Público e pela coletividade. Penso que o particular não tem excluída a sua responsabilidade pelo dano ambiental quando está devidamente licenciado. Para corrigir qualquer injustiça poderiam ser aplicadas as

disposições do Código de Defesa do Consumidor, em analogia, apurando a responsabilidade solidária do particular e do órgão licenciador, vedada a denunciação da lide, com a possibilidade de regresso do primeiro contra o Estado. Além do sistema descentralizado de gestão, que vem a lume com a nova perspectiva de uso da água da Lei no.9433, observa-se que tanto a política nacional de recursos hídricos quanto a própria política nacional do meio ambiente adotam como instrumentos o controle da qualidade ambiental e a repressão às atividades poluidoras. Neste sentido, o poder de polícia administrativo é fundamental para garantir o uso adequado dos recursos hídricos, através da atividade fiscalizatória cujos objetivos resumem-se em dois: 1) realizar a prevenção da ocorrência das infrações, mediante a observação dos comportamentos dos sujeitos sociais; 2) reprimir as infrações cometidas em detrimento do meio ambiente, utilizando-se do aparelho estatal repressivo, desde o poder de polícia para a aplicação das penalidades administrativas, até eventual decisão do Judiciário, com a aplicação de outras sanções cabíveis. Relativamente ao tema central deste trabalho, regulam-no os seguintes dispositivos legais de origem federal: as leis no. no. 6.938/81, 9.433/97, no. 9605/98 com o Decreto regulamentar no. 3.179/99 e Lei no. 9.966/2000, além da Res./CONAMA 020/86. Nestes diplomas são encontradas normas definidoras das infrações administrativas, com as respectivas sanções. Na lei no. 9.433/97, que disciplina a Política Nacional dos Recursos Hídricos, as infrações administrativas correspondem aquelas ações que contrariam as condições da outorga do uso destes recursos, ou que de qualquer forma deponham contra as normas de controle da qualidade ou quantidade do uso da água. As sanções são definidas como advertência, multa, embargo provisório, para ajuste e cumprimento das condições da outorga, e até embargo definitivo, com a revogação da outorga, aplicáveis segundo à gravidade do dano. A lei no. 6.938/81, art. 14, estabelece que, sem prejuízo das penalidades previstas nas leis federais, estaduais e municipais, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores a multa; perda ou restrições de incentivos fiscais; perda ou suspensão de participação em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito e suspensão de atividade. A lei da natureza (Lei no. 9.605/98) estabelece a responsabilidade solidária entre as pessoas jurídicas e o representante legal ou órgão colegiado, nos casos em que as infrações tenham sido cometidas por decisões destes, ou nos casos de co-autoria (art.3o caput e Parágrafo único). Define com infrações administrativas ambientais toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente (art. 70). Trata-se de um tipo de infração em branco, vez que não arrola as infrações, reportando-se a outros diplomas legais. A lei da natureza aponta como sanções administrativas (art. 72): a advertência; a multa simples e a multa diária; a apreensão de animais, produtos e subprodutos da fauna, flora, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na

infração; destruição ou inutilização do produto; embargo de obra ou atividade; demolição da obra; suspensão parcial ou total de atividades; restritivas de direitos. Fixa o valor da multa, com base nos índices estabelecidos na legislação pertinente, sendo o mínimo de R$50,00 (cinqüenta reais) e o máximo de R$50.000.000,00 (cinqüenta milhões de reais). O Dec. 3.179/99 que regulamenta a Lei da Natureza, no art. 41 trata de modo geral, dispondo que constitui infração "causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da fauna e da flora". Para tanto estabelece parâmetros para multa entre R$1.000,00 (mil reais) a R$50.000.000,00 (cinqüenta milhões) ou multa diária. Incorrendo na mesma pena quem: causar poluição hídrica que torne necessária a interrupção do abastecimento público d água a uma comunidade; dificultar ou impedir o uso público das praias ou lançar resíduos sólidos, líquidos ou gasosos ou detritos, óleos ou substancias oleosas em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou regulamentos (art. 41, 1o., III, IV e V). Parciornik (2000:125/126) entende existir conflito entre os valores fixados como multa pela Lei da Política Nacional dos Recursos Hídricos e a Lei da Natureza. Pela Lei. No. 9.433/97 a multa é estabelecida entre R$100,00 e R$10.000,00. Contudo o conflito inexiste, pois a Lei da Natureza define parâmetros gerais de multa que a legislação pertinente deve observar; in caso, a lei específica (Lei no. 9433/97, art.50) comporta-se na margem estabelecida pela Lei Nova (o valor mínimo é de R$100,00 superior ao patamar minimo de R$50,00 exigido pela Lei no. 9605/98 e a multa máxima não excede a R$50.000.000,00). Não entendo que a lei no. 9.605/98 revogou o valor fixado pela lei 9.433/97, pois resguarda os índices estabelecidos pela legislação pertinente desde que fixados no limite que estipula. Lastima-se que o Art. 60 do Decreto no.3.179/99 (regulamento da Lei da Natureza) possa funcionar como um escape contra as sanções administrativas, pois prevê a suspensão da exigibilidade das multas quando o infrator assume o compromisso de reparar o dano. O termo de compromisso devidamente assinado afasta a exigibilidade e praticamente sustenta a impunidade diante da dificuldade de fiscalização ulterior que controle o atendimento às exigências consolidadas naquele termo. É certo que, numa estrutura administrativoburocrática mais ágil, situada no seio de uma sociedade articulada politicamente e ciosa dos seus direitos, o termo de compromisso de que fala o decreto regulamentar seria um instrumento muito bom, posto que voltado para a tomada de medidas mitigadoras dos danos. Contudo, os órgãos integrantes do Sistema Nacional de Proteção ao Meio Ambiente não estão alcançando, com intento, a redução do efeito poluidor através da celebração de termos de compromissos. Um indicador que contribui para o insucesso é principalmente a falta de pessoal para a fiscalização. Outro dispositivo que se apresenta incoerente com o princípio in dúbio pro natura está representado no Art. 76 da Lei da Natureza, segundo o qual o pagamento de multa estadual ou municipal afasta a exigência da multa federal, indubitavelmente mais onerosa. O dispositivo deveria priorizar o pagamento de multa mais alta. Além de afetar o principio do

in dubio pro natura, pode ainda constituir-se numa inconstitucionalidade quanto às regras de repartição de competência legislativa. As regras de repartição de competências constitucionais definidas nos seguintes termos: Os Estados, União e Distrito Federal têm competência concorrente para legislar sobre proteção ao meio ambiente e controle da poluição. O serviço de saneamento básico é de competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (art. 23, IX): A união traça as diretrizes gerais. A Constituição autoriza aos Estados, quando da formação de Região Metropolitana, presente o interesse comum que consolide uma, a legislar sobre saneamento básico, posto que competentes para estruturá-los, em atenção às diretrizes gerais da União; Sem considerar a competência suplementar dos Municípios quando presente o interesse local. Note-se que em relação à competência constitucional concorrente atribuída à União, Estados e ao Distrito Federal para edição de normas ambientais, a primeira circunscreve a sua atuação legislando sobre normas de caráter geral. Aos Estados e ao Distrito Federal cabem as normas de cunho mais regional, mais específicas, razão porque estão atreladas hierarquicamente às normas federais. A competência dos Estados e do DF surge para garantir o respeito a diversidade regional e suas peculiaridades, mas para evitar total dissonância em relação ao tratamento por parte das diversas Unidades Federadas, garantese a superioridade hierárquica da lei federal. Sobre saneamento básico, a competência material é comum para todos os entes federativos. Indiretamente se defere competência legislativa para os tais. Para garantir a prestação das funções públicas, os Estados podem instituir regiões metropolitanas compostas de municípios limítrofes. Assim, garantindo-se o interesse comum a este complexo geoeconömico, pode o Estado legislar, respeitadas as diretrizes gerais da União Federal, sobre saneamento básico. Mais uma vez, a competência do Estado se delimita em hierarquia inferior às normas gerais da União. A competência do Município para legislar sobre meio ambiente, é deferida nos limites da expressão interesse local, conforme art.30. Assim, para atender aos interesses peculiaríssimos da unidade municipal, esta Unidade Federativa poderá legislar suplementando a legislação federal e estadual. Ou seja, a competência do município se desenvolve em respeito às leis federais e às leis estaduais. Disto se conclui que as leis estaduais e municipais devem atender as regras gerais estabelecidas pela lei federal, entendo que até mesmo quanto ao estabelecimento das multas. A pena pecuniária é recurso capaz de inibir o comportamento ambiental negativo. É mais favorável ao meio ambiente aquela pena mais rigorosa. Assim sendo, para atender ao

principio do in dubio pro natura e o respeito às leis federais, no caso de competência concorrente e suplementar, as leis estaduais e municipais não poderiam estabelecer multas pecuniárias mais leves às infrações administrativas no âmbito do meio ambiente. Na aplicação dessas sanções administrativas, a Constituição Federal atribuiu competência administrativa comum aos entes federados na proteção do meio ambiente (art. 23, inciso VI) e, assim à água enquanto um recurso ambiental. Cabe igualmente, a todas as unidades federativas a fiscalização e a repressão do efeito poluidor, utilizando-se do poder de polícia administrativo para proteger o meio ambiente. Inclui nesta competência o combate a qualquer forma de poluição. Todos os órgãos do SISNAMA teriam competência comum para exercer o seu poder de policia no combate à poluição dos recursos hídricos. Na tentativa de harmonizar a tutela comum à efetiva garantia da proteção, a competência comum é possível identificar o ente federativo obrigado a agir na defesa do meio ambiente. Na esteira de Luis Roberto Barroso, Paciornik (2000:115) defende que não há superposições de atribuições, cada esfera da federação tem suas áreas de atuação. Relativamente às águas, cabe à União a fiscalização das águas federais (CF/88, art. 20, III) ou e aos Estados, a fiscalização dos recursos hídricos pertencentes ao seu domínio (CF/88, art. 26, I). O serviço de saneamento básico importará aos Estados, quando tratar-se de sua competência, preponderando o interesse comum, competindo aos Municípios uma atuação positiva, se presente o interesse local. Relativamente às águas, cabe à União a fiscalização das águas federais (CF/88, art. 20, III) e aos Estados, a fiscalização dos recursos hídricos pertencentes ao seu domínio (CF/88, art. 26, I). O serviço de saneamento básico importará aos Estados, quando tratar-se de sua competência, ou seja quando, preponderando o interesse comum, competindo aos Municípios uma atuação positiva, se presente o interesse local. De todo modo, é dever do Poder Público a proteção do meio ambiente e a repressão de qualquer forma de poluição. O descumprimento de um dever administrativo poderá resultar a sua responsabilização. A Lei no. 6.938/81, art. 14 2o. dispõe que nos casos de omissão da autoridade estadual e municipal, caberá ao Secretário do Meio Ambiente a aplicação das sanções administrativas. Nos casos da omissão desse Secretário de Estado, caberá ao Ministério Público a apuração de sua responsabilidade. É dever do Poder Público a proteção do meio ambiente e a repressão de qualquer forma de poluição. De sorte que do descumprimento de um dever administrativo poderá resultar a sua responsabilização. Superada a fase de irresponsabilidade do Estado e até mesmo da responsabilidade subjetiva, impera a idéia de responsabilidade objetiva, justificada segundo a teoria do Risco Integral (CRETELA JUNIOR, 1980:94/95) ou Risco Administrativo como prefere Hely Lopes Meireles (1996:561). Meireles prefere nominar risco administrativo o que Cretela chama de responsabilidade por risco integral, em virtude de se admitir como excludente da responsabilidade a demonstração da culpa da vítima. Para ambos, a responsabilidade do Estado advêm da lesão, sem o concurso do lesado. Não se exige a falta do serviço público, nem a culpa dos agentes, basta a demonstração do nexo causal entre o fato danoso e a ação ou omissão do Poder Público. O Brasil adota a teoria do risco administrativo conforme defende Hely Lopes, admitindo como excludente o concurso culposo ou doloso da vítima.

A legislação ambiental, especificamente, aquela voltada para a proteção dos recursos hídricos, prevê funções ao Poder Público que, no exercício do seu poder de policia administrativo ambiental há que fiscalizar e reprimir ações poluidoras lesivas ao equilíbrio ambiental. A Lei no. 6.938/81, art. 14 2o. dispõe que nos casos de omissão da autoridade estadual e municipal, caberá ao Secretário do Meio Ambiente a aplicação das sanções administrativas. Sem dúvida que, nos casos da omissão desse Secretário de Estado, cabe ao Ministério Público a apuração de sua responsabilidade. CONCLUSÃO Entende-se com Paciornik (2000:114), que "basta a voluntariedade, isto é, o movimento anímico consciente capaz de produzir efeitos jurídicos. Não há necessidade de demonstração de dolo ou culpa do infrator; basta que, praticando o fato previsto, dê causa a uma ocorrência punida em lei". Admitir a possibilidade de excludente da responsabilidade do agente seria afrouxar o sistema de proteção ambiental, e talvez, contribuir para a desatenção da iniciativa privada diante dos impactos ambientais. É válido o argumento de Andréas Krell (1998), mas expira cuidado a sua aplicação no Brasil, por força das limitações dos órgãos ambientais. A teoria do risco integral, cobre parte dessas preocupações quando transfere completamente a responsabilidade aos particulares que, terão atenção redobrada na execução de suas atividades, de modo a evitar que estão possam estar associadas a qualquer tipo de dano ambiental. O meio ambiente ecologicamente equilibrado deve ser tutelado pelo Poder Público e pela coletividade. O particular não tem excluída a sua responsabilidade pelo dano ambiental quando está devidamente licenciado. Para corrigir qualquer injustiça poderiam ser aplicadas as disposições do Código de Defesa do Consumidor, em analogia, apurando a responsabilidade solidária do particular e do órgão licenciador, vedada a denunciação da lide, com a possibilidade de regresso do primeiro contra o Estado. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (promulgada em 5.10.1988). Org. Alexandre de Moraes. São Paulo: Atlas, 2001. CRETELA JUNIOR, José. O Estado e a obrigação de indenizar. São Paulo: Saraiva, 1980. KRELL, Andréas J. Concretização do dano ambiental: algumas objeções à teoria do "risco integral". In Revista de Informação Legislativa, no.135, Brasilia: Senado Federal, 1998, pp.23/37.

MEIRELES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993. MOTA, Suetônio. Urbanização e meio ambiente. Rio de Janeiro: ABES, 1999. PACIORNIK, Joel Ilan. Tutela administrativa da água. In Águas - aspectos jurídicos e ambientais. Org. Vladimir Passos de Freitas, Curitiba: Juruá, 2000, pp. 103/127. SCAFF. Fernando Facury. A responsabilidade civil do Estado intervencionista. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. SILVA, José Afonso da. Direito constitucional ambiental. São Paulo: Malheiros, 1994.