A relação do desemprego masculino e os casos de violência doméstica na cidade de Vitória-ES no ano de 2010 Alex Silva Ferrari (Graduando UFES) Resumo: A violência contra a mulher vem sendo estudada desde a sua exposição como problema social na década de 80 pelos movimentos feministas. Desde então, a ambientação e as circunstâncias que levam ao ato de violência contra a mulher vem sendo discutidas e desmistificadas. Essa relação de poder que o homem exerce sobre a mulher e a construção de uma sociedade machista se insere no contexto desses estudos. Ao explorarmos as causas do ato de violência doméstica, o desemprego masculino figura como um dos maiores motivadores, devido a construção da imagem masculina como pilar central e mantenedor da família, sendo muitas vezes o único responsável pelo sustendo do lar. Ao longo dos últimos dois anos o Laboratório de Estudos de Gênero, Poder e Violência (LEG-UFES), do Departamento de História, da Universidade Federal do Espírito Santo vêm desenvolvendo um trabalho de mapeamento das denúncias dos casos de violência contra a mulher na Delegacia Especializada de Atendimento a Mulher (DEAM) de Vitória-ES do ano de 2002 a 2011. O presente artigo trata da pesquisa em andamento, ligada ao LEG-UFES, que tem como foco o estudo das denúncias de violência doméstica registradas na DEAM de Vitória-ES no ano de 2010, onde os agressores são declarados como desempregados ou sem ocupação remunerada. 1.0 - INTRODUÇÃO O Feminismo, consolidado no século XX, nos dias atuais se configura como um movimento sólido e de grande importância no âmbito social. Com a participação mais ativa da mulher na sociedade inaugura-se uma nova fase em sua história, onde antigas barreiras caem por terra e as desigualdades entre os sexos passam a ser tema de grandes discussões, possibilitando assim a problematização do papel da mulher na
família e na sociedade, seus deveres e direitos. Dentre as várias pautas desse movimento social uma das mais importantes é a questão da violência contra a mulher. Uma mulher vítima de violência na maioria esmagadora dos casos tem por agressor um familiar ou conhecido, raramente um estranho (SAFFIOTI, 2004, p.93), sendo então a violência doméstica que acumula o maior número de ocorrência entre as vítimas do sexo feminino. A partir da década de 1970 no Brasil, o movimento feminista foi fundamental para que os crimes de violência doméstica saíssem do ambiente privado e se tonassem públicos. Casos famosos, como o assassinato de Ângela Diniz, no ano de 1976, foram noticiados pela grande mídia, e foram as bases para manifestações públicas contra a violência doméstica 1. A luta feminista pelo fim da violência contra a mulher, nas suas mais diferentes formas, culminou em resultados práticos de ações governamentais como, as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher - DEAMs, criadas na década de 1980 a fim de assegurar os direitos das mesmas e protegê-las de toda e qualquer forma de agressão. Mas apenas essa medida não era suficiente. A simples denúncia dos agressores não garantia o combate e a prevenção da violência doméstica, a lei nº 11.340, de sete de agosto de 2006, intitulada Lei Maria da Penha, dentre outras coisas, propõe mais ações governamentais para a prevenção e a punição mais eficaz do agressor, garantindo à mulher a devida proteção, em casos que a vítima corre perigo de vida. A DEAM de Vitória-ES foi criada na metade da década de 1980, sendo parte das primeiras delegacias especializadas no atendimento de mulheres vítimas de violência. Durante quase duas décadas ela funcionou nas dependências da Superintendência da Polícia Civil do estado do Espírito Santo, somente a partir no ano de 2003 a DEAM de Vitória-ES ganha espaço físico próprio, proporcionando um melhor atendimento às vítimas que procuram a delegacia para fazer suas denúncias. Porém, o atendimento 1 VITORIA, Mariza Barros da. UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO Centro de Ciências Humanas e Naturais. Violência doméstica: a realidade das mulheres que denunciam, Vitória (ES) 2004. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Espírito Santo, Centro de Ciências Humanas e Naturais
nestas delegacias está longe de ser o ideal. É preciso ainda muito investimento público e capacitação dos profissionais que ali atuam para melhor atender a demanda de vítimas que utilizam esse serviço público 2. Ainda assim, com os dados levantados através da analise dos Boletins de Ocorrência (B.O.s) é possível a fazer a análise dos números da violência doméstica, explicitando suas características, as motivações e o perfil tanto do agressor quanto da vítima. 2.0 - O DESEMPREGO COMO FATOR MOTIVACIONAL DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. A construção do papel social do homem brasileiro, que implica na sustentação e manutenção do lar no âmbito financeiro, é de suma importância para o equilíbrio da família. Ao consultar a historiografia da família brasileira, observa-se que, desde o processo de colonização a partir de meados do século XVI, e a ascensão do papel social da mulher no século XX, o homem dentro da família adquire o papel de provedor, de protetor, sendo a representação do pilar que sustenta toda a estrutura familiar. Irene Cardoso exemplifica a imagem do homem, dentro da família tradicional como uma espécie de Estado dentro do lar, responsável pela administração e submetendo a sua vontade os outros membros da família (CARDOSO, 1983 p.36). Todavia, quando o homem não consegue mais manter a sua casa, falha no papel social de chefe de família. O homem para ser aceito e respeitado dentro de uma sociedade machista é cobrado e deve sempre estar pronto para provar sua masculinidade das mais diferentes formas. Ele deve se afirmar sexualmente, fisicamente e no que se refere à unidade doméstica, moral e financeiramente. O desemprego masculino leva ao não cumprimento do seu papel financeiro dentro da família, por consequência o seu fracasso como pilar fundamental do lar. A partir desse ponto iniciam-se os conflitos internos e familiares. O homem passa por um quadro de insegurança devido o seu fracasso como chefe de família 2 Sobre o assunto ver: SAFFIOTI, Heleieth I. B. Gênero, patriarcado e violência. 1º Ed. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004 p 89-94.
A mulher, na sociedade brasileira, durante muito tempo foi encarada como ser inferior e renegada ao ambiente doméstico 3, mas durante o século XX a mulher entra efetivamente no mercado de trabalho formal, passa a contribuir com o orçamento doméstico e por vezes vem a ser a mantenedora do lar, uma vez que nesse período com as transformações sociais e econômicas muitos trabalhadores não são mais capazes de suprir as necessidades das suas unidades domésticas, seja pelos baixos salários ou pelo desemprego. A situação supracitada reforça a ideia do fracasso masculino dentro da família. Esse quadro de instabilidade emocional e psicológica masculina é que resulta na violência doméstica. 3.0 2010, VITÓRIA-ES, A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER E O DESEMPREGO MASCULINO. No ano de 2010 teve inicio as atividades do LEG-UFES, ligado ao Departamento de História da UFES. Dentre os trabalhos realizados neste laboratório destacamos o Mapeamento da Violência Contra a Mulher na cidade de Vitória-ES, também vinculado ao Programa Institucional de Iniciação Científica da mesma universidade (PIIC-UFES). Este trabalho foi possibilitado a partir da obtenção de acesso aos arquivos da DEAM dessa cidade. Para a realização desse trabalho foi feita a transcrição manual de das fontes primárias, as denúncias realizadas na delegacia especializada. Todos os dados coletados até a presente data do ano de 2012, bem como os dados que ainda estão em fase de coleta, serão inseridos em um Banco de Dados do Microsoft Access. Este recurso nos permite o cruzamento de informações contidas nos B.O.s possibilitando uma analise pontual do perfil, tanto do agressor como da vítima. É possível identificar a qual classe 3 Sobre o assunto ver: NADER, Maria Beatriz. Mulher: do destino biológico ao destino social. 2. ed. rev. - Vitória: EDUFES, 2001
social os envolvidos pertencem, faixa etária, entre outros dados. Através do estudo do relato feito pela vítima é possível identificar a motivação, em alguns casos chegando a ser mais de uma, do crime cometido contra a mulher. A pesquisa que vem sendo desenvolvida junto ao LEG-UFES tem como objetivo o levantamento e análise dos casos em que o agressor é declarado como desempregado ou sem ocupação remunerada. Até a presente data do Banco de Dados está contido de todas as informações das denúncias feitas entre o ano de 2003 e 2007. Os dados dos anos de 2008, 2009, 2010 e 2011 estão em fase de inserção no Banco de Dados, assim como o laboratório trabalha para conseguir acesso aos anos anteriores a 2003, pois esses arquivos não se encontram mais nas dependências da DEAM de Vitória-ES. Como já exposto anteriormente, o desemprego figura entre as possíveis motivações da violência doméstica. Porém ao observamos os resultados parciais do levantamento já feito pelo LEG-UFES, que vai do ano de 2003 até 2007, apenas 24 casos foram identificados como sendo motivados pelo desemprego do autor 4. Em um total de 5389 casos registrados nesses cinco anos, esses 24 casos representam apenas aproximadamente 0,45% das denúncias. Estes números poderiam representar que uma pesquisa sobre a influência do desemprego na violência contra a mulher provavelmente teria resultados insatisfatórios. Todavia, Nolasco (1993) ao discutir sobre os conceitos e representações da masculinidade dos homens brasileiros chama a nossa atenção para a importância do trabalho na vida social do homem. Utilizando os conceitos de Tolson (1977), que nos diz que o comportamento masculino e até a sua sexualidade são regidos pela sua relação com o trabalho 5, a crise na identidade dos homens se inicia com a crise no mundo do trabalho e da família 6. Devemos considerar então não somente o desemprego como 4 Para a seleção desses casos foram considerados apenas autores do sexo masculino com relação de parentesco direto com a vítima, como por exemplo: marido, ex-marido, pai, irmão, namorado, etc. 5 NOLASCO, Socrates. O mito da masculinidade. Rio de Janeiro: Rocco, 1993 p.55 6 NOLASCO, Socrates. O mito da masculinidade. Rio de Janeiro: Rocco, 1993 p.55
motivador de violência, mas também a condição de desempregado do agressor, como um dos detonadores dos atos de violência contra a mulher dentro do seu próprio lar. Ao levarmos em consideração esse novo olhar sobre a relação do desemprego masculino e a violência doméstica, observamos que nos anos já catalogados em nosso banco de dados o número de denúncias em que os agressores eram identificados como sendo do sexo masculino, tendo relação de parentesco direta com a vítima e se encontravam desempregados ou não exerciam ocupação remunerada é de 266, representando aproximadamente 5% do número total de ocorrências. Isto posto, tínhamos então motivos para considerar o desemprego masculino como causa e/ou motivação para a violência doméstica. A presente pesquisa tem como delimitação temporal para o mapeamento dos casos de violência conta a mulher no ambiente doméstico o ano de 2010. Esta delimitação tem como por objetivo a análise dos casos anteriormente citados, nesse ultimo ano da primeira década do século XX. Tento sempre em mente que esta década é marcada pela promulgação da Lei Maria da Penha, que como já exposto, promove transformações nas instituições de segurança voltadas para proteção à mulher, tanto na esfera judicial como criminal. Destacamos também o caráter econômico em que esta pesquisa assumirá, sendo necessário o estudo das transformações econômicas no âmbito nacional e local, para assim possibilitar a contextualização dos dados registrados na DEAM de Vitória-ES. Ao final da pesquisa espera-se ser possível traçar o perfil socioeconômico da vítima e do agressor. Também almejamos mapear fisicamente esses crimes, mostrando de forma quantitativa o número de ocorrências em cada bairro ou macro região da capital do estado do Espírito Santo, que novamente com a contextualização econômica nos ajudará a situar historicamente essas ocorrências. 3.0 - BIBLIOGRAFIA
CARDOSO, Irene. Mulher e trabalho: as discriminações e barreiras no mercado de trabalho. São Paulo: Cortez 1980. NADER, Maria Beatriz. Mulher: do destino biológico ao destino social. 2. ed. rev. - Vitória: EDUFES, 2001. NOLASCO, Socrates. O mito da masculinidade. Rio de Janeiro: Rocco, 1993. SAFFIOTI, Heleieth I. B. Gênero, patriarcado e violência. 1º Ed. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004. VITORIA, Mariza Barros da. UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO Centro de Ciências Humanas e Naturais. Violência doméstica: a realidade das mulheres que denunciam, Vitória (ES) 2004. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Espírito Santo, Centro de Ciências Humanas e Naturais.