Transformações do comportamento feminino em fins nos primeiros cinco anos do século XXI: violência e denúncia
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- Maria das Dores de Escobar Correia
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1 Fazendo Gênero 8 - Corpo, Violência e Poder Florianópolis, de 25 a 28 de agosto de 2008 Transformações do comportamento feminino em fins nos primeiros cinco anos do século XXI: violência e denúncia Maria Beatriz Nader (UFES) Gênero; Violência; Denúncia ST 60 - Corpo e violência nas relações de gênero As relações de gênero dentro das unidades domésticas no Brasil, e especificamente na cidade de Vitória, capital do Estado do Espírito Santo, há vários anos são temas de minhas pesquisas. Meus estudos são direcionados para a relação do fim do rompimento conjugal com a inserção das mulheres no mercado de trabalho feminino que se após os anos de As diversas pesquisas que fiz com mulheres, contudo, tem me apontado que a grande maioria das mulheres que se inserem no mercado de trabalho sofre algum tipo de violência doméstica. Essa violência não se manifesta apenas por meio de agressões físicas, sob a forma de tapas e empurrões, mas, principalmente se apresenta da forma que denominamos de violência sutil 1. Sob essa forma umas mulheres sofrem maus tratos como xingamentos, ofensa à conduta moral e com ameaças de ter seus pertences quebrados, suas roupas rasgadas e seus objetos atirados para fora de casa. Outras sofrem agressão de forma indireta, como a humilhação e o constrangimento que provocam a chamada dor moral. A violência sutil é uma agressão que se apresenta sob a forma de hostilidade verbal, como insultos, desprezo, críticas, bloqueio de iniciativa, confinamento e ameaça de abandono. Pelo fato de a mulher ter sido historicamente ligada à família, torna-se a maior vítima das práticas de violência que se estabelecem no seio familiar cujas relações nem sempre são desajustadas emocionalmente. Em vários aspectos, essas práticas se camuflam sob gestos de ternura que destroem o indivíduo, constituindo-se em um problema social que chega a tornar-se uma violação dos direitos humanos, tal como a promoção da alienação e a proibição da expressão e da locomoção. 2 Por longos séculos a sociedade brasileira considerou as mulheres fracas e passivas e, por isso, não lhes permitiu participar da vida pública, além de reputar inconcebível às mulheres o direito de participar de discussões políticas e realizar atividades profissionais. Em vez de receber uma educação que as preparassem profissionalmente, elas eram treinadas somente para tomar conta da casa e administrar os serviços domésticos, seguindo à risca o modelo ideal de mulher estipulado pela fé cristã. Por depender da autoridade masculina, a mulher que vivia isolada e confinada ao lar, único espaço em que podia transitar com certa liberdade e onde passava a maior parte de sua vida, não
2 2 tinha permissão para expressar suas idéias e seus gostos. Sua locomoção era cerceada e só podia sair de casa quando acompanhada. Vigiada de perto por seu marido, sua participação na vida social era realizada pelas poucas saídas da família, assim mesmo somente para participar de festejos religiosos. Não fugindo a regra do objetivo geral da manutenção da supremacia masculina, a dependência econômica da esposa de classes mais abastadas em relação ao marido norteou a história da violência contra a mulher. E, o governo brasileiro, que até poucos anos atrás não reconhecia a violência contra o gênero feminino como um problema político ou econômico, não interferia nesse tipo de violência, considerando-a irrelevante e natural, além do reconhecimento de que o ato de violência contra a mulher era legitimado pelo código de moralidade popular. A violência conta a mulher casada mostra a maneira como a sociedade adaptou-se ao cotidiano das relações conjugais na sociedade brasileira. E mais, que a maior parte dos comportamentos agressivos contra a mulher foi institucionalizada, isto é, tornaram-se parte de usos e costumes, sendo por isso, socialmente aceitos por muito tempo. Talvez por isso a violência conjugal sutil não esteja em nenhuma estatística. Ela não pode ser contabilizada, nem tão pouco observada a olho nu. Muito embora bastante conhecida e sofrida pela maioria das mulheres que vivem uma relação conjugal, a violência em epígrafe é abstrata e impalpável, além de somente ser percebida pela pessoa que a experimenta. A humilhação e o constrangimento são dois exemplos que podem ser destacados como violência sutil, ou seja, aquela que não deixa marcas no corpo físico, mas magoa e transforma o interior da vítima, fazendo muitas vezes com que esta mude o seu comportamento sem que aja uma explicação aparente. Por outro lado, a violência física é discutida por áreas do conhecimento que pesquisam ou somente uma vertente disciplinar ou atuam em termos de interdisciplinaridade, como nas áreas Biomédicas e Humanas, a violência de gênero é abordada pela Antropologia, Medicina, História, Psicanálise, Enfermagem e Sociologia, que dissertam sobre todos os fenômenos que perpassam a vida do gênero feminino. Principalmente os estudos que se apóiam em estatísticas feitas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas, por informações de Secretarias de Segurança Pública de alguns estados do Brasil, em estudos de organizações como a Organização das Nações Unidas - ONU, o Banco Interamericano de Desenvolvimento - BID, o Banco Mundial, a Organização Mundial de Saúde - OMS. Recentemente o Journal of the American Board of Family Medicine publicou uma pesquisa realizada pela Wayne State University School of Medicine com um grupo de 47 mulheres que sofreram abuso emocional e 47 mulheres que não sofreram nenhum tipo de violência. O resultado da pesquisa mostra que as mulheres do primeiro grupo apresentam mais sintomas físicos e
3 3 psicológicos do que as mulheres do segundo grupo. O que demonstra haver uma associação entre a violência conjugal com as ditas doenças femininas. No Brasil, as pesquisas quantitativas que demonstram as taxas da violência contra a mulher, contudo, até hoje são precárias. Em 1988, a Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística FIBGE realizou uma pesquisa nacional que contabilizou somente pequeno alcance do problema. Somente alguns dados oportunizaram verificar a informação de que a violência cometida contra as mulheres se dava em maiores proporções no interior do ambiente doméstico. Dentre as mulheres que afirmaram já ter sofrido algum tipo de violência, 65% disseram ter sido agredida dentro de casa e 35% em outros lugares. A Fundação Perseu Abramo, durante o ano de 2001 realizou uma pesquisa sobre a mulher brasileira em 187 municípios do país, incluindo obrigatoriamente todas as capitais e municípios que tivessem mais de 500 mil habitantes. A pesquisa contou com um universo feminino respondente de mulheres, com faixa etária a partir de 15 anos, e versou sobre temas como saúde, trabalho, sexualidade, violência, educação, atividades domésticas, cultura política e lazer, revelando dados mais abrangentes sobre a questão da violência doméstica. Depois, pesquisas foram realizadas isoladamente, ou seja, vários pesquisadores fizeram estudos sobre a violência doméstica em sua região, o que torna penoso o caminho da abordagem acadêmica da violência contra a mulher em termos de Brasil. Especificamente em Vitória, a violência doméstica é um tema que vem sendo abordado de forma muito incipiente. Embora seja uma capital que cresce economicamente a olho nu, a cidade é muito pequena e as mulheres ainda têm medo e vergonha de mostrar que convivem com homens que as maltratam e as humilham. Muitas mulheres não querem responder aos questionários distribuídos ou mesmo participar de entrevistas e ainda ocultam da própria família as investidas agressivas que recebem de seus maridos e companheiros. Talvez por isso seja reconhecida a subnotificação da violência contra a mulher nas delegacias policiais, mesmo nas especialmente capacitadas para esse atendimento. A primeira DEAM de Vitória que foi criada em fins dos anos de 1980, atualmente funciona junto à Delegacia da Policia Civil, o que torna ainda mais difícil para a mulher capixaba dar queixas de agressões domésticas. Contudo, mesmo diante dessas dificuldades, quando estudamos questões de reprodução da violência contra a mulher e a utilização das DEAMs em Vitória, observamos que, muito embora ainda sendo um número reduzido de mulheres que buscam apoio institucional, aumentou consideravelmente a demanda pelos trabalhos desenvolvidos não só nas DEAMs, mas também em outras instituições de acolhimento à mulher vítima de violência. No ano de 2006, fizemos uma pesquisa na Região Metropolitana de Vitória com 30 mulheres cuja intenção era obter informações que oportunizassem a verificação de como a mulher vê e convive com a violência doméstica, assim como observar e analisar seus conhecimentos em
4 4 relação à violência sutil e a utilização das políticas públicas que têm sido implementadas para sua proteção contra a violência. Constatamos que, naquele universo, nenhuma mulher havia buscado apoio de instituições de proteção à mulher vítima de violência doméstica. Insistimos na pesquisa e, no início de 2008, distribuímos mais 20 questionários, dos quais somente 12 foram respondidos completamente e, dentre eles 8 (67%) mulheres confirmavam que já haviam buscado alguma proteção na DEAM de Vitória. Esses questionários foram tomados como principais fontes de obtenção de dados para o presente artigo, muito embora consciente de que o perfil dessas mulheres não possa ser generalizado a todas as vítimas de violência no Espírito Santo e no Brasil, já que a amostra é reduzida. De modo geral, essas mulheres que buscaram apoio não discriminatório e foram encaminhadas à justiça, estão na faixa etária entre 22 e 30 anos, têm formação em curso superior completo e ou ensino médio e são mulheres que percebem em média salários acima de R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais). 6 (80%) vivem com um companheiro, casadas oficialmente ou não, por 07 a 12 anos. Essas mulheres sofreram ameaças à sua integridade física com arma, receberam tapas e empurrões e 37% foram obrigadas a manter relações sexuais contra sua vontade. Sete delas passaram também por outros tipos de agressão, quais sejam ameaça a espancamento de filhos, xingamentos a respeito de sua conduta moral, desqualificação do trabalho doméstico, crítica sistemática à atuação como mãe e quebrar as coisas dentro de casa, jogar coisas, bater portas e rasgar roupas. Como causa dessas agressões destacam-se o ciúme, a divergência de opiniões, a recusa em obedecer aos mandos masculinos, o fato de a mulher estar trabalhando fora de casa e saindo todos os dias e por ele achar que a mulher deve estar disponível para o sexo sempre que ele a procurar. Normalmente as agressões ocorreram quando os marido ou companheiros ingeriram alguma bebida alcoólica. Diante desse quadro resumido de nossas pesquisas, não podemos deixar de argumentar que o Estado, frente a tantas denúncias, pesquisas, manifestações e passeatas que foram feitas nos anos de 1980 e 1990, aos poucos foi avançando no desenvolvimento de políticas sociais voltadas ao problema da violência contra a mulher e que alguns resultados valiosos foram alcançados, como a criação dos Conselhos Nacional e Estaduais de Mulheres, que passaram a criar políticas públicas nacionais e locais de apoio às mulheres que sofrem violência. Nos anos 2000, por todo o Brasil, os programas de atendimento às mulheres vítimas de violência conjugal foram difundidos e, de modo geral têm a incumbência de atender mulheres vítimas de crimes. Em todo o país, no ano de 2005, existiam aproximadamente 310 DEAMs e as
5 5 usuárias buscaram soluções concretas e imediatas. O Estado do Espírito Santo, em 2005, contava com 10 DEAMS e na Região Metropolitana de Vitória, eram localizadas 6. Em nossa experiência, observamos que as mulheres, apesar de ainda existirem um sem número que não denunciam seus agressores, estão deixando de ser agentes passivos da situação de violência com o apoio principalmente dos grupos sociais em que estão inseridas. O investimento na auto-imagem e o contato com pessoas em um trabalho remunerado fora do ambiente doméstico indicam que buscar apoio, seja entre familiares, seja em instituições governamentais, gera um dinamismo reflexivo de construção social de que o problema da violência não requer apenas mecanismos concretos de combate ou de tratamento de vítimas e agressores, antes impõe uma alteração da condição da mulher na família e na sociedade como um todo. Ou seja, devem comprometer-se na luta grupos sociais envolvidos com a questão, principalmente o Estado, com suas instituições políticas e econômicas. Referências Bibliográficas ARENDT, Hannah. Da violência. Brasília: Ed. da Universidade de Brasília, CAVALCANTE, Vanessa Ribeiro Simon. Vozes femininas (ainda) silenciadas: ranços e avanços sobre a violência doméstica no Brasil ( ). In. NADER, Maria Beatriz, SILVA, Gilvan Ventura e FRANCO, Sebastião Pimentel (orgs). História, mulher e poder. Vitória: EDUFES, p COELHO, Carolina Massa Simões. Cidadania em políticas públicas voltadas para mulheres em situação de violência de gênero f. (Dissertação de Mestrado em Psicologia Social). Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, Journal of the American Board of Family Medicine. Disponível em: < notisa.com.br> Acessado em 23 de abril de LIMA, Lana Lage da Gama e NADER, Maria Beatriz. Família, Mulher e Violência. Revista Rumos da História, Programa de Pós-Graduação em Mestrado em História Social das Relações Políticas, Vitória, nº 8, LANGLEY, Roger & LEVY, Richard. Mulheres espancadas: fenômeno invisível. São Paulo: HUCITEC, MORRISON, Andrew R. & BIEHL, Maria Loreto. A família ameaçada: violência doméstica nas Américas.Rio de Janeiro: Ed. FGV, NADER, Maria Beatriz Nader. Mudanças econômicas e relações conjugais: novos paradigmas na relação mulher e casamento. Vitória (ES) f. Tese (Doutorado em História Econômica). Programa de Pós-Graduação em História Econômica da Universidade de São Paulo, São Paulo, NADER, Maria Beatriz, SILVA, Gilvan Ventura e FRANCO, Sebastião Pimentel (orgs). História, mulher e poder. Vitória: EDUFES, 2006.
6 2 - No contexto da violência sutil, contudo, não cabe a mesma definição que é dada à violência psicológica, pois a definição desta última se aproxima mais da ocorrência de destruição de pertences pessoais, de gritos e ameaças como meios predominantes de resolver conflitos. 6
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