Paramiloidose: Prof. Dr. Corino de Andrade



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A descoberta Paramiloidose: surgida na região da Póvoa de Varzim/Vila do Conde, sendo agora predominante nas regiões piscatórias do norte e centro descrita pela primeira vez por Corino de Andrade, em 1952 doença neurológica, progressiva e crónica doença hereditária de transmissão autossómica dominante Prof. Dr. Corino de Andrade Em Portugal, o maior foco da doença, existem mais de 600 famílias sob acompanhamento com mais de 2000 casos sintomáticos.

Sintomatologia As manifestações da doença começam entre os 25 e os 35 anos Conduz à morte em 10-1212 anos Caracteriza-se por: polineuropatia periférica (perda de destreza motora, de sensibilidade táctil e de dor) problemas cardíacos (hipotensão ortostática, diferentes arritmias, obstruções auriculoventriculares) disfunções eréctil e urinária disfunções gastro-intestinais disfunções renais (diminuição da filtração glomerular) perturbações oculares

Hereditariedade Doença hereditária dominante Homozigóticos (2 alelos mutados): descendentes com 100% de probabilidade de contrair a doença Heterozigóticos (apenas 1 alelo mutado): descendentes com 50% de probabilidade de contrair a doença Indivíduos homozigóticos ou heterozigóticos não apresentam diferenças significativas nos sintomas, existindo homozigotas assintomáticos A maior parte dos doentes com PAF são heterozigóticos.

Bases Genéticas A mutação ocorre no braço longo do cromossoma 18 do gene que codifica a transtirretina (TTR)

Substituição duma Guanina por uma Adenina,, levando à substituição de uma Valina original por uma Metionina na posição 30 da proteína (TTR Val30Met)

A Transtirretina (TTR) Produzida no fígado, plexos coroideus do cérebro e na retina Solúvel no plasma Estável nos tecidos Tetramero de TTR humano

O monómero da TTR O monómero da TTR humana Os monómeros são constituídos por 127 aminoácidos Cada um tem 14kDa Cada monómero de TTR é composto por 2 folhas pregueadas β, que por sua vez, são compostos por cadeias DAGH e CBEF, e uma pequena hélice α

O dímero da TTR Interações antiparalelas de cadeia β unem os monómeros em dímeros The human TTR dimer (Hamilton et al.,, 1993). Uma pequena ansa de cada monómero forma as interações principais dímero-dímero (pontes de hidrogénio, configuradas em β)

O tetrâmero de TTR Da interacção dímero-dímero, resulta uma TTR (homotetramérica) Cada tetrâmero, a unidade funcional da TTR, possui cerca de 56kDa

Funções da TTR Envolvida no transporte de: Tiroxina (hormona da tiróide) Lípidos Uma proteína de ligação da vitamina A Retinol binding protein (RBP)

Associação com a RBP Duas RBP ligam-se a um tetrâmero de TTR A TTR permite a manutenção do retinol binding protein no plasma devido à diminuição da sua excreção pelo rim

A proteína mutada Mutações da TTR Val30Met (+comum em Portugal) Leu55Pro Tyr78Phe Thr119Met (> estabilidade) Alterações estruturais: Um aminoácido de valina é substituído por um aminoácido de metionina na posição 30 Correspondência com a mutação genética em que ocorre a substituição do nucleotídeo Proteína solúvel no plasma, mas instável nos tecidos Polimerização da proteína e consequente deposição de fibras de amilóide

A TTR Met30 Tetrâmero de Transtirretina composto exclusivamente por mutantes Val30Met associados à doença Dissocia-se nos seus monómeros Monómeros desdobram-se causando a formação de fibrilas amilóides.

Transplante Hepático A substituição de um fígado anormal produtor de TTR Met30 por um fígado normal diminui os altos níveis de proteína anormal no sangue O período de manifestação da doença antes do transplante parece ser um importante condicionante para o tratamento Há quem aconselhe a realização de transplantes duplos ou até triplos

Após o transplante Rápida normalização da temperatura nos pés e nas mãos No primeiro ano após o transplante, há melhorias nos distúrbios sensitivos e autónomos Não há melhoras na função motora ou nos danos nos órgãos Em casos graves não há benefícios com o transplante hepático devido às graves lesões já existentes nos órgãos A produção de TTR pelos plexos coroideos e retina não cessam com o transplante

Possibilidades para o futuro Fase de Priming Fase de Extensão Fase de Priming - impedir a dissociação do tetrâmero em monómeros, e consequente formação de espécies intermediárias (potencialmente amiloidogénicas) Fase de Extensão - inibição da associação das espécies intermediárias e crescimento das fibras Fase de Disrupção - desagregação de fibras já formadas

O evitar da transmissão da doença Pais com antecedentes familiares com PAF: Verificação se possui ou não o gene mutado Actualmente, existe já um método laboratorial directo de análise clínica O Diagnóstico Pré-natal: É realizada uma amniocentese às 14/16 semanas de gravidez Se exame positivo, interrupção da gravidez por volta das 17 semanas Agressivo para os casais do ponto de vista ético, religioso e moral

Diagnóstico Genético Pré-Implantatório Combinação de diversas áreas de biotecnologia fertilização in vitro cultura de embriões e sua biopsia diagnóstico genético ao nível de uma única célula amplificação da região do gene com interesse por PCR detecção da mutação por análise de restrição enzimática

1. Os embriões são criados em laboratório 2. Ao terceiro dia já devem ter entre 8 ou 12 células 3. Nessa altura faz-se uma biopsia, retirando-se duas células do embrião 4. Estas são analisadas geneticamente de forma independente 5. Passadas 42 horas tem-se o resultado 6. Se o diagnóstico for negativo, o embrião é implantado no útero da mãe Taxa de sucesso de 20%. Em Maio de 2003 nasceram dois gémeos, filhos de mãe portadora da doença. Foram a primeira prova do êxito deste procedimento.