A HISTÓRIA É UM PROBLEMA ÉTICO

Documentos relacionados
HISTÓRIA, VERDADE E ÉTICA: A CENTRALIDADE DO SUJEITO NA EPISTEMOLOGIA DE PAUL RICOEUR 1

Palavras-chave: historiografia, crise da história, história contemporânea Keywords: historiography, crisis in history, contemporary history

História e História da Educação O debate teórico-metodológico atual*

Um panorama da historiografia atual

Disciplina semestral/2012 Linha 2 Identidade, Memória e Cultura Profª Lidia M. V. Possas

ALDO NELSON BONA PAUL RICOEUR E UMA EPISTEMOLOGIA DA HISTÓRIA CENTRADA NO SUJEITO. Orientador: Prof. Dr. PAULO KNAUSS DE MENDONÇA

Paul Ricoeur e a representação historiadora: a marca do passado entre epistemologia e ontologia da história

TEORIA DA HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA

História como conceito mestre moderno.

percursos de leitura da relação entre Homem - Cultura

Linguagem em (Dis)curso LemD, v. 9, n. 1, p , jan./abr. 2009

Tempo Histórico na Teoria de Reinhart Koselleck

8 FASES DO MOVIMENTO INTERDISCIPLINAR- Quadro síntese.

EMENTÁRIO HISTÓRIA LICENCIATURA EAD

8 APRESENTAÇÃO / CEZAR MIGLIORIN E ROBERTA VEIGA

EDUCAÇÃO AMBIENTAL E CONHECIMENTOS TECIDOS NO COTIDIANO DE UMA ESCOLA PÚBLICA DA REGIÃO SUL FLUMINENSE

SISTEMATIZAÇÃO COLETIVA DO CONHECIMENTO COMO ALTERNATIVA METODOLÓGICA PARA O ENSINO DE FÍSICA DO ENSINO MÉDIO

Métodos e perspectivas na teoria da história de Jörn Rüsen

Serviço Social, Sistémica e Redes de Suporte Social

ESCALA DE CONCEPÇÕES ACERCA DE EDUCAÇÃO INCLUSIVA E EDUCAÇÃO ESPECIAL E SUA APLICAÇÃO EM PESQUISA

Atividade externa Resenha. MÁTTAR NETO, João Augusto. Metodologia científica na era da informática. São Paulo: Saraiva, p.

I CONSIDERAÇÕES SOBRE CIÊNCIA E PESQUISA CIENTÍFICA,

CHAMADA DE TRABALHOS

Disciplina: METODOLOGIA DA PESQUISA CIENTIFICA E JURIDICA Carga Horária: 72 (horas) 2º Período

Apresentação. Luciana Massi Salete Linhares Queiroz (orgs.)

TEORIA DA HISTÓRIA: O ENSINO NA FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE HISTÓRIA. A preocupação com o ensino da História tem recaído sobre a finalidade e a

SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA RESOLUÇÃO Nº 08/2011, DO CONSELHO DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO

Paulo Freire, um menino conectivo: conhecimento, valores e práxis do educador, de Jason Mafra

Aline Nunes. Ensaio Visual - Projeto Me Mande Notícias. Imagem 1: Dos destinatários

Modernidade: o início do pensamento sociológico

Matriz Curricular Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários

NARRANDO A HISTÓRIA, DESVENDANDO AS MEMÓRIAS: MANEIRAS DE PENSAR AS INSTITUIÇÕES ESCOLARES COM PAUL RICOEUR

Ministério da Educação Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências Humanas Programa de Pós-Graduação em História

DIFERENTES PERSPECTIVAS EPISTEMOLÓGICAS EM PESQUISA. Prof. Dto. Luiz Antonio de OLIVEIRA.

Capítulo 1. Introdução. 1.1 O problema pesquisado. 1.2 Origem do trabalho

DIREITO CONSTITUCIONAL

FORMAÇÃO DE EDUCADORES A PARTIR DA METODOLOGIA DA INVESTIGAÇÃO TEMÁTICA FREIREANA: UMA PESQUISA-AÇÃO JUNTO

A FIGURAÇÃO DA MEMÓRIA DE ANTÔNIO CONSELHEIRO POR J. J VEIGA EM A CASCA DA SERPENTE E EUCLIDES DA CUNHA EM OS SERTÕES

O ENSINO DE SOCIOLOGIA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS (EJA) NAS ESCOLSA ESTADUAIS DE DOURADOS/MS RESUMO INTRODUÇÃO

CONCEPÇÕES DE JOVENS SOBRE A DISCIPLINA DE HISTÓRIA: UM ESTUDO NA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO HISTÓRICA

EMENTÁRIO MATRIZ CURRICULAR 2014 PRIMEIRO SEMESTRE

POLÍTICAS DE ENSINO NA

O SENTIDO, O CONHECIMENTO E A INTERPRETAÇÃO: PESPECTIVA HERMENÊUTICA NA EDUCAÇÃO

Unidade 01. Prof.ª Fernanda Mendizabal Instituto de Educação Superior de Brasília

A Filosofia e a Sociologia: contribuições para a Educação

Paul Ricoeur: Uma fenomenologia hermenêutica da pessoa. Márcia de Oliveira Cruz

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO E PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO

Ministério da Educação Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências Humanas Programa de Pós-Graduação em História

CONVERSAS COM PÓS-GRADUANDOS

Unindo o que se diz com o que deve ser feito

VISÃO PANORÂMICA SOBRE AS PRODUÇÕES PUBLICADAS NA REVISTA DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIAS E MATEMÁTICA

SEMINÁRIOS OBRIGATÓRIOS PARA O CURSO DE MESTRADO

PERCEPÇÃO E EDUCAÇÃO AMBIENTAL: Movimento fenomenológico hermenêutico para o diálogo com professores de Viana do Castelo

Capítulo I Capítulo II

PRODUÇÃO EDITORIAL E ENSINO DE HISTÓRIA ( )

Revista Hospitalidade, São Paulo, ano IV, n. 2, 2. sem

Teoria e prática da pesquisa científica em Planejamento e gestão do território

Para uma nova cultura política dos direitos humanos

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes Departamento de História

A RELEVÂNCIA SOCIAL E POLÍTICA DAS NOVAS TECNOLOGIAS EDUCACIONAIS NO ENSINO SUPERIOR: O CAMINHO PARA A DOCÊNCIA INVESTIGATIVA

EDITAL DE SELEÇÃO 2019 PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GESTÃO SOCIAL, EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO LOCAL MESTRADO PROFISSIONAL

A PESQUISA, A FORMAÇÃO DE PROFESSORES E OS FINS DA EDUCAÇÃO Telma Romilda Duarte Vaz Universidade Estadual Paulista Campus de Presidente Prudente

FORMAÇÃO E PROFISSIONALIZAÇÃO DOCENTE

A PRÁXIS CONSTRUTIVISTA PIAGETIANA E SUA INFLUÊNCIA NOS DOCUMENTOS OFICIAIS DE EDUCAÇÃO. da Paraíba UFPB/PPGE

foi criado com a intenção de servir como base teórica e bibliográfica para o campo do audiovisual.

HISTÓRIA CULTURAL: A PRETENSÃO DE SUAS FACES. Fundamentos da Educação: História, Filosofia e Sociologia da Educação

Pontos de Cultura. BARBOSA, Frederico; CALABRE, Lia. (Org.). Pontos de Cultura: olhares sobre o Programa Cultura Viva. Brasília: Ipea, 2011.

Racionalidade argumentativa e Filosofia

para se conquistar direitos, implicava na repetição do mesmo processo de exclusão enfrentado pelas minorias. Nesses termos, a autora ressaltava a

INVESTIGAÇÃO EM PSICANÁLISE NA UNIVERSIDADE

ITINERÁRIOS DE PESQUISA: POLÍTICAS PÚBLICAS, GESTÃO E PRÁXIS EDUCACIONAIS

PORTARIA Nº 29, DE 20 DE DEZEMBRO DE 2017

GRUPO DE PESQUISA EDUCAÇÃO E CIBERCULTURA LEITURA DE OBRA. SANDRO DE OLIVERA dez. 2012

Grade Curricular ProfHistória

Marcos Augusto Maliska Professor de Direito Constitucional da UniBrasil, em Curitiba

EDITAL DE SELEÇÃO 2018 PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GESTÃO SOCIAL, EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO LOCAL MESTRADO PROFISSIONAL

Análise Política do Território: Poder e Desenvolvimento no Centro-Sul do Paraná

Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes Departamento de História Programa de Pós-graduação em História.

1 Introdução. 1 A saber: Como nascem os anjos (Murilo Salles, 1996, Br), Central do Brasil (Walter Salles Jr., 1998,

FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA PROFESSOR: REINALDO SOUZA

SUMÁRIO. PALAVRAS DO EDITOR...01 Silvana Maria Pintaudi. APRESENTAÇÃO...02 Gloria da Anunciação Alves

UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

EMENTAS DAS DISCIPLINAS REFERENTE AO SEMESTRE LINHA DE PESQUISA I

Revista Tempo e Argumento E-ISSN: Universidade do Estado de Santa Catarina. Brasil

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

Introdução Introdução

Henrique Modanez de Sant Anna **

EDITAL DE SELEÇÃO 2017 PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GESTÃO SOCIAL, EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO LOCAL MESTRADO PROFISSIONAL

SESSÃO 6 LITERATURA E NARRATIVA DAS CIDADES

RESUMO. Palavras chaves: Educação Brasileira Estágio docente Autobiografia. EdUECE- Livro

Resenha do livro A liturgia escolar na Idade Moderna

Renata Ramos da Silva Carvalho UEG/UFG Agência Financiadora: FAPEG e Apoio financeiro do Programa de Auxílio Eventos da UEG (Pró-Eventos)

O Uso do diário de Campo no Currículo Narrativo. Mestrando: Danilo Pereira de Souza Orientadora: Dra. Daniele Lima

EXPRESSÕES E EXPERIMENTOS

Resenha. DOI /P v13n38p1182. Cassiana Matos Moura

Gehad Marcon Bark Curriculum Vitae

II SEMINÁRIO NACIONAL GEAP BR. Local e Global na Arte Pública. Ações, Projetos e Políticas no Brasil. Campinas/SP, 26 e 27 de novembro de 2018.

Ministério da Educação Universidade Federal de São Paulo Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas Campus Guarulhos Núcleo de Apoio Pedagógico

Princípio da Afetividade no Direito de Família

Transcrição:

A HISTÓRIA É UM PROBLEMA ÉTICO DOI: 10.5935/2177-6644.20160014 HISTORY AS AN ETHICAL PROBLEM LA HISTORIA ES UN DIFICULTAD ÉTICA Rodrigo dos Santos* BONA, Aldo Nelson. História, verdade e ética: Paul Ricoeur e a epistemologia da história. Guarapuava: UNICENTRO, 2012.. História, verdade e ética é uma importante obra para pensar o saber histórico, principalmente o trabalho do historiador. Como afirma Paulo Knauss no prefácio da obra: Este livro está destinado a ocupar um lugar especial na bibliografia brasileira. No Brasil, ainda são poucos os que se dedicam ao estudo da teoria do conhecimento histórico (p. 13). A partir desta obra compreendem-se inúmeros aspectos da concepção de Paul Ricoeur, sobre: narrativa histórica, objetividade, concepção de ética, ética no fazer histórico. Portanto, evidencia-se que a verdade na história é passível de múltiplas proposições de sentido. Nesse sentido, a história só passa a ter relevância social se o historiador tiver compromisso ético com seus leitores. Para conhecer a obra é importante conhecer também o seu autor e a partir de onde ele escreve. Aldo Nelson Bona graduou-se em Filosofia pela Universidade Federal do Paraná UFPR em 1992, concluiu mestrado em Educação pela Universidade Estadual do Centro Oeste - UNICENTRO, em convênio com a Universidade Estadual de Campinas UNICAMP, em 1997 e doutorado em História pela Universidade Federal Fluminense - UFF, em 2010. Professor da Universidade Estadual do Centro-Oeste UNICENTRO, desde 1994, onde atualmente exerce a função de reitor. O livro de Bona é * Docente da Universidade Federal da Fronteira Sul - UFFS/Laranjeiras do Sul. E-mail: digao_santos9@hotmail.com 266

resultado de sua tese de doutorado, intitulada: Paul Ricoeur e uma epistemologia da história centrada no sujeito. O livro História, verdade e ética de Bona está dividido em seis capítulos. O primeiro capítulo foi denominado de: Do saber seguro de si à insegurança do saber: crise epistemológica da ciência história. Neste capítulo o autor aponta a partir de José Otega y Gasset a noção de crise, de como o saber histórico encontrava-se seguro, pautado numa verdade absoluta, e posteriormente passou-se ao incerto. Como podemos verificar: José Otega Y Gasset por ocasião [...] considerou um dos momentos mais deprimentes da história do pensamento ocidental, a saber, o momento em que Galileu Galilei ajoelha-se frente ao Tribunal da Inquisição para abjurar suas ideias (p. 42). A partir de Otega y Gasset, Bona aponta uma crise nas ciências humanas, especialmente a história, enfatizando que neste contexto é que as melhores soluções epistemológicas podem ser encontradas para o avanço da ciência. Para Bona, Paul Ricoeur apresenta soluções para entender a crise e a superar, pois como destaca: Nosso entendimento, que será melhor explicitado ao longo deste trabalho, é o de que toda a obra de Ricoeur é uma grande interrogação sobre o sujeito e que a centralidade dessa noção está na base da construção de uma nova epistemologia para as ciências humanas como um todo e para a história em particular (p. 63). No segundo capítulo da obra de Bona, o objetivo é tratar do percurso de Ricoeur, enfatizando o sujeito como elemento para superação d a crise histórica. Como pode ser verificado: [...] julgamos agora importante fazer uma análise da trajetória intelectual desse filósofo francês contemporâneo, discutindo em que medida sua obra é uma interrogação sobre o sujeito em um constante processo de diálogo com interlocutores presentes e imaginários. Todo o seu pensamento é um esforço constante de promover o diálogo entre posições antagônicas, mostrando que elas se complementam (p.69). Para Bona, Paul Ricoeur foi o sujeito da contradição, da junção de teorias aparentemente antagônicas. O pesquisador foi marcado por uma subjetividade interior que refletia em seus escritos. Nascido em 23 de fevereiro de 1913, Ricoeur foi criado por seus avós e uma tia, com seus pais falecidos: a mãe logo ao nascer e seu pai morto em batalha na Primeira Guerra Mundial em 1915. Ricouer desde muito cedo inclinou-se aos estudos. Além disso, teve a visão de seu pai como um herói que defendeu sua Pátria. A 267

contradição da vida de Ricoeur ocorreu quando foi convocado para servir o exército na Segunda Guerra Mundial, ficando preso em cativeiro por cinco anos. Neste evento percebeu que a guerra não era um evento prazeroso. Segundo Bona, alguns acontecimentos marcaram a vida de Ricoeur: Após a sua saída de Edimburgo, que ele considerou como semanas luminosas sob todos os aspectos, Ricoeur viveu uma situação limite que desafiará seu pensamento: o suicídio do seu quarto filho (p. 90). Além da morte de um de seus filhos, a morte de seu amigo Mircea Eliade, quase ao mesmo tempo, foi um evento marcante. Outro evento que frustrou Ricoeur foi o fato da sensação de seu pai nunca envelhecer, retratado ainda jovem em uma fotografia que ficava exposta na estante de sua casa. No terceiro capítulo intitulado Em busca de um saber possível: Hermenêutica na história, Bona dedica-se a explicar o método de Ricouer, a hermenêutica, destacando: O intuito deste capítulo é avaliar as contribuições de Ricoeur ao desenvolvimento da hermenêutica e a renovação que ele promove em sua história, numa perspectiva de retomada e de superação do horizonte fenomenológico de E. Husserl (p. 98). O método é a hermenêutica, o método da interpretação em busca de uma finalidade, a compreensão de si e do mundo, a partir da teoria do texto e da ação. No quarto capítulo intitulado Expressão do saber possível: história como narrativa, de Bona mergulha nas discussões sobre narratividade na história, especialmente o seu papel narrativo, as discussões sobre narrativa ficcional e narrativa história. A contribuição do capítulo refere-se ao conceito de representância, como destaca Bona: É nesse contexto de discussão que Ricoeur lança mão do conceito de representância, para designar as relações entre a narrativa histórica como um passado ao mesmo tempo abolido e preservado em seus rastros (p. 178). O passado não é passível de representação em sua totalidade, parte-se do passado para dar outro sentido à ele, criar uma representância desse passado, não como ele aconteceu, mas como é possível verificar a partir dos vestígios históricos. Como alerta o autor, O que Ricoeur deseja com a utilização deste conceito é problematizar a própria noção de realidade aplicada ao passado, questionando a dicotomia posta entre real e irreal (p. 178). A hermenêutica trabalha com a interpretação do texto perante o próprio texto e a narrativa trabalha com a ideia que narrando o texto, o autor narra a si mesmo, problematizando o sujeito. No capítulo cinco, Um ancoradouro confiável ao saber: memória como fonte, apresenta o fazer histórico e a memória. Segundo Bona, Em diferentes momentos de sua obra 268

mais recente, Ricoeur admite que o problema da memória surgiu para ele tardiamente, mas lança desafios que devem ser enfrentados tanto pelo filósofo como pelo historiador (p. 195). Segundo Ricoeur, na interpretação de Bona, a memória é a única garantia do ocorrido, do acontecido. Bona ressalta que a memória é importante pra construção do conhecimento histórico, mas não é qualquer tipo de memória, é a justa memória: Na relação entre história e memória nenhuma prioridade e nenhuma superioridade pode ser atribuída a uma ou a outra, embora caiba à primeira o exercício regulado da segunda, atento aos usos e abusos (p. 233). Portanto, memória e a história não podem ser entendidas como sinônimos, a memória deve ser submetida à crítica feita pelo historiador, enquanto pesquisador. No último capítulo da obra Saber comprometido com a fidelidade do real: verdade como problema ético, o autor aborda com maior profundidade a sua tese: Chegamos agora ao ponto central da proposta deste trabalho [...] Esta discussão em torno da verdade carrega, de nosso ponto de vista, as reflexões sobre a subjetividade e a objetividade do conhecimento histórico, além da problemática da distinção entre história e ficção e da relação entre memória e história (p. 238). Neste capítulo Bona apresenta a definição de ética como a ciência da condução e como a teoria da moral. O autor aponta que o primeiro trabalho de Ricoeur a contemplar a ética foi a obra História e Verdade. Além disso, apresenta um compromisso do historiador, pesquisador com o fazer histórico: Existe no trabalho de todo historiador, mesmo que de forma tácita, uma espécie de promessa de fidelidade (p. 249). Não se trata de uma objetividade, ética das ciências naturais, mas uma objetividade em sua subjetividade, uma subjetividade boa. Nesta perspectiva o historiador é um questionador de documentos e não um ordenador, um sujeito passível de análises e de múltiplas interpretações, pois como aponta o autor: O julgamento do historiador não é dessa natureza e não pode querer encerrar o debate e deter a controvérsia. Pelo contrário, trata-se de um julgamento que se reconhece parcial e produto de uma forma de interpretação (p. 276). Apesar disso, Bona aponta que a questão da ética em Ricoeur não é bem acabada, não aparece articulada em toda sua obra. Apesar de um pequeno espaço dedicado a ela, a temática perpassa todas as suas obras como um pano de fundo: A própria hermenêutica tem sua origem numa questão ética (p. 262). Ainda sobre a ética, Bona 269

aponta as fontes e a verdade: [...] na medida em que todos os cidadãos não partilham das mesmas fontes, de forma que não existe igualdade de informações, entre os atores de interação epistemológica (p. 277). Portanto, a única garantia de verdade é a ética: Daí por que um argumento falseador bem construído pode ser facilmente tomado como verdadeiro. Mais uma vez o fundamento da verdade é ético (p. 277). A obra de Aldo Nelson Bona aponta para grandes contribuições no campo da história. O primeiro e talvez um dos mais importantes refere-se ao fato de que mesmo Ricoeur não possuindo claramente uma sistematização de uma epistemologia da história, foi possível visualizar uma proposta. Além disso, debateu temas cruciais para o historiador, como: sujeito, memória, história, ficção, verdade e ética, possibilitando um aprofundamento do debate. Recebido em: 19 de dezembro de 2014. Aprovado em: 17 de agosto de 2015. 270