Pesquisa Brasileira em Odontopediatria e Clínica Integrada ISSN: 1519-0501 apesb@terra.com.br Universidade Federal da Paraíba Brasil



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Pesquisa Brasileira em Odontopediatria e Clínica Integrada ISSN: 1519-0501 apesb@terra.com.br Universidade Federal da Paraíba Brasil MIALHE, Fábio Luiz; POSSOBON, Rosana de Fátima; BOLIGON, Fabiane; MENEZES, Marcos Antonio Medo Odontológico entre Pacientes Atendidos em um Serviço de Urgência Pesquisa Brasileira em Odontopediatria e Clínica Integrada, vol. 10, núm. 3, septiembre-diciembre, 2010, pp. 483-487 Universidade Federal da Paraíba Paraíba, Brasil Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=63717313023 Como citar este artigo Número completo Mais artigos Home da revista no Redalyc Sistema de Informação Científica Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe, Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

ISSN - 1519-0501 DOI: 10.4034/1519.0501.2010.0103.0023 Medo Odontológico entre Pacientes Atendidos em um Serviço de Urgência Dental Fear in Patients Treated at an Emergency Service Fábio Luiz MIALHE 1, Rosana de Fátima POSSOBON 1, Fabiane BOLIGON 2, Marcos Antonio MENEZES 2 1 Professor Livre-Docente do Departamento de Odontologia Social da Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP/UNICAMP), Piracicaba/SP, Brasil. 2 Cirurgião-Dentista, Piracicaba/SP, Brasil. RESUMO Objetivo: Avaliar o nível de medo odontológico em uma amostra de pacientes que procuraram pelo Serviço Odontológico de Urgência da Unioeste/PR no ano de 2005. Método: A amostra constituiu-se por 120 pacientes de ambos os gêneros e maiores de 18 anos que estavam na sala de espera daquele serviço durante o período de agosto a dezembro de 2005. O instrumento para avaliar o medo foi o Kleinknecht Dental Fear Survey, composto por 20 questões, aplicado por 2 examinadores, previamente treinados e calibrados. Resultados: Verificou-se que a maioria dos pacientes procurou o tratamento apenas em caso de dor ou a cada 2-3 anos, sendo que, destes, 75% alegam falta de tempo e dinheiro e 25%, o medo do tratamento. Os estímulos ver a agulha da seringa, sentir a agulha da seringa penetrar, ouvir o motor e sentir as vibrações do motor no dente foram os que alcançaram as maiores médias na escala de medo. Através da análise da média geral dos dados do questionário, verificou-se que a maioria das pessoas avaliadas apresentava baixo nível de medo do tratamento odontológico. Entretanto, o grupo de pacientes que havia vivenciado situações odontológicas aversivas apresentou valores mais elevados de medo do que o grupo que não havia sofrido este tipo de experiência. Conclusão: Os pacientes relatam medo de determinados estímulos referentes ao tratamento odontológico. Visto que este fato pode afetar a relação paciente-profissional e interferir negativamente no tratamento, sugere-se que o nível de medo seja avaliado e adequadamente manejado, previamente ao início de qualquer intervenção. ABSTRACT Objective: To evaluate the level of dental fear in a sample of patients treated at the Urgency Dental Service of Unioeste/PR in 2005. Method: The sample was composed of 120 patients of both genders over 18 years old that were at the service s waiting room between August and December 2005. The Kleinknecht Dental Fear Survey was the instrument used to evaluate dental fear. It is composed of 20 questions and was applied by two trained and calibrated examiners. Results: The analysis of the responses showed that the majority of patients sought treatment only in case of pain or every 2-3 years; among them, 75% alleged lack of time and money and 25% alleged dental fear. The stimuli of seeing the syringe needle, feeling the syringe needle penetrating, hearing the handpiece motor and feeling the handpiece vibrations on the tooth scored the highest means in the fear scale. The analysis of the general means of the data collected in the questionnaire showed that most people evaluated in the study presented low level of dental fear. However, the group of patients that had experienced aversive situations at the dental chair presented higher levels of fear than those that had not have this kind of unpleasant experience. Conclusion: The patients reported fear of certain stimuli of the dental treatment. As this fact can affect the patient-professional relationship and affect negatively the treatment, it is suggested that the level of dental fear is evaluated and properly managed prior to the beginning of any procedure. DESCRITORES Ansiedade ao tratamento odontológico; Medo; Relações dentista-paciente. KEYWORDS Dental Anxiety; Fear; Dentist-patient relations.

Mialhe et al. - Medo Odontológico Entre Pacientes INTRODUÇÃO METODOLOGIA Segundo dados do último levantamento epidemiológico nacional em saúde bucal, os adolescentes na faixa etária dos 15 aos 19 anos apresentam, em média, 6,2 dentes com experiência de cárie. Na faixa etária dos 33 aos 44 anos, a situação é ainda mais grave, ou seja, a média do número de dentes restaurados, extraídos ou cariados é de 20,1 1. A precária condição de saúde bucal dos brasileiros é reflexo da grande desigualdade socioeconômica vigente e do difícil acesso à assistência odontológica, decorrente da oferta limitada dos serviços públicos e do alto custo que a prática privada representa para grande parte da população. Enquanto os indivíduos da classe média e alta têm acesso a todos os recursos tecnológicos disponíveis para tratamento curativo e preventivo, procurando pelos serviços odontológicos para a manutenção de sua saúde bucal, as pessoas de classe baixa recorrem ao profissional principalmente em casos de dor 2-4. Em muitos casos, os serviços odontológicos de urgência, oferecidos de forma gratuita por órgãos públicos ou instituições de ensino, são a única solução para a resolução dos problemas de dor de origem bucal da população desfavorecida socioeconomicamente 5. A busca pelo tratamento odontológico em situações de dor instalada, fato frequentemente observado em usuários dos serviços de urgência, pode contribuir para manter ou elevar o nível de medo em relação ao tratamento odontológico 6. Já foi verificado, por exemplo, que 28,2% dos usuários de serviços de urgência relatavam ansiedade frente ao tratamento 5. O paciente temeroso tende a esquivar-se do tratamento, o que certamente causa um agravamento do quadro clínico já instalado e não permite que o dentista institua práticas preventivas. Como a função principal do dentista é manter o paciente com boa saúde bucal, fica clara a necessidade de o profissional fazer intervenções que auxiliem o paciente a enfrentar a situação de tratamento com o mínimo de ansiedade. Para que o dentista possa implementar estratégias que minimizem o estresse gerado pelo tratamento, é necessário que ele aprenda a identificar comportamentos indicadores da ansiedade do paciente 7. Uma das formas de identificar o medo de usuários de serviços de tratamento odontológico é por meio da aplicação de escalas de avaliação. O objetivo do presente estudo foi determinar a prevalência do medo odontológico entre pacientes atendidos em um serviço de urgência odontológica, investigando os estímulos mais comumente relacionados com a aquisição do medo. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Estadual do Oeste do Paraná Unioeste (Protocolo nº 014994/2005). Todos os participantes receberam duas cópias do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para Pesquisa, devolvendo uma das cópias assinadas para o pesquisador. A amostra foi composta por 120 adultos, de ambos os gêneros, que aguardavam pelo atendimento no serviço de urgência odontológica da Unioeste, no período de agosto a dezembro de 2005. Os pacientes foram abordados na sala de espera, antes do início da sessão de tratamento. O processo de amostragem dos usuários ocorreu ao acaso, nos dias em que os avaliadores estavam presentes no serviço, escolhendo para entrevistar um paciente que estava no início, um no meio e um no fim da fila de espera. Os pacientes foram convidados a responder um instrumento de avaliação do medo odontológico denominado Kleinknecht Dental Fear Survey 8, já validado para a língua portuguesa 9,10. O Dental Fear Survey é uma escala tipo likert de 5 pontos com 20 itens que, na versão original, mede 3 fatores: o evitamento ao tratamento odontológico, os sintomas somáticos da ansiedade e a ansiedade provocada 8. O questionário pode ser pontuado somandose todos os valores obtidos através dos 20 itens, sendo que o valor de 20 representa um baixo medo e, maior que 60, um alto medo 10. O cálculo também pode ser feito somando os valores obtidos a partir de cada questão e dividindo-se o valor total obtido por 20, obtendo-se uma média. Sujeitos com escores 1 ou 2 são classificados como apresentando baixo medo e aqueles com valores de 4 ou 5 são classificados como de alto medo ao tratamento odontológico 11. Anteriormente ao início da pesquisa, foi realizado um estudo piloto, a fim de se resolver dúvidas ou problemas de interpretação da escala por parte dos pacientes. O questionário foi aplicado por dois pesquisadores, previamente treinados e calibrados em duas sessões de 4 horas com o pesquisador principal, chegando-se a um nível de concordância de 95% entre os avaliadores para os critérios analisados. Além das questões contidas no instrumento Dental Fear Survey, os pacientes também responderam questões sobre o intervalo entre as consultas odontológicas e experiências aversivas anteriores. Os dados foram tabulados utilizando o software Excell e analisados por meio de estatística descritiva (médias e distribuição percentual).

Mialhe et al. - Medo Odontológico Entre Pacientes RESULTADOS A amostra foi composta, em sua maioria, por indivíduos do gênero feminino (61,6%). De uma forma geral, esta distribuição de gênero da amostra correspondeu ao padrão da população que procura regularmente pelo serviço de urgência da instituição, ou seja, a maioria é formada por pessoas do gênero feminino. Em relação ao grau de escolaridade e renda, observou-se que boa parte da amostra (55%) apresentava apenas o 1 grau e, a renda familiar de 76% dos entrevistados, estava na faixa entre 1 e 3 salários mínimos, como observado na Tabela 1. Tabela 1. Distribuição da amostra, segundo o grau de escolaridade e a renda familiar. Grau de escolaridade % Renda % Analfabeto 0 < 1 SM 3,3 1º Grau incompleto 26,7 1 a 2 SM 41,7 1º Grau completo 28,3 2 a 3 SM 36,7 2º Grau incompleto 21,7 3 a 5 SM 15,0 2º Grau completo 16,7 5 a 10 SM 3,3 3º Grau incompleto 6,6 > 10 SM 0,0 Total 100 Total 100 Os pacientes foram motivados a procurar pelo serviço por dor, traumatismos, sangramento gengival, aumento de volume tecidual, remoção de sutura e cimentação de elemento protético provisório. A Tabela 2 apresenta os estímulos odontológicos avaliados pelo instrumento e a média de respostas entre os pacientes da amostra. As maiores médias encontradas foram para os itens ver a agulha da seringa e sentir a agulha da seringa penetrar, seguidos por ouvir o motor e sentir as vibrações do motor no dente. O valor médio geral encontrado para a amostra foi de 2,2, o que classifica a amostra como tendo baixo medo em relação ao tratamento. A tensão muscular e a aceleração dos batimentos cardíacos figuraram como reações fisiológicas mais comuns e intensas, com médias de 2,75 e 2,68, respectivamente. Este valor médio corresponde a um nível da escala considerado como um pouco tenso. As outras respostas receberam médias ao redor de 2,0, indicando um baixo medo do tratamento odontológico. Os pacientes que relataram ter vivenciado alguma experiência odontológica aversiva apresentaram valores mais elevados de medo (2,27) do que os indivíduos que não passaram por este tipo de experiência (2,03), sendo que ambos os grupos são classificados como tendo baixo A média de medo geral da amostra (2,20) - referente à última questão do instrumento, mostrou que os participantes apresentavam um baixo nível de medo do tratamento. Em relação à frequência de visitas ao dentista, 31,6% dos pacientes admitiram procurar pelo tratamento odontológico apenas diante de episódios de dor e 40% informaram que procuram pelo tratamento a cada 2-3 anos ou mais. Dentre estes, 75% alegaram que a falta de tempo e de dinheiro era a maior barreira para a procura dos serviços profissionais, enquanto que 25% declararam que o maior motivo era o medo ao tratamento. Tabela 2. Média geral das respostas às questões do Instrumento Dental Fear Survey. Itens do Questionário Média Evitam o dentista Adiam a consulta 1,73 Cancelam ou não comparecem às mesmas 1,67 Manifestações fisiológicas Meus músculos ficam tensos 2,75 O ritmo da minha respiração aumenta 2,30 Eu transpiro 1,83 Sinto náuseas e enjôo de estômago 1,65 Meu coração bate mais depressa 2,68 Medos de estímulos Marcando consulta para ir ao dentista 1,72 Aproximando-se do consultório 1,83 Aguardando na sala de espera 1,90 Estar sentado na cadeira do dentista 2,03 Sentindo o cheiro do consultório 2,23 Vendo o dentista entrar 2,50 Vendo a agulha da seringa 3,22 Sentindo a agulha penetrar 3,27 Vendo a broca do motor 2,55 Ouvindo o motor 2,70 Sentido as vibrações do motor no dente 3.27 Submetendo-se à limpeza dos dentes 2,40 Medo geral do tratamento odontológico 2,21 DISCUSSÃO No Brasil, uma grande parcela da população depende quase que exclusivamente da prestação de serviços odontológicos públicos e, frente à sua escassez, é gerado um afluxo constante aos serviços de urgência 12, de usuários que procuram resolução para a sintomatologia dolorosa. Os resultados do presente estudo corroboram os dados encontrados por outros autores 5,13,14, que relatam que a dor, a perda da função mastigatória e a estética são as principais razões que levam o paciente a buscar atendimento de urgência. Assim como outros estudos 5,12,15,16, as pessoas

serviço. Alguns pesquisadores atribuem este fato à maior importância que as mulheres dão aos cuidados com a saúde 5,12,15,16, enquanto outros autores acreditam que a dor motiva a procura por um atendimento de urgência, sem relação com o gênero 15. A renda familiar da amostra variou entre 1 e 3 salários mínimos. Este grupo, socioeconomicamente menos favorecido, provavelmente não tem acesso ao serviço odontológico privado. Em outro estudo, os autores observaram que 37,7% dos pacientes que procuravam os serviços do setor de urgência de uma outra clínica escola em São Paulo eram, também, desta faixa de renda familiar e 39,7%, da faixa de 4 a 6 salários mínimos 5. A dificuldade financeira dos pacientes participantes do presente estudo pode explicar o motivo de 34% dos entrevistados afirmarem procurar o serviço da clínica odontológica da Unioeste pelo fato de ser gratuito. Dessa forma, a população que procura pelo serviço de urgência oferecido pela Unioeste é caracterizada, principalmente, por pessoas socioeconomicamente desfavorecidas. Este fato mostra que este serviço está atuando como um importante meio para resolver os problemas de saúde bucal da população de Cascavel e região. Vale ressaltar que este serviço é oferecido, também, no período noturno, o que possibilita o acesso de pessoas que trabalham em empregos formais e que, portanto, não podem utilizar os serviços nos horários de trabalho e/ou que não tem condições de pagar por um dentista particular. Em relação à escolaridade dos usuários, enquanto no presente estudo 62% apresentavam nível fundamental incompleto ou completo, em outros, esta porcentagem foi um pouco menor, ou seja, 45,6% 5. Em um estudo realizado em Minas Gerais, a prevalência de uso regular do dentista por indivíduos de maior escolaridade foi cerca de 10 vezes maior do que entre os menos escolarizados 17. Verifica-se, então, uma tendência das pessoas mais escolarizadas procurarem o dentista com mais frequência, visando à manutenção de sua saúde bucal, ao contrário das pessoas com menos escolaridade, que procuram pelos serviços odontológicos apenas em caso de dor. A média geral do medo odontológico mostrou que a amostra apresenta baixo grau de medo do tratamento odontológico. Entretanto, o valor desta média variou entre os pacientes (1,4 a 3,6), sendo que 6,6% da amostra apresentou valores acima de 3,0. Nenhum paciente apresentou valor acima de 4, indicativo de um alto grau de medo 11. Em relação aos itens adiar a consulta e cancelar ou não comparecer da escala utilizada, este estudo mostrou médias de resposta semelhantes ao encontrados em outros estudos 8. Para pacientes que apresentam altos valores nestes fatores antecipatórios ao tratamento odontológico, recomenda-se intervenções focando a reestruturação dos procedimentos cognitivos, a fim de eliminar pensamentos catastróficos sobre o tratamento. Estudos verificaram que 33,3% dos indivíduos que apresentam alto medo, frequentemente ou quase sempre demoram mais para marcar uma consulta e 7,2 cancelam ou deixam de comparecer a uma consulta com frequência 10. Sobre aos sintomas fisiológicos, o valor encontrado para tensão muscular (2,75) foi próximo ao encontrados por alguns autores (2,88) 8 e superior ao encontrado por outros (1,55) 19. Os maiores estímulos geradores de medo no consultório do dentista foram a agulha da seringa e os motores odontológicos. Estes dados são similares a outros estudos 8,10,11,19. Os maiores valores encontrados para estes estímulos, em relação aos outros presentes no questionário, indicam sua importância na aquisição do medo entre os pacientes. Estas informações são importantes para o clínico interessado em atuar de forma a reduzir ou eliminar o medo que o paciente tem de submeter-se ao tratamento odontológico. O emprego de estratégias psicológicas e farmacológicas pode auxiliar sobremaneira o paciente a enfrentar a situação de tratamento com o mínimo de ansiedade. O clínico também deve estar atento às sensações produzidas pelo tratamento. Um exemplo é em relação à agulha da seringa, relatada como fator frequentemente associado à ansiedade. A aplicação adequada de anestésico tópico e o controle da velocidade de inserção da agulha e do líquido anestésico pode tornar este procedimento mais indolor. Outro exemplo refere-se à lubrificação dos motores, procedimento que diminui o ruído produzido, frequentemente relatado como um estímulo condicionado eliciador de medo no paciente. A pressão exercida sobre o elemento dentário e a lubrificação do campo operatório é outro fator que o dentista deve levar em consideração para tornar o procedimento menos desagradável ao paciente 20. Entre os pacientes que disseram não ir com frequência ao dentista, 25% alegaram ter medo do tratamento. Estes dados estão de acordo com os resultados de outros estudos, que relataram que 20% dos pacientes recusaram-se a receber tratamento odontológico devido ao medo 21,22. O medo leva à esquiva do tratamento, aumentando o risco de agravamento do quadro clínico, o que exige intervenções curativas mais complexas e, portanto, potencialmente mais desconfortáveis ou dolorosas, o que pode acentuar o medo do paciente. Além disso, pacientes altamente temerosos buscam pelo Mialhe et al. - Medo Odontológico Entre Pacientes

Mialhe et al. - Medo Odontológico Entre Pacientes atendimento em caso de urgência, quando o quadro de dor está instalado. Pacientes com medo odontológico severo são os que mais frequentam os serviços de urgência 18. Os dados deste estudo corroboram dados de outros autores 5,8 e mostra que o nível de medo é mais alto entre pacientes que vivenciam experiências odontológicas aversivas. CONCLUSÃO Verificou-se que, na média geral avaliada, os usuários entrevistados no serviço de urgência apresentaram um baixo grau de medo do tratamento odontológico. Os dois maiores estímulos de medo foram relacionados à visão da agulha da seringa e à sensação de sua penetração nos tecidos bucais. Visto que este fato pode afetar a relação paciente-profissional e interferir negativamente com o tratamento, sugere-se que o nível de medo seja avaliado e adequadamente manejado, previamente ao início de qualquer intervenção. 14. Tortamano IP, Tortamano N, Costa CG, Borsati MA, Rocha RG et al. As Urgências Odontológicas e o tratamento clínico e medicamentoso integrado. J Bras Clin Odontol Integr 2004; 8(43):78-85. 15. Ferreira Júnior O, Damante JH. Serviço de Urgência Odontológica: Aspectos epidemiológicos e administrativos. RPG Rev Pos Grad 1998; 5(1):31-8. 16. Anderson R, Thomas DW. 'Toothache stories': a qualitative investigation of why and how people seek emergency dental care. Community Dent Health 2003; 20(2):106-11. 17. Matos DL, Lima-Costa MF, Guerra HL, Marcenes W. Projeto Bambuí: estudo de base populacional dos fatores associados com o uso regular de serviços odontológicos em adultos. Cad Saúde Publica 2001; 17(3):295-303. 18. Smyth JS. A programme for the treatment of severe dental fear. Report of three cases. Aust Dent J 1999; 44(4):275-8. 19. Quteish Taani DSM. Dental anxiety and regularity of dental attendance in younger adults. J Oral Rehab 2002; 29(6):604-8. 20. Prado R, Salim MAA. Cirurgia bucomaxilofacial: diagnóstico e tratamento. Rio de Janeiro: Medsi, 2004. 546p. 21. Poulton R, Thomson WM, Brown RH, Silva PA. Dental Fear with and without blood-injection fear: implications for dental health and clinical practice. Behav Res Ther 1998; 36(6):591-7. 22. Schuller AA, Willumsen T, Holst D. Are there differences in oral health and oral health behavior between individuals with high and low dental fear? Community Dent Oral Epidemiol 2003; 31(2):116-21. REFERÊNCIAS 1. Ministério da Saúde. Projeto SB Brasil 2003: Condições de Saúde Bucal da População Brasileira 2002-2003. Resultados Preliminares. Brasília-DF, 2004. 51p. 2. Guimarães MM, Marcos B. Perda de dente relacionada a razões clínicas segundo a classe social. Rev CROMG 1995; 1(2):54-61. 3. Guimarães MM, Marcos B. Impacto da classe social nas extrações de dente. Rev CROMG 1996; 2(2):78-82. 4. Guimarães MM, Marcos B. Expectativa de perda de dente em diferentes classes sociais. Rev CROMG 1996; 2(1):16-20. 5. Kanegane K, Penha SS, Borsatti MA, Rocha RG. Ansiedade ao tratamento odontológico em atendimento de urgência. Rev Saúde Pública 2003; 37(6):786-92. 6. Maniglia-Ferreira C, Gurgel-Filho ED, Bônecker-Valverde G, Moura EH, de Deus G et al. Ansiedade odontológica: nível, prevalência e comportamento. RBS 1998; 17(2):51-5. 7. Possobon RF. Efeitos do diazepam sobre os comportamentos não-colaborativos de crianças em atendimento odontológico. [Tese]. Piracicaba: Faculdade de Odontologia, Universidade Estadual de Campinas. 2003. 8. Kleinknecht RA, Keplac RK, Alexander LD. Origins and characteristics of fear of dentistry. J Am Dent Assoc 1973; 86(4): 842-8. 9. Cesar J, Moraes ABA, Milgrom P, Kleinknecht RA. Cross validation of a Brazilian version of the Dental Fear Survey. Community Dent Oral Epidemiol 1993; 21(3):148-50. 10. Costa SM, Moraes ABA. Medo em odontologia: um estudo com escolares. Rev Bras Odontol 1994; 51(5):26-31. 11. Kleinknecht RA, Bernstein DA. The assessment of dental fear. Behav Ther 1978; 9(4):626-34. 12. Souza HA. Levantamento epidemiológico dos atendimentos do Serviço de Urgência Odontológica da Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo. [Dissertação]. Bauru: Faculdade de Odontologia, Universidade Recebido/Received: 14/05/09 Revisado/Reviewed: 26/01/10 Aprovado/Approved: 19/04/10 Correspondência: Fábio Luiz Mialhe Faculdade de Odontologia de Piracicaba Departamento de Odontologia Social Avenida Limeira, 901 - Bairro Areião Piracicaba/SP CEP: 13414-903 Telefones: (19) 2106-5209/2106-5279 E-mail: mialhe@fop.unicamp.br