ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS PELO GÊNERO 'TIRINHAS'



Documentos relacionados
PROJETO DE LEITURA E ESCRITA LEITURA NA PONTA DA LÍNGUA E ESCRITA NA PONTA DO LÁPIS

ESCOLA, LEITURA E A INTERPRETAÇÃO TEXTUAL- PIBID: LETRAS - PORTUGUÊS

Pesquisa com Professores de Escolas e com Alunos da Graduação em Matemática

Critérios de seleção e utilização do livro didático de inglês na rede estadual de ensino de Goiás

Como escrever um bom Relato de Experiência em Implantação de Sistema de Informações de Custos no setor público. Profa. Msc. Leila Márcia Elias

OLIVEIRA, Luciano Amaral. Coisas que todo professor de português precisa saber: a teoria na prática. São Paulo: 184 Parábola Editorial, 2010.

AGENDA ESCOLAR: UMA PROPOSTA DE ENSINO/ APRENDIZAGEM DE INGLÊS POR MEIO DOS GÊNEROS DISCURSIVOS

Apresentação. Práticas Pedagógicas Língua Portuguesa. Situação 4 HQ. Recomendada para 7a/8a ou EM. Tempo previsto: 4 aulas

GÊNEROS TEXTUAIS E ENSINO DE LÍNGUA INGLESA: UM BREVE ESTUDO

A ABORDAGEM DAS HISTÓRIAS EM QUADRINHO NOS LIVROS DIDÁTICOS DE QUÍMICA. Palavras-chave: Ensino de química; histórias em quadrinhos; livro didático.

LEITURA E ESCRITA: HABILIDADES SOCIAIS DE TRANSCREVER SENTIDOS

Organizando Voluntariado na Escola. Aula 1 Ser Voluntário

DIFICULDADES DE LEITURA E ESCRITA: REFLEXÕES A PARTIR DA EXPERIÊNCIA DO PIBID

Indicamos inicialmente os números de cada item do questionário e, em seguida, apresentamos os dados com os comentários dos alunos.

- Ler com ritmo, fluência e entonação adequada ao gênero estudado em sala de aula, compreendendo as idéias contidas no texto.

Alfabetizar e promover o ensino da linguagem oral e escrita por meio de textos.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA

Cadernos do CNLF, Vol. XIII, Nº 04

PROJETO ARARIBÁ. Um projeto que trabalha a compreensão leitora, apresenta uma organização clara dos conteúdos e um programa de atividades específico.

compreensão ampla do texto, o que se faz necessário para o desenvolvimento das habilidades para as quais essa prática apresentou poder explicativo.

Faculdade de Ciências Humanas Programa de Pós-Graduação em Educação RESUMO EXPANDIDO DO PROJETO DE PESQUISA

Desvios de redações efetuadas por alunos do Ensino Médio

COMUNICADO n o 001/2012 ÁREA DE ENSINO ORIENTAÇÕES PARA NOVOS APCNS 2012 Brasília, 22 de maio de 2012

SUA ESCOLA, NOSSA ESCOLA PROGRAMA SÍNTESE: NOVAS TECNOLOGIAS EM SALA DE AULA

VI Seminário de Iniciação Científica SóLetras ISSN

A PROPOSTA DE ENSINO DE LÍNGUA ESTRANGEIRA DOS PCN E SUA TRANSPOSIÇÃO ENTRE OS PROFESSORES DE INGLÊS DE ARAPIRACA

APRENDER A LER PROBLEMAS EM MATEMÁTICA

BULLYING EI! QUEM É VOCÊ?

METODOLOGIA & Hábito de estudos AULA DADA AULA ESTUDADA

ESTRATÉGIAS DE ENSINO NA EDUCAÇÃO INFANTIL E FORMAÇÃO DE PROFESSORES. Profa. Me. Michele Costa

1 EDUCAÇÃO INFANTIL LINGUAGEM A GALINHA RUIVA. Guia Didático do Objeto Educacional Digital

CURSO: LICENCIATURA DA MATEMÁTICA DISCIPLINA: PRÁTICA DE ENSINO 4

01 UNINORTE ENADE. Faça também por você.

CARTILHA D. JOTINHA A ORIENTAÇÃO DO PROFESSOR DE ARTES VISUAIS SOBRE A CONSERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARTÍSTICO E CULTURAL

FATORES INOVADORES NA PRODUÇÃO TEXTUAL DE LÍNGUA ESPANHOLA

Recomendada. A coleção apresenta eficiência e adequação. Ciências adequados a cada faixa etária, além de

OFICINA DE ESTRANGEIRISMO E O ALUNO DO ENSINO MÉDIO: PERSPECTIVAS E REFLEXÕES

Novas possibilidades de leituras na escola

Orientadora: Profª Drª Telma Ferraz Leal. 1 Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPE.

ASSESSORIA PEDAGÓGICA PORTFÓLIO DE PALESTRAS E OFICINAS

CURSOS INGLÊS RÁPIDO Liberdade de Escolha

NÚCLEO DE APOIO DIDÁTICO E METODOLÓGICO (NADIME)

PROJETO DE INTERVEÇÃO: UM OLHAR DIFERENTE PARA O LIXO

tido, articula a Cartografia, entendida como linguagem, com outra linguagem, a literatura infantil, que, sem dúvida, auxiliará as crianças a lerem e

Orientação Profissional e de Carreira

Projeto Pedagógico Institucional PPI FESPSP FUNDAÇÃO ESCOLA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA DE SÃO PAULO PROJETO PEDAGÓGICO INSTITUCIONAL PPI

Ensinar a ler em História, Ciências, Matemática, Geografia

PERFIL DA VAGA: GERENTE DE CONTEÚDOS E METODOLOGIAS

A animação é uma maneira de se criar ilusão, dando vida a objetos inanimados. Perisic,1979

A aula de leitura através do olhar do futuro professor de língua portuguesa

12. CONEX Apresentação Oral Resumo Expandido 1. Língua estrangeira nas séries do Ensino Fundamental I: O professor está preparado para esse desafio?

CURSOS PRECISAM PREPARAR PARA A DOCÊNCIA

OS LIMITES DO ENSINO A DISTÂNCIA. Claudson Santana Almeida

Contextualizando o enfoque CTSA, a partir da Fotonovela

REFLEXÕES SOBRE A PRÁTICA DE ENSINO EM UM CURSO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE MATEMÁTICA A DISTÂNCIA

EXPECTATIVAS DE APRENDIZAGEM PORTUGUESA DE LÍNGUA. Anos Iniciais do Ensino Fundamental (1º ao 5º ano) MARÇO

SERVIÇO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Secretaria de Estado da Educação Superintendência Regional de Ensino de Carangola Diretoria Educacional

OS CONHECIMENTOS DE ACADÊMICOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA E SUA IMPLICAÇÃO PARA A PRÁTICA DOCENTE

SAÚDE E EDUCAÇÃO INFANTIL Uma análise sobre as práticas pedagógicas nas escolas.

O professor faz diferença?

EMENTÁRIO LETRAS EaD INGLÊS

Estado da Arte: Diálogos entre a Educação Física e a Psicologia

OFICINA DA PESQUISA DISCIPLINA: COMPORTAMENTO ORGANIZACIONAL

As pesquisas podem ser agrupadas de acordo com diferentes critérios e nomenclaturas. Por exemplo, elas podem ser classificadas de acordo com:

Educação a distância: desafios e descobertas

LURDINALVA PEDROSA MONTEIRO E DRª. KÁTIA APARECIDA DA SILVA AQUINO. Propor uma abordagem transversal para o ensino de Ciências requer um

Histórias em Sequência

SIGNIFICADOS ATRIBUÍDOS ÀS AÇÕES DE FORMAÇÃO CONTINUADA DA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DO RECIFE/PE

AS CONTRIBUIÇÕES DAS VÍDEO AULAS NA FORMAÇÃO DO EDUCANDO.

O DESAFIO DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL EM PATOS, PARAÍBA: A PROFICIÊNCIA DOS ALUNOS DE ESCOLAS PÚBLICAS DE PATOS

LEIA ATENTAMENTE AS INSTRUÇÕES

Ler em família: viagens partilhadas (com a escola?)

PROJETO PEDAGÓGICO 1

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO COORDENAÇÃO DE APERFEIÇOAMENTO DE PESSOAL DE NÍVEL SUPERIOR DIRETORIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA PRESENCIAL DEB

XIX CONGRESSO NACIONAL DE LINGUÍSTICA E FILOLOGIA

A Educação Bilíngüe. » Objetivo do modelo bilíngüe, segundo Skliar:

PROFESSORES DE CIÊNCIAS E SUAS ATUAÇÕES PEDAGÓGICAS

Deixe o #mimimi de lado e venha aprender de verdade!

ESTUDO EXPLORATÓRIO SOBRE A ESCOLARIZAÇÃO DE FILHOS DE PROFESSORES DE ESCOLA PÚBLICA Rosimeire Reis Silva (FEUSP)

Projeto O COLUNIsta. PROJETO DE PESQUISA PIBIC/CNPq. Orientador: Vanessa Lacerda da Silva Rangel

COMO SE TORNAR UM VOLUNTÁRIO?

WALDILÉIA DO SOCORRO CARDOSO PEREIRA

PLANO DE TRABALHO TÍTULO: PROJETO DE INTERVENÇÃO PEDAGÓGICA NO PROCESSO DE LEITURA E ESCRITA DAS CRIANÇAS

Como Estudar a Bíblia

III Semana de Ciência e Tecnologia IFMG - campus Bambuí III Jornada Científica 19 a 23 de Outubro de 2010

O ENSINO DE LÍNGUA INGLESA A PARTIR DO GÊNERO TEXTUAL PROPAGANDA

Oficina: Os Números Reais em Ambientes Virtuais de Aprendizagem

COMO É O SISTEMA DE ENSINO PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES NO CANADÁ

APRENDENDO A CONVERTER VÍDEOS

Objetivo: Relatar a experiência do desenvolvimento do software Participar. Wilson Veneziano Professor Orientador do projeto CIC/UnB

BRITO, Jéssika Pereira Universidade Estadual da Paraíba

AS TIRAS DA MAFALDA: CONTEÚDOS DE GEOGRAFIA NA LINGUAGEM DE QUADRINHOS

LEITURA EM LÍNGUA ESPANHOLA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: COMPREENSÃO E EXPRESSÃO CRIATIVA

PLANO DE ENSINO PROJETO PEDAGÓCIO: Carga Horária Semestral: 80 Semestre do Curso: 6º

PALAVRAS-CHAVE: PNLD, livro didático, língua estrangeira, gênero.

ALFABETIZAÇÃO DE ESTUDANTES SURDOS: UMA ANÁLISE DE ATIVIDADES DO ENSINO REGULAR

OS DIREITOS HUMANOS NA FORMAÇÃO DOS PROFESSORES

RELATO DE EXPERIÊNCIA. Sequência Didática II Brincadeira Amarelinha

Transcrição:

ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS PELO GÊNERO 'TIRINHAS' Ana Lúcia Mendez (UFF) Kelly Cristina da Silva Bandeira (UFF) kellynha.bandeira@gmail.com Mônica de Souza Coimbra(UFF e CPII) coimbra.nit@gmail.com Sandra Ferreira dos Santos Ribeiro (UFF) sandrafsribeiro@gmail.com Este artigo tem por objetivo relatar a forma como o grupo de profissionais de línguas estrangeiras do COLUNI/UFF vem desenvolvendo o projeto de extensão Educação Linguística e Ensino de Línguas Estrangeiras, por meio do qual objetiva-se tornar o ensino de LE socialmente significativo a partir da leitura de textos de gêneros diversificados. Elegemos a habilidade de leitura para trabalhar, pois, assim como Moita Lopes (1996, p. 51), acreditamos que o ensino de LE focado na leitura proporciona aos aprendizes a continuação do aprendizado em seu próprio meio, aumentando seus limites conceituais e melhorando, também, sua capacidade de ler em língua materna. Além disso, acreditamos ser impossível desenvolver as quatro habilidades linguísticas no contexto geral das escolas públicas brasileiras. A falta de um ambiente acústico adequado, somada a problemas como pequena carga horária e grande número de alunos em sala faz com que tenhamos que eleger uma, dentre as quatro habilidades, para focar. Nossa opção por priorizar a habilidade de leitura justifica-se também, pelo fato de que os PCN apontam para a leitura como habilidade que merece destaque no ensino de língua estrangeira. Moita Lopes (1996, p. 52) também afirma que tal habilidade deve ser privilegiada para que a disciplina língua estrangeira, no ensino fundamental, atinja o seu objetivo de ter uma função social. Em suas palavras: A única habilidade que parece ser justificada socialmente é a da leitura, pois as necessidades de se aprender uma língua estrangeira como inglês, geralmente, devem-se a dois fatores: leituras de textos em inglês em certos campos acadêmicos e exames de seleção de programas de pós-graduação. Cremos que o ensino/aprendizagem das línguas estrangeiras, pelo viés da leitura, possibilita a formação de um leitor ativo, caracterizado p. 1677 Cadernos do CNLF, Vol. XV, Nº 5, t. 2. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2011

por Sole (1998, p. 114) como sendo alguém que sabe por que lê e que assume sua responsabilidade ante a leitura, aportando seus conhecimentos, experiências e suas expectativas. O fato de termos, como ponto de partida, a análise das necessidades dos grupos, torna difícil a escolha de materiais didáticos dentre as opções existentes no mercado. No que tange à leitura, o que está disponível ainda se resume a manuais com respostas prefixadas. Esse quadro é compreensível diante da constatação de que a publicação de livros didáticos para o ensino de línguas estrangeiras, por seu caráter mundial, não se presta a atender demandas particulares. A produção de materiais pedagógicos é, assim, uma das áreas de prioridade no ensino da língua estrangeira para fins específicos. Assim, um dos objetivos do projeto Educação Linguística e Ensino de Línguas Estrangeiras é a confecção de material didático. Além de estar fundamentada nos princípios do ensino da leitura como instrumento para a compreensão e a construção do mundo, a produção de material didático está alicerçada na importância de se trabalharem gêneros diversificados, que vão além de textos literários e científicos, como, por exemplo, contos, poemas, quadrinhos, tirinhas, crônicas, e-mails, receitas, manuais, charges, cartões postais etc. Considerando que seria impossível, no escopo deste trabalho, tratar de todos os gêneros, neste recorte, priorizamos as tirinhas. Neste sentido, descreveremos como temos usado tal gênero na organização de nosso trabalho pedagógico e de metodologias específicas de ensino-aprendizagem que visam a uma leitura crítica do mundo em que vivemos. Vamos, aqui, procurar demonstrar, com um exemplar extraído do material didático que temos produzido a partir do gênero tirinha, os benefícios que, em nossa opinião, esse tipo de texto pode trazer para o ensino de LE. Todas as inovações tecnológicas pelas quais a humanidade passou, que culminaram no uso da internet, colaboraram para que surgissem novos gêneros, tanto escritos quanto falados. As tiras surgiram no final do século XIX, quando passaram a ter publicação diária nos jornais e a diversificar suas temáticas, abrindo espaço para histórias que enfocavam núcleos familiares, animais antropomorfizados e protagonistas femininas, embora ainda conservassem o traço cômico. A tira é um tipo de história em quadrinhos mais curta e, portanto, de caráter sintético. Pode ser sequencial, com capítulos de narrativas maiores, ou fechada, com um episódio por dia (MENDONÇA, 2002). Cadernos do CNLF, Vol. XV, Nº 5, t. 2. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2011 p. 1678

As tiras de jornal, por sua própria característica, precisam trabalhar temas específicos em dois ou três quadrinhos, algumas vezes de forma isolada, em outras, interligadas com tiras anteriores e posteriores (BARBOSA et al., 2005). O termo tirinhas veio do inglês comic strips e refere-se a uma série de quadros apresentados na horizontal. Os quadros são usados para separar as vinhetas, podendo ser irregulares ou interrompidos. Dentro de cada quadro aparecem os cenários, as personagens e suas respectivas falas. Variações no tipo de fonte escolhida podem revelar detalhes referentes, por exemplo, ao tom de voz empregado. As tiras adotam linguagem verbo-visual, ou seja, são textos essencialmente verbais que, amalgamados aos visuais, constituem uma nova modalidade, a de textos multimodais, com especificidades próprias. Para melhor compreendê-las é preciso que devotemos uma atenção especial ao seu caráter visual, uma vez que muito se sabe sobre a linguagem verbal e muito pouco se conhece sobre a imagem. Os primeiros registros da existência humana na Terra foram feitos por desenhos em cavernas, tendo a imagem sido usada como meio de interlocução desde os primórdios da humanidade. Uma vez que a imagem desempenha papel fundamental no modo de organização do mundo moderno, marcado em grande parte pela linguagem publicitária, o processo de leitura envolve a compreensão visual. Compreensão essa que poderá contribuir para um maior entendimento da relação entre o homem e o mundo, propiciando a formação de indivíduos mais críticos para atuarem conscientemente em seu meio social. Em outras palavras, acreditamos que a leitura crítica do mundo da imagem pode contribuir para a leitura crítica do mundo real. Apesar do espaço de destaque que as imagens ocupam em nossas vidas, parece haver uma desproporção entre o enfoque dado, em pesquisas, ao elemento verbal e aquele dado ao elemento visual. O próprio sistema educacional dedica pouquíssima atenção ao estudo sistemático das imagens. Kress & Van Leeuwen (1996, p. 15, tradução nossa) afirmam que Ainda nota-se uma certa relutância ao uso de imagens nas várias áreas do conhecimento, especialmente nas séries mais avançadas, quando os livros didáticos apresentam um número menor de ilustrações do que nas séries iniciantes, em forma de mapas, diagramas e representações com uma função técnica. p. 1679 Cadernos do CNLF, Vol. XV, Nº 5, t. 2. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2011

Concluímos que, em virtude dessa negligência, saímos da escola com baixo nível de letramento visual e continuamos a nos preocupar bem mais com as peculiaridades do discurso verbal do que com as especificidades do visual. Não obstante o desprestígio do estudo do visual, a imagem foi, historicamente, ocupando lugar de destaque, cada vez maior, em nossas vidas, o que justifica perfeitamente o fato de querermos trazer, para a sala de aula, gêneros discursivos marcadamente visuais. Além de serem importantes pelo seu caráter visual, as tiras fazem uso de linguagem metafórica. Ensinar o aluno a detectar e compreender figuras de linguagem em tiras é uma tarefa que certamente resultará na ampliação de sua capacidade linguística. Há uma linguagem implícita também nos traços e expressões das personagens. Isso tudo nos leva à conclusão de que ensinar o aluno a ler tiras é ensiná-lo a ler o não dito. No tratamento dado às tirinhas adotamos sempre um dos critérios de abordagem textual sugeridos por Daher e Sant Anna (2002) que diz respeito a se estabelecer a oportunidade de observação de elementos do texto que o leitor-aluno, talvez, não conseguisse observar por si, o que determina a forma de se registrar, por meio de perguntas e exercícios, os sentidos do texto que consideramos relevantes. A seguir, transcrevemos uma atividade utilizada na aula de espanhol com uma turma de 1 ano de Ensino Médio. Observe como esses sentidos são explorados nas tiras de Mafalda: Tira 1 www.mafalda.dreamers.com Qual o gênero do texto lido? Justifique sua resposta com base nos critérios de classificação do gênero. Cadernos do CNLF, Vol. XV, Nº 5, t. 2. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2011 p. 1680

De que forma as expressões faciais de Mafalda contribuem para que o leitor, em uma etapa de pré-leitura, formule hipóteses sobre seu estado de espírito? Como você vê o tipo de crítica que Mafalda faz aos métodos de ensino adotados pela escola? Mafalda afirma não saber ler o jornal. Entretanto, a tirinha acima contradiz essa afirmação. Justifique sua resposta a partir do texto. No último quadro, o que Mafalda pretende, ao hibridizar o discurso típico de sala de aula com aquele típico de linguagem jornalística? É interessante registrar que durante a atividade, os alunos comentaram o fato de a escola, de um modo geral, desenvolve um método de ensino repetitivo e pouco interessante, método este que não os prepara para leituras não literais que certamente terão que realizar em espaços e situações extraclasses. Dando sequência à atividade com a Tira 1, introduzimos a Tira 2, apresentada a seguir: Tira 2 www.mafalda.dreamers.com No 3 quadro Mafalda parabeniza a professora. Por que? Qual o tom dessa fala? De que forma a Tira 2 está relacionada à Tira 1? Observe as atividades propostas para a Tira 3, trabalhada em uma turma de 9 ano do EF: p. 1681 Cadernos do CNLF, Vol. XV, Nº 5, t. 2. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2011

Tira 3: www.mafalda.dreamers.com Qual o gênero do texto lido? Você costuma ler esse gênero? Quem é a personagem principal? O que você sabe sobre ela? Observando as expressões faciais use um adjetivo para descrever como você percebe Mafalda em cada um dos quadros. Explique a mudança na expressão de Susanita, do 1 para o 2 quadro. Que adjetivo melhor descreve o seu comportamento? Você vê alguma contradição entre o que Susanita diz e o que ela faz? Justifique sua resposta. O que você acha da atitude da mãe de Mafalda ao lhe dar de presente um boneco negro? Complementando o trabalho de compreensão do texto, foram exploradas questões de natureza gramatical como a que se segue. Note-se que, questões desse tipo contribuem para que o aluno possa resgatar os elos coesivos do texto, o que, por sua vez, também contribui para o seu entendimento geral. No enunciado - Te gusta, Susanita? Me lo regaló mi mamá!, diga a que ou quem se refere o pronome sublinhado. A leitura da tira promoveu subsídios para a reflexão e discussão do tema preconceito e suas implicações no cotidiano. Alguns alunos apontaram para o fato de que, apesar de muitas pessoas não admitirem ter preconceitos, agem de forma preconceituosa. O debate se estendeu para o modo como, nos dias de hoje, a mídia tem ajudado a desconstruir alguns Cadernos do CNLF, Vol. XV, Nº 5, t. 2. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2011 p. 1682

tipos de comportamentos discriminatórios que, no passado, eram vistos como naturais. Alguns alunos contribuíram com relatos de já terem sido vítimas de situações preconceituosas. Outros admitiram que, às vezes, mesmo sem perceberem, ainda reforçam, em suas atitudes, esse tipo de comportamento. Estas são apenas algumas das experiências que comprovam, especialmente do ponto de vista da formação cidadã, a relevância do trabalho com gêneros que tratam de assuntos polêmicos. Considerando ser esta uma das características do gênero tirinhas e, levando-se em consideração tudo o que aqui foi discutido, concluímos que ele pode ajudar o professor de língua estrangeira a tornar o ensino de sua disciplina socialmente relevante e deve, portanto, compor o trabalho realizado em sala de aula. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CARVALHO, M. S. M. O gênero discursivo tira em atividades de leitura em sala de aula. Taubaté, Dissertação de Mestrado, Universidade de Taubaté, 2008. DAHER, M. C. F. G.; SANT ANNA, V. L. A. Reflexiones acerca de la noción de competencia lectora: aportes enunciativos e interculturales. Revista da APEERJ: 20 años de APEERJ El español: un idioma universal. Rio de Janeiro, n. 5, p. 54-67, 2002. KRESS, G.; VAN LEEUWEN, T. Reading Images: the grammar of visual design. London: Routledge, 1996. MOITA LOPES, L. P. Oficina de linguística aplicada. Campinas: Mercado de Letras, 1996. SOLE, Isabel. Estratégias de leitura. 6. ed. Porto Alegre: ArtMed, 1998. VEREZA, S. C. Fundamentos teóricos do ensino de inglês instrumental: uma abordagem discursiva. (Texto utilizado em sala de aula sem ano de publicação e fonte) WIDDOWSON, H. G. O ensino de línguas para a comunicação. Tradução José Carlos P. de Almeida Filho. Campinas: Pontes, 1991. http://www.mafalda.dreamers.com p. 1683 Cadernos do CNLF, Vol. XV, Nº 5, t. 2. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2011