Hipercapnia diurna em doentes com síndrome de apneia obstrutiva do sono Daytime hypercapnia in patients with obstructive sleep apnea syndrome

Documentos relacionados
Síndroma de apneia do sono

Síndrome Overlap: diagnóstico e tratamento. Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono (SAOS)

Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC)

Síndrome da Apnéia Obstrutiva do Sono na DPOC

SAOS. Fisiopatologia da SAOS 23/04/2013. Investigação e tratamento de SAOS nos pacientes com pneumopatias crônicas

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE ODONTOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ODONTOLOGIA DOUTORADO EM PRÓTESE DENTÁRIA

04/07/2014. Caso Clínico. Neste momento, qual é o próximo passo? CASO CLÍNICO. III Curso Nacional de SONO

14/6/2012. Monitorização portátil das variáveis respiratórias SAOS. Elevada prevalência Aumento de mortalidade

Caso Clínico 1. C.M., 36 anos, masculino, IMC: 59,5 kg/m 2 Ex-tabagista. Portador de HAS, DM e dislipidemia Dor torácica típica: ECG na urgência IAM

Adesão ao CPAP: O que interfere e como melhorar

Tratamento da Apneia do sono e hipoventilação na DPOC

SAOS Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono

IMPLICAÇÕES DA CLASSE DE ÍNDICE DE MASSA CORPORAL E OBESIDADE ABDOMINAL NO RISCO E GRAVIDADE DA HIPERTENSÃO ARTERIAL EM PORTUGAL

Marque a opção do tipo de trabalho que está inscrevendo: DIFERENÇAS NA EXPRESSÃO CLÍNICA DA APNEIA OBSTRUTIVA DO SONO ENTRE HOMENS E MULHERES

Atuação Fonoaudiológica em pacientes com Síndrome da Apnéia Obstrutiva do Sono

SÍNDROMA DE APNEIA DO SONO

Diagnóstico de SAOS. Adaptação ao CPAP. Adesão à ventiloterapia + Eficácia terapêutica CSP

Descrição do Exame Polissonográfico

Camila Ap. Marques Faria de Melo Kíssila Brito Fiszer

Introdução 06/05/2014

RESUMO SEPSE PARA SOCESP INTRODUÇÃO

Karoline Ramos da Silva ¹. Discente de Fisioterapia da Universidade União de Ensino Superior de Campina Grande.

RESUMO OBESIDADE E ASMA: CARACTERIZAÇÃO CLÍNICA E LABORATORIAL DE UMA ASSOCIAÇÃO FREQUENTE. INTRODUÇÃO: A asma e a obesidade são doenças crônicas com

XI Encontro de Iniciação Científica do Centro Universitário Barão de Mauá

Rede Médicos Sentinela: instrumento de observação e investigação em saúde

Descrição do Exame Polissonográfico

COMPORTAMENTO DA FORÇA MUSCULAR RESPIRATÓRIA EM IDOSAS ATIVAS E SEDENTÁRIAS

LUCIANA CRISTINA DE OLIVEIRA MATAROLLI SÍNDROME DA APNEIA E HIPOAPNEIA OBSTRUTIVA DO SONO E O TRATAMENTO ATRAVÉS DE APARELHOS INTRA-BUCAIS JI-PARANÁ

INCIDÊNCIA DA SÍNDROME APNÉIA OBSTRUTIVA DO SONO EM IDOSOS HIPERTENSOS DA CIDADE DE JACAREZINHO

RELAÇÃO ENTRE CIRCUNFÊRENCIA DE PESCOÇO E OUTRAS MEDIDAS INDICADORAS DE ADIPOSIDADE CORPORAL EM MULHERES COM SOBREPESO E OBESIDADE.

ABORDAGEM TERAPÊUTICA DA SÍNDROME DE HIPOVENTILAÇÃO/OBESIDADE

III Jornadas do Potencial Técnico e Científico do IPCB

IMPACTO DO IMC SOBRE O DESEMPENHO MOTOR EM ATIVIDADES COM PREDOMINÂNCIA AERÓBIA DE MULHERES ACIMA DE 40 ANOS

CURSO DE RONCO E APNEIA DO SONO. Ficha de diagnóstico e anamnese.

SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE CIÊNCIAS INTEGRADAS INTEGRADAS DA UNAERP CAMPOS GURUJÁ. Sonolência Excessiva Diurna e Apnéia do Sono

RESUMO INTRODUÇÃO: Pessoas com sintomas de ansiedade apresentam maiores níveis de pressão arterial. A presença de ansiedade está associada com as

Estudo da apneia obstrutiva do sono em pacientes obesos em programação de cirurgia bariátrica

Formulário de acesso a dados do Registo Nacional de Doentes Reumáticos da SPR

Paciente: E.R.V Idade: 33 anos Sexo: Feminino Polissonograma

Experiência do Serviço de Endocrinologia do Hospital de Braga no Tratamento de Diabéticos Tipo 1 com Bombas Infusoras de Insulina

PREVALÊNCIA DE SÍNDROME METABÓLICA EM PACIENTES HOSPITALIZADOS

PROJECTO DE INVESTIGAÇÃO DESTINADO À ELABORAÇÃO DE UMA DISSERTAÇÃO ORIGINAL NO ÂMBITO DO CURSO DE MESTRADO EM EPIDEMIOLOGIA (1ª EDIÇÃO)

1. TÍTULO: SÍNDROME DE PICKWICK ABORDAGEM INTENSIVA DE. 1 Faculdade Faceres - Av. Anísio Haddad, Jardim Francisco Fernandes, São José

4/16/2015. O desafiono controle da hipoxemia no paciente com SAOS e DPOC

AVALIAÇÃO DOS DOENTES COM SUSPEITA CLÍNICA DE TEP COM RECURSO A ANGIO-TC Estudo retrospectivo

Reconhecendo os agravos clínicos em urgência e emergência. Prof.º Enfº. Diógenes Trevizan

Cpap e apnéia do sono

PROMOÇÃO DA SAÚDE FATORES DE RISCO PARA DOENÇAS CARDIOVASCULARES EM FATIMA DO PIAUÍ.

Trinta e sete pacientes foram incluídos no estudo e submetidos a. monitorizarão da oximetria durante a primeira ou segunda noite de

APNEIA DO SONO E PATOLOGIA CARDÍACA

PROVAS DE FUNÇÃO RESPIRATÓRIA ESPIROMETRIA

2 -AVALIAÇÃO FARMACOCINÉTICA DE VANCOMICINA EM RECÉM- -NASCIDOS PREMATUROS

Controles e Sinais Vitais

ASSOCIAÇÃO ENTRE PRESSÃO ARTERIAL E CAPACIDADE FUNCIONAL DE IDOSOS DE UM CENTRO DE ESPECIALIDADES MÉDICAS DE BELO HORIZONTE-MG

Síndrome de Apneia Obstrutiva do Sono e Risco Cardiovascular

Autores/Editores Adília da Silva Fernandes; Carlos Pires Magalhães; Maria Augusta Pereira da Mata; Maria Helena Pimentel; Maria Gorete Baptista

PREVALÊNCIA DE HIPERTENSÃO ARTERIAL E A RELAÇÃO CINTURA/QUADRIL (RCQ ) E ÍNDICE DE MASSA CORPORAL (IMC) EM ESTUDANTES

Comparação da Velocidade da Onda de Pulso em Indivíduos Normotensos vs Hipertensos Controlados

Avaliação do grau de dispneia no portador de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica pela Escala de Dispneia - Medical Research Council.

Índice de massa corporal e prevalência de doenças crônicas não transmissíveis em idosos institucionalizados

Relevância Clínica da Síndrome Metabólica nos Indivíduos Não Obesos

Ambulatório de Apnéia do Sono

Fat-to-Bone Ratio: A New Measurement of Obesity

CLASSIFICAÇÃO GOLD E SINTOMAS RESPIRATÓRIOS EM IDOSOS ESTUDO GERIA

AVALIAÇÃO DA RESPOSTA IMUNE EM PACIENTES COM LEISHMANIOSE MUCOSA TRATADOS COM ANTIMONIAL

Qualidade de Vida e Distúrbios Obstrutivos do Sono

Evento: XXV SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA

EFEITOS DA ADENOTONSILECTOMIA COMPARADA À VIGILÂNCIA ATIVA NO TRATAMENTO DE DESORDENS OBSTRUTIVAS DO SONO EM CRIANÇAS

FIEP BULLETIN - Volume 82 - Special Edition - ARTICLE I (

Prevalência de doença cardiovascular numa população de doentes com síndrome de apneia obstrutiva do sono

Avaliação da redução da FC durante a fase de recuperação de PE numa população de doentes diabéticos

INSUFICIÊNCIA RESPIRATÓRIA

O que é a obesidade? Nas doenças associadas destacam-se a diabetes tipo II e as doenças cardiovasculares.

ENFERMAGEM DOENÇAS CRONICAS NÃO TRANMISSIVEIS. Doença Cardiovascular Parte 1. Profª. Tatiane da Silva Campos

scterapiarespiratoria.com.br

OXIGENOTERAPIA DOMICILIAR

APRESENTAÇÃO DE POSTERS DIA 16/10/2015 (10:15-10:30h)

Lista de exercícios. Teste de uma proporção populacional

FATORES ASSOCIADOS À DESISTÊNCIA DE PROGRAMAS MULTIPROFISSIONAIS DE TRATAMENTO DA OBESIDADE EM ADOLESCENTES

Nos termos da alínea a) do nº 2 do artigo 2º do Decreto Regulamentar nº 14/2012, de 26 de janeiro, emite-se a Orientação seguinte:

Diferenciais sociodemográficos na prevalência de complicações decorrentes do diabetes mellitus entre idosos brasileiros

Hipoventilação relacionada ao sono

INFLUENCE OF THE INTRA-ORAL DEVICE IN PATIENTS WITH OBSTRUCTIVE PAIN SLEEP BY POLYSSONOGRAPHIC EVALUATION AFTER AND AFTER INSTALLATION OF ORAL DEVICE

Avaliação da dispneia psicogênica: mito ou realidade

12º RELATÓRIO DO OBSERVATÓRIO NACIONAL DAS DOENÇAS RESPIRATÓRIAS RESUMO DOS DADOS

SÍNDROMA DE APNEIA HIPOPNEIA OBSTRUTIVA DO SONO E ÓXIDO NÍTRICO: QUE RELAÇÃO?

MARÍLIA MONTENEGRO CABRAL

RELATÓRIO 1: PATOLOGIAS

Glomerulonefrite Membranosa Idiopática: um estudo de caso

Cuidados Respiratórios Domiciliários: Prescrição de Ventiloterapia e outros Equipamentos Ventiloterapia. Médicos do Sistema Nacional de Saúde

Nos termos da alínea a) do nº 2 do artigo 2º do Decreto Regulamentar nº 14/2012, de 26 de janeiro, emite-se a Orientação seguinte:

SÍNDROME METABÓLICA E ADOLESCÊNCIA

PROCESSO-CONSULTA CFM Nº 25/2017 PARECER CFM Nº 25/2018 INTERESSADOS: I.M.S. R.S.R.

De forma a determinar a prevalência das queixas de insónia nos doentes. que recorrem às consultas de clínica geral no Centro de Saúde de Figueiró dos

Desafios clínicos cardiológicos: Um doente com hipoxémia

HIPERTENSÃO ARTERIAL, PRINCIPAL FATOR DE RISCO EM DOENTES COM FIBRILHAÇÃO AURICULAR

Luís Amaral Ferreira Internato de Radiologia 3º ano Outubro de 2016

Prevalência de Doenças Cardiovasculares e Respiratórias em Idosos da Comunidade

Transcrição:

Vol.3 Julho 2011 Artigo Original de Investigação Hipercapnia diurna em doentes com síndrome de apneia obstrutiva do sono Daytime hypercapnia in patients with obstructive sleep apnea syndrome André Santos 1, Andreia Grade 1, Raquel Barros 1,2*, Cristina Canhão 1,2, Nuno Raposo 1,3 1 Escola Superior de Saúde da Cruz Vermelha; 2 Hospital de Pulido Valente, Centro Hospitalar Lisboa Norte, E.P.E.; 3 Hospital de Santa Cruz, Centro Hospitalar Lisboa Ocidental, E.P.E. Submetido em 07 Março 2011; Aceite em 25 Junho 2011; Publicado em 29 Julho 2011. Introdução: A síndrome de apneia obstrutiva do sono (SAOS) induz uma série de alterações fisiopatológicas, entre elas, a hipercápnia diurna. A hipercápnia diurna associada à SAOS é particularmente comum em indivíduos obesos. A patogénese da hipercápnia diurna pode estar directamente associada à existência de SAOS, no entanto, apenas alguns destes doentes apresentam esta condição. Objectivo: Avaliar a presença de hipercápnia diurna em doentes com SAOS. Metodologia: Estudo prospectivo e quantitativo do tipo correlacional. Amostra constituída por 30 indivíduos de ambos os géneros que realizaram polissonografia convencional e gasometria arterial diurna e tinham o diagnóstico de SAOS. Resultados: Apesar de as diferenças não terem sido estatisticamente significativas, os doentes com hipercápnia diurna tinham uma média de idades superior, eram mais obesos, tinham um índice de distúrbio respiratório e um índice de apneia/hipopneia mais elevado que os doentes normocápnicos. Conclusões: Os resultados desta investigação apontam para uma prevalência de hipercápnia diurna em doentes com SAOS de 13%, no entanto, este estudo não permitiu estabelecer um nexo de causalidade entre a SAOS e a hipercápnia diurna.

Background: The obstructive sleep apnea syndrome (OSA) induces various pathophysiological changes, such as daytime hypercapnia. The daytime hypercapnia is usually associated with OSA, particularly in cases of obesity. Although the pathogenesis of daytime hypercapnia may be directly associated with OSA, only some patients with OSA have daytime hypercapnia. Objective: To evaluate the presence of daytime hypercapnia in patients with OSA. Methodology: Prospective, quantitative and correlational study. The study includes 30 subjects of both genders who had made conventional polysomnography and daytime arterial blood gas and have diagnosis of OSA. Results: Although differences had not been significant in statistical terms, patients with daytime hypercapnia had a higher average age, were more obese, had both a higher respiratory disturbance index and an apnea-hypopnea index compared with patients with normocapnia. Conclusions: The results show a prevalence of daytime hypercapnia of 13% in patients with OSA. However, the study did not find an association between OSA and daytime hypercapnia. PALAVRAS-CHAVE: SAOS; hipercápnia diurna; obesidade. KEY WORDS: OSA; daytime hypercapnia; obesity. * Correspondência: Raquel Barros. Email: raquel.barros@cardiocvp.net INTRODUÇÃO A síndroma de apneia obstrutiva do sono (SAOS) caracteriza-se por episódios recorrentes de obstrução parcial (hipopneia) ou total (apneia) da via aérea superior durante o sono, apesar da manutenção dos esforços inspiratórios, terminando com frequência em despertares (American Academy of Sleep Medicine Task Force, 1999). Os mecanismos fisiopatológicos envolvidos na SAOS são complexos e ainda não completamente esclarecidos, contudo, sabe-se que são devidos a uma incapacidade para manter a permeabilidade da via aérea superior durante o sono (Bárbara, 2003). O diagnóstico de SAOS baseia-se na presença do critério A e/ou B, mais o critério C, sendo o critério A, hipersonolência diurna, o critério B, dois ou mais dos seguintes sintomas: asfixia durante o sono, despertares recorrentes, sono não reparador, fadiga diurna e diminuição da concentração, e o critério C, o número de apneias/hipopneias igual ou superior a cinco eventos por hora de sono (American Academy of Sleep Medicine Task Force, 1999). Alguns autores propõem também uma avaliação baseada na gravidade das dessaturações. Tendo em consideração o índice de distúrbio respiratório (IDR), estão estabelecidos na literatura os seguintes graus de gravidade para SAOS (Tabela 1). A SAOS, quando não diagnosticada e tratada adequadamente, pode originar complicações graves, de natureza hemodinâmica e neuropsicológica. Como consequências hemodinâmicas, destacam-se: hipertensão sistémica e pulmonar, arritmias cardíacas, doença cardíaca isquémica e insuficiência cardíaca Salutis Scientia Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP Vol.3 Julho 2011 www.salutisscientia.esscvp.eu 19

Tabela 1. Classificação da gravidade da SAOS - Adaptado de American Academy of Sleep Medicine Task Force (1999). SAOS ligeira SAOS moderada SAOS grave IDR entre 5 e15 eventos por hora IDR entre 15 e 30 eventos por hora IDR superior a 30 eventos por hora SAOS - síndroma de apneia obstrutiva do sono; IDR - índice de distúrbio respiratório. congestiva. Como consequências neuropsicológicas destacam-se as perturbações emocionais, depressão, dificuldades de concentração, problemas familiares e sociais e acidentes de trabalho e de viação (Santos, 2003). O típico doente com SAOS é do sexo masculino, de meia-idade e obeso. A associação entre a obesidade e a SAOS é evidente uma vez que aproximadamente 70% destes doentes possuem o índice de massa corporal (IMC) aumentado (Gami, Caples, & Somers, 2003). O estudo de Kaw e colaboradores (2009) concluiu que no caso de doentes obesos com SAOS, sem doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC), a hipercápnia diurna está associada ao grau de gravidade da SAOS e a níveis elevados de IMC. Leech e colaboradores (1987) verificaram que um índice de apneia/hiponeia (IAH) ligeiro contribui para o desenvolvimento de hipercápnia, mas Akashiba e colaboradores (2002) verificaram que a saturação de oxigénio no sangue arterial (SpO 2 ) é o predictor mais relevante da hipercápnia, enquanto que o IAH não está associado à pressão parcial de dióxido de carbono no sangue arterial (PaCO 2 ) em doentes com SAOS. O objectivo do nosso estudo foi avaliar a presença de hipercápnia diurna em doentes com SAOS, analisando os parâmetros da polissonografia convencional e da gasometria arterial diurna. METODOLOGIA Foi realizado um estudo prospectivo, quantitativo do tipo correlacional. O tipo de amostragem foi não probabilístico de conveniência. A proveniência dos indivíduos que integraram a amostra foi uma consulta de patologia do sono de um Hospital Central da região de Lisboa. Todos os indivíduos realizaram uma polissonografia convencional e uma gasometria arterial diurna. Para a polissonografia foi usado o equipamento Embla S7000 da Embla Systems (Broomfield, EUA) e para a análise do sangue arterial o equipamento Rapidlab 1200 da Siemens (Massachusetts, EUA). Todos os indivíduos tinham o diagnóstico de SAOS de acordo com os critérios propostos pela American Academy of Sleep Medicine Task Force (1999). A amostra foi constituída por 30 doentes de ambos os géneros que realizaram os referidos exames entre os meses de Fevereiro e Maio de 2010. Foram excluídos os doentes sob terapêutica com pressão positiva contínua da via aérea (CPAP) ou ventiloterapia não invasiva, doentes sob oxigenoterapia de longa duração (OLD) e doentes com IDR inferior a cinco eventos por hora. Foram estudadas as variáveis idade, peso, altura, IMC, IAH, IDR e PaCO 2. O objectivo geral do estudo foi avaliar a presença de hipercápnia diurna em doentes com SAOS. Foram estabelecidos os seguintes objectivos específicos: - Investigar a existência de associação entre o IAH, o IDR e a PaCO 2 ; - Investigar a existência de associação entre o IAH, o IDR e o IMC; - Investigar a existência de associação entre o IMC e a PaCO 2. Salutis Scientia Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP Vol.3 Julho 2011 www.salutisscientia.esscvp.eu 20

Relativamente ao tratamento estatístico dos dados, recorreu-se à análise descritiva, ao teste de Kolmogorov-Smirnov para testar a normalidade da distribuição amostral, a testes paramétricos (teste de t-student) para comparação de duas médias populacionais e a testes de correlação (coeficientes de correlação de Pearson e de Spearman) para avaliar a correlação entre as variáveis (Maroco, 2007). Para todos os testes estatísticos efectuados utilizou-se sempre o nível de significância de 0,05. RESULTADOS Foram estudados 30 indivíduos, 70% do género masculino e 30% do género feminino, com uma média de idades de 57,8±10,3 anos (Tabela 2). No género feminino, a média de idades foi de 63,1±8,4 anos e no género masculino de 55,5±10,3 anos (Tabela 3). Na totalidade da amostra obteve-se para o IMC um valor médio de 31,5±5 kg/m 2 (Tabela 2). No género feminino a média do IMC foi de 32,6±7,5 kg/m 2 e no género masculino de 31,1±3,6 kg/m 2 (Tabela 3). Na totalidade da amostra a PaCO 2 teve um valor médio de 41,3±4,0 mmhg, e variou entre 34 e 51 mmhg (Tabela 4). No género feminino, o valor médio da PaCO 2 foi de 42,3±3,3 mmhg, variando entre 37,1 e 46,9 mmhg e no género masculino foi de 40,9±4,3 mmhg, variando entre 33,9 e 51,2 mmhg (Tabela 5). Tabela 2. Análise descritiva da amostra para as variáveis idade e IMC. Amostra (n=30) Idade (anos) 57,8±10,3 (32-76) IMC (kg/m 2 ) 31,5±5 (26,8-50,6) X - Média; σ - Desvio-padrão; IMC - Índice de massa corporal; kg/m 2 - Quilogramas por metro quadrado. O IAH teve um valor médio de 31±25,2 eventos por hora e variou entre 5,8 e 111,4 eventos por hora (Tabela 4). No género feminino, o valor médio do IAH foi de 24,6±11,1 eventos por hora, variando entre 8,6 e 41,1 eventos por hora. No género masculino, o valor médio do IAH foi de 33,7±29,1 eventos por hora, variando entre 5,8 e 111,4 eventos por hora (Tabela 5). O IDR teve um valor médio de 32,3±24,5 eventos por hora e variou entre 7,5 e 111,4 eventos por hora (Tabela 4). No género feminino, o valor médio do IDR foi de 25,7±11,6 eventos por hora, variando entre 10,2 e 41,1 eventos por hora. No género masculino, o valor médio do IDR foi de 35,1±28,1 eventos por hora, variando entre 7,5 e 111,4 eventos por hora (Tabela 5). Através dos testes de correlação de Pearson e Spearman verificou-se que não existiam associações estatisticamente significativas entre o IAH e o IDR com a PaCO2 e o IMC e entre o IMC e a PaCO 2 (pvalue 0,05). Verificou-se uma correlação estatisticamente significativa entre o IAH e o IDR (pvalue=0,000) - Tabela 6. Dos 30 doentes considerados, quatro tinham hipercápnia diurna. Os doentes que apresentaram hipercápnia (n=4) tinham uma média de idade, de peso, de IMC, de IDR e de IAH superior em relação aos doentes com normocápnia, no entanto as diferenças Tabela 3. Análise descritiva da amostra (por género) para as variáveis idade e IMC. Feminino (n=9) Masculino (n=21) Idade (anos) 63,1±8,4 (51-76) 55,5±10,3 (32-72) IMC (kg/m 2 ) 32,6±7,5 (27,3-50,6) 31,1±3,6 (26,8-38,3) X - Média; σ - Desvio-padrão; IMC - Índice de massa corporal; kg/m 2 - Quilogramas por metro quadrado. Salutis Scientia Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP Vol.3 Julho 2011 www.salutisscientia.esscvp.eu 21

Tabela 4. Análise descritiva da amostra para as variáveis PaCO 2, IAH e IDR. PaCO 2 (mmhg) (mín-máx) IAH (eventos por hora) (mín-máx) IDR (eventos por hora) (mín-máx) Amostra 41,3±4,0 31±25,2 32,3±24,5 (n=30) (33,9-51,2) (5,8-111,4) (7,5-111,4) X - Média; σ - Desvio-padrão; IAH - Índice apneia/hipopneia; IDR- Índice de distúrbio respiratório; mmhg - Milímetros de mercúrio; PaCO 2 - Pressão parcial de dióxido de carbono no sangue arterial. Tabela 5. Análise descritiva da amostra (por género) para as variáveis PaCO 2, IAH e IDR. PaCO 2 (mmhg) IAH (eventos por hora) IDR (eventos por hora) Feminino (n=9) 42,3±3,3 (37,1-46,9) 24,6±11,1 (8,6-41,1) 25,7±11,6 (10,2-41,1) Masculino (n=21) 40,9±4,3 (33,9-51,2) 33,7±29,1 (5,8-111,4) 35,1±28,1 (7,5-111,4) X - Média; σ - Desvio-padrão; IAH - Índice apneia/hipopneia; IDR - Índice de distúrbio respiratório; mmhg - Milímetros de mercúrio; PaCO 2 - Pressão parcial de dióxido de carbono no sangue arterial. Tabela 6. Coeficientes de correlação para o IAH, IDR, PaCO 2 e IMC. IAH (eventos por hora) IDR (eventos por hora) PaCO 2 (mmhg) IMC (kg/m 2 ) IAH Correlação Pearson p-value 1 0,998** 0,000-0,153 0,418 0,348 0,060 IDR Correlação Pearson p-value 0,998** 0,000 1-0,151 0,425 0,336 0,069 PaCO 2 Correlação Pearson p-value -0,153 0,418-0,151 0,425 1-0,010 0,959 ** Correlação estatisticamente significativa para p-value<0,01; IAH - Índice apneia/hipopneia; IDR - Índice de distúrbio respiratório; IMC - Índice de massa corporal; kg/m 2 - Quilogramas por metro quadrado; mmhg - Milímetros de mercúrio;paco 2 - Pressão parcial de dióxido de carbono no sangue arterial. Salutis Scientia Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP Vol.3 Julho 2011 www.salutisscientia.esscvp.eu 22

não foram estatisticamente significativas (pvalue 0,05) - Tabela7. Em sumário, constatou-se que os indivíduos hipercápnicos tiveram IDR e IAH superior comparativamente aos normocápnicos, ou seja, apresentaram um grau de gravidade de SAOS superior, no entanto, as diferenças não foram estatisticamente significativas. Apesar de não se terem verificado diferenças estatisticamente significativas entre os doentes com hipercápnia e normocápnia no que respeita ao IMC, constatou-se que os doentes com PaCO 2 elevada eram mais obesos que os indivíduos com PaCO 2 normal. DISCUSSÃO Os dados obtidos na presente investigação apontam para uma prevalência de hipercápnia diurna de 13%, ou seja, dos 30 doentes com SAOS, quatro apresentavam uma PaCO 2 elevada. Apesar de o presente estudo possuir uma amostra de dimensão pequena, obteve-se um valor de prevalência de hipercápnia diurna em doentes com SAOS semelhante à encontrada por Kawata e colaboradores (2007). O estudo dos referidos autores utilizou uma amostra de 1227 indivíduos e determinou uma prevalência de 14%. Também, um estudo realizado anos antes, efectuado por Laaban & Chailleux (2005) que incluiu 1141 indivíduos obesos com SAOS, mas sem doença respiratória, obteve uma prevalência de 11%. Estudos publicados mostram que existe uma grande variabilidade na prevalência da hipercápnia diurna em doentes com SAOS e que esta normalmente está relacionada com doença respiratória ou obesidade (Laaban & Chailleux, 2005). Uma vez que a doença respiratória poderia justificar a hipercápnia diurna, fez-se a consulta das provas funcionais respiratórias dos doentes que apresentaram PaCO 2 aumentada, sendo que, dos quatro indivíduos, três deles tinham uma alteração ventilatória restritiva e um apresentava uma alteração Tabela 7. Comparação das variáveis entre doentes hipercapnicos e normocapnicos. Variáveis Hipercápnicos (n=4) Normocápnicos (n=26) p-value (mín-máx) (mín-máx) Idade (anos) 62,3±9,1 (49-70) 57,1±10,4 (32-76) 0,179* Peso (kg) 91,8±19,6 (75-120) 86,3±13 (70-115) 0,236* Altura (cm) 161,3±9,6 (152-171) 167,1±8,6 (155-189) 0,111* IMC (kg/m 2 ) 35,8±10 (29,8-50,6) 30,9±3,7 (26,8-38,3) 0,202* PaCO 2 (mmhg) 47,9±2,2 (46,4-51,2) 40,3±3,2 (33,9-45,7) <0,0001* IAH (eventos por hora) 35,7±26,1 (13,4-73,4) 30,2±25,5 (92-97,7) 0,349* IDR (eventos por hora) 36,5±25,3 (16-73,4) 31,6±24,9 (5,8-111,4) 0,358* *valor dado pelo teste t-student. O p-value foi calculado como teste unilateral, ou seja, dividiu-se o p-value do teste bilateral por dois; X - média; σ - Desvio-padrão; cm - Centímetros; IMC - Índice de massa corporal; IAH - Índice apneia/hipopneia; IDR - Índice de distúrbio respiratório; kg - Quilogramas; kg/m 2 - Quilogramas por metro quadrado; mmhg - Milímetros de mercúrio; PaCO 2 -Pressão parcial de dióxido de carbono no sangue arterial. Salutis Scientia Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP Vol.3 Julho 2011 www.salutisscientia.esscvp.eu 23

ventilatória mista. No entanto, como não foram analisados os processos hospitalares não é possível determinar com segurança qual a origem destas alterações ventilatórias. Uma hipótese explicativa para estas alterações seria o facto de estes indivíduos serem obesos (IMC dos indivíduos com hipercápnia foi 35,8+10 kg/m 2 ) e a sobrecarga ponderal poderia condicionar um padrão ventilatório restritivo. Quanto à obesidade, no estudo de Laaban & Chailleux (2005) foi possível determinar que a hipercápnia diurna estava associada positivamente ao IMC. No presente estudo não foi possível realizar análise estatística consoante subgrupos de IMC devido ao número reduzido de doentes com PaCO 2 elevada. Porém, verificou-se que apesar de as diferenças não terem sido estatisticamente significativas os doentes com hipercápnia diurna eram mais obesos comparativamente aos indivíduos normocápnicos. Roop e colaboradores (2009) concluíram no seu estudo que no caso de doentes obesos com SAOS, a hipercápnia diurna estava associada ao grau de gravidade SAOS. O mesmo não se verificou na presente investigação, uma vez que a PaCO 2 não se correlacionou de forma estatisticamente significativa com o IAH ou IDR. Contudo, apesar de as diferenças não possuírem significado estatístico, apontam para que os indivíduos com a PaCO 2 elevada apresentem um grau de gravidade de SAOS superior. A investigação apresentou limitações que se prenderam com o facto de a amostra ter incluído um número reduzido de indivíduos e a recolha dos dados ter decorrido apenas num centro hospitalar e durante um curto espaço de tempo. Sabendo que a coexistência de doença respiratória condiciona a presença de hipercápnia diurna, teria sido importante a consulta dos processos hospitalares de todos os indivíduos incluídos na amostra, de forma a conhecer o contexto clínico destes doentes. Apesar de só terem sido analisadas as provas funcionais respiratórias referentes aos doentes com hipercápnia diurna, teria sido uma mais-valia a análise das provas de todos os indivíduos da amostra e assim perceber se existiam outras condições funcionais respiratórias associadas à presença de SAOS. CONCLUSÕES A prevalência de hipercápnia diurna em doentes com SAOS foi de 13%. Este estudo não permitiu estabelecer um nexo de causalidade entre a SAOS e a hipercápnia diurna. A realização da gasometria arterial é importante nos doentes com SAOS, uma vez que a presença de hipercápnia nestes indivíduos se associa a um aumento de morbilidade e mortalidade cardiovascular, gerando um aumento da utilização dos recursos de saúde, comparativamente aos doentes com SAOS que não apresentam essa condição. Os resultados desta técnica podem condicionar escolhas terapêuticas distintas: CPAP versus ventilação não invasiva, o que vai depender da existência ou não de hipercápnia. REFERÊNCIAS Akashiba, T., et al (2002). Relationship between quality of life and mood or depression in patients with severe obstructive sleep apnea syndrome. Chest, 122(3): 861-865. American Academy of Sleep Medicine Task Force (1999). Sleeprelated breathing disorders in adults: Recommendations for syndrome definition and measurement techniques in clinical research. The report of an American Academy of Sleep Medicine Task Force. Sleep, 22(5), 667-689. Bárbara, C. (2003). Fisiopatologia da síndrome de apneia obstrutiva do sono (SAOS). In M. Gomes, & R. Sotto-Mayor (Eds.), Tratado de Pneumologia (p.1036-1039). Lisboa: Permanyer Portugal. Gami, A., Caples, S., & Somers, V. (2003). Obesity and obstructive sleep apnea. Endocrinology and Metabolism Clinics of North America, 32(4), 869-894. Kawata, N., et al (2007). Daytime hypercapnia in obstructive sleep apnea syndrome. Chest, 132(6), 1832-1838. Laaban, J.-P. & Chailleux, E. (2005). Daytime hypercapnia in adult patients with obstructive sleep apnea syndrome in France, before iniciating nocturnal nasal continuous positive airway pressure Salutis Scientia Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP Vol.3 Julho 2011 www.salutisscientia.esscvp.eu 24

therapy. Chest, 127(3), 710-715. Leech, J. A., Onal, E., Baer, P., Lopata, M. (1987). Determinants of hypercapnia in occlusive sleep apnea syndrome. Chest, 92(5) 807-813. Maroco, J. (2007). Análise estatística: com utilização do SPSS. Lisboa: Edições Sílabo. Roop, K., Hernandez, A., Walker, E., Aboussouan, L., Mokhlesi, B. (2009). Determinants of hypercapnia in obese patients with obstructive sleep apnea: A systematic review and metaanalysis of cohort studies. Chest, 136(3), 787-796. Santos, J. M. (2003). Patologia respiratória do sono. In M. Gomes & Renato Sotto-Mayor (Eds.), Tratado de Pneumologia (p. 1025-1096). Lisboa: Permanyer Portugal. Salutis Scientia Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP Vol.3 Julho 2011 www.salutisscientia.esscvp.eu 25