Eduardo Moraes Arraut 1 Conrado de Moraes Rudorff 1 Cláudio Clemente Faria Barbosa 1 Jose Eduardo Mantovani 1 Evlyn Márcia Leão de Moraes Novo 1



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MODELAGEM DA DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DO PEIXE-BOI AMAZÔNICO Trichechus inunguis NO LAGO GRANDE DE CURUAI, PA, NO PERÍODO DA CHEIA, ATRAVÉS DE TÉCNICAS DE SENSORIAMENTO REMOTO E GEOPROCESSAMENTO Eduardo Moraes Arraut 1 Conrado de Moraes Rudorff 1 Cláudio Clemente Faria Barbosa 1 Jose Eduardo Mantovani 1 Evlyn Márcia Leão de Moraes Novo 1 1 Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais - INPE Caixa Postal 515-12201-970 - São José dos Campos - SP, Brasil {arraut, cmr, evlyn}@ltid.inpe.br {claudio}@dpi.inpe.br Abstract. Reduction in the populations of the Amazonian manatee Trichechus inunguis, due mainly to overfishery, was drastic to the point that they were included amongst important Brazilian and International lists of endangered species. The study of its spatial distribution is, among other things, a way of generating knowledge that can subsidize its conservation. Current knowledge indicates that in the upper-amazon region they seem to prefer lakes, where there are larger concentrations of aquatic macrophytes, their main food source, in the raining season. However, to our knowledge little is known about how they really use the habitat in other parts of the Amazon. The model developed in this study uses the positive influence of their main food source (estimated through another model) and the negative influence of water current and of riverain communities to generate a Terrain Numerical Model of the theoretical distribution of the species in Lake Curuai, PA, during the raining season. Some of its limitations are discussed and suggestions for future work are made. Palavras-chave: Remote Sensing, Geographical Information Systems, Trichechus inunguis, Amazonian Manatee, modeling, Sensoriamento Remoto, Geoprocessamento, Peixe-boi Amazônico, modelagem. 1 Introdução O peixe-boi amazônico Trichechus inunguis é um dos dois representantes sul-americanos da ordem Sirenia, uma dentre as três ordens de mamíferos aquáticos viventes as outras duas são a Cetacea, que engloba as baleias, os botos e os golfinhos, e a Pinipedia, as focas, os lobos e os leões marinhos. Atualmente, a ordem Sirenia encontra-se dividida em duas famílias: 1) Trichechidae, que além do T. inunguis inclui o peixe-boi das Antilhas T. manatus manatus (o outro representante sul-americano), o da Flórida T. manatus latirostris e o do oeste da África T. senegalensis; 2) Dugongidae, que inclui o dugongo Dugon dugon e a já extinta Steller s sea cow Hydrodamalis gigas (Rosas, 2001). Dentre todos os membros desta ordem, a espécie amazônica é a de menor tamanho, atingindo 3m e 450kg, e a única que ocorre apenas em água doce (Rosas, 2001). Segundo este mesmo autor, não há dimorfismo sexual na espécie. Sua área de ocorrência conhecida inclui toda a bacia amazônica, desde a Colômbia, o Peru e o Equador até a Ilha de Marajó no Brasil. Atualmente a espécie encontra-se listada na categoria vulnerável da Lista Nacional das Espécies da Fauna Brasileira Ameaçadas de Extinção de 27 de maio de 2003 (IBAMA, 2004) e da 2003 IUCN Red List of Threatened Species (IUCN, 2004). 2827

Não obstante sua situação crítica, o conhecimento da espécie ao menos por parte da comunidade científica é ainda muito incipiente. Por onde os animais se deslocam? Em que velocidade (média)? Quais são seus ritmos diários ou sazonais? Há diferenças de movimentação entre sexos? Todas estas são perguntas para as quais ainda não se tem resposta. Isto provavelmente tem como uma de suas razões a complexidade do ambiente Amazônico e a dificuldade inerente à realização de trabalhos de campo na região. 1.1 Variáveis escolhidas para a modelagem da distribuição espacial No que talvez seja o mais completo estudo da distribuição e da movimentação do Peixe-boi da Flórida T. manatus manatus, Deutsch et al. (2003) descobriram que o principal fator desencadeador da migração dos animais que migram para o sul no inverno e para o norte no verão - é a temperatura da água. O limite de ocorrência ao norte, onde o habitat parece ser de melhor qualidade, é ditado pela movimentação da massa de água oceânica de temperatura mais baixa que se desloca para o norte no verão e para o sul no inverno. Em contraste ao que ocorre com a espécie que habita as regiões costeiras do sudeste dos EUA, a distribuição espacial do Peixe-boi Amazônico parece ser regida principalmente pela disponibilidade de alimento e pela presença de águas calmas (i.e. com pouca correnteza) (Best, 1994), e não pela temperatura da água. A diferença nos fatores que determinam os deslocamentos das duas espécies parece natural de supor, já que a variação na temperatura da água na região Amazônica é provavelmente pequena o suficiente para que não sejam atingidos níveis intoleráveis aos animais, ao passo que a distribuição das macrófitas aquáticas é bastante variável no espaço e no tempo. Pelo que se sabe, as macrófitas aquáticas tendem a ocorrer mais em águas rasas com baixa correnteza, situações encontradas em muitos lagos (principalmente perto das margens) no período da cheia (Novo, com. pess.). Por isso, para o presente modelo assumiu-se que a distribuição destes animais estaria intimamente relacionada à distribuição das macrófitas aquáticas. Quanto à preferência por águas calmas, é provável também que esta seja uma forma de economizar a energia que seria gasta para se movimentar em um ambiente de correnteza mais intensa. No presente modelo, a pluma de sedimento, causada pela entrada da água mais barrenta do Rio Amazonas no Lago Grande de Curuai (LGC), identificada a partir de uma imagem satélite, foi usada como indicativo da região de maior correnteza. Além dos dois fatores mencionados acima, informações de campo obtidas junto a ribeirinhos da região de Santarém, PA, apontaram um outro fator relevante para a distribuição do animal: O Ser Humano, mais especificamente, sua ausência. Não se sabe se este é um padrão característico da espécie ou se é apenas uma peculiaridade da região - já que a experiência dos ribeirinhos é baseada na vivência diária, sendo por isso possivelmente restrita à região em que habitam. Mas o fato é que (ex-) caçadores descrevem o animal como extremamente arisco à presença do Ser Humano, um comportamento provavelmente aprendido em resposta aos muitos anos de caça em grande escala e ininterrupta na região. Por este motivo, no presente modelo foi considerado que as vilas ao redor do LGC teriam uma região de influência negativa à presença do animal. Em resumo, o modelo proposto leva em conta três fatores: disponibilidade de alimento, medida através de um modelo da presença de macrófitas aquáticas, a presença/ ausência de comunidades ribeirinhas, informação extraída de uma imagem Landsat-TM, e velocidade da 2828

correnteza, modelada através da pluma de sedimento detectada na mesma imagem. A contribuição deste trabalho é um modelo preditivo da distribuição espacial da espécie na região do LGC. Suas limitações são discutidas e sugestões para estudos futuros apresentadas. Trata-se de um primeiro passo, dentre muitos outros possíveis, que faz parte de uma pesquisa que começa a ser desenvolvida no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) como parte da tese de doutorado de um dos autores (EMA). 2 Materiais e Método 2.1 Área de estudo O Lago Grande de Curuai (LGC) (Figura 1) está localizado na região do médio Amazonas, próximo a Santarém, PA. É formado por sedimentos quaternários arenosos e sua planície fluvial inundável, composta por vários lagos interligados, tem aproximadamente 2000 km 2. Toda sua dinâmica de alagamento está intimamente relacionada ao regime natural de águas do Rio Amazonas e ao aporte de águas provenientes da terra ao sul, principalmente no período das chuvas (Barbosa, 2003). Figura 1 Imagem do Lago Curuai no período de cheia em composição RGB/123 LANDSAT-TM. Data: 12/12/2001. 2.2 Geração dos dados para a modelagem 2.2.1 Segmentação e Classificação das imagens Landsat-TM Foram usadas duas imagens Landsat-TM: uma tomada no dia 16/07/1999, período da seca, e outra no dia 12/12/2001 (Figura 1), período da cheia. Cada uma foi submetida aos processos de segmentação (parâmetros usados na etapa de segmentação listados na Tabela 1) e extração de regiões, e em seguida classificadas através do algoritmo ISOSEG, que realiza uma classificação não-supervisionada por regiões. A partir da imagem de 16/07/1999 foi gerada a classe urbano (as vilas). Na imagem de 12/12/2001, foram realizadas duas seqüências de classificação. Na primeira, apenas a banda TM-5 foi usada, resultando nas classes água cheia (limite de área alagada no período de cheia) e terra firme (Figura 2a). A segunda seqüência foi realizada com as bandas 1, 2 e 3, resultando nas classes macrófita cheia e pluma de sedimento (Figura 2b). As classificações foram então melhoradas através de um processo de edição matricial, já que às vezes alvos diferentes possuem comportamento espectral semelhante nas bandas disponíveis; a diferença pode ser, por exemplo, de textura, o 2829

que não é captado pelo classificador ISOSEG. Todos as etapas foram realizadas no software SPRING 4.0 (Sistema para Processamento de Informações Georreferenciadas). Tabela 1 Parâmetros usados na segmentação de cada uma das imagens e classes identificadas. Data da imagem Segmentação Limiar de Classes Landsat-TM Bandas Similaridade Área Aceitação (pixels) (ha) (%) Água na cheia 12/12/2001 5 8 100 99.9 Macrófita na cheia Pluma de sedimento 12/12/2001 1, 2 e 3 18 60 99.9 Água na seca Macrófita na seca Urbano 16/07/1999 5 10 20 99.9 (a) (b) Figura 2 (a) Classificação da imagem 12/12/2000 (cheia), apresentando a classe água na cheia (azul). (b) Outra classificação da mesma imagem usada no item (a), apresentando as classes macrófita na cheia (amarelo) e pluma de sedimento (marrom). 2.2.2 Geração dos Modelos Numéricos de Terreno Para criação do Modelo Numérico de Terreno (MNT) Distância das Vilas, foi gerado um buffer ao redor dos polígonos classificados como vilas. Foi considerado arbitrariamente - que o raio de influência negativa de cada uma seria de 7 km e que a partir de 25 km as vilas não exerceriam mais nenhuma influência sobre a movimentação dos animais. Os MNT s Distância das Vilas e Pluma de Sedimento foram então normalizados (transformados em valores de 0 a 1; menor e maior importância, respectivamente) e seus valores invertidos (i.e. valores pequenos tornaram-se grandes e vice-versa) para que os pesos atribuídos na fase posterior representassem o caráter repulsivo destes dois parâmetros. A técnica escolhida para este processo foi a Lógica Fuzzy. Nesta é ajustada uma função senoidal (cujos parâmetros são escolhidos pelo usuário) com base na qual os valores originais são ponderados de 0 a 1. Na Figura 3 são apresentados os MNT s ponderados Distância das Vilas e Pluma de Sedimento, nos quais a área mais favorável é representada pela cor branca e a mais desfavorável pela cor preta. Para a aplicação da função fuzzy foram gerados programas em LEGAL (Linguagem Espacial para Geoprocessamento Algébrico) no SPRING 4.0 (SPRING, 2003). 2830

(a) (b) Figura 3 (a) MNT representando a distância das vilas. (b) MNT representando a pluma de sedimento. Ambos ponderados de 0 a 1 através da técnica fuzzy. O mapa de favorabilidade à ocorrência de macrófitas aquáticas no LGC (Figura 4) usado neste trabalho foi gerado por Rudorff et al. (dados não publicados), tomando o ph e as regiões mais rasas do LGC (que ficam submersas na cheia e emersas na seca) como principais fatores preditivos da ocorrência destas plantas aquáticas. Figura 4 - Favorabilidade à ocorrência de macrófitas na época da cheia no LGC (Rudorff et al., dados não publicados). Regiões favoráveis em azul e desfavoráveis em vermelho. 2.2.3 Geração do modelo final através do Processo Analítico Hierárquico Na fase final, a geração do mapa de Favorabilidade à ocorrência do Peixe-boi Amazônico, as três variáveis foram relacionadas através de um Processo Analítico Hierárquico (Analytical Hierarchical Process AHP), uma técnica de suporte à decisão disponível no software SPRING 4.0 por meio da qual o usuário compara as variáveis do modelo duas a duas e estabelece graus de importância relativa entre elas (que vão de 1, o menor valor de importância, a 7, o maior). Com base na comparação pareada o algoritmo gera os pesos que serão atribuídos a cada variável (mais especificamente ao Plano de Informação (PI) contendo cada uma delas) no processo de geração da superfície final. Os pesos atribuídos foram: 0.630 ao PI Favorabilidade à ocorrência de macrófitas, 0.218 ao Pluma de Sedimento e 0.151 ao Distâncias das Vilas. Como pode ser observado, a disponibilidade de alimento foi considerada como o fator de maior influência na distribuição dos animais, seguido da correnteza e da influência das vilas. Nossa razão de consistência foi 0.093, abaixo, portanto, de 0.1, o valor máximo recomendado (SPRING, 2003). 2831

3 Resultados e discussão Na Figura 5 é apresentado o MNT final de Favorabilidade à ocorrência do Peixe-boi Amazônico no LGC. As regiões do lago foram classificadas de favoráveis (azul) a desfavoráveis (vermelho). As regiões mais favoráveis à ocorrência do peixe-boi coincidem principalmente com as regiões mais favoráveis à ocorrência das macrófitas aquáticas (comparar as regiões em azul nas Figuras 4 e 5). Isto era esperado já que, dentre os pesos atribuídos a priori para cada umas das três variáveis, o maior foi para as macrófitas. No entanto, há provavelmente validade biológica nesta suposição, pois em uma situação hipotética, na qual os animais estivessem confinados apenas à região do LGC, cedo ou tarde eles provavelmente superariam quaisquer outros fatores em busca de alimento. A região ao norte do LGC (parte superior do MNT), conhecida como Lago dos Botos (onde predomina o verde), também apareceu como favorável à ocorrência destes animais. Este resultado corrobora com informações obtidas por um dos autores (EMA) de ribeirinhos residentes no entorno do lago, que indicaram esta como a região onde antigamente era encontrado o maior número de peixes-boi. A região oeste apareceu como favorável o que, segundo o conhecimento atual sobre a biologia destes animais, faz sentido, já que se trata de uma região protegida de correnteza e provavelmente propícia à proliferação de macrófitas aquáticas. A região sul-sudoeste, bastante favorável à ocorrência de macrófitas (segundo o modelo), apareceu como desfavorável à ocorrência do peixe-boi, fato este que pode ser explicado exclusivamente pelo raio de influência negativa da vila (ver região de influência da vila ao sul na Figura 3a). A região leste, apesar de estar fora do raio de influência das vilas e da pluma de sedimento, apareceu apenas como moderadamente favorável (verde) à ocorrência do peixeboi, por ser desfavorável à ocorrência de macrófitas. Nas regiões influenciadas pela pluma de sedimento, coincidentes com a parte central do LGC, pode ser observada a principal mancha de desfavorabilidade (vermelho). A fronteira leste desta mancha (a transição do vermelho para o verde), no entanto, muito provavelmente não é representativa de uma situação real, já que geralmente na natureza as mudanças não são tão bruscas. Este mesmo comentário serve para várias outras regiões do MNT nas quais as mudanças ocorrem abruptamente. Figura 5 Favorabilidade à ocorrência do peixe-boi Amazônico no LGC. Regiões favoráveis em azul e desfavoráveis em vermelho. 2832

Após analisar os resultados obtidos pelo modelo proposto, procedeu-se à análise do modelo em si. A utilização de modelos em estudos de processos da natureza é bastante comum. De uma forma geral, a função dos modelos é descrever de forma matemática, simbólica ou funcional o processo de interesse. O resultado é um modelo que procura representar o conhecimento que se tem sobre o processo em estudo, ou prever um estado para o processo em um determinado tempo. O grau de adequação de um modelo pode ser estimado pela acurácia com que seu resultado se ajusta ao que é observado no fenômeno natural e pela correspondência entre a previsão gerada pelo modelo e a observada no fenômeno (Barbosa, 1997). No entanto, subjacente à base objetiva de um modelo, essencial para sua existência (para que possa, por exemplo, ser replicado), existe um alto grau de subjetividade. Quais os parâmetros mais adequados para representar o fenômeno em estudo? Como obter informações sobre estes parâmetros? Qual a qualidade real das informações obtidas, do ponto de vista da adequação aos objetivos do trabalho? Respostas a perguntas como estas são altamente subjetivas, pois, dentre outras coisas, tem como ponto de partida o conhecimento do pesquisador sobre o fenômeno em estudo - conhecimento este que é, em sua essência, sempre incompleto. Dito isto, discute-se a seguir algumas das modificações necessárias para que os resultados tenham maior confiabilidade biológica. A medida de distância das comunidades ribeirinhas provou ser útil como primeira aproximação ao problema. No entanto, como mencionado anteriormente, as distâncias assumidas foram arbitrárias e, portanto, possivelmente não refletem a realidade. Além disto, para aprimorar o modelo seria necessário considerar também o tamanho das vilas, e pressupondo um número médio de pessoas por área, inferir o número aproximado de pescadores. Além disto, informação sobre a proporção de barcos de pesca a motor e a remo contribuiria para melhorar o modelo, pois permitiria inferir um raio de influência dos pescadores de cada vila. As interações entre os animais e as pessoas ocorrem principalmente quando estas seguem o animal de barco para caçá-lo, e por isso o raio de influência de uma vila é determinado principalmente pela área abrangida pelos pescadores (que saem em busca de peixe, mas podem matar um peixe-boi caso o encontrem) e caçadores (que saem com o objetivo exclusivo de matar um peixe-boi). A pluma de sedimento, única forma encontrada para modelar a região de influência da correnteza a partir apenas de imagens satélite, foi também uma fonte de erros para o modelo. Como não foi possível mensurar a velocidade diretamente, a pluma inteira foi assumida como representativa de uma velocidade constante de correnteza, velocidade esta por sua vez assumida como inadequada para os animais. No entanto, a partir apenas de dados de Sensoriamento Remoto, não há como ter certeza disto. Sabe-se que o peixe-boi prefere águas calmas (Best, 1994), mas provavelmente apenas a parte inicial da pluma (a oeste, onde a água do Rio Amazonas entra no LGC), possui velocidade alta o suficiente para que os animais a evitem. Idealmente a velocidade da correnteza deveria ser conhecida em vários pontos do LGC. A correnteza também exerce influência sobre a proliferação das macrófitas aquáticas, fato este que precisaria ser levado em consideração. Por fim, o mapa de favorabilidade à ocorrência de macrófitas, muito importante para os resultados obtidos neste trabalho, é também um modelo, e por isto precisa ser analisado independentemente. Considerações sobre a elaboração do modelo de favorabilidade às macrófitas aquáticas serão tratadas por Rudorff et al. (dados não publicados). 2833

4 Considerações Finais Pelo que sabemos, este trabalho consiste na primeira tentativa de modelar a distribuição espacial do Peixe-boi Amazônico usando conjuntamente técnicas de Sensoriamento Remoto e Geoprocessamento. Seu objetivo foi desenvolver um modelo que fosse passível de ser usado em situações reais, não um que retratasse fielmente a realidade. Para que um modelo como este tenha validade biológica seria, dentre outras coisas, necessário aprimorá-lo através da inclusão de mais parâmetros e da melhoria dos dados referentes a cada um deles (como mencionado na seção Resultados e Discussão). Seria também importante rastrear os animais em campo para corrigir e validar o MNT final, além de testar sua aplicabilidade à modelagem da distribuição da espécie em outras regiões da planície de inundação amazônica. O presente trabalho foi o primeiro passo de um estudo mais abrangente da ecologia do Peixe-boi Amazônico que será desenvolvido na região do médio Amazonas. Referências Barbosa, C. C. F. Álgebra de mapas e suas aplicações em sensoriamento remoto e geoprocessamento. Dissertação de Mestrado em Sensoriamento Remoto. INPE, São José dos Campos 1997. Disponível em: <http://www.dpi.inpe.br/teses/claudio/cap1.html.>. Acesso em: 22 maio 2004. Barbosa, C.C.F.; Novo, E.M.L.M.; Carvalho, J.C.; Filho, W.P.; Mantovani, J.E. Caracterização espectral das massas d água Amazônicas. In: Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto, XI, 5-10 abril 2003, Belo Horizonte, Brasil. Anais 2003, INPE, p. 2419-2425. Best, R.C. The aquatic mammals and reptiles of the Amazon. In: H. Sioly. The Amazon, Limnology and Landscape Ecology of a mighty tropical river and its basin, Dr. W Junk Publisher, Netherlands, 1984, p. 371-412. Deutsch, J.C.; Reid, J.P.; Bonde, R.K.; Easton, D.E.; Kochman, H.I.; O Shea, T.J. Seasonal movements, migratory behavior and site fidelity of West Indian manatees along the Atlantic coast of the United States. Wildlife Monographs 151, Supplement to the Journal of Wildlife Management, v. 67, n.1, Jan 2003. Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). Lista Nacional das Espécies da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção. [S.L.]; [S.N.]. 2004. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/port/sbf/fauna/index.cfm>. Acesso: 14 de novembro 2004. International Union for Conservation of Nature and Natural Resources (IUCN). 2003 IUCN Red List of Threatened Species. [S.L.]; [S.N.]. 2004. Disponível em: <http://www.redlist.org/>. Acesso: 14 de novembro 2004. Rosas, F.C.W. Order Sirenia (Manatees, Dugongs, Sea Cows). In: E.F. Fowler; Z.S. Cubas. Biology, medicine and surgery of South American wild animals, Iowa State University Press, p 352-356, 2001. SPRING - DPI/INPE. Introdução ao SPRING 4.0. [online]. <http://www.dpi.inpe.br/spring/usuario/intro.htm#historico> 2003. 2834