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Transcrição:

Reblampa 2006 Baggio 19(2): 112-117. Junior JM, Torres GG, Martinelli Filho M, Escarião AG, Nishioka SD, Pedrosa AA, Teixeira RA, Oliveira JC, Siqueira SF, Artigo Original Prevenção Secundária da Morte Súbita: Importância do Marcapasso Definitivo Prévio ao Implante de Cardioversor-desfibrilador Implantável (CDI) na Sobrevida de Pacientes com Miocardiopatia Chagásica José M. BAGGIO JUNIOR (1) Gustavo G. TORRES (2) Martino MARTINELLI FILHO (3) Abelardo G. ESCARIÃO (4) Silvana D. NISHIOKA (5) Anísio A. PEDROSA (5) Ricardo A. TEIXEIRA (6) Julio C. de OLIVEIRA (7 ) Sérgio F. SIQUEIRA (8) Elisabeth S. CREVELLARI (9) Wagner T. TAMAKI (10) Roberto COSTA (11) Reblampa 78024-413 Baggio Junior JM, Torres GG, Martinelli Filho M, Escarião AG, Nishioka SD, Pedrosa AA, Teixeira RA, Oliveira JC, Siqueira SF, Crevellari ES, Tamaki WT, Costa R. Prevenção secundária da morte súbita: importância do marcapasso definitivo prévio ao implante de cardioversor-desfibrilador implantável (CDI) na sobrevida de pacientes com miocardiopatia chagásica. Reblampa RESUMO: Objetivo: Avaliar a importância clínica da presença de marcapasso definitivo (MPD) previamente ao implante de CDI, considerando variáveis clínicas e epidemiológicas. Métodos: Dos 321 pacientes do banco de dados de CDI de nossa instituição, foram selecionados 275 submetidos a implante de CDI para prevenção secundária de morte súbita cardíaca (MSC), agrupados de acordo com a cardiomiopatia de base e a presença de MPD prévio ao implante de CDI. As variáveis analisadas foram: sexo, idade, CF-NYHA, medicações, ritmo cardíaco, FEVE e TVNS. Para análise estatística, utilizou-se o método de Kaplan-Meier e o teste de log-rank. Resultados: A amostra reduzida de pacientes com cardiomiopatia não chagásica e MPD prévio ao implante de CDI (N=6) não permitiu análises estatísticas consistentes. Nos pacientes com cardiomiopatia chagásica (CCH), as características de base nos subgrupos com e sem MPD prévio foram estatisticamente semelhantes, exceto pela maior prevalência de TVNS no subgrupo sem MPD prévio. Nos pacientes com CCH, a comparação das curvas de sobrevida dos subgrupos com e sem MPD prévio evidenciou uma diferença significativa (p<0,05). A probabilidade de sobrevida no final do primeiro e terceiro anos foi de 78% e 39% nos pacientes com MPD prévio (N=18) e 87% e 58% nos pacientes sem MPD prévio (N=72). Conclusões: Nos pacientes com CCH submetidos a implante de CDI para prevenção secundária de MSC, a presença de MPD previamente ao implante de CDI apresentou prevalência elevada (20%) e associou-se a um pior prognóstico. DESCRITORES: cardiodesfibrilador implantável, morte súbita cardíaca, prevenção secundária, seguimento, doença de Chagas. (1) Médico Assistente do Setor de Eletrofisiologia, Arritmias e Estimulação Cardíaca Artificial do InCor-DF - Brasil. (2) Médico Cardiologista do Hospital Universitário - UFRN - Brasil. (3) Professor Livre-Docente pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Médico Supervisor da Unidade Clínica de Estimulação Cardíaca Artificial do Instituto do Coração (InCor) do HCFMUSP - Brasil. (4) Médico Cardiologista do Setor de Marcapasso do Hospital Universitário Oswaldo Cruz - Recife - Brasil. (5) Doutor(a) em Cardiologia pela HCFMUSP - Brasil. Médico Assistente da Unidade Clínica de Estimulação Cardíaca Artificial do Instituto do Coração (InCor) do HCFMUSP - Brasil. (6) Médico Pesquisador da Unidade Clínica de Estimulação Cardíaca Artificial do Instituto Coração (InCor) do HCFMUSP. Cardiologista do Hospital Renascentista e da Universidade do Vale do SAPUCAÍ - Pouso Alegre - MG - Brasil. (7) Médico Pesquisador da Unidade Clínica de Estimulação Cardíaca Artificial do HCFMUSP. (8) Mestre em Engenharia Biomédica pela COPI-UFRJ - Brasil. Engenheiro de Pesquisa da Unidade Clínica de Estimulação Cardíaca Artificial do Instituto do Coração (InCor) - HCFMUSP - Brasil. (9) Cirurgiã de Estimulação Elétrica e Marcapasso do Instituto do Coração (InCor) HCFMUSP - Brasil. (10) Doutor em Cirurgia Cardiovascular pelo HCFMUSP - Brasil. Médico Assistente da Unidade Cirúrgica de Estimulação Elétrica e Marcapasso do HCFMUSP - Brasil. (11) Professor Livre-Docente pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Diretor da Unidade Cirúrgica de Estimulação Elétrica e Marcapasso do Instituto do Coração (InCor) HCFMUSP - Brasil. Endereço para correspondência: QRSW 01, Bloco B5, apto 301 - Sudoeste. CEP 70660-012. Brasília - DF. Brasil. E-mail: jose.baggio@incordf.zerbini.org.br/ jose.baggio@cardiol.br - Fone: (61) 3403-5507. Trabalho encaminhado à Reblampa para obtenção do título de especialista do Deca-SBCCV, recebido em xx/2005 e publicado em 06/2006. 112

INTRODUÇÃO A morte súbita cardíaca (MSC) é um desafio para a saúde pública em todo o mundo, com importantes implicações sociais e econômicas. Estima-se que 80% das vítimas de MSC sejam pacientes com doença arterial coronária (DAC) 1. Nos Estados Unidos, o número anual de mortes por doenças cardiovasculares é estimado em 60.0000, sendo que aproximadamente 50% delas são súbitas 2. Dessas, 85 a 90% são causadas pelo primeiro evento arrítmico e o restante, por episódios recorrentes 1. No Brasil, em 2003, foram registradas 89.402 mortes hospitalares por enfermidades cardiovasculares, correspondendo a 7,27%, da mortalidade total 3. Não há registro nacional da mortalidade cardíaca arrítmica. A prevenção primária da MSC permanece um desafio, pois a identificação de pacientes com alto risco para arritmias fatais nem sempre é possível e as drogas antiarrítmicas geralmente são ineficazes 4-6. Por outro lado, a importância dos cardiodesfibriladores implantáveis (CDI) tem sido demonstrada em pacientes com infarto do miocárdio prévio e disfunção sistólica importante do ventrículo esquerdo 7,8. O grande número de pacientes com esse perfil e o impacto econômico que produzem sobre o sistema de saúde demandam uma estratificação mais acurada dos pacientes sob risco de MSC 9. Sobreviventes de parada cardíaca e pacientes com taquicardia ventricular sustentada (TVS) comprovadamente apresentam alto risco de recorrência desses eventos 9. A meta-análise dos três principais estudos randomizados (prevalência de DAC > 75%) mostrou redução do risco relativo em favor do CDI em comparação com o uso de drogas antiarrítmicas na prevenção secundária da MSC (mortalidade total e arrítmica) 10-13. Nesse sentido, as diretrizes atuais para implante de CDI são consensuais e também aplicáveis a cardiopatias de outras etiologias. No entanto, os aspectos clínico-epidemiológicos que tendem a influenciar o comportamento das coortes submetidas a esse procedimento não têm sido descritos 14. O registro e o acompanhamento dos CDIs por meio de banco de dados com informações prospectivas é de extrema importância, uma vez que permite a obtenção constante de dados epidemiológicos 15, com o objetivo de reavaliar continuamente os critérios de indicação. Análises prévias de subgrupos de pacientes, utilizando informações prospectivas do banco de dados da Clínica de Estimulação Cardíaca Artificial do Instituto do Coração da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor-SP HC-FMUSP), sugeriram fortemente que a presença de marcapasso definitivo antes do implante de CDI pudesse discriminar comportamento clínico. Assim, o objetivo desse estudo foi avaliar a importância clínica da presença de marcapasso definitivo (MPD), prévio ao implante de CDI, considerando variáveis clínicas e epidemiológicas. MATERIAL E MÉTODOS No período de janeiro de 1989 a dezembro de 2004, 476 pacientes foram submetidos a implante de CDI no InCor-SP HC-FMUSP. Desses, 312 constituíram a coorte que foi analisada de acordo com características clínicas e demográficas. As variáveis analisadas foram: sexo, idade, cardiomiopatia de base, classe funcional de insuficiência cardíaca (New York Heart Association), ritmo cardíaco de base, presença de marcapasso definitivo (MPD) prévio ao implante do CDI, fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) ao ecocardiograma, taquicardia ventricular não sustentada (TVNS) ao Holter e medicações em uso. Para análise da sobrevida, foram selecionados 275 pacientes em que a indicação do CDI tinha como finalidade a prevenção secundária de MSC, definida de acordo com os critérios de inclusão dos estudos CASH (pacientes recuperados de parada cardíaca secundária a arritmias ventriculares documentadas), AVID (parada cardíaca secundária a fibrilação ventricular, taquicardia ventricular documentada, associada à síncope, e taquicardia ventricular sustentada em pacientes com FEVE 40% e sintomas secundários à instabilidade hemodinâmica) e CIDS (fibrilação ventricular documentada, parada cardíaca recuperada com cardioversão ou desfibrilação, taquicardia ventricular documentada, associada à síncope, taquicardia ventricular sustentada com freqüência 150 bpm, associada a pré-síncope ou angina em pacientes com FEVE 35% e síncope não monitorizada com documentação subseqüente de taquicardia ventricular monomórfica sustentada, induzida por estimulação ventricular programada) 10-13,16,17. As informações foram coletadas retrospectivamente de um banco de dados prospectivo, relacional e multi-usuário. A análise estatística constou de: (1) curva de sobrevida através do método de Kaplan- Meier; (2) comparação das curvas de sobrevida em pacientes com e sem MPD prévio ao implante de CDI, utilizando o teste de log-rank e (3) teste Exato de Fisher para avaliar a homogeneidade entre os grupos. O desenho do estudo, incluindo os passos descritos acima, encontra-se na figura 1. RESULTADOS O tempo médio de seguimento da coorte foi de 58 meses (6 a 179) e a idade média, de 53,1 anos (13 a 86), com prevalência do sexo masculino (73%). O ritmo sinusal foi observado em 82% dos pacientes. A cardiomiopatia de base foi isquêmica (CISQ) em 31% dos casos, chagásica (CCH) em 30% e dilatada idiopática (CD) em 21%. As medicações mais usadas 113

foram amiodarona (68%), inibidores da enzima de conversão da angiotensina (67%), furosemida (48%) e beta-bloqueadores (42%). No momento do implante, 70% dos pacientes apresentavam classe funcional (NYHA) I ou II e FEVE média de 42,3%. TVNS foi observada em 58% dos casos. O CDI foi indicado para prevenção secundária de MSC em 275 (88%) pacientes (tabela I). Desses, 24 apresentavam MPD no momento do implante do CDI, sendo que 18 (75%) eram portadores de CCH (figura 2). A amostra reduzida de pacientes com cardiopatia não chagásica e MPD prévio ao implante de CDI (N=6) não permitiu análises estatísticas consistentes. No subgrupo de pacientes com CCH, o tempo médio de seguimento foi de 44 meses (8 a 140), semelhante nos pacientes com e sem MPD prévio. A idade média foi 56,6 ± 8,5 anos. No momento do implante do CDI, 83,0% estavam em classe funcional (NYHA) I e 66,7% haviam apresentado episódios de síncope antes do implante de CDI. As medicações mais freqüentemente utilizadas foram inibidores da enzima de conversão da angiotensina (72,2%), espironolactona (61,1%) e beta-bloqueadores (22,2%). O ritmo cardíaco de base foi sinusal em 66,6% e de fibrilação atrial em 33,3%. TVNS documentada foi observada em 33,3% e a FEVE média foi de 42%. A indicação para o implante de CDI foi TVS com instabilidade hemodinâmica em 61,0%, síncope não monitorizada e TVS monomórfica induzida em 28,0% *sexo, idade, cardiomiopatia de base; presença de hipertensão arterial; diabetes mellitus, dislipidemia, marcapasso definitivo prévio; classe funcional-nyha; ritmo cardíaco de base (eletrocardiograma); fração de ejeção do ventrículo esquerdo (ecocardiograma); taquicardia ventricular não-sustentada (Holter); arritmia ventricular induzida (estudo eletrofisiológico) e medicações em uso. Figura 1 - Desenho do estudo. MPD= Marcapasso definitivo; CDI= Cardiodesfibrilador implantável. e parada cardíaca recuperada em 11,0%. O período entre o implante de MPD e CDI variou de quatro meses a 15 anos (mediana de 37 meses). As características de base nos subgrupos com e sem MPD prévio foram estatisticamente semelhantes, exceto pela maior prevalência de TVNS no subgrupo sem MPD prévio (p=0,009) (tabela II). A análise da curva atuarial dos 90 pacientes do subgrupo com CCH evidenciou que a presença de MPD prévio ao implante de CDI (N=18) associou-se a um pior prognóstico (figura 3). A probabilidade de sobrevida no final do primeiro e terceiro anos foi de 78% e 39% nos pacientes com MPD prévio (N=18) e de 87% e 58% nos pacientes sem MPD prévio (N=72). DISCUSSÃO Esse estudo observacional retrospectivo possui as limitações próprias dos estudos não randomizados. TABELA I CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS E EPIDEMIOLÓGICAS DA COORTE DE PACIENTES SUBMETIDOS A IMPLANTE DE CDI N 312 (%) Sexo Masculino 228 73,1 Feminino 84 26,9 Ritmo sinusal 255 82 Cardiomiopatia isquêmica 98 31 Cardiomiopatia dilatada idiopática 66 21 Cardiomiopatia chagásica 93 30 Outras cardiomiopatias 55 18 Classe functional-nyha pré implante I 73 23 II 154 50 III 63 20 IV 6 2 Sem insuficiência cardíaca 16 5 FEVE (Média) 42,3 TVNS (Holter) 181 58 Modelo de CDI Ventricular 150 48 Atrioventricular 108 35 Atriobiventricular 44 14 Biventricular 10 3 Medicações em uso Inibidores da ECA 209 67 β-bloqueadores 131 42 Amiodarona 212 68 Espironolactona 100 32 Furosemida 149 48 Digoxina 68 22 Indicação do CDI Prevenção Primária 37 12 Prevenção Secundária 275 88 NYHA= New York Heart Association; FEVE= Fração de ejeção do ventrículo esquerdo; TVNS= Taquicardia ventricular não-sustentada; ECA= Enzima de conversão da angiotensina 114

Figura 2 - Distribuição dos pacientes com indicação de CDI para prevenção secundária de MSC de acordo com a cardiomiopatia de base. CCH= cardiomiopatia chagásica; CISQ = cardiomiopatia isquêmica; CD= cardiomiopatia dilatada idiopática; MPD= marcapasso definitivo prévio; S/MPD= sem marcapasso definitivo prévio. No entanto, por analisar um número considerável de pacientes com diferentes cardiopatias, permite a análise do comportamento atuarial de subgrupos espe- TABELA II CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS E EPIDEMIOLÓGICAS DOS PACIENTES COM CARDIOMIOPATIA CHAGÁSICA SUBMETI- DOS AO IMPLANTE DE CDI PARA PREVENÇÃO SECUNDÁ- RIA DE MSC Characterísticas MPD Sem MPD P N 18 72 - Idade média 56,6±8,5 52,9±12,1 0,22 NYHA class I/II 0083% 68,7% 0,34 Síncope prévia 66,7% 72,2% 0,74 Medicação em uso β-bloqueadores 22,2% 37,5% 0,26 Inibidor da ECA 72,2% 80,5% 0,52 Espironolactona 61,1% 0043% 0,13 Ritmo sinusal de base 66,6% 87,5% 0,08 Ritmo de fibrilação 33,3% 12,5% 0,07 atrial de base TVNS (Holter) 33,3% 66,6% 0,009 FEVE 00,42 00,40 0,72 Indicação do CDI 0,79 Parada Cardíaca 0011% 0016% TVS 0061% 0057% Sincope/TVS induzida 0028% 0027% MPD= marcapasso definitivo prévio; NYHA= New York Heart Association; ECA= enzima de conversão da angiotensina; FA= fibrilação atrial; TVNS= taquicardia ventricular não-sustentada; FEVE= fração de ejeção do ventrículo esquerdo; CDI= cardiodesfibrilador implantável; TVS= taquicardia ventricular sustentada. cíficos. O número expressivo de pacientes com CCH permitiu a identificação de características específicas nesse subgrupo que não haviam sido analisadas em estudos similares. Considerando os estudos clássicos de prevenção secundária da MSC, o tempo médio de seguimento da coorte (58 meses) foi comparável ao do CASH 12 (57 meses) e superior aos dos estudos AVID 10 (18 meses) e CIDS 11 (36 meses). Em relação às características dos pacientes, pôde-se observar que a prevalência do sexo masculino e a idade média (58 vs. 53 anos) foram similares; a prevalência de cardiopatia Figura 3 - Comparação da curva atuarial de sobrevida no subgrupo de pacientes com cardiomiopatia chagásica submetidos a implante de CDI para prevenção secundária de MSC. CCH= cardiomiopatia chagásica; MPD= marcapasso definitivo prévio. 115

isquêmica (80 vs. 31%) foi inferior e a percentagem de pacientes com insuficiência cardíaca, muito maior (50 vs. 95%). A taxa de mortalidade foi similar (InCor- SP 21,0%; AVID 26,5%; CASH 17,1%; CIDS 18,5%). No subgrupo com CCH, merece destaque a prevalência elevada (20%) de pacientes com MPD prévio ao implante do CDI. Essa taxa é cinco vezes superior àquela encontrada no estudo AVID 10 (4%) e associouse a um pior prognóstico. As características de base dos pacientes com e sem MPD prévio foram estatisticamente semelhantes, exceto pela presença de TVNS, mais freqüente nos pacientes sem MPD prévio (p=0,009) e sabidamente associada a um pior prognóstico em pacientes com CCH 18. Tal fato reforça a idéia de que a presença de MPD prévio ao implante de CDI exerce influência negativa na evolução clínica de pacientes com CCH. Ainda que sem significância estatística (p=0,07), a prevalência de fibrilação atrial, sabidamente indicativa de pior prognóstico em pacientes com CCH 18, foi superior nos pacientes com MPD prévio (33,3% x 12,5%) e pode ter influenciado a evolução pior deste subgrupo. No entanto, a maior taxa de mortalidade observada nesses pacientes pode estar relacionada a um percentual maior de estimulação ventricular artificial direita, cujos efeitos hemodinâmicos deletérios secundários à indução de bloqueio completo de ramo esquerdo já foram relatados 19. A avaliação sistemática das variáveis clínicas e epidemiológicas de pacientes com CDI é essencial para a determinação da eficácia dessa terapêutica. Além disto, permite a identificação de subgrupos de alto risco. Assim, pacientes com CCH necessitam de avaliação cuidadosa devido ao amplo espectro das manifestações funcionais e eletrofisiológicas inerentes à doença de Chagas. CONCLUSÕES Em pacientes com CCH submetidos a implante de CDI para prevenção secundária de MSC: 1) a taxa de associação de CCH com a presença de MPD prévio ao implante de CDI mostrou-se elevada (20%); 2) o período entre o implante de MPD e CDI foi curto (mediana de 37 meses) na população estudada; 3) a presença de MPD prévio ao implante de CDI associou-se a um prognóstico pior no subgrupo selecionado. Reblampa 78024-413 Baggio Junior JM, Torres GG, Martinelli Filho M, Escarião AG, Nishioka SD, Pedrosa AA, Teixeira RA, Oliveira JC, Siqueira SF, Crevellari ES, Tamaki WT, Costa R. The relevance of previous permanent pacemaker implant in the survival actuarial curve of chaga's ICD patients. Reblampa 2006; 19(2): 112-117. ABSTRACT: Objective: To estabilish the previous implant clinical relevance of definitive pacemaker (PPM) before ICD considering epidemiological variables. Methods: From the 312 patients registered in the ICD prospective database we selected those who received ICD for secondary prevention (N=275) of sudden cardiac death (SCD). They were grouped according to cardiomiopathy with and without PPM. Studied variables used to analyze groups homogeneity were: gender, age, NYHA functional class of heart failure (HF), drugs, left ventricle ejection fraction (LVEF) by echo, underlining rhythm and non sustained ventricular tachycardia (NSVT) by Holter. Actuarial survival reckoning was obtained by Kaplan Meier curve and the behavior comparison between groups was obtained by the log-rank test (bitail). Results: The groups of patients with PPM and non Chagas' cardiomiopathy (CHC) were numerically unexpressive. Base line characteristics did not differ between groups except for NSVT which was more prevalent for CHC without PPM. Survival behavior comparison between CHC with and without PPM showed significant difference (p<0.05). Survival probability at the end of one year and at the end of three years was 78% and 39% for the CHC group with PPM (n=18 patients) and 87% and 58% for the one without PPM (n=72 patients). Conclusions: In this cohort of patients who received ICD for secondary prevention of SCD and Chagas' cardiomiopathy: 1) the association rate of PPM and Chagas' cardiomiopathy was high (20%) and 2) the PPM was associated with worse prognosis. DESCRIPTORS: implantable cardioverter-defibrillator, sudden cardiac death, follow-up, secondary prevention, Chagas disease. 116

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