ALGUNS APONTAMENTOS SOBRE O SIONISMO E O PENSAMENTO GEOGRÁFICO NA DIÁSPORA JUDAICA



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1 ALGUNS APONTAMENTOS SOBRE O SIONISMO E O PENSAMENTO GEOGRÁFICO NA DIÁSPORA JUDAICA Pablo Martins Santos Sant Ana 1 1.INTRODUÇÃO O Sionismo foi um movimento judaico relacionado com a diáspora do povo judeu. Neste trabalho iremos tratar desse evento e relacioná-lo com o pensamento geográfico durante o período em que os judeus foram exilados da Palestina e sobre a memória do mesmo longe de sua terra natal. 2.OBJETIVOS Este estudo objetiva entender como o pensamento geográfico relacionado à memória foi importante para a preservação da identidade judaica durante a diáspora e o período de perseguição na Europa. 3.METODOLOGIA A metodologia deste trabalho consiste em dialogar dois conceitos/categorias da Geografia, que são território e lugar, no que consiste no método de constelação de conceitos, criado por Deleuze e Guattari e utilizado por Rogério Haesbaert (HAESBAERT, 2010, p. 157/158). Esse método abrange todas as categorias e conceitos da Geografia, como uma constelação, em que o espaço geográfico é o principal. Aqui, utilizaremos lugar e território para entendermos o pensamento geográfico judaico relacionado à diáspora, e a memória como recurso do mesmo para lugar e território a fim de entender o Sionismo. 4.RESULTADOS PRELIMINARES 1 Graduado em Geografia pela UERJ/FFP. Participante do Núlceo de Estudos da Geografia Regional da África e da Diáspora (NEGRA). Contato: pablo_turcootomano@hotmail.com

2 JUDEUS 4.1.O TERRITÓRIO COMO GEOGRAFIA IMAGINATIVA PARA OS O povo judeu no período da destruição de Jerusalém, entre os 70 e 135 da era Cristã até a criação do Estado de Israel em 1948, viveu em diáspora. O conceito de diáspora é: A multipolaridade da migração: desde o sentido etimológico da palavra diáspora, que vem do grego speiro, significando dispersão, têm-se a ideia central do espalhamento e mesmo de não-centralidade, da nãohierarquização; [...]. a multiterritorialidade [...], em termos, por exemplo, das identificações: tanto no sentido de uma consciência multi ou pluriescalar, com múltiplos espaços de referência identitária, [...] e à diáspora enquanto fenômeno global, quanto no sentido da criação de uma identidade étnica transnacaional, [...], construída através da percepção do grupo como dispersão territorial (MA MUNG, 1999 apud HAESBAERT, 2011, p. 358/359). E ainda na diáspora há a recomposição do laço comunitário através da dispersão e há sempre território: aqueles do cotidiano, mas sobretudo, aquele da origem carregado do simbolismo do lugar de fundação (CHIVALLON, 1997 apud HAESBAERT, 2011, p. 355/356). O povo judeu mesmo não estando em sua terra natal, a Palestina, durante o período de sua diáspora, reconstruiu todos os costumes e tradições que os judeus tinham quando ainda estavam em grande número na Judéia nome da província do Império Romano equivalente à Palestina 2. A casa e a sinagoga passaram a ser o local onde os judeus preservaram a sua tradição. Na casa, os judeus poderiam falar sua língua original, o hebraico, poder utilizar as vestimentas culturais dos judeus, preservar a culinária entre outras. A sinagoga também como espaço de preservação da identidade judaica e da reprodução do ritual religioso judaico, onde se reconstruiu a cultura desse povo com a utilização do hebraico, a língua original dos judeus antes da diáspora, sendo esta preservada pela religião judaica. 2 Depois da expulsão dos judeus da Judeia e das revoltas ocorridas no primeiro século da era Cristã, os romanos mudaram o nome dessa região de Judeia para Palestina (GEIGER, 1998, p. 99).

Encontrar o lar primitivo significa encontrar o lugar onde alguém se sente em casa, uma tarefa que deve ser garantida de modo mais ou menos intercambiável pelos indivíduos e pelo povo. Portanto, torna-se historicamente apropriado que os indivíduos e o povo mais indicados para a tarefa são os judeus. Somente eles como povo (e, consequentemente, como indivíduos) preservaram tanto o sentido do lar original em Sião quanto o sentido agudo e sempre contemporâneo de perda (SAID, 2012, p. 70). Grifo do autor. Percebe-se que em diáspora a ideia de retorno fez uma intensa referência ao lugar através das palavras como lar e abrigo para os judeus. Na diáspora, esse lar e esse abrigo estabeleceu a Palestina como espaço de referência identitária (HAESBAERT, ibidem) para os judeus dispersos em todo o mundo. Uma topofilia, um amor da terra perdida. Com o surgimento do nacionalismo judeu no século XIX e a criação do movimento Sionista, o mito do retorno referente às Geografias Imaginativas passa a utilizar não somente o lugar, como espaço de referência identitária, mas também, a territorialidade como instrumento político para a criação do território para os judeus (SAID, ibidem, p. 85/92). A topofilia se refere ao amor, afetividade a determinado lugar, no nosso caso, a Sião. Mas esse lugar pode se transformar em território (SOUZA, 2010, p. 60). A respeito das Geografias Imaginativas, um recurso da memória, o Salmo 137 mostra o seguinte: Que a minha mão direita se atrofie e seja incapaz de tocar a harpa, se eu me esquecer de você, ó Jerusalém! Se não preferir Jerusalém a tudo que mais me alegra, quero que minha língua fique presa e nunca mais eu possa cantar (BÍBLIA VIVA, Salmo 137, p. 5,6). Este Salmo mostra a tristeza dos judeus exilados na Babilônia. Entretanto, lembra as Geografias Imaginativas que os judeus têm ao desejarem voltar para a Palestina quando ainda estão em diáspora. Além disso, o Movimento Sionista adotou um Hino, a Hatikva (A Esperança), composto em 1898, que é uma canção sionista que mostra o mito do retorno da diáspora judaica, pois sua letra mostra o seguinte: Kol od balevav penimah (Enquanto no fundo do coração) Nefesh yehudi homiah (Palpitar uma alma judia) Ulfa atei mizrach kadimah (E em direção ao oriente) 3

4 Ayin letzion tzofiah (O olhar voltar-se a Sião) Od lo avdah tikvatenu (Nossa esperança ainda não estará perdida) Hatikva bat shnot alpayim (A esperança de dois mil anos) Lihiot am chofshi beartzeinu (Ser nação livre em nossa terra) Eretz Tzion veyerushalayim. (Terra de Sião em Jerusalém). 3 A canção Hatikva, que hoje é o hino nacional do Estado de Israel mostra o desejo de voltar à terra natal, isto é, o retorno para a Palestina e não para qualquer outra terra, mas para a Terra Prometida, Sião e Jerusalém. A vontade de voltar ao seu próprio território era tão grande que podemos citar uma famosa frase dos judeus Leshana haba b Yerushalayim, que em hebraico significa No ano próximo em Jerusalém. Essa frase está relacionada às ideias de Bonnemaison (2002), com os geossímbolos, e do mito do retorno e Geografias Imaginativas de Said, quando os judeus estavam na diáspora. Logo, eles estavam geograficamente longe de sua terra natal, mas como mencionado acima, na Geografia Imaginativa se sentiam próximos de sua terra natal, pois mesmo nunca tendo pisado na Palestina, se sentiam como se já estivessem lá. Pois: A identidade aparece como uma construção cultural. Ela responde a uma necessidade existencial profunda, a de responder à questão: quem sou eu? Ela o faz selecionando um certo número de elementos que a caracteriza, ao mesmo tempo, o indivíduo e o grupo: artefatos, costumes, gêneros de vida, meio, mas também sistemas de relações instituicionalizadas, concepções da natureza, do indivíduo e do grupo, [...]. Mas a identidade, uma vez definida, contribui para fixar a constelação de traços que ela reteve, e subtraí-los dos desgastes do tempo (CLAVAL, 1999, p. 15). Portanto, por meio das Geografias Imaginativas, foi que o povo judeu conseguiu constituir o seu território, mesmo quando ainda na diáspora, tendo duas nacionalidades, uma no país em que nasceu e outra na concepção de que a sua terra 3 Fonte: In: <http://pt.wikipedia.org/wiki/hatikvah>. Acessado em 29/07/2013.

natal é a Palestina e, em sua imaginação, sendo então morador e possuidor dela, pois é ela que constituiu a identidade de judeu na diáspora, havendo assim, um processo de desterritorialização e reterritorialização dos judeus. Com as Geografias Imaginativas, pode-se relacionar esta com a memória, e esta em disputa entre as pessoas. No caso dos judeus, estes além de disputarem sua memória quando perseguidos na Europa, ao mesmo tempo tiveram uma memória seletiva, em que estes selecionavam o que desejavam lembrar, pois o sofrimento dos judeus no Holocausto causa desconforto nos sobreviventes, mas esses só lembram o ocorrido quando é preciso passar este momento trágico de suas vidas aos seus filhos (POLLAK, 1989, p. 11). A memória também além de ser uma constante (re) construção, ela pode gerar uma resistência, algo raro, pois sempre se deseja destruir a memória de um povo para que ele deixe de existir por meio de sua identidade, tanto do grupo como também individual (POLLAK, op. cit, p. 10). Entretanto, isso não aconteceu aos judeus. Para Halbwachs, a memória guarda o que ele chama de imagens espaciais (HALBWACHS, 1990, p.133). Podemos ligar esse conceito com os judeus em diáspora. Ele ainda afirma que: Um outro habitante, para quem esses velhos muros, essas casas decrépitas, essas passagens escuras e essas ruas sem saída, faziam parte de seu pequeno universo, e cujas lembranças se ligam a essas imagens, agora apagadas para sempre, sente que toda uma parte de si mesmo está morta e com essas coisas lamenta, lamenta que elas não tenham durado, pelo menos tanto tempo quanto lhe resta para viver (HALBWACHS, op. cit, p.137). Em Halbwachs, este trecho parece a descrição da destruição de Jerusalém pelos romanos no ano 70 d. C., ou seja, um recurso da memória. Para Pierre Nora, a tradição é uma forma de conservar a memória de um determinado povo, além dos locais onde antes eram habitados pelo mesmo. No nosso caso, os judeus (NORA, 1993, p.7/9). Ainda para Pollak, a memória pode ser vivida por tabela (POLLAK, 1992, p. 2), ou seja, nem todos os descentes dos judeus viveram a destruição de Jerusalém no século I de nossa era, ainda assim, de geração em geração 5

guardam esse fato como se eles mesmos estivessem lá. Há ainda que ressaltar que a memória é também coletiva. Sobre esse assunto, Maurício de Abreu parafraseando Milton Santos, afirma que: O lugar é então o lócus do coletivo, do intersubjetivo. A memória de um lugar, a memória de uma cidade, é, portanto, uma memória coletiva (SANTOS, 1994, p.36 apud ABREU, 1998, p.82) Grifos do autor. Esse amor ao lugar não deixa de ser também a topofilia, pois o próprio Santos (2009 [1996]), lembra que: [...] os lugares também se podem refortalecer horizontalmente, reconstruindo, a partir das ações localmente constituídas, uma base de vida que amplie a coesão da sociedade civil, a serviço do interesse coletivo (SANTOS, 2009 [1996], p.287/288). Grifo meu. O território da Palestina com as Geografias Imaginativas têm relação com o conceito de geossímbolo, criado por Bonnemaison (ibidem) para enfatizar a identidade que determinado povo tem em relação ao seu próprio território. Com relação aos judeus, a Palestina se torna em um território que une o povo judeu e lhe permite reconstruir sua própria identidade judaica com o auxílio do Movimento Sionista. A Terra de Sião e Jerusalém, como exposto acima no hino nacional do Estado de Israel mostra a identidade judaica com a cidade de Jerusalém, especialmente com o Muro das Lamentações. 4.2.O MOVIMENTO DO SIONISMO POLÍTICO RELACIONADO À DIÁSPORA JUDAICA O Sionismo foi um movimento criado pelos judeus na Europa, que foram perseguidos por sua própria etnia e cultura. A perseguição aos judeus foi chamada de antissemitismo. O Sionismo serviu nesse período para reconstruir a identidade judaica e a memória da terra perdida, pois os mesmos se dispersaram pelo mundo há mais de 19 séculos. O Sionismo pode ter tanto um caráter religioso como um caráter político. O Sionismo que criou o Estado de Israel foi idealizado por Herzl. 6

Herzl não se identificava como judeu, e estava afastado do judaísmo, mas com o caso Dreyfus 4, ele passou a se identificar enquanto judeu, e em 1894 defende a criação de um Estado judeu (PINSKY, 1997, p.128). Os traços biográficos de Herzl são os seguintes: Nem na infância, nem na adolescência, foi testemunha de qualquer hostilidade contra os judeus. Não era judeu praticante e até atingir a maturidade foi pequena a parte ativa que tomou relativamente aos problemas judaicos. Então, em 1894, foi encarregado de fazer a cobertura do julgamento do caso Dreyfus, em Paris, como representante do Neue Freie Presse, o principal jornal de Viena. O tratamento dado a Dreyfus durante o julgamento e a atitude do exército, dos juízes e do público impressionaram-no profundamente. Imediatamente, tornou-se consciente dos sentimentos antisemitas e das perseguições, convencendo-se de que a hostilidade contra os judeus era uma característica dos não-judeus, que era virtualmente universal e continuaria através dos tempos, e que enquanto os judeus vivessem, constituindo grupos minoritários, não conseguiriam escapar à perseguição (DAVIS, 1970, p.10). Devido ao todas essas perseguições aos judeus na Europa, e ao desejarem criar o seu próprio Estado, eles foram conhecidos como Chowewe Zion (simpatizantes de Sion), e desejavam retornar para a sua terra natal, a Palestina e colonizá-la (VIZENTINI, s/d, p 24). Pouco tempo depois, o jornalista húngaro, Theodor Herzl no ano de 1896, o mesmo do caso Dreyfus, escreveu o livro cujo nome é Der Judanstaat, que em português significa O Estado Judeu (CHALLITA, 1991, p.32). Neste livro, Herzl propôs como deveria ser o Estado judeu, e porque este precisava ser fundado, pois ele utilizou como uma de suas principais justificativas o antissemitismo. O antissemitismo de hoje não deve ser confundido com o ódio religioso que votavam aos Judeus de outrora, se bem que, em certos países tenham ainda atualmente uma cor confessional. Nos principais países do antissemitismo, este é a consequência da emancipação dos Judeus. Quando os povos civilizados perceberam a inumanidade das leis de exceção e nos deram a liberdade, esta medida veio muito tarde. Não éramos mais legalmente emancipáveis nas nossas residências de então. Coisa notável: por um lento desenvolvimento fomos pouco a pouco transformando em classe média no gueto, e, quando dele saímos, havíamos nos tornado uma concorrência 7 4 Em 1894, Alfred Dreyfus, judeu, foi acusado de espionagem a favor da Alemanha. Ele era oficial do exército francês. Foi preso, mandado á Tunísia, então colônia francesa na África. Ele sofreu anistia, mas não foi absolvido por sua inocência (PINSKER, op. cit., p.124/125).

temível para os cristãos da mesma classe. [...] Mas não nos deixarão tranquilos. Depois de curtos períodos de tolerância, a hostilidade contra nós se desperta sempre e sem cessar. A nossa prosperidade parece conter em si qualquer coisa de irritante, porque o mundo estava habituado de há muitos séculos a ver em nós os mais desprezíveis dos pobres (HERZL, 1954, p. 60/61/63). Grifo do autor. Ao explicar o surgimento do Sionismo cabe lembrar que existem vários tipos de Sionismo. As teorias são diversas. Sobre a solução nacional para os judeus, Asher Guinsberg, com o pseudônimo de Ahad Haam (em hebraico, um do povo). Para ele a solução é espiritual, não material. Os judeus que estavam tanto na Europa Ocidental quanto Oriental quando saíram dos guetos, não conseguiram se integrar às sociedades dos Estados em que habitavam, logo, desejaram voltar à sua identidade de judeu, mesmo estando distante do judaísmo. O próprio Ahad Haam sobre esse fato, afirma que: Neste dilema, volta-se, pois para a terra de seus antepassados e imagina que bom seria se lá fosse restabelecido um Estado judeu, um Estado e uma sociedade organizada exatamente pelo modelo de outros Estados (HAAM, s/d :222 apud PINSKY, op. cit:86). O próprio Haam nega a ideia de Herzl de um Estado judeu ocidental, pois este é contra os valores da cultura judaica (PINSKY, ibidem, p. 89). As ideias de um Sionismo Político surgem devido aos incidentes que ocorreram tanto na Europa Oriental e Ocidental no final do século XIX, respectivamente com Pinsker e Herzl. No Império Russo, um judeu por nome Pinsker era um médico. Sobre a sua vida: 8 Sua participação em assuntos judaicos desenvolvia-se através do jornalismo temas judaicos em publicações de língua russa e da Sociedade para a Difusão da Cultura entre os judeus da Rússia, entidade que pregava a assimilação das línguas e culturas minoritárias no caso a judaica à língua e cultura russas. Tudo isso, é claro, numa sociedade que pregava ideias liberais e democráticas. Essas ideias foram abaladas pelo pogrom de 1871 em odessa e totalmente revisadas a partir das perseguições de 1881 em toda a Rússia (PINSKY, op. cit, p. 115). Como resultado das perseguições na Rússia, os judeus pensam em ter sua própria identidade nacional. Os judeus devido à perseguição desejam ter o seu próprio Estado, seja ele onde for (PINSKY, ibidem, p.117). O método de Pinsker para a criação do Estado independente é o seguinte:

(...) pensa numa entidade colonizadora, liderada pela elite que, de forma organizada e sem preocupação com os eventuais habitantes do lugar instalará o excedente judaico na Síria, Palestina ou Estados Unidos da América. A atividade colonizadora, natural para o capitalismo europeu em expansão, parece ser o caminho/solução de questão judaica (PINSKY, ibidem, p. 122). O povo judeu em diáspora preservou e reconstruiu a sua cultura e tradições nas várias comunidades judaicas espalhadas pelo mundo. A nomenclatura para judeu nasce da seguinte maneira: Um dos vários clãs que habitavam o Crescente Fértil formaram os hebreus. Um desses clãs foi escravizado no Egito, e após a sua saída formaram grupos políticos. Esses grupos instalaram-se em Canaan e passaram a ser chamados de israelitas. Constituíram um reino e, depois da divisão desse reino em dois, um desses reinos com sua população passar a formar os judeus (EBAN, 1984 apud GEIGER, ibidem, p.90). Para o Sionismo, essa é uma das justificativas do retorno do povo judeu à Palestina, pois eles habitaram e dominaram a mesma. (HERZL, ibidem, p.67). Por consequência da criação do Sionismo e da publicação do livro O Estado Judeu, a cidade de Basiléia na Suíça recebeu o primeiro congresso Sionista organizado no ano de 1897. (LINHARES, 2004, p.59). O termo lar nacional pode ser relacionado com abrigo. Portanto, a Palestina seria considerada o abrigo do povo judeu para a sua proteção contra as perseguições feitas pelo mundo. Entretanto, Jean Gottmann lembra que: [...], na metade do século XX, o triunfo da soberania nacional sobre territórios distintos, uma curiosa alteração aconteceu no conceito real de território, em termos de seu sentido prático. O resultado dessa alteração parece ter feito, nos dias de hoje, nações independentes menos soberanas dentro de seus territórios, e o território mais importante como uma plataforma para oportunidade do que como um abrigo para segurança (GOTTMANN, 2012, p.530). Entende-se que o lar nacional judaico se instalaria em um futuro Estado palestino com soberania, mas que nunca chegou a existir, mostrando que o abrigo desejado pelos judeus é um Estado judeu soberano, o de Israel. 9

10 Podemos relacionar também o conceito de imagens territoriais (RAFFESTIN, 1993, p.148) ao anseio dos judeus em voltarem para a Palestina a fim de criar o seu próprio Estado nacional, e a referência identitária, pois vários territórios foram propostos para os judeus como lar nacional. Foram eles: Grand Island (Estados Unidos); Uganda (Colônia Britânica na época); Santa Fé (Argentina) e a Palestina (Império Turco-Otomano na época) (CHALLITA, ibidem, p.31/35; HERZL, loc. cit., p.67). Para os judeus, a Palestina era a sua própria terra natal, mesmo que a maioria deles nunca tenha nem mesmo pisado na Palestina, e isso trazia o sentimento de nação aos judeus, que desejavam voltar para Sião, por isso o nome Sionismo, pois era um pensamento geográfico deste povo que estava em diáspora. 5.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABREU, M. A. Sobre a memória das cidades. In: Revista da Faculdade de Letras Geografia I série, Volume XIV, Porto. 1998. p.77-97. BÍBLIA. Português. Nova Bíblia Viva. Ed. Mundo Cristão. São Paulo. 2010. BONNEMAISON, Joël. Viagem em torno do território. In: CORRÊA, R. L. A e ROZENDAHL, Z. (Orgs.). Geografia Cultural: um século (3). Ed. Eduerj. Rio de Janeiro. 2002. p. 83 131. cap. 4. CHALLITA, Mansour. Esse desconhecido Oriente Médio. Editora Revan. Rio de Janeiro. 1990. p.. 29-101. cap. 4. CLAVAL, Paul. O Território na Transição da Pós-modernidade. GEOgraphia, nº. 2 (Ano I). Niterói: Pós-graduação em Geografia. p. 7-26. DAVIS, John H. A Paz Evasiva: Um estudo do problema árabe-sionista. Coleção Monografias 4. Ed. Delegação da Liga dos Estados Árabes. Rio de Janeiro. 1970. p. 9 22. cap. 1. GEIGER, P. P. O Povo Judeu e o Espaço. In: Revista Território. Ano III, nº 5, jul/dez. 1998. p. 85 104.

11 GOTTMANN, Jean. A evolução do conceito de território. In: Boletim Campineiro de Geografia. V. 2. Nº 3. 2012. p. 523-544. HAESBAERT, R. Regional-Global: Dilemas da Região e da Regionalização na Geografia Contemporânea. Ed. Bertrand Brasil. Rio de Janeiro. 2010. p. 157-179. cap. 3., R. O Mito da Desterritorialização: Do fim dos territórios à multiterritorialidade. Ed. Bertrand Brasil. Rio de Janeiro. 2011. p. 337-362. cap. 8. HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. Coleção Biblioteca Vértice: Sociologia e Política. Edições Vértice. São Paulo. 1990. p. 131 160. cap. 4. HERZL, Theodor. O Estado Judeu. Ed. Mercaz-Wizo-Brasil. Rio de Janeiro. 1954. p. 55 70. cap. 1. LINHARES, Maria Y. Oriente Médio e o Mundo dos Árabe. São Paulo: Brasiliense, 2004. p.27-73. cap. 2. NORA, Pierre. Entre Memória e História: A Problemática dos Lugares. In: GUEDES, Maria do Carmo (Org.). Projeto História: Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História da PUC-SP. Ed. Educ da PUC-SP. São Paulo. 1993. 7 28 p. PINSKY, Jaime. Origens do nacionalismo judaico. Editora Ática. 2ª edição. São Paulo. 1997. p. 85 169. cap. 4 e 5. POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. In: Estudos Históricos. Rio de Janeiro. Volume 2. Nº 3. 1989. p. 3 15., Michael. Memória e identidade social. In: Estudos Históricos. Rio de Janeiro. Volume 5. Nº 10. 1992. p. 200 212. RAFFESTIN, Claude. Por uma Geografia do Poder. Editora Ática. São Paulo. 1993. p. 143 163. cap. 1 (terceira parte). SANTOS, Milton. A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo, Razão e Emoção. 4ª edição. 5ª reimpressão. Editora Edusp. 2009. p. 281-288. cap. 12.

12 SAID, Edward W. Orientalismo: O Oriente como invenção do Ocidente. Ed. Companhia das Letras. São Paulo. 2012. p. 61-163. cap. 1. SOUZA. Marcelo Lopes de. Território da divergência (e da confusão): em torno das imprecisas fronteiras de um conceito fundamental. In: SAQUET, M. A.; SPOSITO, Eliseu Savério. (Orgs.). Territórios e territorialidades: teorias, processos e conflitos. Ed. Expressão Popular. 1ª edição. São Paulo. 2009. p. 57-72. cap. 3. Sites consultados: Hino Nacional do Estado de Israel. In: <http://pt.wikipedia.org/wiki/hatikvah>. Acessado em 29/07/2013.