DILEMAS ENTRE O ENSINO RELIGIOSO E AS CIÊNCIAS DA RELIGIÃO Doi: /8cih.pphuem.3520

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Transcrição:

DILEMAS ENTRE O ENSINO RELIGIOSO E AS CIÊNCIAS DA RELIGIÃO Doi: 10.4025/8cih.pphuem.3520 Selson Garutti, SEED-PR Resumo Palavras Chave: Epistemologia; Educação; Ciências da Religião. Pesquisa bibliográfica documental, por meio do método fenomenológico (PASSOS, 2006; 2007); (SOARES, 2009; 2010), tem por objetivo apresentar os três modelos pedagógicos possíveis para o ensino religioso (ER) escolar: (a) catequético, (b) teológico e das (c) ciências da religião. Discute a ligação tanto do modelo catequético quanto do modelo teológico com as denominações religiosas, propõe assim, a ciência da religião como modelo epistemológico-pedagógico mais adequado para o ER. Entendendo o terceiro modelo como aquele que melhor atende as demandas educacionais de autonomia do pluralismo cultural-religioso, enfocando na necessidade da formação docente para atuar nesta área de conhecimento que é o campo das ciências da Religião que se efetiva nas escolas a partir da disciplina do Ensino Religioso.

Introdução A vida em sociedade é definida por diversos fenômenos, entre eles se destaca, o religioso e, como tal, deve ser analisada também no âmbito escolar. Esse fenômeno tem por base: crenças, comportamentos, atitudes e convicções. A escola precisa inicialmente favorecer a convivência entre os diferentes, bem como, a compreensão da análise do por que historicamente tais diferenças se constituíram. É função de a escola discutir a alteridade religiosa para a boa convivência com todos os que comungam crenças divergentes. A diversidade religiosa gera respeito e tolerância em detrimento ao preconceito e discriminação, produzindo assim formação política sociocultural do aluno como sujeito histórico, permeado pela ética das diferenças. A força ética contribui para além de outros elementos, a cultura da paz e da tolerância entre sujeitos socialmente constituídos. É nesse contexto que o ensino religioso escolar serve como instrumento de promoção ao respeito a todos os sujeitos (respeito do EU Comigo mesmo, do Eu com o Outro e do Eu com a Natureza ) fomentando a convivência entre diferentes e diminuindo a intolerância incrustada na sociedade. A concepção de Ensino Religioso Escolar constituído na lei nº 9.475/97 vai ao encontro dessa perspectiva de alteridade religiosa referendada na prática escolar, delineando uma mudança no paradigma do Ensino Religioso Escolar. Essa (nova) proposta transformadora expressa um avanço pedagógico frente às atuais exigências de contexto sociocultural e político, proporciona aproximações entre diversos credos, caracteriza o Ensino Religioso Escolar como sendo capaz de contribuir para uma educação da paz, da convivência, da harmonia e da tolerância entre as pessoas e em suas diferentes crenças religiosas. O ensino religioso escolar compreende um espaço para além do espaço escolar, transcende para o todo social, proporciona reflexões de maneira a integrar uns com os outros no convívio sociocultural escolar. Dilemas entre o ensino religioso e as ciências da religião A disciplina de Ensino Religioso Escolar, atualmente é a mais desafiada por causa da sua fundamentação epistemológica. Esse texto parte da premissa de que o Ensino Religioso Escolar faz parte da formulação básica do Cidadão. Para tanto, faz-se necessário estabelecer claramente não só a sua nomenclatura, como também, esclarecer mais ainda qual seja o seu objeto de pesquisa. Assim, parece fundamental correlacionar à prática pedagógica do ensino religioso com a prática da pesquisa em ciências da religião, desembocando a necessária demanda reprimida sobre esta área de conhecimento. A posição de ter as ciências da religião como área distinta e autônoma já começa a tomar corpo no Brasil. Com isso, fica cada vez mais claro e definido qual seja o objeto de pesquisa (o que é maravilhoso), bem como, os elementos básicos do fenômeno religioso, a partir da experiência de vida dos sujeitos envolvidos. Analisar qual seja a função social das tradições religiosas na atual conjuntura sociocultural, equiparar e distinguir tradições religiosas, digredindo sobre axiologia religiosa (do valor teórico ético para o valor prático moral). Apresentar o fenômeno religioso, expressão das religiões com referência de sentido existencial condicionante na vida sociocultural, política e econômica, é necessário elucidar a problemática 1788

metodológica, curricular ilegal da disciplina e, por fim, explicitar tanto sua identidade pedagógica como da sua interação disciplinar & interdisciplinar ao que tange as denominações religiosas em seus diferentes contextos. As categorias de análise de fenômeno religioso não podem ter proselitismos baseados em alguma dogmatização religiosa. Deve-se produzir uma etnologia das ciências da religião, a qual seja democrática baseada em três pilares: isonomia (igualdade de direitos perante a lei), isotimia (livre acesso ao exercício da participação publica) e isegoria (igualdade de direito no uso da palavra nas assembleias), constituindo assim, uma possibilidade de análise tanto diacrônica / sincrônica, quanto endógena / exógena do fenômeno religioso. Crivada de uma dialogicidade inter/trans/plure religiosa, sendo, acima de tudo, uma posição de alteridade (capacidade de se colocar no lugar do outro), produzindo inferências significativas entre a epistemologia, a pedagogia e as Ciências da religião. Consiste em levantar, identificar organizar e analisar experiências e expressões religiosas, as exposições das tradições religiosas em suas correlações conjunturais. Logo, constitui-se como ciência em interação com a fenomenologia, a sociologia, a geografia, a história, a antropologia, a psicologia, bem como, com todas as outras ciências possíveis, estabelecendo inferências epistemológicas com ciências da religião. Não se trata apenas de ecumenismo, desdobrando-se em uma educação transconfessional, incidindo diretamente na integralidade do sujeito, em sua humanidade / humanização. Portanto, deve-se provocar uma simbiose entre Ensino Religioso Escolar e Ciências da Religião, avançando posições epistemológicas, desconstruindo impasses escalafobéticos de intolerância e/ou de verdades obscenos e unilaterais. Com isso, a proposição tem como perspectiva ultrapassar tanto o modelo catequético, quanto o modelo teológico, para enfim, assumir as Ciências da Religião como proposição, propiciando aos sujeitos estudantes tanto autonomia epistemológica, quanto autonomia pedagógica. Consiste em ser maior do que catequese, espiritualidade, educação das religiosidades, e/ou educação de bons valores. Visa à autonomia e a emancipação do sujeito, uma vez que a religião é uma das dimensões da pessoa humana. Nesse sentido, o Ensino Religioso Escolar passa a ser compreendido como [...] o resultado prático da transposição didática do conhecimento produzido pela Ciência da religião para as aulas do ensino público fundamental e médio (SOARES, 2010, p.118). Os três modelos de ensino religioso Nessa confluência, Passos (2007) propõe três modelos possíveis de concretização da disciplina: (a) Catequético doutrinal; (b) Teológico ecumênico; (c) Ciências da religião; Além das três perspectivas tipológicas, o que é bastante comum é a mistura dos três conceitos. Passos (2007) optou por esses três modelos por entendê-los a partir de uma perspectiva diacrônica de Ensino Religioso Escolar no Brasil fixado na longa duração: O modelo catequético é o mais antigo; está relacionado, sobretudo, a contextos em que a religião gozava de hegemonia na sociedade, embora ainda sobreviva em muitas práticas atuais que continuam apostando nessa hegemonia, utilizando-se, pior sua vez, de métodos modernos. Ele é seguido do modelo teológico que se constrói num esforço de diálogo com a sociedade plural e secularizada e sobre bases antropológicas. O último modelo, ainda em construção, situa-se no âmbito das Ciências da Religião e 1789

fornece referências teóricas e metodológicas para o estudo e o ensino da religião como disciplina autônoma e plenamente inserida nos currículos escolares. Esse visa a lançar as bases epistemológicas para o ER, deitando suas raízes e arrancando suas exigências do universo científico dentro do lugar comum das demais disciplinas ensinadas nas escolas. (PASSOS, 2007, p.54). A culminância da consolidação das Ciências da Religião como base epistemológica do Ensino Religioso Escolar ainda precisa romper com as velhas práticas já consolidadas, pelos diferentes interesses políticos e econômicos das várias denominações religiosas. Daí a necessidade latente dessa discussão construindo uma necessária fundamentação teórica pedagógica para a efetivação da disciplina. Possibilidade construída só depois da publicação da Lei nº 9.475/97, que alterou o Art. nº 33 da lei nº 9.394/96 (LDB), com isso o Ensino Religioso Escolar passa a privilegiar a diversidade religiosa e cultural presente na sociedade, uma vez que: O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo. 1º Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos professores. 2º Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos do ensino religioso. (BRASIL, LDB, 2012, Art. 33.). Nessa perspectiva, a característica específica de cada modelo explicativo fica explicitada nos três quadros delineados por Passos (2007), explicitando tanto as similitudes, quanto as disparidades que caracterizam cada modelo em sua estrutura. (a) Catequético doutrinal; O primeiro, o modelo intitulado catequético doutrinal, sob a perspectiva doutrinária católica do período Colonial e parte no período Imperial, período histórica o qual não teve problema de ordem alguma para se estabelecer como hegemônico, tornando-se um braço eclesiástico na escola pública. A catequese era levada para dentro das escolas confessionais e públicas, servindo como motivação espiritual, como base teórica e como estratégica para o Ensino Religioso. Num passado não muito remoto, foi a principal base do Ensino Religioso. (...) Essa ligação manteve uma continuidade entre as comunidades religiosas e as escolas e reproduziu no interior destas as catequeses das Igrejas que conquistavam espaço. Ainda que estejamos longe de uma legitimação dessa prática, o modelo catequético ainda subsiste em algumas práticas do Ensino Religioso (PASSOS, 2006, p.29). QUADRO I: Modelo Catequético Doutrinal ELEMENTOS CARACTERÍSTICAS Cosmovisão Contexto Político Fonte Método Afinidade Objetivo Responsabilidade Riscos Fonte: Passos (2007, p. 59). Unireligiosa Aliança Igreja- Estado Conteúdos doutrinais Doutrinação Escola Tradicional Expansão das Igrejas Confissões religiosas Proselitismos e intolerância 1790

Nesse modelo, a catequese foi um instrumento fundamental para a busca de novos fiéis no processo de fixação colonial, sendo uma catequese apologética que admoestava a religião oficial do Estado. Soares (2010) delineia esse modelo catequético como um modelo tradicional onde, [...] o Ensino Religioso tem suas fontes na doutrina de determinada Igreja e é de responsabilidade das confissões religiosas (SOARES, 2010, p. 123). O delineamento desse modelo está permeado por uma cosmovisão unireligiosa, compilado por princípios morais do cristianismo, cuja finalidade pedagógica estava na doutrinação da sociedade, om vistas a expandir os tentáculos das Igrejas, consolidando assim, a relação entre Igreja e Estado, instrumentalizados pelo ensino religioso confessional, pelo qual se consolidou o paradigma da escola tradicional preselitista crivada pela intolerância religiosa. (b) Teológico Ecumênico; O segundo modelo intitulado Teológico Ecumênico, sob a perspectiva antropológica em consonância dialógica com o todo social secularizado e pluralista do fim do período imperial e republicano. Sua caracterização se deu pela superação do modelo catequético confessional. Contudo, ainda tinha um lastro confessional de diversas religiões, caracterizando-se como continuidade do modelo catequético anterior. A teologia não configura, necessariamente, conteúdos confessionais nas programações de Ensino Religioso, mas age, sobretudo como um pressuposto que sustenta a convicção dos agentes e a própria motivação da ação; a missão de educar é afirmada como um valor sustentado por uma visão transcendente do ser humano. A religiosidade é, portanto, uma dimensão humana a ser educado, o princípio fundante e o objetivo fundamental do Ensino Religioso escolar (PASSOS, 2006, p. 31). A disciplina de ensino religioso escolar torna-se interdisciplinar como característica. Apesar de esse modelo ser estruturado por uma organização democrática, ainda tem sua base em diferentes denominações religiosas, com introspecção dialógica entre diferentes confissões cristãs buscando uma formação integral do sujeito. QUADRO II: Modelo Teológico Ecumênico ELEMENTOS CARACTERÍSTICAS Cosmovisão Contexto Político Fonte Método Afinidade Objetivo Responsabilidade Riscos Fonte: Passos (2007, p. 63). Plurirreligiosa Sociedade secularizada Antropologia, teologia do pluralismo Indução Escola nova Formação religiosa dos cidadãos Confissão religiosa Catequese disfarçada Soares (2010) delineia esse modelo teológico ecumênico como um modelo [...] mais arejado, permite um diálogo maior entre as Igrejas cristãs e pode até contemplar uma visão pluralista que inclua religiões não cristãs (SOARES, 2010, p. 123). Seu perigo reside no fato de que [...] ainda está sob a responsabilidade de lideranças religiosas que, em última instância, têm poder de decisão e veto sobre conteúdos a ser ministrados nas aulas (SOARES, 2010, p. 123). O delineamento desse modelo está permeado por uma cosmovisão plurirreligiosa, compilado por uma sociedade secularizada, crivada por uma teologia pluralista antropológica, com vistas a uma formação religiosa cidadã mesclando diretrizes tanto das 1791

instituições religiosas quanto do ideário pedagógico da Escola Nova. Tendo como negativo a incapacidade crítica de avanço em relação à lógica catequética. (c) Ciências da Religião; O terceiro modelo intitulado Ciências da Religião, sob a perspectiva científica, pelo qual possibilita um aporte teórico metodológico para o Ensino Religioso Escolar enquanto disciplina autônoma integrada no currículo escolar. Onde as religiões transcendem o escopo do privado constituindo a singularidade do fenômeno religioso. As Ciências da Religião podem oferecer a base teórica e metodológica para a abordagem da dimensão religiosa em seus diversos aspectos e manifestações, articulando-a de forma integrada com a discussão sobre a educação (PASSOS, 2006, p. 32). Nesse modelo, o fenômeno religioso é considerado como produção histórica e sociocultural, não tratado como princípio de fé, mas sim, como Ciências da Religião. Sendo mais uma das inúmeras ciências que estuda o fenômeno da religião, o qual consiste em ser mais um dos inúmeros fenômenos de compreensão da realidade. QUADRO III: Modelo das Ciências da Religião ELEMENTOS CARACTERÍSTICAS Cosmovisão Contexto Político Fonte Método Afinidade Objetivo Responsabilidade Riscos Fonte: Passos (2007, p. 66). Transreligiosa Sociedade secularizada Ciências da Religião Indução Epistemologia atual Educação cidadã Comunidade científica e do Estado Neutralidade científica O delineamento desse modelo está permeado por uma cosmovisão Transreligiosa, compilado por uma construção epistemológica fundamentada na transdisciplinariedade, com vistas a construir uma educação autônoma e emancipada pela qual tangem as proposições do fenômeno religioso sem perder de vista que sua finalidade não consiste em neutralidade cética do fenômeno religioso. Soares (2009) conclui com a convicção de que: [...] vale a pena encarar os desafios mútuos entre Ciência da Religião e ER, avançando pelo terreno epistemológico a fim de desconstruir o impasse enfrentado nessa área. Descartamos os modelos catequético e teológico para o ER, e sugerimos o modelo das Ciências da Religião como o único habilitado a sustentar a autonomia epistemológica e pedagógica do ER. Assim, o ER na rede pública de ensino será mais que educação da religiosidade (ou da espiritualidade); visará à educação do cidadão, uma vez que a dimensão religiosa é algo presente no indivíduo e na sociedade. Secundariamente, o ER até poderá contribuir com o discernimento e aperfeiçoamento da religiosidade dos próprios estudantes, mas esse não é seu pressuposto necessário (SOARES, 2009, p.04). Desta forma, com as Ciências da Religião, os sujeitos serão capazes aprimorar a cidadania e a humanização da escola como um todo (SOARES, 2010). Proposições pedagógicas A formação docente para o Ensino Religioso Escolar deve ter um adequado domínio epistemológico das Ciências da Religião. O problema a ser enfrentado ainda consiste em ter diversos preconceitos cristalizados, os quais estancam a discussão pedagógica fundamental, a começar pela nomenclatura de "Ensino Religioso", ou ainda mais abreviado, apenas "Religião"; 1792

abrindo precedente para a troca de uma proposta didático-pedagógica de caráter secular, ético e civil, para uma proposta didático-pedagógica de caráter confessional catequético doutrinário de determinados segmentos religiosos. Logo, faz-se necessário abandonar a caracterização expressa no nome Ensino Religioso e, em seguida, adentrar no complexo universo acerca do que seja Ciências da Religião, tangendo aproximações científicas com o fenômeno religioso. Enquanto ciência da religião deve-se identificar quais devem ser os procedimentos metodológicos a serem seguidas pelos cientistas da religião a fim de delinear o seu objeto particular. Continuando com uma conjectura pedagógica sobre qual deva ser a classificação científica abarcada. Parece ser inevitável, a essa altura, amainar os ânimos exaltados, causado pelas tensões surgidas entre filosofia, teologia e ciências. Em especial, distinguir o campo de atuação entre teologia, ciências da religião e história das religiões ou, ainda, transformar tudo isso em um espaço multidisciplinar / transdisciplinar. Por fim, quais conteúdos devam contemplar a estrutura curricular das Ciências da Religião? Nessa perspectiva, faz-se necessário construir relações intrínsecas com todas as ciências para entender Ciências da Religião como área de conhecimento. O que se propõe enquanto fundamento da disciplina não é o de assegurar aos sujeitos o direito de expressarem ou não alguma religiosidade, mas sim, o direito a uma educação que lhe propicie a compreensão existente entre as diferentes manifestações socioculturais religiosas (PASSOS, 2007). Nessa discussão, pretende-se estabelecer as Ciências da Religião como disciplina autônoma e equivalente a qualquer outra disciplina da estrutura curricular educacional formal. Infelizmente ainda não existe uma definição epistemológica entre os envolvidos com o tema, sobre qual deva ser o tipo de conhecimento produzido a partir da experiência religiosa. Ainda há uma oscilação entre quais procedimentos pedagógicos devam decorrer desta disciplina. Por causa do jogo de interesses envolvidos, essa proposição, ora tende para o modelo catequético, ora tende para o modelo teológico, ora tende para o modelo das Ciências da Religião, atividade a qual consiste no estabelecimento epistemológico da disciplina, transparecendo uma tensão entre a liberdade religiosa e a laicidade da escola e ideologias dissimuladas pelas diferentes manifestações religiosas que não querem perder espaço. Talvez esse último item seja o mais latente nessa guerra dos deuses, pois existem infinitos interesses conflitantes em jogo, tanto das instituições religiosas, quanto pessoais. Além das tensões tradicionais das escolas em detrimento aos inúmeros interesses conflitantes das diferentes disciplinas já constituídas. Destarte, almeja-se constituir um modelo pedagógico disciplinar que possa superar todas as tensões de poder e todos os impasses confessionais, os quais historicamente já disputam por espaços cada vez mais hegemônicos e doutrinários. Se todas essas tensões podem substituir as promoções da alteridade religiosa, quem mais ganharia, seria propriamente o estudante por ter / receber os estudos autônomos desse fenômeno sociocultural religioso que é ponto focal da condição necessária, a qual consiste no desvinculamento da confessionalidade do proselitismo da área de conhecimento das Ciências da Religião. Por isso, toma-se o modelo das Ciências da Religião como pressuposto epistemológico e pedagógico de estudo do fenômeno religioso (sem proselitismo) para a formação do cidadão, visto que as 1793

Ciências da Religião são: Uma área de conhecimento com episteme própria, fundamentada na concepção de que o eixo da religiosidade é mais uma forma, entre tantas outras, de explicar o sentido da existência humana. Seu objeto de estudo é a análise dos elementos comuns e específicos às diversas religiões, isto é, o fenômeno religioso em si e em suas múltiplas expressões. Assim seu objeto é maior do que a confessionalidade presente em cada denominação religiosa. Trata-se de uma ciência construída, em seus princípios e métodos, dentro das tradições das ciências modernas (MENEGHETTI, 2003, p. 94). Apoiado em Costela e Oliveira (2007), faz-se necessário destacar qual seja a importância de epistemologia na construção da disciplina do Ensino Religioso Escolar: A Epistemologia do Ensino Religioso abre a religião à investigação filosófica num diálogo esclarecedor, que não pretende dissolvê-la, mas reconhecer seu sentido. Assumindo-se a religião não tanto como um fato objetivo como faz o cientista que pretende descrevê-la e explicá-la, mas como uma forma eminente da experiência humana, pode-se reconhecer nela sua originária congenialidade à filosofia, que assume a forma de uma relação dialógica integração na diferença, com mútuo reconhecimento das respectivas instâncias de verdade. Esse caráter dialógico da relação entre filosofia e religião pode ser caracterizado em dois níveis conexos. Um nível mais geral, como duas dimensões da experiência; outro mais existencial, como duas modalidades da pessoa, ao mesmo tempo crente e pensante (COSTELLA; OLIVEIRA, 2007, p. 54). Entende-se por epistemologia do Ensino Religioso Escolar [...] a sua base teórica e metodológica, enquanto área do conhecimento específica que assume a religião como objeto de estudo, produzindo sobre este resulta dos compreensivos que normalmente são credenciados como ciência (PASSOS, 2007, p. 28). Por fim, Soares (2010) conclui essa abordagem postulando questões do fenômeno religioso como sendo uma exposição panorâmica das relações socioculturais das religiões, tratando-se, portanto, [...] de um enfoque multifacetado que busca luz na História, na Sociologia, na Antropologia e na Psicologia da religião, contemplando, ao mesmo tempo, o olhar da Educação (SOARES, 2010, p.11). Considerações finais Este estudo procurou demonstrar como a discussão sobre o fenômeno religioso pode propiciar uma cultura de tolerância para uma convivência harmônica entre concepções díspares. Na análise dessa (nova) proposta do Ensino Religioso Escolar, leva-se em consideração tanto o respeito quanto à diversidade, assegurados pela atual legislação educacional. No campo didático, no tocante à formação dos Professores, ainda existem lacunas a serem preenchidas, principalmente na prática pedagógica de formação, para que seja uma ação pedagógica em consonância com a legislação sobre a disciplina escolar do Ensino Religioso. A disciplina de ensino religioso escolar como o corpo integrante do currículo básico de formação cidadã demonstra um respeito humano muito fundamental expresso pela lei nº 9.475/97 do Ensino Religioso Escolar. Esse paradigma atual das Ciências da Religião transcende a 1794

proposição cartesiana disciplinar e constrói uma epistemologia transreligiosa construída a partir da experiência de fé dos grupos humanos e não da dogmatização religiosa. Espera-se que essa digressão possa contribuir para uma maior e melhor qualificação do trabalho docente da disciplina do Ensino Religioso Escolar, construindo um campo psicológico de pesquisa inovador a ser explorado no chão da escola, ao ponto de romper com sérios problemas epistemológicos, metodológicos, pedagógicos e didáticos muito comuns entre educadores que ainda insistem equivocadamente em concepções proselitismo de determinadas crenças religiosas. Referências BRASIL. Ministério da Educação. Lei nº 9.394/96, Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília: Diário Oficial da União, 20 de dezembro de 1996, Secção I, Art. 33. BRASIL. Ministério da Educação. Lei nº 9.475/97, dá nova redação ao Art. 33 da Lei nº9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as Diretrizes e bases da Educação Nacional. Brasília: Diário Oficial da União, 23 de Julho de 1997, Secção I. COSTELLA, Domenico; OLIVEIRA, Ednilson Turozi. Epistemologia do Ensino Religioso. Religião & Cultura, vol. VI - nº 11 Jan/Jun. 2007, p. 43-56. Disponível em: <http://www.gper.com.br/noticias/ece4bfcc5ac 497d065907b94a6192b80.pdf>. Acesso em: 29 ago. 2017. MENEGHETTI, Rosa G. K. A Pertinência Pedagógica da Inclusão do Ensino Religioso no Currículo Escolar. In: GUERRIERO, Silas (org.). O estudo das religiões: desafios contemporâneos. 2ª ed. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 89-99. PASSOS, João Décio. Ensino religioso: construção de uma proposta. São Paulo: Paulinas, 2007. PASSOS, João Décio. Ensino religioso: mediações epistemológicas e finalidades pedagógicas. In: SENA, Luiza (Org.). Ensino religioso e formação docente. São Paulo: Paulinas, 2006. SOARES, Afonso Maria Ligorio. Religião & educação: da ciência da religião ao ensino religioso. São Paulo: Paulinas, 2010. (Coleção temas do ensino religioso). SOARES, Afonso Maria Ligorio. Ciência da Religião, Ensino Religioso e Formação Docente. Revista de Estudos da Religião. Vol. 09, nº 09, set. 2009, p. 1-18. Disponível em: <http://www.pucsp.br/rever/rv3_2009/t_soares.pdf>. Acesso em: 29 ago. 2017. 1795