A ÁREA DE INOVAÇÃO TECNOLÓGICA E O PAPEL DAS IES COMUNITÁRIAS NO SISTEMA NACIONAL DE PG Jorge Audy (audy@pucrs.br) Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação da PUCRS Este texto procura abordar dois temas que podem contribuir para as reflexões que visam à elaboração do novo PNPG (Plano Nacional de Pós-Graduação): a área de inovação tecnológica e o papel das IES comunitárias no Sistema Nacional de Pós-Graduação. 1. A área de Inovação Tecnológica As noções de sociedade da informação e do conhecimento demandam um conceito revisado de Universidade. Enquanto a noção de sociedade da informação está baseada nos avanços tecnológicos, o conceito de sociedade do conhecimento compreende dimensões sociais, éticas e políticas mais abrangentes. A ciência e a tecnologia são temas centrais de debates éticos e políticos no cenário do desenvolvimento da sociedade. Nesse contexto, a inovação surge como uma resposta das instituições universitárias em um contexto cada vez mais complexo, dinâmico e competitivo.
O conhecimento, por sua vez, é a base de um processo de inovação. O processo de inovação e transferência de conhecimento é dinâmico, complexo e interativo, pois as informações devem fluir entre agentes do conhecimento e sociedade (notadamente as universidades e as empresas). Desta forma a construção do conhecimento, caracterizada pela constante transformação de conhecimento tácito em explícito e viceversa, beneficia-se da cooperação entre partícipes de uma rede de conhecimento. Esta rede pode ser representada, na sociedade atual, pelas universidades, sociedade civil (incluindo empresas) e governo. As relações entre estes atores são cada vez mais importantes na construção do conhecimento. Neste cenário, a Universidade não deve ser lugar apenas de erudição, mas também de esforço interdisciplinar de resolução de problemas da sociedade em que atua. A compreensão deste ambiente em transformação é importante para a definição de políticas de educação superior, de pesquisa e de inovação. A sociedade do conhecimento envolve uma reorganização da própria sociedade e das suas instituições, a qual gera mudanças nos processos econômicos, sociais e políticos. Assim emerge um novo papel para a Universidade, expandindo seu foco tradicional na formação e capacitação (ensino e pesquisa), agregando à sua missão a atuação direta no processo de desenvolvimento econômico, cultural e social da sociedade. E, ao mesmo tempo, representa desafios na direção de gerar as condições para a análise crítica deste processo de criação de valor e suas
consequências, tanto internas na própria Universidade, como externas, considerando o impacto nos planos social, econômico e cultural. A área de inovação, neste contexto, representa um dos maiores desafios para a universidade. Como incorporar em sua missão este novo papel, mantendo sua tradição, mas promovendo a renovação necessária? A área de inovação é uma das dimensões mais relevantes hoje da atividade de pesquisa nas universidades. Neste sentido, os mecanismos institucionais relacionados (como os NITs Núcleos de Inovação Tecnológica, ETTs Escritórios de Transferência de Tecnologias, Agências de Gestão Tecnológicas, Parques Científicos e Tecnológicos, entre outros) estão fortemente relacionados com a área de pesquisa nas universidades. Considerando que a pesquisa e a pósgraduação constituem-se dimensões indissociáveis da geração de conhecimento por meio da atividade científica de alto nível, entendemos que o PNPG pode e deve incorporar esta nova dimensão (inovação) entre suas áreas de reflexão e contribuições. Na sequência, apresentamos um conjunto de propostas concretas que podem contribuir para a consolidação da área de inovação e efetiva realização do processo de transferência de conhecimentos para a sociedade, no contexto do marco legal existente em nosso país.
1.1. Propostas para o PNPG A Lei de Inovação Tecnológica (Lei nº 10.973/04) estabeleceu um importante marco com relação ao papel das universidades na área de inovação na sociedade brasileira. A Lei da Inovação, entretanto, restringiu suas contribuições e avanços para o segmento das ICTs públicas, não contemplando em nenhum aspecto as demandas e necessidades das ICTs privadas. Neste sentido, é muito importante o desenvolvimento de uma Lei da Inovação que aborde aspectos os restritivos à ação de universidades e institutos de pesquisa privados na área de inovação. Os desafios das ICTs públicas foram bem abordados na Lei da Inovação, mas ainda existem diversos aspectos a serem conquistados, em especial em termos de legislações complementares e atuação dos órgãos de fiscalização do governo. Desde que a Lei de Inovação Tecnológica (Lei nº 10.973/04), tornou mandatária sua existência no âmbito das Instituições Científicas e Tecnológicas (ICTs), os Núcleos de Inovação Tecnológica (NITs) brasileiros tem enfrentado problemas relacionados a sua implementação efetiva. A referida Lei estabelece as competências mínimas a serem desenvolvidas pelos NITs, para que os mesmos possam cumprir com suas finalidades. Estas competências exigem uma qualificação profissional que, na maioria das ICTs, não está contemplada nos seus quadros, principalmente pela especificidade dos temas com que lidam os gestores de NITs.
Por outro lado, a Lei coloca nos NITs muitas responsabilidades e por isto grande parte das administrações universitárias brasileiras tem optado por designar como gestor do NIT um pesquisador de carreira, por entender que pertencendo à carreira docente, o gestor obtém de seus pares uma maior adesão à prática da proteção da propriedade intelectual e à transferência de tecnologia. Porém esta é uma solução parcial de um problema, que é muito mais amplo. A função de gestor de NIT vai muito além da representatividade institucional do cargo. É uma função fundamentalmente técnica, que requer um conhecimento especializado em áreas de competência específica de gestão da inovação, que inclui temas como a propriedade intelectual e a transferência de tecnologia. Por isso, nas experiências internacionais, os gestores de NIT, podem, inclusive, não pertencer à carreira docente. Nos Estados Unidos, por exemplo, a Association of University Technology Managers (AUTM), reúne cerca de 3.000 associados, todos gestores profissionais, grande parte com titulação ao nível de Mestrado apenas, mas com experiência em gestão de escritórios de transferência de tecnologia e também em relações com a indústria. Já na Inglaterra, universidades como Oxford e Cambridge, de excelência em pesquisa básica e aplicada, e também Warwick e Manchester, por exemplo, realizam a gestão da inovação por meio de empresas criadas com esta finalidade específica, com a maioria acionária das próprias universidades. Nessas instituições, a gestão da inovação é separada da
gestão acadêmica, e é realizada por quadros técnicos constituídos por profissionais qualificados, muitos com título de doutor, com experiência na indústria. Ou seja, em nenhuma destas experiências, há pesquisadores acadêmicos deslocados de suas funções primordiais no desempenho desses cargos. Mas não resta dúvida, independente do perfil do gestor (acadêmico ou não), que uma alta qualificação deve ser requerida para o gestor de NIT para dar-lhe legitimidade no exercício do cargo. Para que o país possa efetivamente enfrentar este desafio e colocar no mercado profissionais capacitados em gestão da inovação, é preciso promover um conjunto de ações, em diferentes níveis mas articulados entre si, entre os quais se propõe: a. Programas de treinamento, de curto e longo prazo: Nesta perspectiva, vislumbram-se algumas possibilidades, como por exemplo, programas de capacitação no exterior. Tanto a AUTM, nos Estados Unidos, quanto a Praxis-Unico no Reino Unido, apenas para citar alguns, mantêm cursos de treinamento. Seria importante, pois, buscar a viabilização econômica para estas capacitações, por meio de bolsas a gestores. b. Programas para formação de recursos humanos em nível de pós-graduação: Entre as iniciativas de médio e longo prazo, incluem-se os Mestrados Profissionais em Gestão da Inovação. Esta é uma demanda que provém não só das ICTs, mas também do setor empresarial, que não dispõe nos seus quadros profissionais este perfil para cumprir com esta
atividade. E isto tem sido crítico para as empresas que querem e precisam inovar, sem possuir, porém, profissionais capacitados para o exercício da função. c. Inclusão de disciplinas relacionadas à gestão da inovação (abrangendo o tema da proteção da propriedade intelectual e da transferência de tecnologia), nos cursos de graduação e de pós-graduação. d. Estímulo à formação da carreira de gestor da inovação, com uma habilitação específica, dos cursos de Administração. Há, ainda, outro importante gargalo na gestão dos NIT que se refere à fixação e retenção de recursos humanos. De um lado, por não haver uma carreira específica de gestores de propriedade intelectual e da transferência de tecnologia, há uma enorme carência nos quadros das ICT de profissionais qualificados nestes temas, o que exige um alto investimento na capacitação destes profissionais. De outro, a função e a importância dos NIT no contexto das ICT ainda não são amplamente compreendidas, por isto estes Núcleos não têm recebido a adequada atenção por grande parte das administrações universitárias, no sentido de que sejam alocadas vagas de pessoal permanente para dar suporte às suas atividades. Isto resulta numa dependência excessiva de bolsistas, cuja contratação tem sido viabilizada por meio de chamadas públicas de projetos específicos propiciadas por agências de fomento, e que traz como conseqüência, uma dificuldade de manutenção de equipes profissionais, pela rotatividade que o caráter temporário das bolsas proporciona. A principal dificuldade que se observa para reversão deste quadro está relacionada ao desempenho dos NITs. Estudos realizados
pela OCDE (2003), em escritórios de transferência de tecnologia de vários países, demonstram que os NIT levam uma média de 8 a 10 anos para apresentarem resultados positivos. Isto requer das administrações universitárias investimentos de longo prazo e também uma visão estratégica no sentido de prover as condições adequadas para atingir este resultado. Nesta perspectiva, um problema associado à retenção das equipes nos NITs é a remuneração. Também nisto é preciso investir para se manter profissionais altamente qualificados, em nível compatível com o mercado, e este é um problema de difícil solução tanto nas universidades públicas quanto nas privadas. Nas públicas, a principal dificuldade está na criação de carreiras e na alocação de vagas, que dependem de mecanismos legais e de disponibilidade orçamentária para sua execução. Nas privadas, o problema está relacionado ao custo/benefício de se manter um NIT com níveis altos de remuneração, exigindo um investimento significativo, quando os resultados só são obtidos a médio ou longo prazo. Neste contexto, como alternativa para minimizar o problema, tanto para as ICTs públicas quanto privadas, apresenta-se como uma possibilidade a seguinte proposta: a. Inserção dos NITs nos Editais do Programa PNPD da CAPES, como proponentes de projetos: Justifica esta proposta o fato de que a área de atuação dos NITs enquadra-se perfeitamente nas áreas previstas nesse Programa, a saber, a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP) e a Lei de Inovação, além de suas ações serem estratégicas para
promover o desenvolvimento econômico-social do país, por meio da transferência de resultados de pesquisa ao setor produtivo. b. Ao viabilizar a inserção de NITs como proponente de propostas, cria-se uma oportunidade ímpar de fixação de profissionais de alto nível, uma vez que o programa está desenhado para incorporação de até três pesquisadores doutores recém-formados, por projeto. c. Além disso, o Programa permite a retenção desses profissionais por um período de até 60 meses, o que é um período superior ao da maioria das bolsas DTIs que os NITs conseguem obter em projetos. E, o aspecto talvez mais atrativo para recrutar e reter a equipe, é o padrão de remuneração mensal da bolsa e o custeio anual destinado ao bolsista para exercício de sua atividade. 2. O papel das IES Comunitárias no Sistema Nacional de Educação Superior A Conferência Mundial de Educação Superior da UNESCO (WCHE 2009), realizada na sede da UNESCO em Paris e que contou com destacada atuação do Brasil, que teve sua delegação liderada pelo Presidente Lula e pelo Ministro da Educação Fernando Haddad, apresentou uma série de recomendações aos seus Estados membros. Segundo a UNESCO, sendo um bem público e um imperativo estratégico para todos os níveis de educação e como base para a pesquisa, a inovação e a criatividade, a Educação Superior deve ser
responsabilidade e ser suportada economicamente pelo governo (WCHE 2009). Na abertura da Conferência foi destacado o artigo 26 do parágrafo 1 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que enfatiza que a Educação Superior deve ser igualitariamente acessível a todos, com base no mérito. Esta referência à Declaração Universal dos Direitos Humanos tem por base a constatação de que, em nenhum outro momento da história foi tão importante investir em Educação Superior como a principal força para construir uma Sociedade do Conhecimento inclusiva e que contemple a diversidade, bem como para avançar nas áreas de pesquisa, inovação e criatividade, fundamentais para um desenvolvimento econômico, científico, social e cultural sustentável da sociedade em que vivemos. No contexto de um Sistema Nacional de Educação Superior, a WCHE destaca que a Sociedade do Conhecimento necessita de um Sistema de Educação Superior que contemple a diversidade, com um conjunto de Instituições que atenda as diferentes demandas e públicos. E destaca que, em adição às Instituições públicas, outras instituições de educação que persigam objetivos públicos têm um importante papel a desempenhar, devidamente alinhadas com as políticas públicas na área de educação e com forte sistema de avaliação, de modo a garantir a qualidade necessária. No Brasil, há muitos anos Instituições de ensino superior comunitárias prestam relevantes serviços à área de educação brasileira, em especial nas regiões sul e sudeste, com longa tradição de prestarem relevantes serviços públicos. O conceito de Instituição de
ensino comunitária surge na legislação brasileira na Constituição Federal de 1988, que em seu artigo 213 apresenta a seguinte redação: Os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em lei, que: 1. comprovem finalidade não-lucrativa e apliquem seus excedentes financeiros em educação; 2. assegurem a destinação de seu patrimônio a outra escola comunitária, filantrópica ou confessional, ou ao poder público, no caso de encerramento de suas atividades. Decorrente desta nova visão inserida na Constituição Federal de 1988, em 1995 é fundada a ABRUC (Associação Brasileira das Universidades Comunitárias), que agrupam as 52 Instituições Comunitárias do país e incluem as duas principais entidades regionais deste segmento: a ACAFE (Associação Catarinense das Fundações Educacionais), criada em 1974 com 14 Instituições filiadas e o COMUNG (Consórcio das Universidades Comunitárias Gaúchas), criado em 1996, contando com 12 Instituições filiadas. Os mais importante requisitos para caracterizar as IES comunitárias estão presentes na Constituição Federal, no seu artigo 213, inciso 1 (comprovem finalidade não-lucrativa e apliquem seus excedentes financeiros em educação) e na LDB (para serem reconhecidas como comunitárias as IES devem incluir na sua entidade mantenedora representantes da comunidade).
Ainda com relação à legislação nacional, ao estabelecer a lei que as Institucionais confessionais devem cumprir os requisitos das comunitárias, deixa bem claro que elas são, por sua própria natureza, comunitárias, tendo, além disto, o caráter confessional. Neste sentido, há claramente dois grupos de Instituições comunitárias de ensino, as de caráter local, fundamentalmente de âmbito municipal e as de caráter confessional. Neste contexto, as Instituições comunitárias, por sua natureza, transcendem o âmbito do privado, pois representam comunidades que vão além do privado, pois atuam com espírito público, ou seja, representando interesses coletivos de uma comunidade, geridos também, mas não monopolizados pelo Estado. Na verdade, as Instituições comunitárias constituem-se em Instituições relevantes do ponto de vista social nas comunidades em que atuam e que, ao lado das Instituições públicas de natureza estatal, desempenham importante papel no Sistema Nacional de Educação Superior, seja no ensino, na pesquisa e nas ações sociais junto às comunidades. Na área de Pesquisa e Pós-Graduação pode-se identificar com clareza o papel desempenhado por importantes IES comunitárias com atuação local em suas comunidades e também por grandes Universidades de pesquisa com atuação e reconhecimento nacional e internacional. Neste contexto, é muito importante que o PNPG (Plano Nacional de Pós-Graduação) incorpore uma visão aberta e moderna sobre o papel que pode e deve ser desempenhado pelas IES comunitárias que, assim como as Instituições públicas de natureza estatal, merecem ser objeto de políticas especiais pelos Ministérios de Educação e Ciência e Tecnologia, bem como pelas principais agências
nacionais de fomento à pós-graduação (CAPES), pesquisa (CNPq) e inovação (FINEP). A base para esta participação deve ser norteada pelo mérito dos projetos e ações, bem como por rigorosos padrões de avaliação e qualidade que devem nortear o Sistema Nacional de Pesquisa e Pós- Graduação, contemplando em igualdade de condições as boas Instituições de Ensino e Pesquisa de nosso país, sejam elas de natureza estatal ou comunitária, que desempenham importante papel na área de educação superior, em especial nas áreas de pesquisa pósgraduação. No contexto do Sistema Nacional de Educação Superior, as Universidades comunitárias são, portanto, diferentes das Instituições privadas, aproximando suas ações e papel na sociedade às Instituições públicas. Em Sistema de Educação Superior plural como preconiza a UNESCO, existe espaço de atuação para os diversos tipos de instituições presentes no contexto brasileiro (públicas estatais, comunitárias e privadas), respeitando suas características e vocações, que devem estar expressas de forma coerente em suas missões e ações.