Maria Gabriela Kiss Cornia

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Transcrição:

Variação do balanço entre facilitação e competição em um gradiente de estresse luminoso e nutricional Maria Gabriela Kiss Cornia RESUMO: Plantas interagem de forma positiva (facilitação) e negativa (competição). O balanço entre facilitação e competição varia com o gradiente de severidade do ambiente. Conforme prevê a Hipótese do Gradiente de Estresse, espero encontrar maior predomínio de facilitação em ambientes mais estressantes e maior predomínio de competição em ambientes menos estressantes. O objetivo foi entender como o balanço entre facilitação e competição difere em ambientes com maior e menor estresse luminoso e nutricional. Em fisionomias de restinga de duna e jundu, contabilizei o número de indivíduos abaixo e fora da área de sombreamento de copas de Myrsine parvifolia. A diferença das médias das proporções de indivíduos observada abaixo das copas foi maior na duna. Obtive que o balanço foi maior para facilitação em condições mais severas, conforme esperado. Este estudo contribui para uma melhor compreensão do balanço entre interações positivas e negativas em gradientes de estresse e a estruturação de comunidades. PALAVRAS-CHAVE: ecossistemas costeiros, estresse ambiental, gradiente ambiental, interações interespecíficas, Myrsine spp. INTRODUÇÃO Plantas interagem entre si de diferentes maneiras, podendo ser interações positivas, negativas ou neutras. As interações negativas são caracterizadas pela competição por luz, nutrientes, espaço, água e polinizadores. Por outro lado, as interações positivas são promovidas pelas plantas ao criar condições abióticas e bióticas que permitem o estabelecimento ou aumentam a aptidão de outros indivíduos no mesmo local (Brooker, 2008). Essa interação é chamada de facilitação (Franco & Nobel 1989), na qual plantas podem afastar herbívoros, competidores, amenizar condições extremas do clima, aumentar disponibilidade de nutrientes e água para outros indivíduos vegetais de localização vizinha (Brooker, 2008). A Hipótese do Gradiente de Estresse prevê que a intensidade das interações positivas e negativas variam de acordo com o gradiente ambiental (Bertness & Callaway, 1994). Essa hipótese sugere que os impactos benéficos da facilitação aumentam com a severidadeseveridade do ambiente e o impacto da competição, neste caso são sobrepostas pelos benefícios da facilitação. Em ambientes com baixa disponibilidade de recursos, como por exemplo nutrientes e água, ou elevada intensidade luminosa, os benefícios advindos de uma planta facilitadora são mais importante para o estabelecimento, crescimento e desenvolvimento dos indivíduos que crescem próximos ao facilitador do os efeitos da competição por recursos (e.g. Choler et al., 2001; Callaway et al., 2002). Já em ambientes com condições menos severas, os efeitos negativos podem sobrepor os benefícios da facilitação, sendo a competição a interação mais relevante (Choler et al., 2001; Gaucherand et al., 2006). Por exemplo, a alta densidade vegetal em ambientes com mais recursos intensifica a competição por luz entre as plantas (Dias et al., 2005) assim, os indivíduos tendem a se distribuir mais pelo espaço do que próximas espacialmente a uma espécie facilitadora. Logo, a severidade do ambiente parece ser determinante sobre qual tipo de interação (competição ou facilitação) predomina entre espécies vegetais. Considerando a atuação simultânea de interações de facilitação e competição e que o balanço entre essas interações se altera a depender da severidade do ambiente, espero encontrar deslocamento do balanço para a facilitação em ambientes mais estressantes e deslocamento para a competição em ambientes menos estressantes. Em vista disso, o objetivo deste trabalho foi entender o resultado do balanço entre competição e facilitação utilizando um gradiente de estresse luminoso e nutricional. MATERIAIS & MÉTODO Área de estudo O ecossistema de restinga apresenta um gradiente de fisionomias desde a praia e costões rochosos 1

até limites com a Mata Atlântica de encosta. As fisionomias podem ser divididas em dois grupos: (i) vegetação das dunas, de cobertura vegetal mais aberta que inclui as ervas, arbustos e arvoretas baixos, e (ii) jundu, de cobertura vegetal mais densa, onde predominam árvores, arbustos e trepadeiras (Andrade & Lamberti, 1965). As condições estressantes para as plantas variam ao longo desse gradiente, aumentando com a proximidade do mar, onde há cada vez menos disponibilidade de recursos (água e nutrientes) no solo, maior insolação, vento e salinidade (Souza & Capellari, 2004). Realizei este estudo em um trecho de duna e outra de jundu em restinga localizada no bairro do Guaraú, município de Peruíbe, São Paulo (24 22,39 S, 47 1,15 O). Neste trabalho, o gradiente estudado e as variações em suas condições ambientais será englobado pelo termo gradiente duna-jundu. quadrante sorteado foi posicionada uma parcela de 32 cm x 32 cm. Próximo de cada indivíduo, foi alocado outra parcela de 32 cm x 32 cm em localização cuja distância corresponde ao raio da copa do indivíduo de M. parvifolia. Assim, para cada indivíduo de M. parvifolia, amostrei um par de parcelas (uma dentro e uma fora da área de cobertura da sua copa) e contabilizei todos os indivíduos lenhosos de no mínimo 3 cm e de no máximo 150 cm de altura (Figura 1). Considerei que o total de indivíduos encontrados nas duas parcelas representa uma amostragem da densidade vegetal local. Amostrei 15 pares de parcelas referentes a 15 indivíduos de M. parvifolia em cada fisionomia. Modelo de estudo Na definição de uma espécie modelo para se testar a hipótese, utilizei como critérios de escolha uma espécie que possa exercer papel de facilitadora, competidora e que esteja presente nas fisionomias de duna e jundu. Desse modo, a espécie utilizada como modelo neste estudo foi Myrsine parvifolia (A.DC.) Mez in Engl. (Primulaceae). Indivíduos M. parvifolia colonizam ambientes expostos ao sol e com baixa densidade de vegetação, como a duna, sendo classificada assim como espécie pioneira (Braz & Mattos, 2010). Entretanto esta espécie, também ocorre em locais sombreados, de vegetação densa e solos úmidos (Dillenburg et al., 1992; Dorneles & Waechter, 2004), como o jundu. Essa espécie pode assumir porte arbóreo e arbustivo, a depender do ambiente, com indivíduos de 1 a 7 m de altura (Wanderley et al., 2005). Coleta dos dados Realizei busca ativa de 30 indivíduos de M. parvifolia em duna e jundu. Os indivíduos foram escolhidos com o critério de que a copa tivesse diâmetro maior do que 80 cm, pois indivíduos com copas menores do que isso apresentam uma pequena área de sombra que poderia não ser suficiente para conferir um potencial efeito de proteção contra a insolação. Outro critério de escolha dos indivíduos para amostragem foi de que as copas não estivessem entrelaçadas com outros indivíduos vizinhos, da mesma espécie ou de outras espécies, de modo que a formação da sombra abaixo da copa fosse exclusiva do indivíduo amostrado. A projeção da copa dos indivíduos de M. parvifolia no solo foi dividida em quatro quadrantes e esses eram sorteados para serem amostrados. Em cada Figura 1: Método de amostragem. Em A, tem-se um esquema em verde de uma copa de M. parvifolia vista de cima, os quadrantes da copa denominados pelos pontos cardeais, os retângulos vermelhos representam a disposição das parcelas: uma abaixo da área de cobertura da copa e outra fora da área de cobertura com distância equivalente ao raio da copa (cm). Em B, foto que exemplifica alocação de uma parcela 32 cm x 32 cm abaixo da copa. Em C, foto que exemplifica posicionamento da parcela fora da área de cobertura da copa. A chave branca superior demonstra o diâmetro da copa do indivíduo de M. parvifolia e a chave branca inferior, a distância com que foi alocada a parcela fora da área de cobertura que corresponde ao raio da copa (cm). Análise dos dados Calculei a proporção dos indivíduos lenhosos que estavam abaixo da copa de cada M. parvifolia relativa à quantidade total de indivíduos em cada localidade (representado pelo par de parcelas). Calculei a média dessas proporções para cada fisionomia, sendo a estatística de interesse a diferença da média das proporções de indivíduos que foram encontrados abaixo da copa de M. parvifolia entre duna e jundu. Sob o cenário nulo, calculei a probabilidade da diferença obtida ter sido igual ou maior do que a produzida pelo acaso. Para tanto permutei 10.000 vezes as proporções entre as fisio- 2

nomias de duna e jundu. Todas as análises foram feitas em ambiente R versão 3.1.3 (R Core Team, 2015), utilizando o pacote Rsampling (Prado et al., 2016). Segundo a minha hipótese de trabalho, esperava encontrar maior média das proporções de indivíduos abaixo da copa de M. parvifolia em ambiente de duna do que em ambiente de jundu. RESULTADOS Encontrei 67 indivíduos na duna e 147 no jundu. Na duna, havia 102 indivíduos nas parcelas abaixo das copas de M. parvifolia e 65 indivíduos na área fora do sombreamento das copas. Já no jundu, havia 71 indivíduos nas parcelas abaixo das copas de M. parvifolia e 76 indivíduos fora da área de sombreamento. A média da proporção de indivíduos encontrados abaixo das copas de M. parvifolia no ambiente de duna foi maior (0,72 ± 0,26) que no ambiente de jundu (0,47 ± 0,25; p=0,007; Figura 2). Figura 2: Proporção de indivíduos abaixo da copa de indivíduos de Myrsine parvifolia nas fisionomias de duna e jundu. As linhas horizontais internas representam as medianas, o retângulo representa os limites do primeiro e terceiro quartis, as linhas verticais pontilhadas representam a variância dos dados e os asteriscos representam as médias. DISCUSSÃO Houve maior proporção de indivíduos lenhosos abaixo de copas de M. parvifolia em ambiente de duna do que no jundu. Esse resultado permite afirmar que, em um gradiente de estresse duna-jundu, encontrei que o saldo do balanço entre facilitação e competição teve predomínio do efeito da facilitação em ambientes mais estressantes e predomínio do efeito da competição em ambientes menos estressantes. Este resultado corrobora o padrão previsto pela Hipótese do Gradiente de Estresse (Bertness & Callaway, 1994), o qual previa maior intensidade da facilitação e menor da competição em ambientes mais estressantes. Vários mecanismos podem justificar o padrão do balanço competição e facilitação encontrado entre as duas fisionomias de restinga. A cobertura vegetal do jundu é bem mais densa e várias espécies promovem sombra no sub-bosque (Souza & Capellari, 2004). Já na duna, o sombreamento é gerado por poucas espécies colonizadoras que alcançam tamanho arbustivo ou arbóreo suficiente para compor uma copa capaz de gerar sombra, dentre elas a M. parvifolia (Souza & Capellari, 2004; Braz & Mattos, 2010). Dada a exposição bem mais intensa à insolação pelos indivíduos presentes na duna, sendo essa uma condição estressante do ambiente (Souza & Capellari, 2004), os indivíduos devem ocupar mais a sombra de M. parvifolia na duna do que no jundu pelo fato da sombra ser limitante na duna e não no jundu. Indivíduos de muitas espécies só poderão ocupar a duna se forem beneficiados pelo sombreamento promovido pela copa de alguma dessas espécies colonizadoras. Outros estudos encontraram que plântulas são facilitadas pela sombra de arbustos em ambientes também estressantes para insolação, como regiões áridas (Maestre & Cortina, 2004) e em restinga arbustiva (Castanho et al., 2012). Desse modo, o predomínio da facilitação na duna poderia ser explicada pelo maior benefício de sombreamento que as plantas teriam neste ambiente, que sobreporia a competição por recursos. A disponibilidade de recursos é maior no ambiente de jundu do que no ambiente de duna, porém a densidade vegetal é também maior no jundu (Souza & Capellari, 2004). Assim, a maior demanda por recursos para sustentar mais massa vegetal no jundu pode estar compensando a maior quantidade de recursos, o que geraria uma possível quantidade equivalente de recursos por indivíduo em dunas e jundu. Desse modo, a intensidade da competição entre os dois ambientes, possivelmente, seja o mesmo. Neste cenário, o saldo do balaço estaria sendo gerado apenas pela intensidade diferencial da facilitação, que é maior na duna. Este cenário foi estudado por Gaucherand et al. (2006), o qual encontrou que a intensidade da competição entre espécies vegetais não varia em um gradiente de fertilidade do solo, porém o grau de importância da competição frente a outras interações, como a facilitação, diminui de importância relativa em ambientes mais estressantes. Isso poderia estar ocorrendo também no caso deste estudo, dado que 3

a competição pode estar com intensidade equivalente ao longo do gradiente, e desse modo, a mesma perderia importância relativa perante outras interações na determinação do saldo diferencial em cada ponto do gradiente. Outra possibilidade de se explicar o padrão de saldo entre facilitação e competição obtido neste trabalho é que as condições abióticas severas da duna sejam mais determinante na limitação do número de indivíduos do que a competição. Assim, os indivíduos não competiriam de fato pelos recursos nesse ambiente. O contrário aconteceria no jundu em que as condições são menos estressantes e a densidade vegetal é maior, havendo então competição. Trabalhos prévios também interpretaram seus resultados da mesma maneira, estudando gradientes altitudinais (Choler et al., 2001) e de recursos (em particular, quantidade de nitrogênio no solo Chapin et al., 1994). Ambos os trabalhos experimentais de remoção do facilitador encontraram um melhor desempenho dos indivíduos vizinhos facilitados em ambientes menos estressantes, e pior desempenho nos ambientes mais estressantes. O fato de ter obtido mais indivíduos fora do sombreamento da copa de M. parvifolia no jundu, pode indicar que esta espécie esteja prejudicando o estabelecimento de indivíduos onde as condições são menos estressantes; ou seja, M. parvifolia possivelmente está mais competindo do que facilitando nesse ambiente. Já no ambiente de duna, de condições mais estressantes, houve mais indivíduos sob a copa de M. parvifolia do que fora, o que pode indicar predomínio do papel facilitador frente ao competidor, já que a presença de M. parvifolia é mais benéfica para os indivíduos do que a ausência dela. Este trabalho demonstrou como o balanço competição e facilitação varia em um gradiente de estresse duna-jundu de restinga. Estudos em gradientes de estresse são propícios para se compreender melhor a relação entre as interações positivas e negativas e seus papéis relativos na produção de padrões na comunidade, uma vez que a variação das condições ambientais se dá gradativamente e são reconhecidas mais facilmente. Callaway & Walker (1997) também ressaltaram a importância de estudos em gradientes de estresse para a compreensão da relação entre facilitação e competição. A compreensão de como varia o balanço entre as interações positivas e negativas são fundamentais para a compreensão da estrutura e composição de comunidades ao longo de gradientes ambientais. AGRADECIMENTOS Gostaria de agradecer aos professores responsáveis pela disciplina e ao Instituto de Biociências-USP pela oportunidade de realizar este trabalho. À Letícia pela grande contribuição no campo e na análise dos dados. Ao Billy e José Pedro pelas correções e revisão deste manuscrito e aos demais colegas monitores e estudantes pelas sugestões, apoio e convivência calorosa. REFERÊNCIAS Andrade, M.A.B. & A. Lamberti. 1965. A vegetação. Em: Azevedo, A. (ed.). A Baixada Santista. Universidade de São Paulo, São Paulo. Bertness, M. & R.M. Callaway. 1994. Positive interactions in communities. Trends in Ecology and Evolution, 9:191 193. Braz, M.I.G. & E.A. Mattos. 2010. Seed dispersal phenology and germination characteristics of a drought-prone vegetation in southeastern Brazil. Biotropica, 42:327 335. Brooker, R.W. et al. 2008. Facilitation in plant communities: the past, the present,and the future. Journal of Ecology, 96:18 34. Callaway, R.M & L.R. Walker. 1997. Competition and facilitation: a synthetic approach to interactions in plant communities. Ecology, 78:1958 1965. Callaway, R.M. et al. 2002. Positive interactions among alpine plants increase with stress. Nature, 417:844 848. Castanho, C.; A.A. Oliveira & P.I. Prado. 2012. The importance of plant life form on spatial associations along a subtropical coastal dune gradient. Journal of Vegetation Science, 23:952-961. Chapin, F.S. et al. 1994. Mechanisms of primary succession following deglaciation at Glacier Bay, Alaska. Ecological Monographs 64:149 175. Choler, P.; R. Michalet & R.M. Callaway. 2001. Facilitation and competition on gradients in alpine plant communities. Ecology, 82:3295 3308. Dias, A.T.C. et al. 2005. Canopy composition influencing plant patch dynamics in a Brazilian sandy coastal plain. Journal of Tropical Ecology, 21:343 347. Dillenburg, L.R.; J.L. Waechter & M.L. Porto. 4

1992. Species composition and structure of a sandy coastal plain forest in northern Rio Grande do Sul, Brazil. Em: Seeliger, U. (Ed.). Coastal Plant Communities of Latin America. Academic Press, San Diego, pp. 349 366. Dorneles, L.P.P. & J.L. Waechter. 2004. Fitossociologia do componente arbóreo na floresta turfosa do Parque Nacional da Lagoa do Peixe, Rio Grande do Sul, Brasil. Acta Botânica Brasílica, 18:815 824. Franco, A.C. & P.S. Nobel. 1989. Effect of nurse plants on the microhabitat and growth of cacti. Journal of Ecology, 77:870 886. Gaucherand, S.; P. Liancourt & S. Lavorel. 2006. Importance and intensity of competition along a fertility gradient and across species. Journal of Vegetation Science, 17:455 464. Maestre, F.T. & J. Cortina. 2004. Do positive interactions increase with abiotic stress? A test from a semi-arid steppe. Biology Letters, 271:331-333. Prado, P.; A. Shallon & A. Oliveira. 2016. Rsampling: ports the workflow of Resamplingstats add-in to R. R package version 0.1.1. R Core Team. 2015. R: a language and environment for statistical computing. R Foundation for Statistical Computing, Vienna, Austria Souza, V.C. & L. Capellari Jr. 2004. A vegetação das dunas e restingas da Estação Ecológica da Juréia-Itatins, pp. 103-114. Em: EstaçãoEcológica Jureia-Itatins ambiente físico, flora e fauna (O.A.V. Marques & W. Duleba, eds.). Holos, Ribeirão Preto. Wanderley, M.G.L. et al. (Coord.). 2005. Flora Fanerogâmica do Estado de São Paulo. FAPESP: RiMa, São Paulo. 5