Dimensão Fractal Volumétrica aplicada à imagens urbanas de sensoriamento remoto André R. Backes backes@icmc.usp.br Adriana B. Bruno adbbruno@gmail.com Odemir M. Bruno bruno@icmc.usp.br Mauro N. Barros Filho Faculdade de Ciências Humanas Esuda Departamento de Arquitetura e Urbanismo Recife - PE mbarrosfilho@gmail.com Resumo Imagens de sensoriamento remoto são uma fonte rica em informações sobre a superfície terrestre. Por meio delas é possível desenvolver aplicações envolvendo mapeamentos e estudos urbanos. Neste artigo é apresentado um estudo sobre a correlação entre complexidade e as características morfológicas de áreas urbanas. Em imagens, essas características se apresentam na forma de complexas interações de diferentes tipos de superfície, onde cada superfície corresponde a um tipo diferente de textura. Neste trabalho, o método de Dimensão Fractal Volumétrica é aplicado em imagens de áreas urbanas, obtendo assim uma estimativa da complexidade da textura dessas imagens e, conseqüentemente, uma medida das características morfológicas presentes. 1. Introdução A utilização da geometria fractal em visão computacional vem se consolidando à medida que novos métodos baseados em fractais surgem com a finalidade de segmentar ou analisar imagens. Em geral, as imagens não apresentam as características formais de um fractal (auto-similaridade e complexidade infinita), entretanto, quando os métodos de dimensão fractal são aplicados à objetos não fractais como as imagens, as medidas obtidas são relacionadas ao atributo de complexidade [5]. Embora subjetivo, o atributo da complexidade pode ser adaptado, de modo a permitir a aferição de outros atributos visuais importantes em visão computacional tais como: formas [12, 4] e textura [6, 7]. Neste trabalho é realizado um estudo de um recente método de análise de textura baseado em fractais - Dimensão fractal volumétrica aplicada na análise da morfologia urbana de imagens de sensoriamento remoto. A morfologia urbana surge das correlações entre os elementos de uma cidade, tais como edificações, distribuição de lotes e quadras, arranjo das vias, distribuição de espaços públicos, áreas verdes, rios e etc. A complexa estrutura formada por este conjunto varia de acordo com o crescimento da cidade, de seu planejamento, das características geográficas, ambientais e sócio-econômicas. Juntos, estes elementos, determinam a ocupação urbana e consequentemente fatores como qualidade de moradia e qualidade de vida dos habitantes da cidade. Aferir a morfologia urbana entretanto é um tarefa difícil, realizada sobretudo de maneira subjetiva. A utilização de métodos de visão computacional na análise de imagens urbanas de sensoriamento remoto podem contribuir para quantificar e tornar a morfolo-
gia urbana menos subjetiva. Neste trabalho, é apresentado um estudo de análise de imagens urbanas de sensoriamento remoto por meio da Dimensão Fractal Volumétrica. Foram utilizadas imagens de satélite da cidade de S. Carlos (SP), obtidas pelo Google Earth. As imagens foram retiradas de diferentes bairros residências da cidade. O trabalho é uma continuação da pesquisa realizada pelos autores em morfometria urbana de imagens de sensoriamento remoto por fractais [2, 1]. O objetivo do estudo é verificar a potencialidade de extrair informações relacionadas ao urbanismo por meio da análise de textura das regiões da cidade. O artigo descreve o método de estimativa da Dimensão Fractal Volumétrica, na seqüência são detalhados os experimentos realizados com o mosaico de bairros da cidade. Foram consideradas duas abordagens experimentais: classificação das imagens e a sua corroboração com aspectos urbanísticos e a recuperação de imagens por similaridade. Os resultados obtidos são apresentados e a capacidade da técnica em aferir características urbanas é discutida. 2. Dimensão Fractal Volumétrica Entende-se por Dimensão Fractal uma medida capaz de representar o nível de complexidade/irregularidade de um objeto. Diferente da dimensão topológica, um valor inteiro que representa o número de dimensões do espaço onde o objeto se encontra, a Dimensão Fractal utiliza um valor fracionário para descrever o quão irregular um objeto é e/ou quanto do espaço ele ocupa [13, 15]. A literatura apresenta uma vasta quantidade de métodos para estimar a Dimensão Fractal de um objeto. Dentre os métodos existentes, o método de Bouligand-Minkowski destaca-se por apresentar os resultados mais precisos. Esse método se baseia no estudo da área de influência, A(r), criada a partir da dilatação de um objeto A por um disco de raio r. A área de influência A(r) computada é muito sensível a alterações estruturais do objeto, de modo que mesmo pequenas alterações podem ser detectadas [13, 15, 8]. A Dimensão Fractal de Bouligand-Minkowski, DF, é definida como: com DF = N lim r 0 log A(r) log r (1) A(r) = { p R N p A : p p r }, (2) onde N representa o número de dimensões do espaço onde o objeto se encontra. No caso de imagens binárias, N = 2. No método proposto, a imagem A R 2 é considerada como um superfície S R 3. Cada pixel da imagem é convertido para um ponto p = (y, x, z), p S, com z = A(y, x), onde A(y, x) é a intensidade do pixel (y, x) na imagem A, permitindo a aplicação do método em imagens de texturas [3]. Aplicando o método de Bouligand-Minkowski sobre a superfície S, é possivel estimar a dimensão Fractal, DF, de S e, conseqüentemente, da textura original: com F D = 3 lim r 0 log V (r) log r (3) V (r) = { p R 3 p S : p p r }, (4) onde V (r) representa o volume de influência calculado a partir da dilatação de cada ponto de S utilizando uma esfera de raio r. De acordo com o valor do raio r, o volume de uma esfera produzida por um ponto p S interfere no volume de outras esferas, perturbando a maneira como o volume de influência aumenta (Figura 1). Isto torna volume de influência V (r) bastante sensível as mudanças estruturais da textura, permitindo a detecção de mesmo pequenas mudanças [3]. (a) (c) (b) (d) Figura 1. Exemplo do volume de influência de uma textura: (a) Textura original; (b) Textura modelada como uma superfície; (c)-(d) Volume de influência para diferentes valores de raio (r = {3, 5}). 3. Experimentos Experimentos foram realizados visando verificar a correlação entre a Dimensão Fractal obtida pelo método proposto e características morfológicas de áreas urbanas (tamanho de quadra, geometria das quadras, tamanho
das ruas, disposição de praças e áreas verdes). A morfologia de uma área urbana se apresenta em imagens de sensoriamento remoto na forma de complexas interações de diferentes tipos de superfície, onde cada superfície corresponde a um tipo diferente de textura [10, 11]. Diferentes texturas, por sua vez, apresentam diferentes organizações em seus pixels, o que resulta em um volume de influência V (r) característico para aquele padrão de textura. Isso possibilita o uso de V (r) como uma assinatura de textura capaz de descrever o padrão de distribuição de seus pixels, e conseqüentemente, sua complexidade. Por meio da Dimensão Fractal é possível obter uma estimativa da complexidade dessa textura e, conseqüentemente, uma medida das características de morfologia urbana. Para a realização dos experimentos um conjunto de imagens de sensoriamento remoto foi considerado. Essas imagens foram obtidas a partir do software Google Earth R. Elas representam regiões com diferentes condições de habitabilidade e desenvolvimento urbano da cidade de São Carlos, interior do estado de São Paulo. Ao todo, foram consideradas 75 imagens de 200 200 pixels, provenientes de diferentes regiões da cidade (Figura 2). Um mínimo de 2 e máximo de 5 imagens foram obtidas para cada região da cidade. As imagens foram obtidas a uma altitude de 10.000 pés, sendo a informação de cor descartada, ou seja, apenas seus níveis de cinza foram considerados durante as etapas de análise e estimativa da Dimensão Fractal. Os experimentos realizados tiveram como objetivos principais a classificação e a comparação das imagens obtidas segundo a complexidade das características morfológicas existentes. Desse modo, é possível avaliar de maneira quantitativa o nível de desenvolvimento urbano dessa região. 4. Resultados Uma etapa importante na realização dos experimentos é a escolha do valor do raio de dilatação r a ser utilizado. Isso por que esse valor está relacionado a quantidade de informação extraída da textura. A medida que o raio r aumenta, mais informação sobre a textura em diferentes escalas é incorporada ao volume de influência, V (r). No entanto, após determinado raio, a informação adicionada ao volume se torna irrelevante. Isso ocorre por que as esferas dilatadas se tornam excessivamente grandes, de modo que toda a informação relevante já esta incorporada ao volume. Assim, essa nova informação não representa mais a interação entre pixels da imagem e acaba por agir como um ruído nos dados. Nos experimentos realizados o valor do raio de dilatação foi empiricamente definido como r = 5. Num primeiro experimento, além do cálculo da Dimensão Fractal, foi também realizada a classificação das imagens. Para tanto, utilizou-se um classificador hierárquico aplicado sobre o logaritmo da curva de volume de influência, log V (r), de cada imagem considerada. A métrica utilizada foi a distância euclidiana média entre as curvas das amostras, pois esta sofre menor interferência de valores espúrios. Como resultado, percebe-se um aumento da Dimensão Fractal e, conseqüentemente, da complexidade, a medida que se afasta do centro da cidade. Isso indica que áreas periféricas apresentam um caráter mais heterogêneo, ou seja, sua organização das estruturas morfológicas apresenta um padrão mais caótico quando comparadas as áreas centrais da cidade. Isso ocorre por que áreas centrais das cidades são, em geral, alvo de maior número de benfeitorias, portanto, não sofrem de processos de ocupação espontâneos ou informal [9, 14]. Esse aumento de complexidade também é notado em regiões equidistantes do centro da cidade, indicando uma organização de estruturas morfológicas semelhante. A Figura 3 apresenta os anéis concêntricos delimitando as regiões a partir do marco central da cidade de São Carlos (Praça Dom José Marcondes Homem de Melo). As áreas analisadas durante o experimento estão destacadas no gráfico, onde cada cor, escolhida ao acaso, representa um grupo de áreas com complexidade semelhante. As distorções presentes na disposição das regiões segundo o seu nível de complexidade se devem principalmente por dois motivos: (i) a geometria da cidade não ser exatamente circular e (ii) a realização de obras de infra-estrutura e planejamento em regiões mais afastadas do centro, diminuindo assim a sua complexidade. Um segundo experimento foi realizado para demonstrar a performance do método em aplicações envolvendo a recuperação de imagens por conteúdo. A Figura 4 ilustra os resultados de três buscas diferentes realizadas no conjunto de imagens. Nela, a imagem disposta a esquerda representa a imagem entrada na busca. As imagens restantes (partindo da esquerda para a direita) são aquelas que se mostraram mais similares à imagem de entrada. Os resultados da busca por similaridade confirmam a existência de uma separação das diferentes regiões da cidade segundo o seu nível de complexidade e, conseqüentemente, as diferenças na organização das estruturas morfológicas em diferentes áreas. 5. Conclusões Este trabalho apresentou um estudo sobre a utilização do método de Dimensão Fractal Volumétrica na análise de texturas de imagens de sensoriamento remoto de áreas urbanas. A textura presente neste tipo de imagem é o resultado de uma complexa interação entre diferentes características morfológicas (tamanho de quadra, geometria das quadras, tamanho das ruas, disposição de praças e áreas verdes) da região analisada, sendo portanto uma rica fonte de
1,2334 1,2904 1,3567 1,4035 Figura 2. Exemplo de imagens de satélite de diferentes áreas obtidas a 10.000 pés de altitude e seus respectivos valores de Dimensão Fractal. Figura 3. Anéis concêntricos, apresentando as regiões a partir do marco central da cidade e sua Dimensão Fractal. informações sobre a superfície terrestre. Além disso, essas características estão também relacionadas com a qualidade de vida e o nível de desenvolvimento da região. Os resultados obtidos demonstram que a Dimensão Fractal Volumétrica é capaz de quantificar a complexidade dessas texturas, de modo a permitir a comparação e recuperação de imagens de diferentes regiões da cidade segundo o seu nível de desenvolvimento urbano, evidenciando, portanto, a existência de uma correlação entre as medidas realizadas pelo método e o desenvolvimento urbano. Agradecimentos Odemir M. Bruno agradece ao CNPq (Procs. #303746/2004-1 e #504476/2007-6) e a FAPESP (Proc. #06/54367-9). André R. Backes agradece a FAPESP (Proc. #06/54367-9) pelo apoio financeiro ao douto-
(a) (b) (c) Figura 4. Exemplos de recuperac a o de imagens por conteu do realizadas na base. rado. Adriana B. Bruno agradece ao CNPq pela bolsa de iniciac a o cientı fica. Mauro N. Barros Filho agradece a Facepe (BFP-0055-6.0407). Refere ncias [1] A. R. Backes, A. B. Bruno, M. N. B. Filho, and O. M. Bruno. Ana lise da complexidade de texturas em imagens urbanas utilizando dimensa o fractal. In IX Simpo sio Brasileiro de Geoinforma tica, pages 215 220, 2007. [2] A. R. Backes, A. B. Bruno, M. N. B. Filho, and O. M. Bruno. Dimensa o fractal aplicada em imagens de sate lite de a reas urbanas. In III Workshop de Visa o Computacional, pages, 2007. [3] A. R. Backes, D. Casanova, and O. M. Bruno. Plant leaf identification based on volumetric fractal dimension. International Journal of Pattern Recognition and Artificial Intelligence (to appear), 2008. [4] O. M. Bruno, R. de Oliveira Plotze, M. Falvo, and M. de Castro. Fractal dimension applied to plant identification. Information Sciences, 178(12):2722 2733, 2008. [5] M. Carlin. Measuring the complexity of non-fractal shapes by a fractal method. Pattern Recognition Letters, 21(11):1013 1017, 2000. [6] B. B. Chaudhuri and N. Sarkar. Texture segmentation using fractal dimension. IEEE Transactions on Pattern Analysis and Machine Intelligence, 17(1):72 77, 1995. [7] G. Dougherty and G. M. Henebry. Fractal signature and lacunarity in the measurement of the texture of trabecular bone in clinical CT images. Medical Engineering & Physics, 23(6):369 380, 2001. [8] K. J. Falconer. Fractal geometry : mathematical foundations and applications. Chichester ; New York : Wiley, 1990, 288 p. CALL NUM: QA614.86.F35 1990, 1990. [9] C. Iovan, D. Boldo, M. Cord, and M. Erikson. Automatic extraction and classification of vegetation areas from high resolution images in urban areas. In Scandinavian Conference on Image Analysis, pages 858 867, 2007. [10] J. Lourenc o, L. Ramos, R. A. R. Ramos, H. Santos, and D. Fernandes. Urban areas identification through clustering trials and the use of neural networks. 2005. [11] M. Pesaresi. Textural classification of very high-resolution satellite imagery: Empirical estimation of the relationship between window size and detection accuracy in urban environment. In International Conference on Image Processing, pages I:114 118, 1999. [12] R. O. Plotze, J. G. Padua, M. Falvo, M. L. C. Vieira, G. C. X. Oliveira, and O. M. Bruno. Leaf shape analysis by the multiscale minkowski fractal dimension, a new morphometric method: a study in passiflora l. (passifloraceae). Canadian Journal of Botany-Revue Canadienne de Botanique, 83:287 301, 2005. [13] M. Schroeder. Fractals, Chaos, Power Laws: Minutes From an Infinite Paradise. W. H. Freeman, 1996. [14] A. J. Tatem, H. G. Lewis, P. M. Atkinson, and M. S. Nixon. Super-resolution mapping of urban scenes from IKONOS imagery using a Hopfield neural network. IEEE, 2001. [15] C. Tricot. Curves and Fractal Dimension. Springer-Verlag, 1995.