fls. 23 Agravo n. 0309567-83.2017.8.24.0020/50000, de Criciúma Relator: Desembargador Hélio do Valle Pereira AGRAVO INTERNO OPTOMETRISTA NEGATIVA DE ALVARÁ SANITÁRIO RESTRIÇÃO AO LIVRE EXERCÍCIO DA PROFISSÃO QUE VAI DE ENCONTRO AO PREVISTO NA LEI 12.842/2013 E NO ART. 5º, XIII, DA CF/88 PRECEDENTES. A Lei 12.842/2013 trouxe novos contornos em relação ao exercício da medicina. Dentre as atividades elencadas como sendo privativas de médico, não consta aquela inerente ao profissional optometrista. Aliás, dispositivo que referendava esse posicionamento foi vetado pela Presidência da República. Daí por que, à luz do disposto no art. 5º, XIII, da CF/88, é indevida a negativa de fornecimento de alvará sanitário tendo por base unicamente a tese de que a atividade deve ser desenvolvida exclusivamente por médico oftalmologista. Agravo desprovido. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo n. 0309567-83.2017.8.24.0020/50000, da comarca de Criciúma 2ª Vara da Fazenda em que é agravante o Município de Criciúma e agravada Caires Clínica de Optometria Eireli. A Quinta Câmara de Direito Público decidiu, por unanimidade, conhecer e negar provimento ao recurso. Custas legais. Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Denise de Souza Luiz Francoski e Artur Jenichen Filho. Florianópolis, 16 de agosto de 2018. Desembargador Hélio do Valle Pereira Presidente e relator
fls. 24 RELATÓRIO Adoto o relatório já consignado na decisão que julgou monocraticamente o feito: 1. Caires Clínica de Optometria Eireli moveu ação de rito comum em relação ao Município de Criciúma sustentando ter-lhe sido negado alvará sanitário sob o argumento de que a atividade desenvolvida (identificação, diagnostico, correção e prescrição de soluções ópticas) é privativa de médico oftalmologista. Defendeu, em apertada síntese, ser empresa com habilitação técnica para o desempenho da optometria, cujo funcionamento não implica violação ao exercício da medicina. Finalizou requerendo a concessão de ordem judicial que autorize o seu funcionamento. A sentença foi de improcedência, pois se entendeu que a atividade desenvolvida encaixa-se no conceito de ato médico, privativa, portanto, de profissional da medicina. Vêm recursos de ambas as partes. A acionante reitera a ilegalidade da negativa de alvará, buscando reverter a decisão de primeiro grau. Já o Município de Criciúma pleiteia a majoração da verba honorária. Após contrarrazões, o Ministério Público opinou pelo conhecimento e provimento do recurso da autora. Não se manifestou, todavia, em relação ao recurso da municipalidade. Sobreveio, por último, requerimento de antecipação de tutela recursal. A demanda, como dito, foi decidida nos termos do art. 36, inc. XVII, al. c, do Regimento Interno deste Tribunal de Justiça (na redação do Ato Regimental 139/2016), dando-se provimento ao recurso da autora com o fim de afastar o óbice relativo ao exercício da atividade inerente à qualificação de optometrista para fins de expedição de alvará sanitário. O Município de Criciúma apresentou agravo interno, afirmando que o julgamento vai de encontro ao posicionamento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça acerca do tema. Além disso, reafirma que a apelação do particular afronta a dialeticidade, visto que não foram impugnados os termos da sentença, além de não ser admissível na hipótese o julgamento monocrático. Houve contrarrazões. 2
fls. 25 VOTO 1. Rejeito o possível óbice ao conhecimento da apelação. A questão é eminentemente jurídica. A autora, então apelante, apresentou sua tese quanto à legitimidade do exercício da profissão de optometrista. Já a sentença seguiu caminho restritivo, mas sem trazer propriamente uma linha argumentativa original em relação àquilo que muito amplamente é combatido pela acionante. Quer dizer, os fundamentos do recurso estavam muito bem postos, estando-se completamente distante de ofensa à dialeticidade. 2. O julgamento monocrático em si outro ponto criticado pela autora era admissível. O art. 36 do Regimento Interno deste Tribunal de Justiça permite que o relator, "depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária a súmula, enunciado ou jurisprudência dominante do próprio tribunal". Quer dizer, podemos ir além do posto no art. 932 do NCPC. 3. É pacífico o entendimento nesta Corte no sentido de que "Com o advento da Lei n. 12.842/2013 não há mais que se cogitar em interferência ilícita na atividade da medicina pelos profissionais graduados em optometria, substancialmente considerando que o dispositivo que previa como ato privativo da medicina a prescrição de órteses e próteses oftalmológicas restou vetado pela Presidente da República sob a justificativa de evitar um impacto negativo sobre o atendimento à saúde da população e, por outro lado, prestigiar o papel exercido por outros profissionais não médicos integrantes da área da saúde (como o Optometrista) no desenvolvimento de tais misteres (TJSC, rel. Des. Luiz Antônio Zanini Fornerolli)." (TJSC, AI 4021977-44.2017.8.24.0000, rel. Des. Pedro Manoel Abreu). 3
fls. 26 No mesmo sentido, aliás, decidiu recentemente esta 5ª Câmara de Direito Público: REEXAME NECESSÁRIO. 1) AÇÃO COMINATÓRIA C/C PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA QUE VISA A EXPEDIÇÃO DE ALVARÁ SANITÁRIO PARA O EXERCÍCIO DA ATIVIDADE PROFISSIONAL DE OPTOMETRISTA. 2) SENTENÇA QUE JULGOU O PEDIDO INICIAL PARCIALMENTE PROCEDENTE PARA AUTORIZAR A EXPEDIÇÃO DE ALVARÁ SANITÁRIO EM FAVOR DO AUTOR E DELIMITAR O EXERCÍCIO DA ATIVIDADE PELOS DECRETOS NS. 20.931/32 E 24.492/34. 3) TITULARIZAÇÃO ACADÊMICA QUE HABILITA A ATUAÇÃO PROFISSIONAL DO REQUERENTE. LIVRE EXERCÍCIO DO TRABALHO, OFÍCIO OU PROFISSÃO ASSEGURADO PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL (ART. 5º, INC. XIII). 4) RESTRIÇÕES AO EXERCÍCIO DA OPTOMETRIA PREVISTAS NOS DECRETOS NS. 20.931/32 E 24.492/34. DIPLOMAS OBSOLETOS E QUE NÃO MAIS SE APERFEIÇOAM À REALIDADE MODERNA. ENTENDIMENTO CONSOLIDADO PELO GRUPO DE CÂMARAS DE DIREITO PÚBLICO EM INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. QUESTÃO QUE MERECE SER REEXAMINADA APÓS A EDIÇÃO DA LEI N. 12.842/2013, QUE DISPÕE SOBRE O EXERCÍCIO DA MEDICINA. DIREITO ASSEGURADO AO OPTOMETRISTA AO EXERCÍCIO DE SUAS ATIVIDADES, RESSALVADAS AS FUNÇÕES INERENTES AO PROFISSIONAL DE OFTALMOLOGIA. 5) CONCESSÃO DE ALVARÁ EM FAVOR DO AUTOR MANTIDA. DECISÃO DE PRIMEIRO GRAU PARCIALMENTE ADEQUADA EM SEDE DE REEXAME NECESÁRIO, TÃO SOMENTE PARA VEDAR A PRÁTICA DAS ATIVIDADES PRIVATIVAS DE MÉDICOS OFTALMOLOGISTAS DESTACADAS NA LEI N. 12.842/2013. (RN 0500012-75.2010.8.24.0126, de Itapoá, rel.ª Des.ª Denise de Souza Luiz Francoski) De fato, a Lei 12.842/2013 trouxe novos contornos em relação ao exercício da medicina. Dentre as atividades elencadas como sendo privativas de médico, não consta aquela inerente ao profissional optometrista (identificação, diagnóstico, correção e prescrição de soluções ópticas). Aliás, dispositivo que 4
fls. 27 referendava esse posicionamento fora vetado pela Presidência da República. Daí por que, à luz do disposto no art. 5º, XIII, da CF/88, é indevida a negativa de fornecimento de alvará sanitário tendo por base unicamente a tese de que a atividade deve ser desenvolvida exclusivamente por médico oftalmologista. Por outro lado, também não vinga a alegação de que tal posicionamento contraria o entendimento da Corte Superior. Os precedentes citados pelo agravante não abordaram o tema a partir do definido pela Lei 12.842/2013, mas tão somente em relação ao contido nos Decretos n. 20.931/32 e 24.492/34. A inovação legislativa, como visto, veio em benefício da parte autora. Inclusive, tanto falta uma avaliação mais atual do STJ quanto ao assunto que lá se advertiu que "Com relação à inovação legislativa, qual seja, Lei n. 12.842/2013, cumpre asseverar que, não cabe a apreciação de direito superveniente invocado pela parte, somente perante o Superior Tribunal de Justiça, em razão do não cumprimento do requisito constitucional do prequestionamento" (AgRg no REsp 1.413.107/SC, rel. Min. Humberto Martins). Além do mais, ainda que sob a ótica da legislação passada, o próprio STJ possui precedentes favoráveis à emissão do alvará sanitário em casos como este: PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. PROFISSIONAL DA OPTOMETRIA. RECONHECIMENTO PELO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. PRECEDENTE/STJ. LEGITIMIDADE DO ATO. EXPEDIÇÃO DE ALVARÁ. DIREITO GARANTIDO SE PREENCHIDOS OS REQUISITOS SANITÁRIOS ESTIPULADOS NA LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA. 1. A jurisprudência desta Corte Superior possui entendimento de que reconhecida a formação profissional em optometria, inclusive pelo Ministério da Educação, não se pode negar a concessão de alvará sanitário para instalação e funcionamento do estabelecimento onde profissional devidamente habilitado irá desenvolver o seu labor, ressalvando-se que devem ser respeitados os limites legalmente impostos para o desempenho da atividade. Precedentes: REsp 5
fls. 28 975.322/RS, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 14/10/2008, DJe 3/11/2008; REsp 1.194.552/SC e REsp 1.261.642/SC, ambos de relatoria do Ministro Herman Benjamin; REsp 1.373.840/PR, Relator Ministro Castro Meira, REsp 1.308.813/MG e REsp 1.401.529 de minha relatoria. 2. Recurso especial a que se nega provimento. (REsp 1.601.283/BA, rel. Min. Og Fernandes) A perspectiva é de que haja consolidação desse pensamento liberal, e não o inverso. Seja como for, é evidente, a ordem para conceder o alvará de licença não representa uma permissão para realizar quaisquer condutas, mas aquelas que não valham pelo ato médico. Caso haja superação desse ponto, caberá obviamente o exercício do poder de polícia. Assim, conheço e nego provimento ao recurso. É o voto. 6