APELAÇÃO CÍVEL Nº 769.893-3 DA 10ª VARA CÍVEL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA APELANTE: APELADA: BANCO ITAÚ S/A MARILENE TEREZINHA DA SILVA RELATOR: Desembargador MÁRIO HELTON JORGE DIREITO CIVIL. APELAÇÃO. AÇÃO DE USUCAPIÃO ORDINÁRIO. ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA. JUSTO TÍTULO E BOA-FÉ. DEMONSTRAÇÃO DA POSSE AD USUCAPIONEM POR MAIS DE 10 ANOS CONSECUTIVOS. CUMPRIMENTO DO LAPSO TEMPORAL. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 1.242, DO CÓDIGO CIVIL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. REDUÇÃO. POSSIBILIDADE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 769.893-3, originária da 10ª Vara Cível do Foro Central Página 1 de 8
2 da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, em que é Apelante BANCO ITAÚ S/A e Apelada MARILENE TEREZINHA DA SILVA. I EXPOSIÇÃO DOS FATOS O réu, BANCO ITAÚ, interpôs APELAÇÃO CÍVEL (fls. 231/246) contra a sentença (fls. 226/229), que julgou procedente o pedido para o fim de declarar o domínio do imóvel descrito às fls. 06/07 em favor da autora, condenando os réus ao pagamento dos honorários da advogada da autora, no valor de R$ 12.000,00, e, também, as custas e as despesas processuais, nos autos nº 623/2008 de Ação de Usucapião ajuizada por MARILENE TEREZINHA DA SILVA. Inconformado, o apelante alegou, preliminarmente, a necessária extinção do processo sem julgamento do mérito, tendo em vista a inadequação da via eleita, nos termos do artigo 267, I c/c artigo 295, V, ambos do Código de Processo Civil. No mérito, asseverou que não se encontra presente o animus domini, requisito essencial para o deferimento do pedido de usucapião, uma vez que a posse da apelada é precária, haja vista a sua natureza contratual. Aduziu que, mesmo que se entenda pela inexistência da relação contratual de compromisso de compra e venda firmado entre a apelada e a ré CHM, ainda não estará caracterizado o requisito para a aquisição da usucapião, em razão da existência da hipoteca gravada sobre o imóvel. Disse que não se aplica, ao presente caso, a Súmula 308 do STJ, em virtude de que a hipoteca não pode ser extinta, pois não se pode transferir mais do que se tem ou transferir desoneradamente aquilo que está onerando por garantia real, devidamente levada a registro. Sustentou que deve ser excluída da sua condenação o ônus da sucumbência, sendo que não deu origem à causa, ou alternativamente, que seja fixada de forma proporcional à parte que cada um perdeu, com a sua diminuição. Página 2 de 8
3 Ao final, pediu o conhecimento e o provimento do recurso, para o fim de a) acolher a preliminar argüida, extinguindo o processo sem julgamento do mérito, nos termos do artigo 267, inciso I c/c artigo 295, inciso V, ambos do Código de Processo Civil; b) ultrapassada a preliminar, no mérito, seja provido o recurso para julgar improcedente a presente ação, em razão da inexistência do animus domini; c) sucessivamente, que seja assegurado o direito de seqüela, mantendo-se a hipoteca sobre o imóvel; d) que seja excluída a condenação do ônus de sucumbência ou que seja fixada de forma proporcional à parte que cada um perdeu. A autora, MARILENE TEREZINHA DA SILVA, apresentou contrarrazões (fl. 252/256), refutou todas as teses expendidas no recurso, pleiteando o seu não provimento. A Douta Procuradoria Geral da Justiça opinou pelo provimento do recurso, para o fim de que seja extinta sem julgamento do mérito a ação de usucapião, nos termos do artigo 267, I c/c artigo 295, V, ambos do Código de Processo Civil (fl. 268/273). É o relatório. II O VOTO E SEUS FUNDAMENTOS Presentes os pressupostos processuais de admissibilidade, o recurso deve ser conhecido. Trata-se de recurso de Apelação interposto contra a sentença, que julgou procedente o pedido de usucapião, nos autos nº 623/2008 de Ação de Usucapião. Primeiramente, quanto à preliminar argüida pelo apelante, apontando a necessidade de extinção do processo, sem Página 3 de 8
4 resolução do mérito, ante a inadequação da via eleita pela autora, em verdade envolve o mérito da pretensão, uma vez que a discussão recai sobre a posse exercida pela apelada, devendo ser afastada a prejudicial, para desde logo resolver o mérito. No presente caso, faz-se necessário destacar o artigo 1.242, do Código Civil: Art. 1242 Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos. Parágrafo único. Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico. A propósito, verifica-se que a apelada demonstrou a aquisição do imóvel em 1996, pela Escritura Pública de Compra e Venda celebrada com a CHM CONSTRUÇÃO CIVIL LTDA (fl. 39/40). Nesse passo, constata-se pela analise dos documentos anexados ao processo, que ficou claramente demonstrada à existência do ânimo de dono pela apelada, eis que pagou a integralidade do imóvel e nele reside há mais de 10 anos, utilizando-o para moradia própria e de sua família, mediante posse mansa e pacifica. Sobre esse assunto, a 3º Turma do Superior Tribunal de Justiça no REsp 1998/0069076-0, vem admitindo o compromisso de compra e venda, mesmo não registrado e sem cláusula de irretratabilidade, como título justo e apto a justificar a boa-fé do Página 4 de 8
5 compromissário comprador ao possuir, com ânimo de dono, o imóvel usacapiendo. Nessa seqüência, deve ser ressaltando que...o usucapiente precisar estar atento para o dies a quo do prazo que perfaz a duração da posse. Segundo entendimento predominante, o prazo de 10 anos fixados no art. 1.242 tem começo, não da data da celebração do compromisso de venda, mas no dia em que o preço estiver totalmente pago, porquanto é de se presumir que só a partir desse dia o compromissário comprador passa a ter a convicção íntima de que se tornou efetivamente dono do imóvel e a exercer, em toda plenitude, a posse animus domini (Usucapião Ordinário no Novo Código Civil, Publicada na Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil nº 24 JUL AGO/2003, pág 145) ( In Júris Síntese DVD nº 86, Jul Ago 2010). Desse modo, em vista de a apelada ter integralizado o pagamento do valor do imóvel antes de ser lavrada a Escritura Pública de Compra e Venda (fl. 39/40) comprova que está no imóvel há mais de 10 anos e com o ânimo de dono. Sob esse aspecto, destaca-se o estudo do professor CARLOS JOSÉ CORDEIRO, da UFU/MG, que diz: Segundo o Prof. NÉLSON LUIZ PINTO, não se pode deixar de reconhecer ao compromissáriocomprador, que quita o preço, o animus domini, a intenção de possuir a coisa como sua, como proprietário, independentemente de estar ou não o instrumento registrado. As formalidades legais, inclusive a transcrição, devem ter em vista a interpretação da lei em função da realidade social, adequando os institutos jurídicos aos anseios da coletividade, referindo, então: Dessa forma, conclui o citado professor que não é só o compromisso de compra e venda como qualquer outro documento que retrate uma justa causa possessiones, posse com animus domini, e que possibilitaria ao possuidor futura transcrição desse documento ou Página 5 de 8
6 substituição por outro definitivo, como é o caso, por exemplo, da promessa de cessão de direitos hereditários, de dação em pagamento, etc., desde que, naturalmente, cumprida a contraprestação do adquirente (Usucapião. Publicada na RJ nº 228 OUT/1996. pág 18) ( In : Júris Síntese DVD nº 86, Jul Ago- 2010). Assim, flagrante que a apelada detém posse ad usucapionem, ou seja, aquela que se exerce com a intenção de dono cum animo domini. Nesse sentido: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO ORDINÁRIO. (...). CONTRATO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. JUSTO TÍTULO E BOA-FÉ. DEMONSTRAÇÃO DA POSSE AD USUCAPIONEM POR MAIS DE 10 ANOS CONSECUTIVOS. INCIDÊNCIA DO ART. 551 DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. CUMPRIMENTO DO LAPSO TEMPORAL. MANUTENÇÃO DA VERBA HONORÁRIA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1. (...). 2. A doutrina mais recente vem reconhecendo o compromisso de compra e venda como justo título para os efeitos de usucapião ordinário, o que vem repercutindo em vários julgados (RT 566/97; 432/84 e LEX 226/109), sendo hábil para gerar usucapião ordinário (art. 551/CC/1916 e art. 1242/CC/2002). 3. Preenchido o lapso temporal e os demais requisitos atinentes a espécie da usucapião ordinária, deve ser mantida a sentença que reconheceu a aquisição da propriedade em favor da parte autora. 4. Recurso à que Página 6 de 8
7 se nega provimento. (TJPR, 17º C.Cível, AC nº 478847-4, Rel. Francisco Jorge, DJ.: 28.04.2009). Portanto, restam preenchidos os requisitos do artigo 1.242, do Código Civil. Quanto à alegação de que não se aplica, ao presente caso, a Súmula 308 do STJ, em virtude de que a hipoteca não pode ser extinta, pois não se pode transferir mais do que se tem ou transferir desoneradamente aquilo que está onerando por garantia real, devidamente levada a registro, não merece prosperar. Em razão da apelada ter cumprido com a integralidade da obrigação assumida, faz jus a aquisição do imóvel, sem qualquer gravame, cabendo ao apelante adotar as providências que lhe convier para obter seu crédito junto à CHM CONSTRUÇÃO CIVIL LTDA a quem concedeu o financiamento. Por fim, observa-se que o apelante postulou a exclusão de sua condenação ao ônus de sucumbência, uma vez que não deu origem a causa; contudo, não merece prosperar, pois por mais que não tenha dado origem à causa, contestou alegando direito impeditivo ao direito da apelada (fl. 95/101), na qual foi parte vencida, logo houve sucumbência. No entanto, quanto à alegação de que o valor a ser fixado dos ônus sucumbências deve ser de forma proporcional à parte que cada um perdeu, merece prosperar. Observa-se que o apelante foi sucumbente em quantia proporcionalmente menor, na medida em que defendeu apenas a garantia que recai sobre o imóvel. Página 7 de 8
8 Dessa forma, o valor fixado (R$ 12.000,00) revelase excessivo se confrontando com os parâmetros descritos nas alíneas do 3º do art. 20 do Código de Processo Civil, considerando o tempo de tramitação da demanda, as intervenções dos procuradores no feito, o fato de o processo ter sido julgado antecipadamente. Assim, deve ser reduzido o valor da verba honorária para R$ 2.500,00. Ante o exposto, conclui-se que pelo parcial provimento do recurso, para reduzir o valor dos honorários advocatícios fixados para R$ 2.500,00, devendo ser mantida a sentença nos demais termos. III DISPOSITIVO ACORDAM os integrantes da Décima Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em dar parcial provimento ao recurso, para reduzir o valor dos honorários advocatícios fixados para R$ 2.500,00, nos termos do voto e sua fundamentação. O julgamento foi presidido pelo Desembargador LAURI CAETANO DA SILVA (com voto) e dele participou o Desembargador VICENTE DEL PRETE MISURELLI. Curitiba (PR), 21 de setembro de 2011. MÁRIO HELTON JORGE Relator Página 8 de 8