Investigação sorológica em cães de área endêmica de leishmaniose tegumentar, no Estado do Paraná, Sul do Brasil 1



Documentos relacionados
Aspectos epidemiológicos da leishmaniose tegumentar em área endêmica do Estado do Paraná, Brasil 1

JAIRO RAMOS DE JESUS*, FLÁVIO ANTÔNIO PACHECO DE ARAUJO*, SILVIA SPALDING***, e FÁTIMA TIECHER****

PUBVET, Publicações em Medicina Veterinária e Zootecnia.

PUBVET, Publicações em Medicina Veterinária e Zootecnia. Disponível em: <

Controle de Flebotomíneos com DDT, em Área Endêmica de Leishmaniose Tegumentar no Estado do Paraná, Sul do Brasil.

SUSCETIBILIDADE AO BENZONIDAZOL DE ISOLADOS DE Trypanosoma cruzi DA AMAZÔNIA BRASILEIRA

Aspectos epidemiológicos da leishmaniose tegumentar americana em Varzelândia, Minas Gerais, Brasil

PREVALÊNCIA DE LEISHMANIOSE EM CÃES ATENDIDOS NO HOSPITAL VETERINÁRIO DA FACULDADE DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS DE ANDRADINA SP

Informe Epidemiológico CHIKUNGUNYA N O 03 Atualizado em , às 11h.

VIGILÂNCIA DE HIV EM SANGUE DOADO: TENDÊNCIA DE SOROPREVALÊNCIA

Aos bioquímicos, técnicos de laboratório e estagiários do setor de imunologia e hematologia.

Prováveis causas para agressividade canina e os ataques de cães nas Cidades Brasileiras

Métodos sorológicos de Diagnóstico e Pesquisa. Reação Ag-Ac in vitro

PROGRAMAÇÃO DAS AÇÕES DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE /2009

Pesquisador em Saúde Pública. Prova Discursiva INSTRUÇÕES

29º Seminário de Extensão Universitária da Região Sul A LEISHMANIOSE TEGUMENTAR AMERICANA EM PACIENTES DA 13ª REGIONAL DE SAÚDE DO ESTADO DO PARANÁ

ANEXO II. 1 HEPATITE B VÍRUS DA HEPATITE B (Hepatitis B Vírus HBV)

A urbanização das leishmanioses e a baixa resolutividade diagnóstica em municípios da Região Metropolitana de Belo Horizonte

A Secretária de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde, no uso de suas atribuições, e considerando:

PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DA LEISHMANIOSE VISCERAL AMERICANA NA CIDADE DE GUANAMBI-BA

MÉTODOS PARA DIAGNÓSTICO DA LEISHMANIOSE TEGUMENTAR AMERICANA - Revisão

DÚVIDAS FREQUENTES SOBRE LEISHMANIOSE VISCERAL CANINA (LVC)

INTERAÇÃO HOMEM x ANIMAL SOB A PERSPECTIVA DO PRODUTOR RURAL ESTUDO PRELIMINAR. ¹ Discente de Medicina Veterinária UNICENTRO

EDITAL DE SELEÇÃO DE ESTÁGIO VOLUNTÁRIO N.º

Sumário PNAD/SIMPOC 2001 Pontos importantes

Dengue: situação epidemiológica e estratégias de preparação para 2014

DIAGNÓSTICO DE DERMATOPATIAS EM EQUINOS ATRAVÉS DO MÉTODO DE TRICOGRAMA

NOTA TÉCNICA 2. Investigação de casos de Encefalite Viral de Saint Louis, notificados no município de São José do Rio Preto SP, agosto de 2006.

DESAFIOS NO DIAGNOSTICO LABORATORIAL DO SARAMPO NA FASE DE ELIMINAÇÃO. Marta Ferreira da Silva Rego

Boletim Epidemiológico UHE Santo Antônio do Jari

O CUIDADO PRESTADO AO PACIENTE ONCOLÓGICO PELA EQUIPE MULTIPROFISSIONAL DO PROGRAMA SAÚDE DA FAMÍLIA

A experiência do município de Paraty (Rio de Janeiro, Brasil) na prevenção e controle da leishmaniose tegumentar americana

PALAVRAS-CHAVE: diagnóstico laboratorial; leishmaniose visceral americana; reservatório doméstico; sorologia.

INSTITUTO FEDERAL CATARINENSE CÂMPUS ARAQUARI CURSO DE BACHARELADO EM MEDICINA VETERINÁRIA

Aos bioquímicos, técnicos de laboratório e estagiários do setor de imunologia.

Leishmaniose visceral americana: situação atual no Brasil Leishmaniasis: current situation in Brazil

Faculdades Einstein de Limeira Biomedicina. SÍFILIS Diagnóstico Laboratorial

ESTUDO DE CASOS DAS DOENÇAS EXANTEMÁTICAS

DOENÇA DIARREICA AGUDA. Edição nº 9, fevereiro / 2014 Ano III. DOENÇA DIARRÉICA AGUDA CID 10: A00 a A09

CAT. Perguntas e Respostas sobre a. Telefones úteis:

Liderança Feminina. Que tipo de clima as altas executivas geram em suas equipes? Setembro/2009

Manual do Doador Voluntário de Medula Óssea

Diarreicas Agudas e CóleraC

INDICAÇÕES BIOEASY. Segue em anexo algumas indicações e dicas quanto à utilização dos Kits de Diagnóstico Rápido Bioeasy Linha Veterinária

ROTEIRO PARA ELABORAÇÃO DE PROJETOS

GRUPO HOSPITALAR CONCEIÇÃO HOSPITAL NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO LABORATÓRIO DE ANÁLISES CLÍNICAS

COMPROMETIMENTO COM OS ANIMAIS, RESPEITO POR QUEM OS AMA.

TÉCNICA EM LABORATÓRIO/HEMOTERAPIA

Acesso à Internet e à televisão e posse de telefone móvel celular para uso pessoal

A DIFERENCIAÇÃO DA RENDA DO TRABALHO NAS REGIÕES SUL E SUDESTE DO BRASIL

Prevalência da distribuição do Sistema ABO entre doadores de sangue do Hemocentro Regional de Jataí-Goiás.

Lílian Maria Lapa Montenegro Departamento de Imunologia Laboratório rio de Imunoepidemiologia

PNAD - Segurança Alimentar Insegurança alimentar diminui, mas ainda atinge 30,2% dos domicílios brasileiros

EDUCAÇÃO AMBIENTAL E BEM ESTAR ANIMAL: ATUAÇÃO DE PROFESSORES DA VILA FLORESTAL EM LAGOA SECA/PB

ANÁLISE DA TENDÊNCIA DO SETOR DE CONSTRUÇÃO CIVIL EM MARINGÁ

Alcançado (b) Número total de casos notificados. Número total de notificações negativas recebidas

Espacialização da leishmaniose tegumentar na cidade do Rio de Janeiro. Spatial distribution of tegumentary leishmaniasis in the city of Rio de Janeiro

PROGRAMA DE BOLSAS DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA DA UNIEVANGÉLICA /2016. Projeto de Pesquisa do Coordenador e Subprojeto do Discente

INFORMATIVO MENSAL ANO 01 NÚMERO 14 MARÇO DE 2001 APRESENTAÇÃO

ANTI IgG (Soro de Coombs)

LEVANTAMENTO DOS DADOS DOS ATENDIMENTOS ULTRASSONOGRÁFICOS DO SERVIÇO DE DIAGNÓSTICO POR IMAGEM DO HV/EVZ/UFG

Programa para seleção pública do AGENTE DE COMBATE A ENDEMIAS I

Imunocromatografia e Dot-ELISA. Andréa Calado

O MUNDO DAS FORMIGAS LAMANA, Isabel C. A. C. MESSIAS, Leidi Renata SPRESSOLA, Nilmara H.

REPRODUTIBILIDADE DOS RESULTADOS DE ANTICORPOS ANTI- HIV EM AMOSTRAS DE SORO ARMAZENADAS POR PERÍODOS DE DOIS A DEZOITO ANOS.

NOTA TÉCNICA

Equipe: Ronaldo Laranjeira Helena Sakiyama Maria de Fátima Rato Padin Sandro Mitsuhiro Clarice Sandi Madruga

OMS: ACTUALIZAÇÃO DO ROTEIRO DE RESPOSTA AO ÉBOLA 22 de Setembro de 2014

CATEGORIA: EM ANDAMENTO ÁREA: CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E SAÚDE SUBÁREA: MEDICINA VETERINÁRIA INSTITUIÇÃO: CENTRO UNIVERSITÁRIO ANHANGUERA DE NITERÓI

ACIDENTES DE TRABALHO COM MATERIAL BIOLÓGICO E/OU PERFUROCORTANTES ENTRE OS PROFISSIONAIS DE SAÚDE

ESPACIALIZAÇÃO E ESTUDO DA LEISHMANIOSE VISCERAL EM MONTES CLAROS-MG 1

ANÁLISE HISTOPATOLÓGICA E PARASITOLÓGICA DE GLÂNDULA ADRENAL DE CÃES NATURALMENTE INFECTADOS POR LEISHMANIA SPP.

GOVERNO DO ESTADO DA BAHIA Secretaria da Saúde do Estado da Bahia Superintendência de Vigilância e Proteção da Saúde

III - PERCEPÇÃO DA LIMPEZA PÚBLICA PELA POPULAÇÃO DO MUNICÍPIO DO NATAL

CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA

ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE PREFEITURA MUNICIPAL DE MOSSORÓ SECRETARIA MUNICIPAL DA CIDADANIA

DESENVOLVIMENTO DE UM SOFTWARE NA LINGUAGEM R PARA CÁLCULO DE TAMANHOS DE AMOSTRAS NA ÁREA DE SAÚDE

ALBUMINA BOVINA 22% PROTHEMO. Produtos Hemoterápicos Ltda. PARA TESTES EM LÂMINA OU TUBO SOMENTE PARA USO DIAGNÓSTICO IN VITRO

Sumário Executivo Pesquisa Quantitativa Regular. Edição n 05

Diogo Penha Soares

ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA NO SUS Claudia Witzel


NORMAS PARA APRESENTAÇÃO DE RESUMOS PARA A VI JORNADA CIENTÍFICA DO HOSPITAL DE DOENÇAS TROPICAIS HDT/HAA

Regulamenta o uso de testes rápidos para diagnóstico da infecção pelo HIV em situações especiais.

Briefing. Boletim Epidemiológico 2010

O que mudou? Para fins de busca de caso de TB pulmonar deve ser considerado sintomático respiratório o indivíduos que apresente:

PROVA DE CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS Cód. 42

TESTES DIAGNÓSTICOS PARA LEISHMANIOSE VISCERAL ATUALIDADE E PERSPECTIVAS DIAGNOSIS TESTS FOR VISCERAL LEISHMANIASIS PRESENT AND PERSPECTIVES

Descobrindo o valor da

ESTUDO EPIDEMIOLÓGICO DE INFECCÕES PELO VÍRUS DA LEUCEMIA E IMUNODEFICIÊNCIA FELINA, EM GATOS DOMÉSTICOS DO MUNICÍPIO DE MARINGÁ

A MULHER EMPREENDEDORA DA REGIÃO METROPOLITANA DE MARINGÁ

Diagnóstico Laboratorial de Chikungunya

INSTRUÇÃO DE SERVIÇO DDA 04/03

Radiology: Volume 274: Number 2 February Amélia Estevão

Avanços na transparência

Transcrição:

ARTIGO ARTICLE 89 Investigação sorológica em cães de área endêmica de leishmaniose tegumentar, no Estado do Paraná, Sul do Brasil 1 Thaís Gomes V. Silveira 2 Ueslei Teodoro 2 Maria Valdrinez C. Lonardoni 2 Max Jean Ornelas de Toledo 2 Dennis Armando Bertolini 2 Sandra Mara A. A. Arraes 2 Dirceu Vedovello Filho 3 Serologic survey of dogs in an endemic area of tegumentary leishmaniasis in Paraná State, southern Brazil 1 1 Pesquisa financiada pela Fundação Nacional de Saúde e Secretaria de Estado da Saúde do Paraná. 2 Departamento de Análises Clínicas, Universidade Estadual de Maringá. Av. Colombo 5790, Maringá, PR 87020-900, Brasil. 3 15 a Regional de Saúde de Maringá, Rua Demétrio Ribeiro 50, Maringá, PR 87020-900, Brasil. Resumo A crescente notificação de leishmaniose tegumentar no Estado do Paraná requer a busca de explicações para o esclarecimento da epidemiologia desta doença e dos meios para o seu controle. Realizou-se um inquérito sorológico para investigar leishmaniose tegumentar em cães de seis propriedades agrícolas da Companhia Melhoramentos Norte do Paraná, situadas nos municípios de Jussara e Terra Boa, no Noroeste do Estado do Paraná. Foram investigados 132 cães, dos quais 24 (18,2%) apresentaram títulos significativos de anticorpos através da técnica de Imunofluorescência Indireta (IFI). De seis cães apresentando lesões foram feitas lâminas de esfregaço por aposição, as quais foram negativas para Leishmania sp. à microscopia direta. Palavras-chave Leishmaniose; Leishmania sp.; Leishmaniose Canina; Epidemiologia; Zoonose Abstract Increased reporting of mucocutaneous leishmaniasis in the State of Paraná points to the need for information on both this disease s epidemiology and pertinent control measures. A serological survey was thus performed, with indirect immunofluorescence (IIF) for canine leishmaniasis in farm operations belonging to the Companhia Melhoramentos Norte do Paraná, in Jussara and Terra Boa counties, in northwestern Paraná. IIF was performed on 132 dogs, of which 24 (18.2%) had significant titers ( 40). Imprints of six dogs with lesions were made and all were negative for Leishmania sp. Key words Leishmaniasis; Leishmania sp.; Canine Leishmaniasis; Epidemiology; Zoonosis

90 SILVEIRA, T. G. V. ET AL. Introdução A leishmaniose tegumentar (LT) é uma doença endêmica no Brasil (Coutinho et al., 1981; Guimarães et al., 1983; Grimaldi et al., 1989), com número crescente de casos notificados (Vieira et al., 1990; FNS, 1993), em áreas que sofreram grandes alterações antrópicas (Dias et al., 1977; Barreto et al., 1984; Barros et al., 1985). No Noroeste do Estado do Paraná a doença tem perfil endêmico (Verzignassi et al., 1988; Teodoro et al., 1991; Silveira et al., 1992, 1994), mas nos últimos três anos a notificação de casos aumentou significativamente (comunicação pessoal de E. A. Fukui, Diretora da 15 a Regional de Saúde e J. F. Konolsaisen, Centro de Epidemiologia, Secretaria de Estado da Saúde do Paraná). A participação de animais domésticos no ciclo epidemiológico da LT nas Américas é conhecida desde o início deste século (Falqueto et al., 1986). No Brasil a presença de cães infectados por Leishmania sp. tem sido freqüente em áreas endêmicas (Dias et al., 1977; Falqueto et al., 1986; Marzochi et al., 1988; Sessa et al., 1994). Na região Noroeste do Estado do Paraná, também foi constatada a presença de cães infectados (Lonardoni et al., 1993). Nas áreas endêmicas onde a LT ocorre em crianças e adultos de ambos os sexos, com freqüência os cães estão infectados por Leishmania sp. (Coutinho et al., 1985; Falqueto et al., 1986) e os flebotomíneos são muito freqüentes no peridomicílio (Teodoro et al., 1993). Com o objetivo de conhecer a epidemiologia da LT no Estado do Paraná, realizou-se inquérito sorológico em cães de seis propriedades agrícolas da Companhia Melhoramentos Norte do Paraná nos municípios de Jussara e Terra Boa, noroeste do Estado do Paraná. Material e Métodos População canina Foram investigados 132 cães em seis propriedades agrícolas da Companhia Melhoramentos Norte do Paraná, nos anos de 1992 e 1993. Na Fazenda Palmital foram estudados 32 cães e 42 na Fazenda Mururê, ambas situadas no Município de Terra Boa. No município de Jussara foram investigados 12 cães na Cerâmica Andirá, 20 na Fazenda Jussara, 23 na Fazenda Lagoa e três nas Destilarias Melhoramentos. Estes animais foram examinados, procurandose verificar a existência de lesões, especialmente nas partes expostas do corpo como orelhas, cauda, focinho e escroto. As informações sobre os cães constam de fichas com nome, raça e idade do cão, nome e endereço do proprietário. Soros De cada um dos cães, obteve-se amostra de sangue venoso. O soro sanguíneo foi separado, aliquotado e armazenado a 18º C até o uso. Reação de imunofluorescência indireta para leishmaniose (IFI) O antígeno foi preparado com Leishmania (Viannia) braziliensis conforme Silveira et al. (1990). A reação de IFI para leishmaniose foi realizada conforme Guimarães et al. (1974). Inicialmente realizou-se uma reação qualitativa com os soros diluídos a 1/20 em solução salina tamponada com fosfato (SST). Os soros que apresentaram-se positivos nesta reação foram então diluídos a partir de 1/20 em SST, em razão 2, para a determinação de seu título. Utilizou-se conjugado anti-imunoglobulina G de cão isotiocianato de fluoresceína (Sigma) padronizado conforme Camargo (1973). Títulos iguais ou superiores a 40 foram considerados significativos (Marzochi et al., 1988). Reação de Imunofluorescência Indireta para doença de Chagas Utilizou-se antígeno de Trypanosoma cruzi (Biolab) e conjugado anti-imunoglobulina G de cão-isotiocianato de fluoresceína (Sigma) padronizado conforme Camargo (1973). A reação foi realizada conforme Camargo (1966), sendo os soros diluídos a partir de 1/20 em SST. Pesquisa de Leishmania sp. Dos cães que apresentavam lesão cutânea no momento da investigação, foi obtido material através de biópsia da borda da lesão. Este material foi utilizado para pesquisa de Leishmania sp. através de esfregaço por aposição em lâminas, as quais foram fixadas em metanol e coradas pelo método de Giemsa. Este mesmo material, conservado em solução salina fisiológica contendo 1.000 UI de penicilina e 1 mg de estreptomicina por ml, foi triturado e inoculado nas patas posteriores de hamsters. Análise estatística A análise de proporções foi realizada utilizando-se o software Microstat.

LEISHMANIOSE TEGUMENTAR CANINA 91 Resultados A Tabela 1 mostra a distribuição dos cães com títulos de anticorpos significativos na IFI para LT e dos cães com lesão, nas localidades estudadas. Dos 132 cães examinados, 24 (18,2%) apresentaram títulos de anticorpos anti-leishmania iguais ou superiores a 40 através da técnica de IFI. Foram observadas lesões em quatro (16,7%) dos cães com IFI positiva e em dois (1,9%) dos cães com IFI negativa. Estes seis cães com lesões foram submetidos à biópsia e todos foram negativos para Leishmania sp. ao exame microscópico direto e os hamsters inoculados com os materiais das biópsias não desenvolveram LT. O percentual de cães, na Fazenda Jussara, com títulos de anticorpos significativos na IFI para leishmaniose foi superior ao encontrado na Fazenda Mururê (p< 0,01) mas não foi estatisticamente diferente dos percentuais encontrados nas outras localidades (p>0,05). Na Tabela 2 são encontrados os resultados das reações de IFI para LT e Doença de Chagas dos cães que apresentaram títulos de anticorpos 40 na IFI para LT. Pode-se observar que todos os 24 cães tiveram títulos de anticorpos para T. cruzi inferiores aos títulos de anticorpos para Leishmania sp. Discussão A leishmaniose tegumentar constitui um problema de saúde no Brasil (Guimarães et al., 1983; Grimaldi et al., 1989), inclusive no Estado do Paraná (Verzignassi et al., 1988; Teodoro et al., 1991; Silveira et al., 1992; Silveira et al., 1994). A presença de cães infectados em áreas endêmicas de leishmaniose tegumentar tem sido investigada, considerando seu papel como reservatório na cadeia de transmissão de Leishmania sp. nos ambientes domiciliar e peridomiciliar (Falqueto et al., 1986; 1991; Barreto et al., 1984; Coutinho et al., 1985; Sessa et al.,1994). Na região Noroeste do Estado do Paraná, Lonardoni et al. (1993) registraram a presença de cães infectados por Leishmania (Viannia) braziliensis. A pesquisa de anticorpos em cães de área endêmica de leishmaniose tegumentar vem sendo realizada com o uso da técnica de IFI, e títulos significativos de anticorpos têm sido demonstrados em cães portadores ou não de lesões. Percentuais de cães com sorologia positiva, semelhantes aos encontrados neste trabalho (18,2%), foram relatados por Marzochi et al. (1988) em uma zona endêmica no Rio de Janei- Tabela 1 Distribuição dos cães com títulos significativos de anticorpos na reação de Imunofluorescência Indireta para leishmaniose tegumentar e número de cães com lesão, dos 132 cães estudados em seis localidades da região Noroeste do Estado do Paraná, em 1992 e 1993. Localidade no de cães examinados com IFI positiva % com lesão 1) Fazenda Palmital 32 4 12,5 5 2) Cerâmica Andirá 12 2 16,6 1 3) Fazenda Jussara 20 8 40,0 4) Fazenda Lagoa 23 6 26,1 5) Destilaria Melhoramentos 3 1 33,3 6) Fazenda Mururê 42 3 7,1 Total 132 24 18,2 6 *Análise de Proporções: 1 e 2) Z=-0,359; p=0,3599 1 e 3) Z=-2,290; p=0,0110 1 e 4) Z=-1,289; p=0,0988 1 e 5) Z=-0,986; p=0,1621 1 e 6) Z=0,780; p=0,2177 Tabela 2 2 e 3) Z=-1,379; p=0,0840 2 e 4) Z=-0,630; p=0,2644 2 e 5) Z=-0,645; p=0,2593 2 e 6) Z=1,004; p=0,1577 3 e 4) Z=0,971; p=0,1657 Resultados das reações de imunofluorescência indireta (IFI) para leishmaniose tegumentar e Doença de Chagas, dos cães que apresentaram títulos 40 na imunofluorescência para leishmaniose tegumentar. Cão Título de Anticorpos na IFI no Leishmaniose Doença de Chagas 33 40 20 36 320 20 37 320 80 38 320 80 44 80 20 46 160 20 56 80 20 58 160 20 63 80 20 64 80 20 66 80 20 67 160 20 69 160 40 70 160 40 76 320 40 79 40 20 84 40 20 87 80 20 90 80 20 92 80 20 96 40 20 98 80 20 113 40 20 128 80 20 3 e 5) Z=0,221; p=0,4127 3 e 6) Z=3,166; p=7,733 x 10-4 4 e 5) Z=-0,266; p=0,3951 4 e 6) Z=2,114; p=0,0172 5 e 6) Z=1,540; p=0,0618

92 SILVEIRA, T. G. V. ET AL. ro, onde 22,9% (11/48) dos cães tinham títulos de anticorpos maiores ou iguais a 40, sendo que dos 11 somente nove apresentavam lesões ulceradas. Pirmez et al. (1988) detectaram títulos de anticorpos através da IFI em 32 dentre 35 cães com suspeita de leishmaniose tegumentar, em Jacarepaguá RJ, sendo demonstrada a presença de Leishmania sp. em 32 deles. Falqueto et al. (1986) estudaram 186 cães de uma região endêmica do Espírito Santo, sendo que 46 deles apresentavam lesões suspeitas e 31 estavam parasitados por leishmânias. Dias et al. (1977) investigaram 355 cães em área endêmica de Minas Gerais e encontraram 27 com lesões ou manchas hipocrômicas, 11 dos quais foram encontrados parasitados, sendo que em apenas seis o esfregaço por aposição foi positivo. Para estes últimos autores, o esfregaço por aposição não constitui processo ideal para diagnóstico de leishmaniose tegumentar, devido ao baixo número de parasitas presentes nas lesões, tornando-se necessário o exame de várias preparações para a detecção de formas amastigotas nas lesões dos cães, o que talvez justifique os resultados negativos neste trabalho, pois de cada cão foram confec- cionadas apenas três lâminas para exame microscópico direto. Os ambientes domiciliares e peridomiciliares na Fazenda Jussara são mais favoráveis à ocorrência do ciclo de transmissão de Leishmania sp. pela presença de cães com títulos significativos de anticorpos e de cães infectados (Lonardoni et al., 1993); além disso, tem sido grande o número de flebotomíneos capturados nesta fazenda (Teodoro et al., 1994). Conclusão O elevado número de cães com sorologia positiva para leishmaniose tegumentar explica, em parte, a alta endemicidade da doença na região Noroeste do Estado do Paraná. Nossos resultados mostram que o cão pode ser um importante reservatório doméstico de Leishmania sp. à semelhança do que acontece em outras áreas endêmicas do Brasil. No entanto, há necessidade de se ampliar a área de abrangência deste tipo de estudo para melhor conhecimento da epidemiologia da leishmaniose tegumentar no Estado do Paraná. Agradecimentos À Companhia Melhoramentos Norte do Paraná pelo auxílio imprescindível à realização deste trabalho. À Drª Marta de Lana da Universidade Federal de Ouro Preto pela doação de soro de cão chagásico. Aos técnicos de laboratório Luiz Saraiva Arraes, João Balduíno Kuhl, Sandra Vieira da Silva e Dilma Figueiredo Botter, pelo apoio técnico. Referências BARROS, G. C.; SESSA, P. A.; MATTOS, E. A.; CARIAS, V. R. D.; MAYRINK, W.; ALENCAR, J. T. A.; FAL- QUETO, A. & JESUS, A. C., 1985. Foco de leishmaniose tegumentar americana nos municípios de Viana e Cariacica, Estado do Espírito Santo, Brasil. Revista de Saúde Pública, 19:146-153. BARRETO, A. C.; CUBA, C. A. C.; VEXENAT, J. A.; ROSA, A. C.; MARSDEN, P. D. & MAGALHÃES, A. V., 1984. Características epidemiológicas da leishmaniose tegumentar americana em uma região endêmica do Estado da Bahia. II Leishmaniose canina. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, 17:59-65. CAMARGO, M. E., 1966. Fluorescent antibody test for the serodiagnosis of american trypanosomiasis. Technical modification employing culture forms of Trypanosoma cruzi in a slide test. Revista do Instituto de Medicina tropical de São Paulo, 8:227-234.

LEISHMANIOSE TEGUMENTAR CANINA 93 CAMARGO, M. E., 1973. Introdução às Técnicas de Imunofluorescência. São Paulo: Instituto de Medicina Tropical de São Paulo. COUTINHO, S. G.; MARZOCHI, M. C. A.; SOUZA, W. J. S. & AMENDOEIRA, M. R. R., 1981. Leishmaniose tegumentar americana. Jornal Brasileiro de Medicina, 41:104-118 COUTINHO, S. G.; NUNES, M. P.; MARZOCHI, M. C. A. & TRAMONTANO, N., 1985. A survey for american cutaneous and visceral leishmaniasis among 1342 dogs from areas in Rio de Janeiro (Brazil) where the human diseases occur. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, 80:17-22. DIAS, M.; MAYRINK, W.; DEANE, L. M.; DA COSTA, C. A.; MAGALHÃES, P. A.; MELO, M. N.; BATISTA, S. M.; ARAÚJO, F. G.; COELHO, M. V. & WILLIAMS, P., 1977. Epidemiologia da leishmaniose tegumentar americana. I Estudo de reservatórios em área endêmica no Estado de Minas Gerais. Revista do Institulo Medicina Tropical de São Paulo, 19:403-410. FALQUETO, A.; COURA, J. R.; BARROS, G. C.; GRI- MALDI Fº, G.; SESSA, P. A.; CARIAS, V. R. D.; JE- SUS, A. C. & ALENCAR, J. T. A., 1986. Participação do cão no ciclo de transmissão da leishmaniose tegumentar no município de Viana, Estado do Espírito Santo, Brasil. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, 81:155-163. FALQUETO, A.; SESSA, P. A.; VAREJÃO, J. B.; BARROS, G. C.; MOMEN, H. & GRIMALDI Jr., G., 1991. Leishmaniasis due to Leishmania braziliensis in Espírito Santo state, Brazil. Further evidence on the role of dogs as a reservoir of infection for humans. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, 86:499-500. FNS (Fundação Nacional de Saúde), 1993. Guia de Controle da Leishmaniose Tegumentar Americana. Brasília: Ministério da Saúde. GRIMALDI JR., G.; TESH, R. B. & MCMAHON-PRATT, D., 1989. A review of the geografic distribution and epidemiology of leishmaniasis in the new world. American Journal of Tropical Medicine and Hygiene, 41:687-725. GUIMARÃES, M. C. S.; GIOVANNINI, V. L. & CAMAR- GO, M. E., 1974. Antigenic standardization from mucocutaneous leishmaniasis immunofluorescence test. Revista do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo, 16:145-148. GUIMARÃES, M. C. S.; CELESTE, B. J.; CAMARGO, M. E. & DINIZ, J. M. P., 1983. Seroepidemiology of cutaneous leishmaniasis from Ribeira do Iguape Valley. IgM and IgG antibodies detected by means of an immunoenzymatic assay (ELISA). Revista do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo, 25:108-112. LONARDONI, M. V. C.; TEODORO, U.; ARRAES, S. M. A. A.; SILVEIRA, T. G. V.; BERTOLINI, D. A.; ISHIKAWA, E. A. Y. & SHAW, J. J., 1993. Nota sobre leishmaniose canina no noroeste do Estado do Paraná, sul do Brasil. Revista de Saúde Pública, 27:378-379. MARZOCHI, M. C. A. & BARBOSA-SANTOS, E. G. O., 1988. Evaluation of a skin test on the canine mucocutaneous leishmaniasis diagnosis. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, 83:391-392. PIRMEZ, C.; COUTINHO, S. G.; MARZOCHI, M. C. A.; NUNES, M. P. & GRIMALDI JR., G., 1988. Canine american cutaneous leishmaniasis: a clinical and immunological study in dogs naturally infected with Leishmania braziliensis in an endemic area of Rio de Janeiro, Brazil. American Journal of Tropical Medicine and Hygiene, 38:52-58. SESSA, P. A.; FALQUETO, A. & VAREJÃO, J. B. M., 1994. Tentativa de controle da leishmaniose tegumentar americana por meio do tratamento dos cães doentes. Cadernos de Saúde Pública, 10:457-463. SILVEIRA, T. G. V.; ARRAES, S. M. A. A.; PEREIRA, D. S.; LONARDONI, M. V. C.; DIAS, M. L. G. G.; RAMOS, M.; BERTOLINI, D. A.; FRESSATTI, R. & MISUTA, N. M., 1990. Avaliação da reação de imunofluorescência indireta para leishmaniose tegumentar americana em pacientes da região noroeste do Estado do Paraná Brasil. Revista Unimar, 12:177-188. SILVEIRA, T. G. V.; LONARDONI, M. V. C.; ARRAES, S. M. A. A.; BERTOLINI, D. A.; RAMOS, M. & TEO- DORO, U., 1992. Leishmaniose tegumentar americana aspectos epidemiológicos no norte do Estado do Paraná Brasil. In: IV Encontro Científico da Universidade Estadual de Maringá, Resumos. Maringá, Paraná, Brasil. SILVEIRA, T. G. V.; TEODORO, U.; LONARDONI, M. V. C.; GUILHERME, A. L. F.; TOLEDO, M. J. O.; RA- MOS, M.; ARRAES, S. M. A. A.; BERTOLINI, D. A.; SPINOSA, R. P. & BARBOSA, O. C., 1994. Investigação epidemiológica da leishmaniose tegumentar em área endêmica no Estado do Paraná, sul do Brasil. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, 89:181. TEODORO, U.; SPINOSA, R. P.; LA SALVIA FILHO, V.; GUILHERME, A.L. F.; LIMA, A. P.; JUNQUEIRA, G. M. B.; MISUTA, N. M. NERILO SOBRINHO, A, & LIMA, E. M., 1991. Da necessidade de se adotar e divulgar esquemas terapêuticos para tratamento de leishmaniose tegumentar no Paraná. Revista do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo, 33:199-204. TEODORO, U.; LA SALVIA FILHO, V.; LIMA, E. M.; SPINOSA, R. P.; BARBOSA, O. C.; FERREIRA, M. E. M. C. & LONARDONI, M. V. C., 1993. Observações sobre o comportamento de flebotomíneos em ecótopos florestais e extraflorestais, em área endêmica de leishmaniose tegumentar americana, no norte do Estado do Paraná, sul do Brasil. Revista de Saúde Pública, 27:242-249. TEODORO, U.; KUHL, J. B.; BARBOSA, O. C.; SOC- COL, V. T.; LOZOVEI, A. L. SILVEIRA, T. G. V. & RO- BERTO, A. C. B. S., 1994. O saneamento ambiental e a organização peridomiciliar como medidas auxiliares no controle de flebotomíneos, no Estado do Paraná, sul do Brasil. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, 89:206. VERZIGNASSI, T. G.; PEREIRA, D. S.; TEODORO, U.; MISUTA, N. M; DIAS, M. L. G. G.; FERREIRA, M. E. M. C.; FRESSATTI, R. & ARISTIDES, S. M. A., 1988. Leishmaniose tegumentar americana: aspectos epidemiológicos no norte do Paraná Brasil. Ciência e Cultura, 40:884. VIEIRA, J. B.; LACERDA, M. M. & MARSDEN, P. D., 1990. National reporting of leishmaniasis: the brazilian experience. Parasitology Today, 6:339-340.