A discussão do Ser e não Ser em Parménides e nos Atomistas

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Transcrição:

A discussão do Ser e não Ser em Parménides e nos Atomistas Anderson Alves Francisco Introdução Cabe somente a filosofia a responsabilidade da tentativa da resolução das mais complexas questões, que passam despercebidas do olhar da maioria das pessoas que compõem a humanidade. Tal prática que envolve as mais finas capacidades intelectivas foi iniciada por um pequeno e seleto grupo de gregos, deste modo é nos pré-socráticos que se encontra o berço da filosofia ocidental. E ao ler seus fragmentos milagrosamente trazidos até nós, é assustador observar como a base de diversas ciências, que levaram muitos anos para se solidificarem, foram por eles, em seus saltos filosóficos apontadas como a Verdade. Dentre este grupo seleto de gregos, este artigo irá se ater a um filosofo em especial e a uma dupla, respectivamente Parménides e os Atomistas, e a problemática a ser explorada será a do Ser e não Ser, para tanto os interpretes que servirão como apoio nesta empreitada por parte do eleata serão José Gabriel Trindade dos Santos (cuja a obra de referência será Pensando o ser, no Poema de Parménides Revista Hypnos,2011) e Jean Brun (obra os Pré-Socráticos Edições 70, 1968) e no caso dos Atomistas os comentadores utilizados serão novamente o Jean Brun e G. S. Kirk & J. E. Raven (Os Filósofos Pré-Socráticos, 1966). Após apresentada a base bibliográfica, cabe ilustrar como se dará a metodologia: Serão três grandes blocos, o primeiro o foco será no filósofo Parménides, apresentando sua história, em seguida o que é o Ser, e depois o não Ser; no segundo bloco o mesmo será feito com os Atomistas, inicialmente sua história, a diante o que é o Ser, posteriormente o que é o não Ser. Por fim na conclusão tentarei na medida do possível confrontar as diferentes visões do Ser e não Ser, nos présocráticos estudados e após todo este caminho concluir dando o meu parecer acerca de tudo que foi exposto e estudado.

2

3 1 Parménides Vale discorrer brevemente sobre o tempo histórico no qual Parménides está inserido, certamente as informações acerca do eleata são raras, contudo Brun (1968, p.61) afirma que: deve ter nascido por volta de 515 [ ] teria vindo a Atenas cerca de 450 e teria encontrado o jovem Sócrates. Ironicamente talvez tenha encontrado com aquele que posteriormente teria seu nome utilizado na ajuda da classificação dos pensadores de sua época, isto é, os pré-socráticos. A exposição da filosofia de Parménides, para jovens estudantes de filosofia se apresenta como peculiar, uma vez que se dá em versos. E a sua tentativa de romper com parte do pensamento mito, instrumentando-se ainda na utilização das ferramentas mais comuns na época para explicar como as coisas se davam, mostra como a poesia e as alegorias são comuns e familiares a Parménides, gerando assim um contraste: entre filosofia e linguagem mítica. 1.1 O Ser para Parménides Sendo lhe familiares às figuras míticas e utilizando-as para demostrar seu pensamento, segundo a ordem de recolhimento convencional dos seus fragmentos, Parménides se coloca ao encontro de uma Deusa, que lhe dá as boas vindas e inicia expondo a partir do fragmento 2 (B2) os dois únicos caminhos em que se é possível pensar, sendo necessário inteirar que são vias contrárias. (SANTOS, 2011, p.51) Dos dois caminhos expostos o primeiro é a Via da Verdade, na qual o Ser é, sendo o que é, não pode ser negado, assim no fragmento 8 (B8), são apresentados seus atributos, que segundo José Trindade Santos são os conteúdos do pensamento/caminho que é, apresentados a seguir:

4 A leitura de B8 mostra que do conteúdo do pensamento/caminho que é serão sucessivamente afirmadas: 1. a ingenerabilidade e incorruptibilidade (B8.3-21): 1a. o que é : é compacto, inabalável e sem fim (B8.4); 1b. é uno e contínuo (B8.6); 2. a indivisibilidade (B8.22-25); 3. a imobilidade/imutabilidade (B8.26-31); 4. a completude (B8.32-33, 43-49). (SANTOS, 2011, p.57). Desta maneira, Parménides se destaca dentre os demais pré-socráticos por aprofundar a problemática do Ser, e sua filosofia acaba por criar um problema no caso de um seguimento estritamente fiel ao que é proposto. Se somente o que é, se pode ser deste modo, então não posso afirmar que: as coisas que vejo são alguma coisa, uma vez que por exemplo observando um livro, digo que isto é um livro com o passar do tempo ele irá se decompondo até virar pó logo deixará de ser livro. Neste simples exemplo vários conteúdos do Ser foram desrespeitados, deste modo é válido afirmar que o exemplo dado é uma leitura incorreta da filosofia de Parménides, uma vez que o ato de nomear é segundo o fragmento 19 (B19) omitir opiniões. Assim, o Ser de Parménides aplica-se para fora do mundo físico, para além do mundo sensível dos mortais, ou seja, o o que é está e é a da Verdade. (SANTOS, 2011, p.67) 1.2 O não Ser para Parménides Já a segunda via apresentada pela Deusa cuja a descrição pode ser observada principalmente nos fragmentos B2 e B8, é o caminho do não Ser. Sobre esta rota de conhecimento, o que cabe falar se reduz a aquilo que não é dizível, ou seja, qualquer figura utilizada para ilustrar o não Ser de Parménides já é algo, ou melhor, já é uma opinião incoerente sobre o não Ser. Deste modo, como dito no fragmento 2, tudo neste caminho é ignoto, porém José Trindade Santo, possui um movimento interessante, no qual visa mesmo dentro da dificuldade apresentada sobre a reflexão do não Ser, apresentar como sendo está via não desqualificável como um caminho para pensar, contudo seu desfecho não conduz a nenhum conteúdo do pensar. (SANTOS, 2011, p.52)

5 Com base nisso, apresento como tentativa de exemplo, do qual pode resvalar em uma possível incoerência lógica, porém acredito que contribuirá para concluir a explanação a respeito do não Ser em Parménides: É possível eu pensar sobre uma cor que eu que desconheço. Com efeito, pensar quanto esta cor que desconheço, já é uma incoerência, pois como diz Santos (2011, p. 64): pensar significa conhecer, no sentido forte de conhecer o que é, assim, a ação exposta pelo exemplo não é nem lógica e muito menos encaminha para um conteúdo do pensar. Enfim, mesmo existindo tal via a Deusa já informa que por ela não se chegará. 2 Atomistas Os Atomistas são uma dupla formada por Leucipo de Mileto e seu discípulo Demócrito de Abdera, o primeiro respectivamente teve como mestres Parménides e Zenão. Os escritos de ambos não podem ser distinguidos, assim convencionalmente são considerados em uma unidade. (BRUN, 1968, p. 93) Novamente, vale ressaltar como é espantosa a descoberta estimada por esses homens, uma vez que a física quântica uma ciência recentemente consolidada reafirma boa parte do que é dito pelos Atomistas. Deste modo, novamente notasse a importância da característica única da filosofia, na qual há a possibilidade de saltar, isto é, olhar para além, fazendo dela uma ciência única e desafiante. 2.1 O que é Ser para os Atomistas Os Atomistas conheciam a filosofia de Parménides, como fica evidente pela introdução histórica apresentada acima, contudo a problemática que eles se debruçam está com um foco maior no princípio das coisas, ou seja, eles buscam expor

6 aquilo de que os seres são constituídos. Desta forma, mal comparando como Anaximandro alega que o princípio é o indefinido, os Atomistas estimam que os princípios são o Ser e o não Ser, como é bem colocado na doxologia feita por Simplício (Phys., 28,4), presente na obra de Kirk & Raven: Ele postulava inúmeros elementos em movimento perpétuo nomeadamente os átomos e sustentava que o número das formas deles era infinito, baseando-se em que não havia razão para que um átomo tivesse uma forma e não outra; pois ele observou, também, que o nascer e a mudança são incessantes no mundo. [...] Ele supunha que a natureza dos átomos era compacta e cheia; isso, dizia ele, era ser [...] Da mesma maneira, o seu associado, Demócrito de Abdera, postulava, como princípios, o cheio e o vazio... (SIMPLÍCIO Phys. 28, 4 apud KIRK, 1966, p. 415) Assim, sistematizando: o Ser para os atomistas são os átomos, sendo compactos e cheios, estando eles em um continuo movimento, nesta visão os Atomistas investigam para além dos quatro elementos da natureza. Mergulham no mais fundo da física, como é defendido por Brun (1968, p. 95) ao dizer que: constituem o mais pequeno elemento possível que existe, com efeito sendo o Ser os átomos resta verificar seus atributos. Seguindo, em síntese os átomos são segundo Brun (1968, p. 95) invisíveis, sólidos e plenos, invisíveis por serem extremante pequenos; sólidos no sentido de indivisíveis; e plenos pois são todos cheios e homogêneos. Sendo diferentes na questão da disposição e forma. Com efeito, como já descrito, tais elementos primordiais que são à base da teoria da matéria dos atomistas, necessitam estarem em movimento e chocando-se uns contra os outros, aglomeram-se ao ponto de formarem uma matéria que é perceptível pelos sentidos. (BRUN, 1968, p. 96,97; KIRK, 1966, p. 423) Contudo, a confusão que pode surgir é se considerar que o mesmo que atualmente chamamos de átomo, como é discriminado no modelo de Bohr, que já fora superado a muito tempo pela atual física, seja o mesmo apresentado pelos Atomistas, grande engano. O que os filósofos apresentam é a menor partícula que há, assim, só se poderá considerar que ambos físicos e filósofos estão falando da mesma coisa, quando os cientistas confirmarem de forma unanime e irrevogável que conseguiram provar cientificamente que há partícula a qual chegaram é de fato a menor e indivisível, como já foi exposto e filosofado pelos Atomistas.

7 Um ponto chave e final, é a necessidade de debruçar-se sobre a palavra usada por Simplício ao dizer que o Ser é cheio, como consta na tradução e é apresentada na citação a cima. No grego original tanto este exímio recolhedor quanto Aristóteles (apud KIRK 1966, p. 421) na Metafísica Livro Alfa 4, 985 b4, dizem que o Ser é πλῆρες. No dicionário de grego Strongs (entrada 4134) as seguintes traduções possíveis em inglês são: full, abounding in, complete, completely occupied with., dentre estas definições abounding in e completely occupied with, quiçá possam fazer mais sentido no entendimento do que seja o átomo para os Atomistas. Explicando, abounding in indica abundante em algo e completely occupied with tem como possível tradução completamente ocupado com. Assim, o que defendo é que no Ser apresentado pelos Atomistas, também há não Ser (que será abordado adiante), pois o Ser sendo abundante de Ser, abre margem para a existência de pontos de não Ser em si. Na tentativa de tentar evidenciar ainda mais tal afirmação, apresento um texto antigo da bíblico, no qual o autor também utiliza este mesmo adjetivo (πλήρης), na seguinte passagem Marcos 4, 28: αὐτομάτη ἡ γῆ καρποφορεῖ -- πρῶτον χόρτον, εἶτα* στάχυν, εἶτα* πλήρης σῖτον* ἐν τῷ στάχυϊ. Pois a terra por si mesma produz, primeiro a planta, depois a espiga e, por último, o grão abundante na espiga. (convencional tradução católica) Observando a utilização do adjetivo (que na tradução se torna um advérbio) em questão notasse que sua aplicação não retrata o sentimento de solidez, que uma leitura menos fina possa trazer. Concluindo, da mesma maneira que é o grão abundante na espiga, o Ser é abundante, dando a entender que ele não é maciço, mas sim, também como em tudo cheio de não Ser. Agora, tendo ciência do que é o Ser para os Atomistas, resta alongar-se sobre o segundo principio para estes filósofos, que é o não Ser, apresentado na próxima seção.

8 2.2 O que é não Ser para os Atomistas Para o funcionamento da física de cunho filosófico apresentada pelos Atomistas, o não Ser é tão primordial quando o Ser, sendo o primeiro derivante da ausência do segundo respectivamente. Assim, é necessário retomar o comentário de Simplício, o mesmo exposto acima, porém enfatizo os trechos primeiramente suprimidos. Ele postulava inúmeros elementos em movimento perpétuo nomeadamente os átomos [...] Além disso, ele sustentava que o não-ser existe assim como o ser, e os dois são igualmente as causas de as coisas nascerem. Ele supunha que a natureza dos átomos [...], era ser, e movia-se no vazio, a que ele chamava de não-ser e sustentava que existia em não menor grau que o ser. Da mesma maneira, o seu associado, Demócrito de Abdera, postulava, como princípios, o cheio e o vazio... (SIMPLÍCIO Phys. 28, 4 apud KIRK, 1966, p.415) Deste modo, é necessário retomar que para os Atomistas dois são os princípios: o Átomo, sendo cheio que é Ser ; e o Vazio que é não Ser, o último como diz Kirk (1966, p.423) só existe onde os átomos não estão, quer dizer, forma lacunas entre eles, porém o vazio não deve ser entendido como o espaço no qual os átomos trafegam, mas sim, como que em um jogo de xadrez no qual uma peça ao se deslocar de uma casa para outra deixa onde estava um vão, que não existia antes, pois estava ocupado, este intervalo é chamado pelos atomistas de não Ser.

9 3 Conclusão O desejo por conhecer é quase que inerente ao ser humano, tal frase que já foi dita tantas vezes, contudo pouquíssimos se arriscam na dedicação de longos trechos da vida em busca de respostas das perguntas primordiais. Parménides e os Atomistas tiveram coragem e a dedicação necessária de criar um pensamento que ainda depois de milênios é recordado pelo seu valor intelectual e importância. Contudo, mesmo havendo entre os estudados uma relação de mestre e aprendiz, o eleata e os Atomistas possuem pensamentos bem únicos. No primeiro o Ser é da seguinte forma: engendrado e incorruptível; é compacto, inabalável e sem fim; uno e contínuo ; indivisível; imóvel e imutável; além de completo. Desta maneira, a filosofia de Parménides é absolutamente restrita quanto ao Ser, observando isso os Atomistas também não partem de sua resposta sobre o que é o Ser, no entanto bem diferente a do mestre Parménides, pois para eles o Ser como já visto é o átomo, que possui como atributos: invisível, sólido e pleno. Outro ponto de contraste entre Parmênides e os Atomistas, está no fato do primeiro fortemente inspirado pela Deusa, o pede para ignorar o não Ser. Já no caso da dupla de pré-socráticos, o não Ser goza do mesmo valor ontológico do Ser, e se dá na ausência do que é. Nota-se talvez que os Atomistas, tenham dado progresso a filosofia de Parménides, contudo relativizando-a, senão, aplicando-a no mundo real e prático, porém não a um nível superficial, mas sim de profunda abstração. Além disso, vale a realização de uma reflexão sobre o que Parménides diz no fragmento 6 (Simplício Phys. 117, 4 apud. Kirk, 1966, p. 277). O filósofo na voz da Deusa diz que os mortais nada sabem e acabam errando, pelas confusões que fazem entre Ser e não Ser. Concordo quanto a isso, realizamos demasiadamente uma atribuição de grau de Ser a diversas coisas que não são, e nem ao menos somos capazes de indicar por que algo é. Isso se mostra evidente quanto é barafunda a classificação de estado com Ser, como por exemplo: quando se diz que uma pessoa é doente, quando o correto é considerar que a pessoa esta enferma, uma vez que a doença não participa ontologicamente da pessoa.

10 A proposta que apresento não é uma radicalidade da vivência do pensamento do grande eleata, mas sim, uma ponderação mais assertiva na linguagem e, sobretudo na forma como o estado, ou qualquer outra coisa pode ser diferente do Ser. Enfim, quanto ao pensamento dos Atomistas o que acaba por somar e ficar como aprendizagem é o pensamento acerca do mundo, de como ele pode ser minúsculo e invisível, e ao mesmo tempo gigantesco. Contudo, pensar em dois princípios, Ser e não Ser, também não é algo fácil, porém pode estar neste detalhe uma das particularidades da filosofia de Leucipo e Demócrito. Assim, ambos Atomistas e Parménides dão suas contribuições à humanidade na resolução do que é o Ser. E talvez ainda falte em nós como humanidade atentar-se muito mais a esta questão ignorada e tampouco refletida sobre o que somos? E se somos?.

11 Bibliografia BIBLE HUB. Bíblia Online. Interlinear Perícope: Mark 4:28. Disponível em: < http://biblehub.com/interlinear/mark/4-28.htm >. Acesso em: 23 jun. 2017 BRUN, J. Os Pré- Socráticos; Tradução: Armindo Rodrigues. Lisboa: Edições 70, 1968. KIRK, G. S.; RAVEN J. E. Os Filósofos Pré-Socráticos; Tradução: Carlos A. L. Fonseca, Beatriz R. Barbosa, Maria A. Pegado. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1966. SANTOS, J. G. Pensando o ser, no poema de Parmênides. Hypnos: Primeiros sábios, primeiros filósofos. São Paulo, n. 26, p. 48-72, 2011. Disponível em: < http://www.hypnos.org.br/revista/index.php/hypnos/article/view/224 >. Acesso em 12 jun. 2017.