PRINCIPAIS VIOLAÇÕES ÀS REGRAS DE MANDELA NO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO 1. Por Ana Lucia Castro de Oliveira. Defensora Pública Federal titular do 2º Ofício Criminal da Defensoria Pública da União no Rio de Janeiro. Palavras-chave: Sistema penitenciário. Direitos Humanos. Pessoas Privadas de Liberdade. Dignidade da Pessoa Humana. 1 Este material foi desenvolvido a partir das discussões durante o evento Curso de Capacitação sobre as Regras de Mandela: Regras Mínimas para o Tratamento de Presos, a ser realizado nos dias 6 e 7 de dezembro de 2016, em Brasília/DF.
1 INTRODUÇÃO O documento conhecido como Regras de Mandela é uma atualização do documento "Regras Mínimas para o Tratamento de Presos" aprovadas em 1955, em Genebra e traz, em realidade, padrões mínimos para o tratamento de pessoas presas fixadas pelas Nações Unidas. No curso de sua aprovação foi acatada a recomendação do grupo de especialistas que realizou a revisão para que as Regras fossem conhecidas como Regras de Mandela para honrar o legado do ex-presidente da África do Sul, Nelson Rolihlahla Mandela, que passou 27 anos na prisão durante sua luta pelos direitos humanos globais, pela igualdade, pela democracia e pela promoção da cultura de paz. 2 As regras trazem, em seu cerne, o princípio fundamental de que todos as pessoas privadas de liberdade têm que ser tratados com respeito à dignidade inerente do ser humano. O documento está dividido em regras de aplicação geral, contemplando toda e qualquer categoria de presos, e regras aplicáveis a categorias especiais, como presos sentenciados, presos com transtornos mentais, presos provisórios, dentre outros. No item 8 das observações preliminares é destacado o caráter não vinculante das Regras de Mandela mas entendemos que apesar do caráter programático os Estados devem se esforçar para colocá-las em prática. Ocorre que o sistema penitenciário brasileiro fere em vários momentos tais regras como passaremos a destacar. 2 VIOLAÇÕES ÀS REGRAS DE MANDELA Ao analisar as Regras de Mandela verificamos que o sistema prisional brasileiro encontra-se muito longe de cumprir os padrões mínimos de tratamento de presos. A Regra 11 indica que as diferentes categorias de presos devem ser mantidas em estabelecimentos prisionais separados ou em diferentes de um mesmo estabelecimento prisional, levando-se em consideração seu sexo e idade, seus antecedentes, as razões da detenção e o tratamento que lhes deve ser aplicado. Ocorre que no Brasil a maioria dos 2 Item 6 da Introdução das Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos, 2015.
presos provisórios espera julgamento encarcerada na mesma cela de presos já sentenciados. Já a regra 60 regulamenta as revistas íntimas que constantemente são feridas no sistema prisional brasileiro. Importante destacar que nos presídios federais, apesar de já determinada a instalação e body scanners, ainda é praticada a revista íntima vexatória aos familiares dos presos. Sobre o tema também destacamos recente acordo judicial realizado no dia 04 de setembro de 2017 pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro que tornou definitiva a decisão anteriormente obtida em 2ª instância proibindo a revista íntima vexatória nos visitantes das unidades prisionais do estado do Rio de Janeiro. O referido acordo assinado pela DPE/RJ e o estado do Rio de Janeiro estabelece pena de multa diária de R$ 10 mil para o caso de descumprimento e responsabilização pessoal daquele que, por sua ação ou omissão, o viole. Outra regra que é legalmente violada no Brasil é a de nº 44: que determina um prazo máximo para o confinamento solitário por no máximo 15 dias. Antes da revisão o isolamento era permitido, sem limite de tempo, desde que houvesse aval de um médico. Ocorre que no Brasil o limite estabelecido por lei é de 360 dias, podendos renovado, e na prática ocorre o isoladamente por tempo indeterminado. Recentemente a Defensoria Pública da União- DPU- impetrou o Habeas Corpus nº 148.459, ainda pendente de julgamento, para que todos os detentos que estejam presos em estabelecimento penal federal há mais de dois anos retornassem a seus estados de origem. Segundo informações do banco de dados do Sistema Penitenciário Federal, reproduzidas no HC, existem 570 presos federais, sendo que 121 deles estão no sistema federal há mais de 720 dias, retratando uma violação às Regras de Mandela legitimada pelo sistema normativo brasileiro. De outro giro a regra 48 também era constantemente violada vez que determina que os instrumentos de restrição, como é o caso das algemas, não devem ser utilizados em mulheres em trabalho de parto, nem durante nem imediatamente após o parto. Ainda há diversos relatos de mulheres que dão a luz algemadas mas, recentemente, foi publicada a Lei 13.434/2017 que proíbe o uso de algemas em presas grávidas durante e logo após a presa dar à luz, que nos faz aguardar que esta regra seja respeitada. Ademais, as Regras de Mandela determinam a proibição absoluta de tortura e outros maus-tratos ou penas cruéis, desumanas ou degradantes, além de trazer instruções detalhadas sobre assuntos como os registros corporais e de celas, a investigação sobre
mortes e denúncias de tortura e outros maus-tratos, as necessidades de grupos concretos, a inspeção independente dos presídios, o direito à representação letrada e outras questões que não são respeitadas no Brasil. No início deste ano, a DPU ajuizou a reclamação nº 26.111 perante o STF, após a morte de mais de 50 presos em uma chacina dentro do Complexo Penitenciário Anísio Jobim, em Manaus, em que foi negado provimento, mas foi determinada recomendação ao Conselho Nacional de Justiça para que realizasse correição extraordinária para verificar a situação daquela unidade prisional amazonense. Por fim há muitas outras regras que são constantemente desrespeitadas como as de que todos os presos serão tratados com o respeito que merece sua dignidade 3, as que determinam que o atendimento à saúde é responsabilidade do estado e deve manter o mesmo padrão disponível à comunidade, as que fixam as celas devem ser individuais, admitindo-se apenas dois presos por cela e obedecendo-se as exigências de higiene e saúde, devendo lhe ser oferecidas as condições para que mantenha a higiene pessoal, vestuário e roupas de cama. 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS Em que pesem terem as Regras de Mandela caráter programático há que se ter um esforço maior do Brasil, enquanto Estado-Membro da ONU em concretizá-las. De acordo com o último levantamento do Infopen (dezembro de 2014) o Brasil tinha população carcerária de 622 mil pessoas presas, com uma média de 40% de presos provisórios (ressaltando que há estados com percentual de mais de 60% como, por exemplo, Maranhão, Amazonas e Bahia). Ademais a taxa de ocupação era de 167%, constatando-se um déficit de mais de 370 mil vagas. Na apresentação das Regras o, à época, presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal, Ministro Ricardo Lewandowski, reconheceu que as Regras de Mandela podem e devem ser utilizadas como instrumentos a serviço da jurisdição e têm aptidão para transformarem o paradigma de encarceramento praticado pela justiça brasileira. Dessa forma, entendemos ser necessário que os Defensores passem a fundamentar seus pedidos também nas Regras de Mandela para que os Tribunais tenham a obrigação 3 No último levantamento do INFOPEN foi constatado déficit de 250.318 vagas no sistema prisional, restando claramente violado as regras mínimas de tratamento ao preso.
e se manifestar sobre o tema e, eventualmente, o Egrégio STF, ou mesmo as Cortes internacionais, possam enfrentar a questão dando maior efetividade aos direitos humanos fundamentais das pessoas privadas de liberdade. REFERÊNCIAS BRASIL. Ministério da Justiça. Departamento Penitenciário Nacional Sistema Integrado de Informação Penitenciária (Infopen). Brasília, 2014. Disponível em: http://www.justica.gov.br/seus-direitos/politica-penal/infopen_dez14.pdf. Acesso em 01/11/2017. ONU 2015. Regras de Mandela. Disponível em: http://ohchr.org/documents/professionalinterest/nelsonmandelarules.pdf. Acesso em: 01/11/2017.