Soares et al. Rev. Bras. Eng. Pesca 10(2): , 2017 Artigo

Documentos relacionados
O USO INSUSTENTÁVEL DE MADEIRA NA CONSTRUÇÃO DE ARMADILHAS EMPREGADAS NA PESCA ARTESANAL DA LAGOSTA NA COMUNIDADE DE REDONDA, ICAPUÍ, CEARÁ

CARACTERIZAÇÃO DOS PRODUTORES DE CAPRINOS E OVINOS DO MUNICÍPIO DE GRANJA-CE

ASPECTOS SOCIOECONÔMICOS DO ARRASTO DE PRAIA DA ILHA DE SÃO VICENTE (MUNICÍPIOS DE SANTOS E SÃO VICENTE)

José Airton de Vasconcelos' Edna Maria S. de Vasconcelos Jorge Eduardo Lins Oliveira3 RESUMO

GRUPO I. sucedem ao longo do ano. de trabalho ou número de trabalhadores). Fig. 1

A PRÁTICA DA PESCA ARTESANAL EM MOCAJITUBA - PAÇO DO LUMIAR, MARANHÃO

FARFANTEPENAEUS PAULENSIS COMO GERADOR DE RENDA

de Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia

O PAPEL DA DIVERSIFICAÇÃO DE RENDA NA ECONOMIA DAS FAMÍLIAS DE PESCADORES ARTESANAIS NA ILHA DOS MARINHEIROS - RIO GRANDE/RS.

Monica Brick Peres, PhD

INSTRUÇÃO NORMATIVA INTERMINISTERIAL MPA/MMA N 09, DE 13 DE JUNHO DE 2012

Modos de vida no município de Paraty Praia do Sono

Modos de vida no município de Paraty Praia Grande

Recursos pesqueiros: passado, presente e perspectivas. Jorge Lins

GRUPO DE ESTUDOS DE MAMÍFEROS AQUÁTICO DO RIO GRANDE DO SUL - GEMARS

CARACTERIZAÇÃO ECONÔMICA E SOCIAL DOS PESCADORES DO RIO TOCANTINS EM MARABÁ PARÁ

CARACTERIZAÇÃO DA PESCA ARTESANAL NO MUNICÍPIO DE PORTO DO MANGUE, RN, BRASIL

REMAR CONTRA A MARÉ: A POLÍTICA PÚBLICA PESQUEIRA E A CONTINUIDADE DA PESCA ARTESANAL

Núcleo de Recursos Renovaveis IO- FURG

OS RECURSOS PISCÍCOLAS

CARACTERIZAÇÃO SOCIOECONÔMICA E REGISTRO DA PERCEPÇÃO DOS PESCADORES DE LAGOSTA DAS PRAIAS DO SEIXAS E PENHA, JOÃO PESSOA, PB

PROGRAMAS E PROJETOS PARA OS MUNICÍPIOS CEARENSES

Modos de vida no município de Paraty Ilha do Araújo

o presente decreto executivo regulamenta a pesca de crustáceos nas águas marítimas da República de Angola efectuada por embarcações

S.R. DA AGRICULTURA E PESCAS. Portaria n.º 30/2004 de 22 de Abril de 2004

OCEANOS, MARES E RECURSOS MARINHOS

A atuação do Projeto Mantas do Brasil e a interação entre a espécie Mobula birostris e os petrechos de pesca no litoral Brasileiro

RELAÇÃO ENTRE OS PESCADORES ARTESANAIS E LEGISLAÇÃO PESQUEIRA NO SUL DO RIO GRANDE DO SUL 1- INTRODUÇÃO

INSTITUTO DE ESTUDOS DO MAR ALMIRANTE PAULO MOREIRA APRESENTAÇÃO BIÓL. EDUARDO FAGUNDES NETTO

Modos de vida no município de Paraty Tarituba

Perspectivas da pesca do atum Fortaleza no Ceará T O I V I M A S I H N E T O I N S I T T U T O F E D E R A L D O C E A R Á J U N H O

SITUAÇÃO DO SETOR PRODUTIVO DA LAGOSTA NO NORDESTE: PRODUÇÃO E MERCADO

O manguezal é um ecossistema complexo e um dos mais produtivos do planeta.

Algumas experiencias na America Latina Ernesto Godelman Diretor Executivo do CeDePesca

CARACTERÍSTICAS E DINÂMICA DAS PESCARIAS DE LAGOSTA NO NORDESTE DO BRASIL

Prospecção de Demandas de Pesquisa da Cadeia produtiva da Pesca PROSPESQUE. Adriano Prysthon Pesquisador

CARACTERIZAÇÃO DO MERCADO CONSUMIDOR DE PRODUTOS ORGÂNICOS EM RIO PARANAÍBA-MG

CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DE SÃO PAULO. Pesca no Litoral Norte de São Paulo. Proposta de Criação de Cursos de Formação Inicial

Modos de vida no município de Paraty Barra Grande

Gerência de Comunicação e Segurança de Informações UN-BC / UN-RIO

AVALIAÇÃO DA SUSTENTABILIDADE DA ATIVIDADE APÍCOLA NOS ASSENTAMENTOS RURAIS DO MUNICÍPIO DE POMBAL-PB.

Universidade do Algarve Biologia Marinha Pescas e Aquacultura 2006/2007 Docente: M. Afonso-Dias

UMA INICIATIVA EXITOSA

Edital Nº. 04/2009-DIGPE 10 de maio de 2009

PERFIL SANITÁRIO-ASSISTENCIAL DAS INSTITUIÇÕES DE LONGA PERMANÊNCIA PARA IDOSOS DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, BRASIL

FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA PESQUEIRA

PERFIL DOS PRODUTORES DE UMA FEIRA DE ALIMENTOS ORGÂNICOS EM MANAUS - AM

Supporting Information I

Edital Nº. 04/2009-DIGPE 10 de maio de 2009 INSTRUÇÕES PARA A REALIZAÇÃO DA PROVA

Nível de Emprego Formal Celetista

EXPERIMENTOS SOBRE A CHANCE DE ESCAPE DE LAGOSTAS DO GÊNERO Panulirus, CAPTURADAS POR CANGALHA

Abordagens participativas para conservação marinha na ilha do Príncipe, São Tomé e Príncipe


INDUSTRIALIZAÇÃO DO PEIXE VOADOR, HIRUNDICHTHYS AFFINIS (GONTHER), NO NORDESTE BRASILEIRO (1)

SECA PROLONGADA X TRANSPOSIÇÃO: PERCEPÇÃO E DESAFIOS DOS PESCADORES DO SEMIÁRIDO PARAIBANO

I SÉRIE NÚMERO 102. Secretaria Regional do Mar, Ciência e Tecnologia. Portaria n.º 79/2017 de 18 de outubro de 2017

DESAFIOS DA PESCA ARTESANAL DIANTE A CRISE HIDRÍCA DO SEMIÁRIDO

Atlas Físico do Parque Municipal Marinho do Recife de Fora

DIAGNÓSTICO DA UTILIZAÇÃO DE CISTERNAS PARA ARMAZENAMENTO DE ÁGUAS PLUVIAIS NO SERTÃO PARAIBANO

Seminário de Pesquisa PPED

O PROGRAMA DE MICROCRÉDITO RURAL AGROAMIGO NA BUSCA PELA MELHORIA NA RENDA E NAS CONDIÇÕES DE VIDA DOS BENEFICIÁRIOS NO MUNICÍPIO DE RIO TINTO - PB

F. A. Moschetto. Moschetto, F. A. 1

Frequência de ocorrência das técnicas de pesca utilizadas na comunidade da Praia Grande em Paraty, R.J.

PT Unida na diversidade PT B8-0360/1. Alteração. Paolo De Castro, Ulrike Rodust, Isabelle Thomas em nome do Grupo S&D

ENTENDA O PLANO DA TAINHA (Mugil liza) EM VIGOR

RELATÓRIO TÉCNICO - CIENTÍFICO

Mestrando: Leonardo Martí. Orientador: Dr. Marcos E. C. Bernardes

FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA PESQUEIRA

Geografia. Aspectos Físicos e Geográficos - CE. Professor Luciano Teixeira.

Marco Bailon Conselheiro

USOS E USUÁRIOS DE ÁGUA DE NASCENTES DO ALTO CURSO DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO GRAMAME, PARAÍBA

EVOLUÇÃO DA MORFOLOGIA COSTEIRA DO LITORAL OESTE DE ICAPUÍ - CE EVOLUÇÃO DA MORFOLOGIA COSTEIRA DO LITORAL OESTE DE ICAPUÍ - CE

Estatísticas das produções de pescado estuarino e marítimo

Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina

Levantamento e Caracterização do Mercado de Emprego dos Sectores das Pescas na Óptica da Protecção Social

IMPACTOS AMBIENTAIS NA ECOLOGIA DE PEIXES E NOS PROCESSOS ECOLÓGICOS DA PRAIA DE JAGUARIBE, PERNAMBUCO, BRASIL

A situação da pesca industrial no Brasil

Domínio: Atividades Económicas. Subdomínio: Pesca

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA GERAL DA REPÚBLICA 4.ª CÂMARA DE COORDENAÇÃO E REVISÃO RECOMENDAÇÃO N.º 001/2004

O estudo da associação entre a pesca da sardinha-laje (Opisthonema oglinum) com a precipitação no distrito de Diogo Lopes, Macau/RN.

I - Pesca Desembarcada (Categoria A): realizada sem o auxílio de embarcação e com a utilização de linha de mão, caniço simples, anzóis simples ou múlt

RELATÓRIO DE PESQUISA PERFIL DO TURISTA DE EVENTOS EM RECIFE - PE

As frotas de pesca caracterizam-se de acordo com:

ANÁLISE DA PRODUÇÃO PESQUEIRA DE ELASMOBRÂNQUIOS NO ESTADO DO CEARÁ, BRASIL, DE 1991 A 2003

Valorização Sustentável do Polvo (Octopus vulgaris)

Tipos de pesca em Portugal

e5463f57e a62d4b

Quais práticas podem contribuir para o desenvolvimento do turismo de base local nas comunidades do entorno da Lagoa do Cajueiro?

Caracterização da Cafeicultura Familiar no Município de Vitória da Conquista- Ba

COLÉGIO 7 DE SETEMBRO FUNDADOR PROF. EDILSON BRASIL SOÁREZ. O Colégio que ensina o aluno a estudar. ALUNO(A): TURMA: Geografia.

Economia do mar nos Açores estado atual da informação disponível

PERFIL SOCIOECONÔMICO DOS PESCADORES BRASILEIROS

DINÂMICA DA FROTA PESQUEIRA SEDIADA NA CIDADE DE ILHÉUS, ESTADO DA BAHIA

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O DESENVOLVIMENTO DA PESCA E AQUICULTURA

Importância da Pesca, em particular em Portugal

RIO+20: OCEANOS, MARES E ZONAS COSTEIRAS. Carmen Rachel Scavazzini Marcondes Faria 1 Tarciso Dal Maso Jardim 2

Perspectivas da pesca artesanal e sua caracterização no município de Matinhos/Paraná

Palavras-chave: pescado, piscicultura, regional Purus, sistema de produção

INCLUSÃO SOCIAL E GERAÇÃO DE RENDA DE AGRICULTORES DO BREJO E CURIMATAÚ PARAIBANO

I Fórum sobre Controle da Verminose em Pequenos Ruminantes no Nordeste Brasileiro

Transcrição:

CARACTERIZAÇÃO DA PESCA ARTESANAL DA LAGOSTA E PERFIL SOCIOECONÔMICO DO PESCADOR NO LITORAL DO PIAUÍ Danyela Carla Elias SOARES¹* & Ricardo Rios MARQUES² ¹Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA), Programa de Pós-Graduação em Ciência Animal, Mossoró, Rio Grande do Norte, Brasil. ²Universidade Federal do Piauí (UFPI), Departamento de Ciências do Mar, Parnaíba, Piauí, Brasil. *email: dany.ces@hotmail.com Recebido em 21/07/2017 Resumo - O quadro geral da caracterização da pesca de lagosta, no litoral do Piauí, obtido pelos questionários aplicados aos pescadores artesanais traça um perfil, no qual a maioria dos pescadores de lagosta são piauienses do sexo masculino, a maioria alfabetizados ou semi-alfabetizados, com idade entre 18 e 67 anos. Possuem pouca capacitação profissional na área, e utilizam, como principal arte de pesca, a armadilha (manzoá ou covo). Dos que utilizam a pesca de mergulho com compressor, pescam em uma profundidade de até 20 metros com a mangueira direta na cavidade bucal e passam de 2 a 4 horas no mar. A maioria revelou que, apesar de saber do perigo dessa prática, eles a utilizam pelo sucesso e facilidade de captura do animal. Em termos gerais, este estudo é uma contribuição para o entendimento que contempla a atividade pesqueira da região. Como estudo pioneiro, foram encontrados resultados interessantes e bem relevantes, mas esses devem ser investigados mais profundamente do ponto de vista científico. Palavras-Chave: Pesca artesanal, Lagosta, Meio ambiente, Socioeconomia CHARACTERIZATION OF CRAFT FISHERY AND SOCIOECONOMIC PROFILE OF FISHERMAN IN THE COAST OF PIAUÍ Abstract - The general picture of the characterization of the lobster fishery on the coast of Piauí obtained by the questionnaires applied in artisanal fisherfolk traces a profile where the majority of the lobster fishermen are Piauíans are male, most of them literate or semi-emphasized, aged between 18 and 67 years. They have little professional training in the area, and use as their main fishing gear the trap (manzoá or covo). Of those who use scuba-diving with a compressor, they fish at a depth of up to 20 meters with the hose directly in the buccal cavity and spend 2 to 4 hours at sea. Most revealed that despite knowing the danger of this practice use it for the success and ease of capture of the animal. In general terms, this study is a contribution to the understanding that contemplates the fishing activity of the region. As a pioneering study, interesting and relevant results have been found, but these should be investigated more deeply from the scientific point of view. Keywords: Artisanal fisheries, Crayfish, Environment, Socioeconomics 130

INTRODUÇÃO A atividade pesqueira está entre as principais fontes de fornecimento de proteína animal para o consumo humano (DIAS-NETO & DORNELLES, 1996). De acordo com o seu objetivo, a atividade pesqueira pode ser dividida como pesca de subsistência, artesanal ou industrial. Por definição, pesca artesanal é aquela que, com meios de produção próprios, o pescador exerce a sua atividade de forma autônoma, individualmente, ou em regime de economia familiar ou, ainda, com auxílio eventual de outros parceiros, sem vínculo empregatício (BRASIL, 2004). Os pescadores artesanais representam quase 95% dos pescadores do mundo (DIEGUES, 2006). No Brasil, esta forma é responsável por quase 65% da produção pesqueira, o que representa mais de 500 mil toneladas por ano (BRASIL, 2009). Na região Nordeste, a pesca artesanal é a principal responsável pelas capturas registradas, contribuindo com cerca de 90% da produção total (BRASIL, 2009 n). A predominância da pesca artesanal nesta região é determinada, por um lado, pelas condições ambientais próprias de regiões tropicais do oceano, caracterizadas, principalmente, por baixa produtividade primária com pequena produção de biomassa e grande diversidade de espécies, e por outro, pelo atraso econômico, cujo reflexo pode ser observado nas próprias condições sociais de quem vive nessa atividade (FONTELES-FILHO; CASTRO, 1982). No Estado do Piauí, a pesca artesanal assume grande dimensão, sendo desenvolvida em praticamente todos os municípios do Estado, seja na pesca costeira ou continental, e hoje se constitui como uma atividade de fundamental importância para o Estado, tanto para o fornecimento de alimento quanto na geração de renda. Nesse cenário, litoral do Piauí vem despontando, ao longo dos anos, como grande produtor de lagosta, através da pesca artesanal com o uso de compressores e armadilhas. No entanto, por ser uma atividade muito dispersa e de difícil monitoramento, os dados estatísticos referentes a esta modalidade pesqueira sofrem muitas limitações (KLIPPEL et al., 2005). São capturadas, aproximadamente, cerca de 100 toneladas de lagosta/ano no litoral piauiense, em que cerca de 80% das embarcações utilizadas atuam sem licença para a pesca do crustáceo. A pesca predatória tem reduzido a produção da lagosta no Piauí e em todo o Brasil, passando de 11 mil para 6 mil toneladas por ano. Com isso, esse recurso vem sofrendo com a sobrepesca resultante da introdução de apetrechos de pesca mais sofisticados na captura, os quais, com o passar dos anos, foram sendo modificados e/ou reintroduzidos, de acordo com a evolução e a importância da pesca, assim como adequação às novas leis (OLIVEIRA, 2009). Além disso, as altas margens de lucro impulsionam uma exploração, que captura além da população adulta, indivíduos jovens e fêmeas ovígeras, 131

comprometendo o estoque reprodutor e o desenvolvimento dos estoques lagosteiros (LINS et al., 1993). Desta forma, acredita-se que a escassez dos estoques pesqueiros de lagosta seja uma resposta natural do meio ambiente diante do emprego dessas novas técnicas e práticas adotadas pelos pescadores artesanais. Além disso, essa atividade envolve uma problemática socioambiental fortemente ligada ao sustento de várias famílias da região. E a pressão exercida pelo mercado consumidor, relacionada com o crescente turismo regional, contribui para a necessidade de ações, que favoreçam a manutenção deste recurso natural na região. A carência de estudos, no âmbito da pesca artesanal da lagosta, no litoral do Piauí, dificulta e, muitas vezes, impede a solução desses problemas na região. Pesquisas que visam aprofundar e documentar o conhecimento sobre as pescarias artesanais são de grande importância na tentativa de fornecer subsídios para a estruturação e promoção de instrumentos voltados para a melhoria desta atividade pesqueira na região. Desta forma, este estudo visa subsidiar informações sobre os pescadores artesanais, que permitam aos órgãos governamentais traçar futuras políticas de incentivo, baseadas no conceito de desenvolvimento sustentável. Assim, o objetivo desse trabalho foi caracterizar a pesca da lagosta no Estado do Piauí, bem como as artes ou métodos de pesca utilizados e as condições socioeconômicas dos pescadores no litoral do Piauí. MATERIAL E MÉTODOS O Litoral do Estado do Piauí, com uma extensão de 66 km, representa o menor litoral brasileiro (Figura 1), no qual são encontrados quatro municípios costeiros: Ilha Grande, Parnaíba, Luís Correia e Cajueiro da Praia, englobando 11 comunidades pesqueiras (Figura 2). Dentre esses municípios se destaca, em termos de volume de captura de lagosta: Porto de Luís Correia, no município de Luís Correia e o Porto dos Tatus, no município de Ilha Grande. Neste trabalho, os questionários foram aplicados na região de Luís Correia, na qual se concentra a maior captura de lagostas no Estado. Figura 1. Litoral do estado do Piauí 132

Figura 2. Municípios do litoral do Piauí e seus respectivos portos pesqueiros A pesquisa se baseou na obtenção de dados através de questionários semiestruturados e entrevistas informais, em que se procurou caracterizar o perfil socioeconômico dos pescadores, bem como suas condições de trabalho, levantando informações acerca das suas relações com o ambiente. Foram entrevistados 30 pescadores, que atuam na atividade da pesca da lagosta no litoral do Piauí. Vale salientar que, durante os meses em que o estudo foi realizado, a presença recorrente desses representou o universo total de pescadores artesanais, os quais realizam a atividade nos locais de estudo. As entrevistas foram realizadas de janeiro a junho de 2016, em áreas de atracagem de embarcações e em comunidades pesqueiras da região no município de Luís Correia, no Estado do Piauí. Nas entrevistas, foram abordados assuntos de caráter socioeconômico, tais como: sexo, faixa etária dos entrevistados, período em que a atividade é realizada, e outras atividades desenvolvidas pelos pescadores como forma de complementação de renda. Além de perguntas que pudessem caracterizar a pesca, propriamente dita, como os aparelhos de pesca utilizados. Os dados obtidos foram avaliados, por meio da análise descritiva do total dos entrevistados, utilizando-se o programa Microsoft Office Excel 2007. RESULTADOS E DISCUSSÃO PERFIL DOS PESCADORES Dos 30 entrevistados, 100% pertenciam ao sexo masculino, todos tradicionalmente filhos de pescadores. Destes, a maioria (60%) de piauienses seguidos por cearenses (30%), provenientes, principalmente, de localidades próximas, como Barroquinha, Granja e Chaval, no Ceará; Parnaíba, Cajueiro da Praia, Luiz Correia, no Piauí. A pesca era a principal fonte de renda desses pescadores, 133

porém desenvolviam também a agricultura de subsistência, particularmente, nos períodos em que a pesca é escassa, plantando, costumeiramente, o feijão, o milho e a mandioca. Além disso, cerca de 80% completavam a renda familiar com programas sociais. O mesmo fato se confirma no estudo de Vasconcelos et al., (2003), que de acordo com os resultados observou que entre os entrevistados, 81,4% exercem somente a profissão de pescador. Com relação à faixa etária, verificou-se que a maioria dos pescadores possui idades na faixa entre 31 a 40 anos e de 41 a 50 anos (Figura 3), resultados semelhantes foram obtidos por Vasconcelos et al (2003), em estudos desenvolvidos no litoral potiguar. Isso demonstra que a pesca artesanal, em especial, a da lagosta, é exercida, em grande parte, por profissionais em idade mais avançada com mais de 20 anos de profissão, pois os pescadores não estimulam ou permitem que os filhos ingressem nessa atividade em decorrência das dificuldades existentes (SILVA, 2004). Contudo, pode-se verificar que a atividade, ainda, é transmitida aos mais jovens (3%). Figura 3. Faixa etária dos pescadores entrevistados no litoral do Piauí Em grande parte, os pescadores são alfabetizados (70%), e mais de 30% analfabetos, representados em todas as faixas etárias. 22% dos entrevistados possuem o Ensino Médio incompleto e apenas 3% possuem o Ensino Médio completo, o que, indiretamente, reflete o baixo nível de incentivo à educação. A estrutura familiar do pescador é constituída, em geral, por quatro pessoas: o chefe de família (pescador), a esposa, quase sempre dona de casa, e dois filhos, correspondendo, essa estrutura, a 42,5% dos entrevistados. CARACTERIZAÇÃO DA ATIVIDADE Predomina na região a utilização de canoas de três a sete metros, movidas a remos ou velas, cujo tamanho está relacionado com o local onde se realizará a pescaria. A maioria dos pescadores é dono de sua própria canoa (80%) e os que não as possuem paga o uso da mesma, geralmente, com uma parte da produção. Normalmente, trabalha-se com um conjunto de até cinco pescadores (95%) 134

por embarcação. A prática da pesca se baseia no conhecimento da ecologia do ambiente que, empiricamente, os pescadores têm acumulado ao longo dos anos e as artes de pesca mais utilizadas são a armadilha (manzoá/covo) (52,5%) e a rede espera/caçoeira (27,5%). Os 20% restantes incluem do mergulho com compressor. Resultados semelhantes sobre a pesca com compressor foram encontrados em um estudo feito por Alves e Sarmento (2011) no município de Santa Cruz da Cabrália, Bahia. Com relação à capacitação profissional na pesca, 25% dos entrevistados têm algum tipo de curso, sendo o de GPS o principal, mas apenas 15% dos pescadores possuem o equipamento na embarcação. Foi confirmado também que 85% não possuem carteira para direção de barcos, comprovando que a maioria das viagens para captura de lagosta é feita por pescadores irregulares. Na pesca de mergulho com compressor, as embarcações são equipadas com compressor de ar. Esta é uma atividade ilegal e de alto risco para os mergulhadores. 90% dos pescadores entrevistados têm noção do perigo desse tipo de pesca, mas mesmo assim utilizam pela facilidade na captura, quando comparada aos demais. O mergulho é realizado, na maioria, em profundidades de até 20 metros (60%), podendo chegar a mais de 30 metros por 20% dos pescadores. 100% dos pescadores que utilizam o compressor usam uma mangueira levada a boca para realizar a respiração por ar comprimido. O que causa sérios riscos à saúde. Cerca de 95% dos pescadores que utilizam esse tipo de pesca já sofreram algum tipo de problema como descompressão, barotrauma ou embolia. De acordo com a SEAP (2007), o problema é que o mergulho sem equipamento apropriado é realizado sem controle correto de tempo e de profundidade. Além disso, o pescador se preocupa mais em pegar o maior número de lagostas no fundo do mar, e acaba subindo por causa do cansaço, ou da exaustão ou por não suportar as fortes dores de cabeça. As armadilhas de pesca são utilizadas por 52,5% dos pescadores. Apetrecho de pesca legalizado e permitido pelo IBAMA. Estas armadilhas são depositadas no fundo do mar, sendo semelhante a uma gaiola de formato retangular e contendo duas aberturas de formato cônico pelas quais as lagostas entram atraídas por uma isca. É confeccionada com armação de madeira leve retirada pelos próprios pescadores das matas próximas à localidade onde vivem, de acordo com Almeida (2010). Algumas das informações contidas nos questionários estão detalhadas a seguir na tabela 1. Tabela 1. Principais informações fornecidas pelos questionários 135

INFORMAÇÕES Naturalidade Sexo Escolaridade Idade Filhos Como completa a renda familiar Capacitação profissional na área de pesca Aparelho para navegação Habilitação para barcos Tempo que atua na pesca Tipo de pesca realiza Teve problemas com a utilização do compressor na pesca da lagosta Profundidade que você mais pesca Tipo de compressor utilizado Como utiliza o compressor Tempo na água para a captura da lagosta Por que utiliza o compressor como método RESPOSTAS 60% - Piauienses 30% - Cearenses 10% - outros Estados 100% - Masculino 45% - Ensino Fundamental 22% - Ensino Médio incompleto 3% - Ensino Médio completo 30% - Analfabetos 24% - De 18 a 30 38% - De 31 a 40 26% - De 41 a 50 9% - De 51 a 60 3% - Acima de 60 42,5% - 2 a 3 filhos 18,4% - 3 a 4 filhos 12,3% - 0 a 1 filho 26,8% - mais de 4 filhos 80% - Programas sociais 5% - Esposa trabalha 15% - Outras atividades 25% - Sim (GPS) 75% - Não 15% - Possui GPS 85% - Não utiliza nenhum 15% - Possui 85% - Não 45% - 20 a 30 anos 18% - 1 a 5 anos 30% - 5 a 10 anos 52% - mais de 20 anos 52,5% - Armadilha (manzoá/covo) 27,5% - Rede de espera/caçoeira 20% - Mergulho/ Compressor 95% - sim (descompressão/(barotrauma)/ embolia) 5% - Não 60% - 1 a 20 metros 20% - 20 a 30 metros 20% - mais de 30 metros 30% - Pistão 70% - Não souberam informar 100% - Mangueira na boca 50% - 2 a 4 horas 40% - 1 a 2 horas 10% - Mais de 4 horas 136

de captura Noção que a captura da lagosta com compressor pode causar danos a sua saúde ou morte Quantos tripulantes vão ao mar 100% - Fácil captura 90% - sim 10% - não 95% - 1 a 5 tripulantes 5% - Mais de cinco tripulantes A vida dos pescadores é uma batalha diária na conquista da sua captura. Para eles, não existe dia ou noite, os dias são regidos pelas marés, o que dificulta sua instrução, uma vez que eles não têm tempo para a escola. Este fato vem se repetindo em seus filhos, que com frequência, os acompanham na luta diária. Crianças trabalhando na pesca é fato comum também em outras comunidades tradicionais de pescadores artesanais do Brasil (MARQUES 1995; BEM, 2001; CABRAL et al, 2005). Quando questionados sobre o interesse, em participar do cultivo de lagostas, todos os entrevistados são favoráveis, alegando a necessidade de aumentar a renda familiar, pois com o cultivo, aumentaria o lucro sem a dependência das condições climáticas. Cerca de 30% relatam que seria mais fácil cultivar do que pescar e 8% acreditam que, desta forma, o ambiente seria mais bem preservado. CONCLUSÕES O quadro geral da caracterização da pesca de lagosta no litoral do Piauí obtido pelos questionários aplicados nos pescadores artesanais traça um perfil, no qual pescadores de lagosta são piauienses a maioria dos do sexo masculino, a maioria alfabetizados ou semialfatizados, com idade entre 18 e 67 anos. Possuem pouca capacitação profissional na área, e utilizam, como principal arte de pesca, a armadilha (manzoá ou covo). Dos que utilizam a pesca de mergulho com compressor, pescam em uma profundidade de até 20 metros com a mangueira direta na cavidade bucal e passam de 2 a 4 horas no mar. A maioria revelou que, apesar de saber do perigo dessa prática, a utiliza pelo sucesso e facilidade de captura do animal. A prática de medidas de manejo, que possam melhorar a situação da pesca e dos pescadores de lagosta é uma questão de urgência para a sobrevivência dessa comunidade, já que as medidas regulamentares de proteção, tais como: limitação da frota, tamanho mínimo de captura, autorização somente do emprego de armadilhas (covos, manzuás) e estabelecimento de tamanho mínimo para as malhas destas armadilhas, proibição de utilização de aparelhos de ar comprimido (compressores) e, finalmente, a mais efetiva das medidas: o defeso ou paradeiro, como é conhecido pelas populações locais à época de proibição da captura de lagosta, não são cumpridas. 137

Foi avaliado também que os conhecimentos sobre o trabalho dos pescadores são escassos e superficiais. Na bibliografia pesquisada sobre a pesca da lagosta, é inexistente um trabalho sobre o Piauí. Em termos gerais, este estudo é uma contribuição para o entendimento que contempla a atividade pesqueira da região. Como estudo pioneiro, foram encontrados resultados interessantes e bem relevantes, mas esses devem ser investigados mais profundamente, do ponto de vista científico. REFERÊNCIAS ALMEIDA, L. G.2010. Caracterização das áreas de pesca artesanal de lagosta na praia da Redonda, Icapuí CE. Dissertação submetida à Coordenação do Programa de Pós-Graduação em Ciências Marinhas Tropicais, da Universidade Federal do Ceará. Fortaleza, Ceará. ALVES J. A.; SARMENTO L.B.2011. Pesca artesanal marítima na comunidade de coroa vermelha, município de Santa Cruz Cabrália, Bahia. Enciclopédia Biosfera, Centro Científico Conhecer - Goiânia, vol.7, N.13; Pág. 1267. BEM, B. N.C. 2001. Viver da água e do mangue: uma abordagem ecológica e social das comunidades pesqueiras nos estuários do Catuama e Itapessoca PE. João Pessoa, 2001. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente) - Universidade Federal da Paraíba. 118 p. BRASIL, 2004 INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 03, de 12 de maio de 2004. Dispõe sobre operacionalização do Registro Geral da Pesca. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 13 de maio de 2004. BRASIL. Ministério da Pesca. Conferência Nacional da Pesca Artesanal, 1., 2009, Brasília. Relatório Final... Brasília, DF: Ministério da Pesca, 2009. 1 CD-ROM. CABRAL, A., SASSI, R.; COSTA, C.F.2005. Os estuários do nordeste do Brasil e o desenvolvimento sustentável: usos múltiplos e impactos. O estuário do rio timbó como um estudo de caso. Trop. Oceanogr. Recife, v. 33, n. 2, p. 193-204. DIAS-NETO, J. & DORNELLES, L.D. 1996. Diagnóstico da pesca marítima do Brasil. Brasília (DF): Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis-IBAMA. DIEGUES, A. C. Artisanal fisheries in Brazil. Acesso em 12 jan. 2016, disponível em:< http://aquaticcommons.org/252/1/artisanal_fisheries_in_brazil.pdf> FONTELES-FILHO, A.A., CASTRO, M.G.G.M. 1982. Plano de assistência técnica à pesca artesanal marítima do estado do Ceará (Brasil). Bol. Ciên. Mar. Fortaleza, n.37, p. 1-26. KLIPPEL, S., MARTINS, A. S., SILVA, G. O.; COSTA, P. A. S., PERES, M. B.2005. Estimativas de desembarque da pesca de linha na costa central do Brasil (estados do Espírito Santo e Bahia) para um ano padrão (1997-2000). In: Pesca e potenciais de exploração de recursos vivos na região central da zona econômica exclusiva brasileira. Rio de Janeiro: Museu Nacional, v. 13, p. 71-82. 138

LINS OLIVEIRA, J. E.; VASCONCELOS, J. A.; REY, H.2009. A problemática da pesca de lagostas do Nordeste do Brasil. Bol. Técn. Cient. CEPENE - Tamandaré/PE, v. 1, n. 1. MARQUES, G.1995. Pescando pescadores: etnoecologia abrangente no Baixo São Francisco. São Paulo: NUPAUB-USP, 285p. OLIVEIRA, P. A.; VENDEL, A.L.; CRISPIM, M.C.B.;2009. Caracterização socioeconômica e registro da percepção dos pescadores de lagosta das praias do Seixas e Penha, João Pessoa-PB. B. Inst. Pesca, São Paulo, 35(4): 637-646. SEAP. Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca. Saúde e Segurança do Pescador. 2007. SILVA, S. M. M. C. 2004.Caracterização da pesca artesanal na costa do estado do Ceará - Brasil. 2004, 262 f. Tese (Doutorado em Ciências, Área de Concentração: Ecologia e Recursos Naturais), Universidade Federal de São Carlos. São Paulo-SP. VASCONCELOS, E. M. S. et al.2003. Perfil socioeconômico dos produtores da pesca artesanal marítima do Estado do Rio Grande do Norte. Bol. Técn. Cient. CEPENE, v. 11, n. 1, p. 277-292. 139