as contradições do brasil na educação superior Hermes Ferreira Figueiredo Presidente do Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior do Estado de São Paulo SEMESP Presidente do Grupo Educacional Cruzeiro do Sul
As contradições do Brasil na educação superior, pp. 11-19 A educação superior brasileira pode ser dividida em quatro ciclos. O primeiro vai até meados da década de 1990, quando praticamente não havia crescimento no número de alunos matriculados. A partir da segunda metade da década de 1990, o governo passou a estimular a expansão do setor por meio da iniciativa privada. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação de dezembro de 1996, aliada com outros desentraves regulatórios, permitiu uma rápida expansão da educação superior brasileira até os primeiros anos do século 21. O crescimento médio anual, que era inferior a 2% ao ano, passou a mais de 11%, e exclusivamente por conta da expansão da oferta pela rede privada. Uma parte da demanda reprimida por muitos anos foi atendida nesse período, possibilitando o acesso à formação superior para um público mais amplo, formado por jovens de baixa renda e pessoas de mais de 40 anos. Porém, uma grande parcela da população estudantil ainda continuava excluída, em virtude das poucas vagas ofertadas pelo sistema público de educação superior, e de falta de condições econômicas para ingressar em universidades privadas. E o ritmo de crescimento anual passou a cair, ficando abaixo de 6,5% ao ano, de 2004 a 2007, e próximo a 4%, de 2007 a 2010. Lusíada. Direito. Porto Nº. 5 e 6 (2012) 13
Hermes Ferreira Figueiredo A educação superior brasileira vive, portanto, um momento bastante contraditório, embora, num primeiro momento, os números apresentados pelo setor realmente impressionem. Formado por 2.538 instituições, entre públicas e privadas, com ou sem fins lucrativos, o ensino superior brasileiro mantém 6,4 milhões de alunos matriculados em aproximadamente 30 mil cursos presenciais e a distância, e há um contingente de 2,3 milhões de novos estudantes ingressando no sistema todos os anos. E se no passado o ensino superior privado era complementar ao ensino público, aos poucos essa equação se inverteu. As instituições privadas cresceram de uma maneira muito mais responsável e sustentável, com uma preocupação constante de melhoria e de busca permanente da excelência acadêmica. Apesar da queda do ritmo de crescimento das matrículas, duas modalidades se destacaram nos últimos anos: as graduações tecnológicas e cursos na modalidade a distância. As graduações tecnológicas são cursos de nível superior com duração menor e com foco muito específico nas demandas pontuais do mercado de trabalho. O número de alunos matriculados nesse tipo de curso cresceu quase 500% de 2003 a 2010. 14 Lusíada. Direito. Porto Nº. 5 e 6 (2012)
As contradições do Brasil na educação superior, pp. 11-19 Na modalidade a distância, o número de alunos matriculados saltou de 41 mil em 2002 para 930 mil em 2010, e só não foi bem maior porque o Ministério da Educação exerceu uma forte interferência regulatória a partir de 2009, limitando muito o crescimento da oferta. Lusíada. Direito. Porto Nº. 5 e 6 (2012) 15
Hermes Ferreira Figueiredo O potencial de alunos em cursos de graduação a distância ainda é enorme. Pela faixa etária dos alunos matriculados no ensino presencial e no ensino a distância, percebe-se que são públicos distintos. No ensino presencial 56,6% dos alunos têm até 24 anos, enquanto no ensino a distância 56,2% têm entre 25 e 39 anos. Como historicamente o sistema de educação superior brasileiro foi excludente para a maior parte da população, existe um grande contingente de pessoas que terminaram o ensino básico, mas não ingressaram no ensino superior, e que hoje têm como opção o ensino a distância. Atualmente, 38 milhões de brasileiros completaram o ensino básico, mas não cursaram o nível superior. Especificamente na faixa etária de 25 a 39 anos, existem mais de 20 milhões de pessoas nessa situação, ou seja, um potencial muito grande para a modalidade de educação a distância. De todo o contingente de alunos do ensino superior no Brasil, atualmente 73% cursam uma das 2.239 instituições de educação privadas do país, que são responsáveis pela formação de mais de 650 mil novos profissionais a cada ano. Juntas, as instituições privadas brasileiras geram mais de 422 mil empregos diretos, dos quais 226 mil de professores. O faturamento do segmento privado gira em torno de R$ 30 bilhões, o que permite a geração de uma massa salarial da ordem de R$ 19 bilhões, além de uma renda indireta anual estimada em mais R$ 1,2 bilhão. Esses números refletem o quanto o setor privado de educação superior tem contribuído para o país, a partir da ampliação da formação de mão de obra qualificada, inclusive para a administração pública. Uma pesquisa realizada pelo Semesp revelou que não apenas o ensino superior aumenta a empregabilidade e o desenvolvimento profissional, mas também as instituições privadas são as principais responsáveis pela melhoria na ocupação profissional dos seus alunos, propiciando assim mobilidade social e aumento de renda. 16 Lusíada. Direito. Porto Nº. 5 e 6 (2012)
As contradições do Brasil na educação superior, pp. 11-19 Toda essa pujança, porém, como já descrito, fica aquém das necessidades, já que o Brasil tem quase 200 milhões de habitantes e vive um momento de crescimento econômico, mas 38 milhões de brasileiros possuem apenas o ensino médio, o que faz com que o país enfrente uma severa carência de mão de obra especializada em setores fundamentais, como as áreas de engenharia. Depois de ter registrado uma significativa expansão a partir do final da década de 1990, graças especialmente ao setor do ensino superior privado, o setor como um todo enfrenta dificuldades para ampliar a oferta de formação de capital humano num nível comparável aos centros educacionais e tecnológicos dos países com os quais o Brasil compete em matéria de desenvolvimento econômico e social. Parte dessa dificuldade de pleno atendimento das demandas educacionais do Brasil decorre de longos e penosos períodos de dificuldades econômicas e elevada inflação, que dificultavam o desenvolvimento do setor educacional privado, tanto quanto inibiam os investimentos governamentais na ampliação das universidades públicas. Mas outra parte das dificuldades vem da excessiva regulamentação. Mesmo depois que, em 1988, a nova Constituição brasileira consagrou a iniciativa privada e permitiu o início de seu efetivo desenvolvimento na educação superior, permaneceram muitas amarras legais e um excessivo controle burocrático, que dentre outras dificuldades impõe restrições à participação de instituições estrangeiras. A regulamentação sobre a educação superior no Brasil está definida na LDB, a Lei nº 9.394, promulgada em 20 de dezembro de 1996, que estabeleceu as Diretrizes e Bases da Educação. Em 2004 o Governo Federal deu início a procedimentos tendentes a uma grande reforma da educação superior e, a partir de então, várias normas formam editadas para adaptar as regras ao sistema de regulação, supervisão e avaliação, que ganhou muito em profundidade com a instituição do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), pela lei nº 10.861/2004, que criou o Exame Nacional de Estudantes (Enade), visando aferir o desempenho efetivo dos alunos, complementado com a avaliação de cursos e instituições. Em 2006 surgiu o Decreto n.º 5.773/2006, conhecido como Decretão ou Decreto-ponte, que dispõe sobre o exercício das funções de regulação, supervisão e avaliação de instituições de educação superior e cursos superiores de graduação e sequenciais no sistema federal de ensino. E, posteriormente, em face necessidade de regras processuais definidas, foi emitida a Portaria n.º 40/2007, que instituiu o e-mec, sistema eletrônico de fluxo de trabalho e gerenciamento de informações relativas aos processos de regulação, avaliação e supervisão da educação superior no sistema federal de educação, e o Cadastro e-mec de Instituições e Cursos Superiores, que consolida disposições sobre indicadores de qualidade, banco de avaliadores (Basis) e o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (ENADE) e outras disposições. Lusíada. Direito. Porto Nº. 5 e 6 (2012) 17
Hermes Ferreira Figueiredo É verdade que programas de financiamento criados pelo governo brasileiro nos anos 2000, como consequência da estabilidade econômica obtida a partir dos anos 1990, permitiram o atendimento pelas instituições de ensino privadas de parte da demanda reprimida por um contingente significativo da população que se via impossibilitado de ingressar em um curso de nível superior. A Lei nº 10.260/2001 institui o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior - FIES, programa de financiamento destinado a estudantes regularmente matriculados em cursos superiores não gratuitos com avaliação positiva, de acordo com regulamentação própria do Ministério da Educação. E, com intuito de levar o maior número possível de brasileiros ao ensino superior, o governo brasileiro instituiu o PROUNI Programa Universidade para Todos, Lei nº 11.096/2005, destinado aos estudantes carentes, portadores de deficiências e professores da rede pública. O programa constitui-se na isenção fiscal para as instituições de ensino superior privadas em troca de bolsas de estudo parciais e integrais para alunos das camadas mais pobres da sociedade. Por meio do PROUNI, já foram concedidas mais de 1 milhão de bolsas de estudos desde 2004. O Financiamento ao Estudante do Ensino Superior FIES foi remodelado em 2010 com redução dos encargos financeiros e ampliação dos prazos de amortização. Essa mudança tem permitido ao setor vivenciar um novo ciclo de crescimento que se refletirá nos dados oficiais do Censo da Educação Superior de 2011 e 2012. O crescimento de novos contratos tem sido vertiginoso: só no ano de 2012 já foram contratados mais de 305 mil novos financiamentos educacionais, e a expectativa é de que possam chegar a 500 mil novos contratos por ano. 18 Lusíada. Direito. Porto Nº. 5 e 6 (2012)
As contradições do Brasil na educação superior, pp. 11-19 Mas, ainda que esses dois programas tenham garantido o ingresso de alunos oriundos das classes C e D e sustentado o crescimento do número de matrículas no ensino superior privado nos últimos dez anos, boa parte da dificuldade de pleno atendimento das demandas por educação superior é resultado da excessiva regulamentação. E também do fato de que o setor educacional privado não recebe a mesma atenção, do ponto de vista do financiamento e investimento, que os demais setores da economia, mesmo sendo o responsável por um resultado financeiro equivalente a 1% do PIB brasileiro. Um exemplo dessa situação é o fato de a maior instituição de fomento ligada ao governo, o BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, responsável pelas maiores operações de crédito e investimentos realizadas nos últimos 20 anos no país, incluindo fusões de grandes grupos ou a criação de grandes projetos de infraestrutura, não conseguir destinar para as instituições de ensino as verbas consignadas com essa finalidade. É absolutamente impossível uma instituição educacional cumprir as normas exigidas para a tomada dos empréstimos, que vão além das naturalmente fixadas pelas organizações financeiras, e envolvem também exigências estabelecidas pelo Ministério da Educação. É o caso das normas de avaliação, fator questionado pelas entidades mantenedoras das instituições de ensino privado, por conta de critérios que extrapolam na valorização de questões processuais, em detrimento de outras iniciativas relacionadas aos conteúdos oferecidos, ou mesmo de outros aspectos, como a desigual imposição de cotas de titulação de professores sem a devida consideração do tamanho ou localização de cada faculdade. Assim, diante desse cenário contraditório, que revela um enorme potencial, mas muitas amarras legais e burocráticas, as instituições de ensino superior privadas seguem reivindicando melhores condições para seu desenvolvimento, com vistas a uma maior e constante aproximação com as melhores práticas educacionais adotadas em todo o restante do mundo. Porque elas sabem que essa será a única maneira de o Brasil, um país tão inserido no processo de globalização mundial, poder globalizar-se também em termos de produção de conhecimento. Lusíada. Direito. Porto Nº. 5 e 6 (2012) 19