04 de dezembro de 2003 Desenvolvimento com distribuição de renda: este é o nosso desafio. José Dirceu



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Transcrição:

04 de dezembro de 2003 Desenvolvimento com distribuição de renda: este é o nosso desafio. José Dirceu Bom dia a todos. É uma satisfação e um prazer. Peço desculpas pelo atraso, porque foi involuntário. Embora não tenha o costume de fazer pronunciamentos por escrito e ler, ultimamente eu ando que nem gato escaldado, ando tomando cuidado com o que falo e o presidente já puxou a minha orelha. Então, eu vou fazê-lo por escrito. Faço uso da palavra hoje neste Quarto Fórum do Planalto e me dirijo aos servidores públicos, aos companheiros de trabalho para falar sobre a natureza e as perspectivas do nosso governo, do governo do nosso presidente Lula. Todos sabemos o que significa assumir o governo de um país da dimensão do Brasil, na situação internacional atual. O desafio que nos apresenta é o desafio da retomada de um projeto de desenvolvimento nacional. As circunstâncias são de uma herança, não só de uma grave crise social, de desemprego, mas, talvez, tão grave como a crise social, de desmantelamento do Estado brasileiro. Como é conhecido, o Brasil, depois da 2ª Guerra Mundial, teve um crescimento e se industrializou, construiu uma infra-estrutura moderna e, principalmente, construiu um setor público estatal que desenvolveu a infra-estrutura do país, a siderurgia e a petroquímica. Mas um lento processo de privatização, de abertura comercial e de desregulamentação da economia brasileira nos levou a uma situação sem precedentes. Depois de dez anos, o país não cresceu, e, mais grave, endividou-se, dobrou a sua dívida externa e dobrou a sua dívida interna, que é mais grave que a dívida externa, uma vez que o serviço dessa dívida interna custa 10% do Produto Interno Bruto do país, dadas as elevadas taxas de juros reais da economia brasileira, que, mesmo estando hoje em 9,5%, - a mais baixa desde mil e novecentos e tanto, ainda é uma taxa de juro, para essa dívida, muito alta. 1

De certa forma, essa mesma situação determinou não só a vitória do presidente Lula, a ascensão do PT ao governo, mas determinou também um arco de alianças. Quando vencemos as eleições, o fizemos com uma aliança de centroesquerda, e, na verdade, hoje nós temos apoio de partidos ou de um partido, pelo menos, de centro-direita, que é o PP, e com importantes setores do empresariado brasileiro. Havia e há uma expectativa não só de uma retomada do desenvolvimento econômico, do crescimento econômico do país, mas, principalmente, de um novo papel para o setor produtivo e uma recomposição do papel do Estado. O Brasil é hoje um país com baixo nível de investimento, tanto privado nacional como estrangeiro e público. Na verdade, o Estado brasileiro hoje não poupa, retira a poupança da sociedade, dado o elevado grau da dívida. Nos últimos anos, o setor financeiro público, que conta com o BNDES, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, que, como diz o nome, é um banco de desenvolvimento, de investimento a médio e longo prazos, para exportação, para substituição de importações e para a infra-estrutura, perdeu o seu papel de banco de fomento e passou a ser mais um banco comercial, que, por incrível que pareça, passou a financiar privatizações, passou a financiar, inclusive, a desnacionalização da economia brasileira. O setor público conta ainda com outros dois bancos, o Banco do Brasil segundo maior banco do país e a Caixa Econômica Federal. O primeiro destinado ao financiamento da agricultura e da agroindústria, e o segundo, destinado ao financiamento da habitação e do saneamento. A reorganização desse setor público, para garantir o financiamento à infra-estrutura, às exportações e à pequena e média empresa, e a reorganização do aparelho de Estado, da administração pública brasileira, foram, talvez, as duas iniciativas mais importantes do nosso governo. Elas dão a base para a retomada do projeto de desenvolvimento nacional. O país teve que enfrentar um ajuste econômico. Nós tivemos que elevar o superávit primário para 4,25% do Produto Interno Bruto na verdade, o ano passado, o governo fez o superávit de 4,04% já - cortar gastos de R$ 14 bilhões no Orçamento do ano de 2003 na verdade, ficou para nós, R$10 bilhões de restos a pagar, e esses R$ 10 bilhões que estavam no Orçamento não existiam, nós não 2

cortamos, eles simplesmente não existiam - mas conseguimos reduzir uma inflação projetada de 30% ao ano para uma inflação, já neste ano, entre 8% e 9%, e, no ano que vem, entre 5% e 6%. O país estava com o dólar a R$ 4,00 e sem nenhuma estabilidade, e hoje tem o dólar estável a R$ 2,90, R$ 2,95. O país tinha uma taxa de risco que, na verdade, impossibilitava o crédito internacional pela primeira vez, não só o Brasil não conseguia crédito internacional como também as empresas privadas, que deviam e devem cerca de US$ 130 bilhões, não conseguiam renovar esses créditos, o que levou o país, pela terceira vez, em menos de cinco anos, ao Fundo Monetário Internacional. O Brasil, de 1997 até 2002, por três vezes foi ao Fundo Monetário Internacional e renegociou a sua dívida externa, porque estava impossibilitado de cobrir o endividamento. Para que todos tenham uma idéia, o Brasil, no ano que vem, deverá ter um superávit comercial ou tomar empréstimos no mercado internacional ou receber investimentos diretos estrangeiros no valor de cerca de $ 50 bilhões para fechar a sua conta corrente. Neste ano, o país tem um superávit de cerca de cerca de US$ 22 bilhões na balança comercial e um superávit na contas corrente de cerca de US$ 2,2 bilhões, US$ 2,5 bilhões, pela primeira vez, depois de muito anos, mais de uma década, ou seja, superamos a crise de confiança, superamos a instabilidade, controlamos a inflação e iniciamos um processo de reorganização do Estado brasileiro, mas isso significa que o crescimento econômico não passará de 1% neste ano. Nós vamos lembrar, que nós, quando assumimos o governo, os juros estavam em 25%, nós elevamos os juros a 26,5%, e agora os juros estão em 17,5% e devem ainda cair em novembro e dezembro, porque nós temos duas reuniões do Copom. Se levarmos em conta que já recebemos o país com alto nível de desemprego e que nos últimos anos a economia brasileira não cresceu o suficiente para aumentar a renda nacional enfim, cresceu abaixo do crescimento populacional, podemos chegar à conclusão de que temos um grande desafio pela frente. Esse desafio é a retomada do crescimento econômico. Esse desafio é a retomada da distribuição de renda no país. O Brasil é um país industrializado, nós que vivemos e crescemos no Brasil, estamos acostumados, para nós parece ser natural um país ser industrializado e ter 3

indústria pesada, mas eu quero lembrar aqui que só 13 países do mundo têm indústria pesada, indústria de bens de capital. Nós temos uma herança, que é um privilégio que nossos pais e nossos avós, as gerações anteriores, deixaram para nós, e todos aqui sabem a que preço, que o nosso povo pagou para o Brasil ser esse país industrializado hoje, e é muito importante nós termos esse senso de responsabilidade histórica, porque nós estamos enfrentando negociações internacionais da Alca, e nós não podemos nunca perder de vista que nós somos um país industrializado e um país que tem, sim, capacidade de desenvolvimento científico e tecnológico, porque tem pesquisa. Tem um grau de desenvolvimento tecnológico razoável, possuindo centros de excelência do desenvolvimento científico e tecnológico, tem uma das agroindústrias mais modernas do mundo. Possui uma infra-estrutura moderna nos setores energético e de telecomunicações e possível de se modernizar nos setores rodoviário, ferroviário, portuário e hidroviário. Há, portanto, condições para que o país tenha, nos próximos dez anos, um crescimento econômico sustentável. A grande equação é como nós poderemos compatibilizar, sem uma mudança da situação internacional, porque o Brasil é um país, em primeiro lugar que tem uma dívida externa grande, ainda que a dívida externa pública está negociável, de cerca de US$ 90 bilhões, líquida ela é menor, porque nós temos uns US$ 17 bilhões de reservas líquidas, porque as outras reservas são do Fundo Monetário Internacional, que são empréstimos, mas nós temos uma dívida pública, privada externa, de mais de US$ 100 bilhões, que precisa ser conferida no final do ano, porque ela foi alongada, foi paga durante esse ano, até porque o dólar estava em R$ 4,00 e ficou em R$ 2,85, e possibilitou isso. Uma política de saneamento das finanças públicas, de reorganização da infra-estrutura do país e de reorganização do Estado se, ao mesmo tempo, como compatibilizar, temos, em nível internacional, um crescente protecionismo, uma crescente liberalização do capital financeiro e uma diminuição, cada vez maior, dos investimentos nos países emergentes, nos países em desenvolvimento, além de uma situação de instabilidade e guerra. Vamos lembrar que o mundo, desde 1991, vem com situações de crises internacionais e guerras, e, particularmente a América do Sul, todos nós vivemos isso, vem numa instabilidade na maioria dos seus países. 4

Se é verdade que um país com a dimensão do Brasil não crescerá apenas com investimentos externos, com o acesso a mercados externos e tecnologia, porque não existe experiência histórica e não é crível nós pensarmos que um país da dimensão do Brasil, que é mais do que um povo, uma nação, uma civilização, que é um dos cinco maiores países do mundo em território, população, que é um continente, que tem essa riqueza natural extraordinária que nós temos, e tem essa dimensão que nós temos, vai se desenvolver com base em investimentos externos e acesso a mercados externos, esse seria um erro histórico gravíssimo. Se nós cometêssemos esse erro, o povo brasileiro, a nação, aqueles que recebem a delegação de governar o país, nós pagaríamos caríssimo por isso, e eu faço sempre questão de dizer isso, porque já houve essa tentação no Brasil várias vezes. Mas, também é verdade que, com as atuais restrições nos mercados internacionais, com as atuais políticas existentes no mundo com relação à desregulamentação do capital financeiro e com as políticas do Fundo Monetário Internacional, é improvável que possamos superar as dificuldades que cada país tem internamente sem uma mudança radical na situação internacional. De certa forma, posso dizer que, com o custo elevado, do ponto de vista social, o Brasil está superando a herança dos anos 90, mas ainda temos pela frente um longo caminho. Nós, que somos partidos de esquerda, socialistas, temos ainda um tempo político, porque existe uma demanda social que precisa ser atendida. O presidente Lula e o nosso governo fizeram um grande esforço para lançar programas de distribuição de renda, não só o Fome Zero, mas, também, a unificação dos programas de transferência de renda, que chegarão, em 2007, a beneficiar 11 milhões de famílias brasileiras com uma renda mínima anual, espero que menos famílias, porque acredito que o emprego e a incorporação na cidadania diminuam o número de famílias que tem que ser atendidas, mas, na demanda de hoje, seriam 11 milhões de famílias. O presidente, inclusive, quando ouvia isso falou: Bem, tem alguma coisa errada, porque nós temos que projetar para ir diminuindo o número de famílias abaixo da linha da pobreza e não aumentando. De qualquer maneira, a renda mínima será garantida todos os meses e com a exigência de contrapartidas, como alfabetizar adultos, colocar crianças na escola e tirá-las do trabalho, freqüentar 5

postos de saúde, atender as campanhas de vacinação pública e prestar trabalho voluntário. Mas as demandas de investimentos em educação e saúde, a necessidade de criação de milhões de empregos por ano, as demandas de investimentos na infraestrutura social, de saneamento e de habitação, não são compatíveis com as restrições econômicas, não são compatíveis com o serviço da dívida que, neste exato momento, consome um terço da arrecadação do país 33% de todos os impostos que são recolhidos no Brasil se destinam ao pagamento dos juros da dívida interna. É bom lembrar que os titulares dessa dívida interna não são apenas os bancos, não são apenas os grupos econômicos, como a própria experiência argentina demonstrou. Milhões e milhões de famílias brasileiras são detentoras dessa dívida pública, e o país, infelizmente, nos últimos anos, viciou uma camada importante da sociedade a viver de renda e a viver com taxas de juros reais de 12% a 15%, o que inviabiliza, evidentemente, o pagamento e a sustentação dessa dívida pública. A busca de um juro real de 6%, 8%, para liberarmos recursos orçamentários para o país crescer, e, principalmente, toda a construção que estamos fazendo para reorganizar os sistemas previdenciário e tributário e para regular os setores de infraestrutura são essenciais para o país. O Brasil viveu uma crise no setor energético e as privatizações praticamente levaram à desorganização dos investimentos no setor. Por causa disso, o Brasil viveu, durante dois anos, escassez de energia, mas hoje tem um excesso de 7.000 megawatts de energia. Veja bem o que nós vivemos no setor energético, escassez e racionamento há dois e hoje um excesso de energia fantástico, que tem um custo para a sociedade, porque nós estamos pagando isso na nossa tarifa de energia. Vivemos, portanto, uma situação completamente absurda. Ao mesmo tempo em que precisamos fazer investimento na infra-estrutura do país, não temos regras claras, não temos marcos jurídicos claros. Neste primeiro ano, o governo do presidente Lula se dedicou exatamente a reorganizar o marco regulatório, para permitir os investimentos e recompor a capacidade de investimento público para, através de parcerias, entre o Estado e a iniciativa privada, retomar os investimentos na infra-estrutura, porque, evidentemente, nós não estamos pensando 6

em voltar ao passado e devolver ao Estado brasileiro o papel que ele teve nas décadas de 60 e 70, porque isso seria um erro. É uma ilusão crer que somente a estabilidade fiscal, que é muito importante, ou mesmo a estabilidade monetária, que também é muito importante, possam dar conta dos problemas de uma nação com a dimensão do Brasil. O Brasil tomou a decisão de retomar o projeto de desenvolvimento nacional - quando o povo, a nação, elegeu o presidente Lula e a coalizão que o sustenta, ele tomou essa decisão, porque nós sempre defendemos isso em toda a nossa histórica - numa aliança de centro-esquerda e numa aliança de setores populares, porque nós um partido que representa as classes populares, com setores empresariais. As limitações para a retomada desse projeto de desenvolvimento nacional são, principalmente, o endividamento externo e o endividamento interno que o país tem. Não são tecnológicas, não são na base produtiva do país, não estão nos recursos naturais que o país têm e nem na ausência de um mercado interno, porque o Brasil tem um dos maiores mercados internos do mundo. Essas restrições são da herança que recebemos, e quando eu falo herança, não estou falando herança do presidente Fernando Henrique Cardoso, não, senão daqui a pouco sai isso, estou falando da herança que nós recebemos de várias gerações do passado, da formação sócioeconômica do nosso país. Essas restrições são da herança que recebemos e elas só serão superadas (e por isso que foi importante quando o presidente Lula fez a comparação entre uma corrida de cem metros e uma maratona) se nós formos capazes de manter a unidade daqueles partidos que elegeram o presidente Lula porque esses partidos lhe dão maioria no Parlamento, porque o PT sozinho não tem maioria na Câmara e nem no Senado, porque essa aliança dá ao país unidade interna para enfrentar o desafio externo da integração da América do Sul e o desafio externo da luta contra o protecionismo e pela reforma democrática das instituições internacionais, por uma nova ordem internacional. É a unidade interna no país que pode nos dar condições para enfrentarmos a agenda da Alca. São dois caminhos na Área de Livre Comércio das Américas, sendo que um deles pode inviabilizar a retomada do projeto de desenvolvimento nacional e o outro pode fortalecer esse projeto de desenvolvimento nacional. 7

Foi por isso que optamos por uma negociação associada com Argentina, Uruguai e Paraguai e, depois, evoluída para o G-Mais, o G-22 1. Na 5ª Conferência Ministerial da OMC, em Cancun, o Brasil firmou-se como líder da demanda dos países em desenvolvimento ao propor a criação de um grupo de países em desenvolvimento. O G-22, o G-Plus, o G-Mais, como também foi chamado, surgiu com o objetivo de apresentar proposta da área agrícola, que incorpore preocupações legítimas, como a promoção do desenvolvimento e a redução da pobreza. Tais propostas pedem a redução dos subsídios agrícolas, que os países em desenvolvimento concedem a seus produtores, e a eliminação de suas barreiras tarifárias e não tarifárias. Não é mais possível, não há como os países da América Latina e da África, os países em desenvolvimento, aceitarem as atuais regras do comércio internacional. E não é possível nos pedir que aceitemos o que não seja um acordo comercial, que é, na realidade, um acordo de investimentos, um acordo de propriedade intelectual, um acordo de compras governamentais em resumo, um acordo que desenhará as possibilidades e probabilidades de cada país se desenvolver nos próximos 25 anos sem nenhuma reciprocidade com relação ao endividamento dos países e ao acesso a mercados, à tecnologia e a investimentos. Falando sobre a América Latina, é pedir demais para nós, que já demos muito para o crescimento e o desenvolvimento da humanidade nos últimos 500 anos. Vamos lembrar que 150 milhões de indígenas foram assassinados aqui nas Américas durante a colonização. Nós temos a convicção que estamos no caminho correto, que fizemos o que era importante neste primeiro ano: dar governabilidade, conquistar maioria no Parlamento, fazer as reformas tributária e previdenciária, preparar o país para as reformas política, do Judiciário, sindical e trabalhista, reorganizar o aparelho administrativo, retomar a função dos bancos públicos, reorganizar o marco regulatório para investimentos no país vamos lembrar que nós mudamos o artigo 192 da Constituição e aprovamos a lei de Falências e estamos agora enviando a legislação de Agências Reguladoras, enviando o marco regulatório do setor energético e vamos enviar a lei de Inovações também ao Congresso Nacional, que vai ser uma revolução na pesquisa do país. Mas há um desafio pela frente e este 8

desafio não se resolve sem uma grande mobilização nacional, sem um grande projeto de desenvolvimento nacional. Não se trata de uma questão técnica, de uma questão política. A eleição do presidente Lula significou uma repactuação da sociedade brasileira, que disse não ao neoliberalismo, que retomou o projeto de desenvolvimento nacional e que reconheceu no PT, no presidente Lula, a liderança para unir novamente a nação brasileira em torno de objetivos nacionais. Isso num mundo em que todos sabemos que as expressões nacionalismo, defesa do interesse nacional, empresa pública e regulação estiveram banidas por muitos anos, sem falar em combate à fome, reforma agrária, combate à pobreza e à discriminação. O tempo, de certa forma, conspira contra nós, porque a urgência dos famintos, a urgência dos deserdados, a urgência daqueles que não tinham voz e nem vez não é a urgência da racionalidade econômica, nem a urgência da engenharia política, mas é a urgência dos tempos, é a urgência da história. Espero que nós, que estamos governando o Brasil, sob a liderança do presidente Lula, estejamos à altura desse momento, tanto para termos audácia e não nos limitarmos a soluções técnicas, porque temos capacidade política para mobilizar a sociedade brasileira e enfrentar desafios, desafios políticos que só podem ser resolvidos do ponto de vista político, como também para termos a sabedoria de não termos a pressa que nos leva muitas vezes, apesar da boa intenção, à derrota. Muitas vezes vejo setores da sociedade brasileira impacientes, e com razão, porque a sociedade brasileira tem o direito de cobrar uma grande dívida, já que o Brasil é, talvez, o país mais rico do mundo em recursos naturais e já é um país desenvolvido do ponto de vista tecnológico e industrial. No entanto, é um dos países onde a iniqüidade da distribuição de renda, da concentração da propriedade, principalmente da propriedade da terra, é uma das maiores do mundo, para nossa vergonha. É de direito, portanto, a impaciência e a pressa daqueles que esperaram por tanto tempo, mas aproveito essa oportunidade para fazer essa reflexão. Poucas vezes o povo brasileiro teve uma oportunidade como essa. Nós esperávamos por 9

essa oportunidade desde o último governo popular, que foi o governo do presidente João Goulart. Conseguimos retomar o fio da história, em outras circunstâncias e em outro momento histórico, é verdade, mas não retomamos o fio da história com uma agenda que não tivesse a continuidade da agenda do Brasil. O problema da independência nacional, do ponto de vista econômico, continua colocado, os problemas da pobreza, da miséria, da desigualdade e da reforma agrária continuam colocados, o problema político, da democratização cultural da sociedade brasileira (porque ainda temos grande parte da sociedade sem acesso à cultura e à educação) e o problema da ética continuam colocados, e, principalmente, o problema do acesso à cidadania continua colocado. Uma sociedade tão rica como a brasileira, com tantas possibilidades, não terá futuro se o povo não for ator, agente e cidadão dessa mudança. Eu tenho dito e quero repetir aqui: para o Brasil ocupar um lugar no mundo, é preciso que o povo brasileiro ocupe o seu papel no Brasil. Não haverá um Brasil desenvolvido e não haverá uma América Latina desenvolvida se os nossos povos não ocuparem, em cada um dos seus países, o seu papel. O Brasil só poderá jogar um papel junto aos países da América do Sul, como tem feito ao lado da Argentina e dos países do Mercosul, e como o presidente Lula tem procurado fazer com todos os países da América do Sul e com a África do Sul, a Índia, tentando constituir o G-3 (formado pelo Brasil, Índia e África do Sul, que tem como objetivo fortalecer os países do Hemisfério Sul nas negociações multilaterais de comércio com os países desenvolvidos) e no diálogo com a China e na Rússia, se equacionar sua dívida social interna. Para que possa jogar esse papel, que vai contribuir, inclusive, para que nós resolvamos esses problemas históricos que temos, o Brasil precisa equacionar a sua dívida social interna e equacionar essa questão que poucos países do nosso continente conseguiram resolver, que é a do crescimento sustentável, inclusive do ponto de vista ecológico e ambiental. Não se trata de ter bolhas de crescimento, não se trata de crescer apenas porque a demanda melhora ou porque o Estado aumenta seus gastos. Trata-se de constituir um sistema econômico nacional que seja capaz de, nesse mundo globalizado, sustentar uma taxa de investimento e de poupança, capaz de ampliar o mercado interno brasileiro, incluindo os 40 milhões de brasileiros na cidadania, e constituir um sistema que seja 10

capaz, não só de aumentar as exportações para pagar os compromissos externos, mas que seja capaz de criar um ciclo econômico socialmente justo e igualitário e sustentável do ponto de vista ecológico. É com esses objetivos, senhoras e senhores, meus companheiros e minhas companheiras, que o governo do presidente Lula completará, em janeiro, um ano de mandato. Acredito que fizemos mais do que era possível, porque receber uma economia como a brasileira, com a crise que ela vivia, e reorganizá-la, como a estamos reorganizando, buscando, ao mesmo tempo, não só garantir o diálogo e a parceria com a sociedade, é implementar uma visão de democracia que vai além do governo e do Estado. Uma das características importantes do nosso governo é o diálogo com a sociedade civil e com a sociedade civil organizada, é a parceria com a sociedade civil e com a sociedade civil organizada, é o chamamento à sociedade para que enfrente os problemas sociais e econômicos do país. Nós não acreditamos, e não acreditamos mesmo, que seja possível superar os problemas num país com a dimensão do Brasil apenas a partir do Estado, apenas a partir do governo. Sem uma participação ampla, geral e irrestrita da sociedade brasileira organizada, não será possível superar esses desafios. E sem uma mudança no cenário internacional, sem um forte movimento internacional para que possamos democratizar a vida política no mundo, evidentemente, as chances que cada país terá de superar os seus próprios desafios será bem menor. Finalizo, reafirmando essa confiança de que aqui no Brasil, confiança essa que o nosso presidente é o maior depositário, pelo seu otimismo, pela sua fé no nosso povo, e na capacidade do nosso povo de superar desafios, finalizo reafirmando essa confiança de que aqui no Brasil vamos conseguir constituir um pacto para impulsionar esse movimento internacional que dará sustentação e apoio a governos que hoje assumem seja na América do Sul, seja na África do Sul, seja como assumiram tantos governos pelo mundo com um crédito de tanta esperança, um desafio que não pode fracassar, porque o nosso fracasso será, evidentemente, o fracasso de todos nós. Muito obrigado. 11