TORCIDAS ORGANIZADAS: LAZER E ESTILO DE VIDA Vitor Hugo Monteiro Alves 1 1 Acadêmico do curso de Educação Física UEPA-Campus VII v-h-ma@hotmail.com RESUMO O futebol possui grande representatividade social em diferentes culturas. Porém, a paixão despertada nas torcidas pode gerar comportamentos agressivos e violentos, em um momento que deveria ser de diversão, caracterizando o lazer desviante, o qual ainda não está devidamente esclarecido, trazendo os pontos positivos também de uma agremiação. Esta pesquisa qualitativa teve como objetivo investigar, nos estudos acadêmicos, o comportamento agressivo das torcidas organizadas e seus desdobramentos no tempo destinado ao lazer. Para tanto, na pesquisa bibliográfica, buscou-se informações em obras de referência, compostas por livros e teses, além da consulta a diferentes bases de dados, com os descritores: lazer, torcidas organizadas, solidariedade e violência. Os resultados indicam que, independente da gênese do comportamento agressivo, quando em presença de um grupo, ou dependendo do contexto sociohistórico, da composição das torcidas, da violência integrante da sociedade, da mídia, da má organização esportiva e da impunidade, estes fatores podem afetar mudança no comportamento individual, algo que afeta a minoria dos integrantes, a mesma tem, mas enfoque pela mídia, contribuindo para manifestações agressivas e violentas no âmbito futebolístico em campo e nas torcidas, ofuscando assim o belo trabalho feito nos setores extracampo. Este tipo de manifestação pode favorecer a diminuição do público nos estádios, além de repercutir na delimitação das atividades vivenciadas no contexto do lazer. Estas condutas podem, até mesmo, acarretar graves consequências nos âmbitos físico e/ou psíquico. Por fim, aponta-se a premência de políticas públicas específicas envolvendo o lazer e os megaeventos. Palavras-chave: Lazer. Violência. Torcidas Organizadas.
1. INTRODUÇÃO Ao longo dos anos, o futebol ganha importância no tempo destinado ao lazer da população em geral, como uma atividade que proporciona prazer e inúmeras emoções. Logo, acaba sendo muito presente no tempo destinado ao lazer, tanto em relação à sua prática, quanto em relação à assistência, chegando a ser um fenômeno social muito representativo (ESCHER; REIS, 2006). Dentro desta premissa, o objetivo desta presente pesquisa foi investigar, nos estudos acadêmicos, o comportamento agressivo das torcidas organizadas e seus desdobramentos no tempo destinado ao lazer. Para atender a tal objetivo, deve-se, inicialmente, diferenciar agressividade e violência. Para muitos jovens de baixa renda, as organizadas são a alegria da vida, motivo de afirmação, de conversas, de paixão. Ele sofre no emprego humilde, submete-se ao chefe, cumpre rotinas humilhantes, sai na sexta feira à noite da empresa com a alma leve, porque vai ser protagonista no sábado ou no domingo, ás vezes até à noite, vai encontrar os companheiro da organizada e fazer festa no campo e se seu time for vencedor, após o jogo. Quando se conversa com um torcedor ou principalmente com um líder de torcida organizada, não se percebe grandes diferenças do cidadão comum, poucos reconhecem que gostam da violência, menos ainda os que podem ser reconhecidos pelo mau caráter. No entanto, basta juntar um grupo grande dessas torcidas e esses cidadãos viram feras. Se alguns preferem os movimentos organizados da massa nos embates, a arruaça, gritaria, a animalidade de outrora, os com pior caráter aproveitam para quebrar bens ou cabeças, de adversários, ou até de desavisados que estão por perto. Claro que todos os violentos deveriam ser identificados e processados. Tanto como devem responder os lideres não conseguem domar as multidões que juntam e os dirigentes que os apoiam, fornecem ingressos, ajudam a introduzir rojões no estádio. E para tanto há previsões administrativas, civis e penais. É justo que os violentos sejam impedidos de ter acesso ao campo, como é justo também
que parte dos ingressos sejam vendidos a preços mais razoáveis para quem tem menor renda. Mas é preciso urgentemente desenvolver o respeito ao próximo. Para entender um pouco mais do significado do futebol para o brasileiro, Daólio (2005) o apresenta, assim como o carnaval, como manifestações populares, que seriam capazes de expressar a sociedade brasileira. Já Da Matta (1982) categoriza o futebol como uma expressão de representações e dramatizações da sociedade brasileira, ou seja, a partir do futebol a sociedade brasileira é descoberta e expressa suas características. Devido à expansão e representatividade social do futebol, por fim, este passa a ser alvo de investimentos em dinheiro e propaganda. Em meio ao processo de expansão e consolidação do futebol em âmbito nacional, diversas pessoas passam a se interessar em praticá-lo, assim como, em acompanhá-lo (TOLEDO, 1996). Surgem então, movimentos e grupamentos de pessoas que possuíam afinidade e gostos em comum, que ultrapassavam os times, surgindo, assim, as torcidas. 2. REVISÃO LITERÁRIA 2.1 TORCIDAS ORGANIZADAS Como componentes de um contexto social maior, as torcidas organizadas, assim como qualquer outra organização, estão sujeitas a adequação aos parâmetros sociais. Logo, deve-se sempre levar em consideração o contexto social mais amplo. Desta forma, pode-se melhor compreender alguns fatos que serão aqui expostos em relação às torcidas. Para Reis (2005) estes parâmetros sociais são definidos pelo capital. Com o passar dos anos, as torcidas vão se firmando, inclusive por meio da violência, e passam a ganhar notoriedade na mídia e na sociedade, principalmente nos anos 90. Nesta década, o quadro de associados cresce de maneira significativa e ocorrem diversos episódios violentos, culminando no
episódio da luta campal ocorrida no Pacaembu, no ano de 1995, conforme relatou (TOLEDO, 1996; PIMENTA, 1997). Após este fato, algumas das torcidas organizadas envolvidas em episódios violentos foram banidas. O fenômeno das torcidas ganha atenção dos meios de comunicação e é evidenciada a ressonância destes problemas relacionados à violência dentro do campo de futebol. Assim, agora afetando diretamente o jogo, passam a serem discutidas possíveis soluções para o problema. Mediante esta pequena incursão histórica e a exposição dos problemas relativos à violência constante no âmbito do futebol sejam em campo ou nas torcidas, surgem outras inquietações. O comportamento das torcidas organizadas, vivenciado no contexto do lazer, fenômeno cultural ampliado a partir da organização social do trabalho, pode ser considerado dentro das premissas do que se convencionou chamar de lazer desviante (STEBBINS, 1997; ROJEK, 1999a; WILLIAMS; WALKER, 2006) Quais as ressonâncias deste fenômeno no tempo destinado ao lazer da população em geral? Estas e outras inquietações advindas da reflexão serão tratadas a seguir. 2.3 O ESTILO DE VIDA NAS TO S Os integrantes de torcidas se mobilizam em torno do futebol, e visam os mais variados aspectos, como entretenimento, interesse político, visibilidade no grupo e sociabilidade. Para tais torcedores, mais do que vivenciar um novo modo de vida, o importante é estar presente em momentos importantes da própria torcida, ou seja, proporcionar e fazer parte da experiência coletiva. Além do mais, existem significados permeando o pertencimento a uma TO e estes não giram em torno apenas da identidade clubista, mas em torno da própria TO, da relação direta com atividades de um grupo específico, da responsabilidade em pertencer e trabalhar em função de uma instituição. Esse espectro de relações, por sua vez, pode definir não só uma maneira peculiar de gostar de futebol, mas também impor um estilo de vida. O comprometimento que o integrante tem com a torcida é que demonstra que o sujeito faz parte do
grupo. Para os que gostam da agremiação, mesmo morando longe e não sendo dia de jogo, é importante estar na sede pela questão da sociabilidade, de se encontrar com aqueles que acreditam num mesmo ideal. Além disso, ao integrar uma TO o indivíduo deve participar de uma série de rituais, os quais são incorporados pelo grupo e podem definir a maneira como este age no seu cotidiano. Nos vários âmbitos possíveis de identificação, o perfil característico dos integrantes de torcidas organizadas é eclético. 2.4 O OUTRO LADO DAS TORCIDAS ORGANIZADAS Apesar de proporcionar uma grande festa durante os jogos, para grande parte da sociedade, Torcida Organizada é sinônimo de violência, porém, o que muitos não sabem, é que essas torcidas desenvolvem trabalhos sociais, como é o caso da maior torcida organizada do Clube do Remo no estado do Pará, a Torcida Remista. Entre os projetos estão: doação de sangue, entrega de ovos de páscoa e brinquedos no dia das crianças, e campanhas de inverno. Para desenvolver os projetos, há um cronograma. No que diz respeito às torcidas organizadas, é perceptível a construção de uma relação hostil por parte da mídia, talvez, por esse motivo, muitas pessoas não sabem desses projetos e não ajudam. Para o presidente da torcida, o apoio da mídia seria importante para arrecadar mais donativos e poder ajudar mais pessoas. A imprensa, que têm o poder de modelar a consciência e o comportamento dos indivíduos, fornecendo as bases para a construção de opiniões, coloca o torcedor organizado como um sujeito violento e vagabundo, o que dificulta o trabalho social. Futebol e brasileiro é uma ótima combinação. Não é à toa que o esporte movimenta no país bilhões por ano e é considerada paixão nacional. A famosa "pelada" não discrimina raça, idade e nem condição social e é capaz de levar multidões de torcedores às arquibancadas. Tatuagens, longas viagens, gastos com camisetas e acessórios. São várias as loucuras que retratam nosso amor pela bola. Em face de tantos entusiastas, as Torcidas Organizadas assumem importante significado no cenário esportivo, não apenas como o principal canal
de expressão do torcedor, mas também sendo o melhor recurso de propagação dos eventos do time. Essas manifestações futebolísticas favorecem nossa sociedade tanto no aspecto econômico, quanto no social e educativo. Separamos alguns benefícios que geralmente são desconhecidos da população, e que nos leva a julgar as Torcidas Organizadas de maneira preconceituosa. De qualquer forma, há dentro das próprias organizadas quem diga que a perseguição a elas está diretamente atrelada ao fato de que seus membros são, em sua maioria, negros e pobres. Se isso é realmente um motivo para a não divulgação do trabalho social e político tanto ligado ao futebol quanto à sociedade como um todo- que elas promovem não se pode afirmar, o que não se deve fazer, principalmente por parte da população no geral, é deixar de reconhecer o que essas entidades fizeram e fazem pela população que a cerca, e pelo esporte como um todo. O vínculo, que porventura, elas possuem com o crime não está desassociado ao que nós mesmos muitas vezes possuímos, até porque não se pode exigir uma completa integridade de um órgão composto por pessoas, pessoas diversas, que vivem em uma cidade tão violenta e excludente como São Paulo. Não se pode haver hipocrisia no trato com torcedores organizados, uma vez que eles, assim como nós, são reflexos do mundo em que vivem. 3. MÉTODO Este estudo qualitativo, de natureza bibliográfica, contou com a pesquisa de informações em obras de referência, compostas por livros e teses, além da consulta a bases de dados, com os descritores: lazer, torcidas organizadas, solidariedade e violência. 4. RESULTADOS E DISCUSSÕES Os resultados advindos dos estudos pesquisados indicam que, independentemente da gênese do comportamento comum e de suas causas, a mudança no comportamento individual quando em presença de um grupo é um
fator importante em relação à vivência futebolística, por conseguinte, possui ressonâncias no tempo destinado ao lazer. A mudança do comportamento seria composta por dois principais motivos: a reunião de muitas pessoas e a comunhão de regras e valores das mesmas. Para melhor compreensão deste aspecto recorre-se ao âmbito da Psicologia do Esporte, no que se aponta quais os fatores econômicos, políticos ou socioculturais podem influenciar o comportamento e a atitude dos torcedores. Desta forma, um primeiro fator constituinte da mudança do comportamento é decorrente da reunião de indivíduos, tal como ocorre nas torcidas. Toledo (1996, p. 86) aponta que: [...] este comportamento de massa tende a alterar certos valores, expectativas, sentimentos e o sentido das ações individuais. Desta forma, tal ambiente grupal pode representar uma válvula de escape para a manifestação de condutas agressivas. p. 99) aponta as torcidas como um [...] instrumento que reproduz as relações desenvolvidas na sociedade, num viés contrário, refletindo na formação de novos tipos de comportamentos, fundamentos no uso da força física. Esta reunião de indivíduos pode estimular a expressão de comportamentos socialmente reprimidos. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS No processo de desenvolvimento do futebol, em meio aos grandes centros urbanos, este passa a possuir muitos adeptos e ser uma atividade de grande relevância social. Ao longo desse artigo pôde-se constatar que com o passar dos anos algumas mudanças estruturais e simbólicas passaram a ser potencializadas no futebol brasileiro de um modo amplificado. Tais mudanças, por conseguinte, afetaram também a maneira de torcer dos indivíduos, que passaram a se organizar em grupos sistemáticos por vários motivos. Esses torcedores organizados adotaram um padrão diferente de como se comportar e até viver, que pode ser descrito como um estilo de vida. Dentro das TO s, os indivíduos se sentem relativamente seguros, demonstra coragem, ousadia e suposta superioridade sobre os rivais, o que potencializa surtos de violência no contexto futebolístico. Nesse particular, defender as causas da violência no futebol como fator potencializado unicamente pela mídia trata-se de uma
postura um tanto quanto reducionista. Ao invés disso, é necessário pensar a violência neste esporte como um processo complexo que envolve vários fatores que dizem respeito às relações intra e intergrupais sedimentadas a partir da (re) produção de crenças sociais que enaltecem a imagem positiva que as torcidas conservam de si próprias ao mesmo tempo em que hostilizam e estigmatizam as torcidas rivais. Ressalta-se, então, que há um conjunto de situações sociais e esportivas que interferem no comportamento individual e coletivo dos sujeitos que integram as TO s e motivam os atos de violência. Apesar da ênfase das diretorias das TO s no sentido de afirmar que a torcida tem como função maior promover a sociabilidade torcedora, além do apoio e fiscalização ao clube, é insofismável o fato de que alguns dos indivíduos que integram esses grupamentos são promotores de atos de vandalismo e hostilidade em relação a torcedores rivais e até mesmo contra sua própria equipe. Quando isso acontece, o futebol tornase tendencialmente um perigo para todos e coloca sob risco a vida de sujeitos que estejam envolvidos ou não com essa prática.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DAMATTA, Roberto (org.). Universo do Futebol: esporte e sociedade brasileira. Rio de Janeiro: Pinakotheke, 1982. DAOLIO, Jocimar. Futebol, cultura e sociedade. 1ª edição. Campinas: Editora Autores Associados, 2005. ESCHER, T. A. REIS, H. H. B; Futebol e sociedade. Brasília: Líber Livros, 2006. REIS, H. H. B. Espetáculo futebolístico e violência: uma complexa relação. In: DAOLIO, J. (Org.) Futebol, cultura e sociedade. Campinas: Autores Associados, 2005. PIMENTA, C. A. M. Torcidas organizadas de futebol: violência e autoafirmação, aspectos da construção de novas relações sociais. Taubaté: Vogal, 1997. ROJEK, C. Deviant leisure: The dark side of freetime activity. In: JACKSON, E.L.; BURTON, T.L. (Org.). Leisure studies: Prospects for the twentyfirst century. Pennsylvania: Venture, 1999. p. 81-96.
STEBBINS, R. A casual leisure: a conceptual statement. Leisure Studies, London, v. 16, n. 1, p. 17-25, 1997. TOLEDO, L. H. Torcidas organizadas de futebol. Campinas: Autores Associados: Anpocs, 1996.