informações iconográficas OURO PRETO FICHA DE INVENTÁRIO 08



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Transcrição:

OURO PRETO FICHA DE INVENTÁRIO 08 categoria Patrimônio Imaterial sub-categoria Celebrações município Ouro Preto distrito Sede Povoado de Chapada designação FESTA DE SANT ANA informações históricas informações iconográficas Desde os primórdios do catolicismo cultua-se a santidade da mãe de Maria, Sant'Ana. Pouco se sabe, no entanto, sobre a parentela da Virgem. Ana e Joaquim, seus possíveis pais, são personagens inexistentes nas Escrituras Canônicas. As únicas menções a seus nomes estão nos apócrifos escritos no século II por São Thiago, motivo pelo qual a reverência aos avós de Cristo nunca foi bem absorvida pelas autoridades eclesiais. Temia-se que o conteúdo por demasiado imaginário desse proto-evangelho poderia degradar o ideal da Imaculada Concepção da Mãe de Deus, resultando numa extensão do culto a toda ancestralidade de Jesus. De fato, no decorrer desses vinte séculos de cristianismo, muitos foram aqueles que condenaram o atributo de "santo" a Ana e Joaquim. As palavras de São Thiago são baseadas em diversos clichês que constam no Velho Testamento. Diz que o casal era estéril e por isso classificavam-no como amaldiçoado. Joaquim, inconformado com a discriminação, retira-se por quarenta dias de jejum em um deserto e se dedica apenas às orações. Ana permanece em Nazaré suplicando pela intercessão divina. Por fim, um anjo aparece a Ana e outro a Joaquim no deserto comunicando-lhes que Deus atenderia suas preces e que o fruto dessa união seria famoso em Israel. Em troca, ambos prometeram oferecê-lo ao Senhor no templo. Ao se encontrarem na Porta Dourada de Jerusalém, aos oito dias do mês de dezembro, Ana se engravidaria apenas com o abraço do esposo. Exatos nove meses depois, em oito de setembro, nasceu Maria. Apesar de todo o debate teológico entorno da questão da autenticidade desse apócrifo, o culto a Sant'Ana se manteve vivo e presente em boa parte do mundo cristão. Argumentava-se que a ausência do pecado na concepção de Maria é prova suficiente da pureza de sua genitora, demonstração satisfatória de sua santidade. Como se pode observar, a importância de Sant'Ana está diretamente relacionada com a ascensão da reverência à Virgem Maria. Apesar dos registros confirmando a realização de homenagens à santa desde o século VI, foi a partir da valorização da vida da filha, no século XII, que ela se tornou relevante para o Cristianismo. Toda sua santidade gira em torno de Maria. Os papéis mais importantes que lhe são atribuídos tratam de três momentos da formação da filha: a concepção, a educação e a preparação para a vida imaculada. Daí Sant'Ana ser evocada popularmente como a Gloriosa Matriarca, protetora das mulheres grávidas e exemplo maior da boa educação. Existe também uma analogia entre o voto da virgindade da filha com um tesouro, o que lhe rendeu a idéia de padroeira dos mineradores e moedeiros. Crê-se, assim, que a castidade de Maria é o "Tesouro do Evangelho". Em Minas Gerais, particularmente, essa identificação despertou a devoção dos mineiros e muitas capelas foram consagradas a Sant'Ana. A festa de Ana foi instituída em 1584, e passou a ser celebrada no mesmo dia de Joaquim, apenas no século passado, com o novo calendário litúrgico, no dia de 26 de julho. O culto à Sant Ana avó de Jesus foi transposto para a América Portuguesa, no processo de colonização e espalhando pela região das Minas. Quanto ao momento exato de configuração da sua manifestação no povoado de Chapada é impossível o detectarmos, seja pela falta da documentação ou pela escassez de obras sobre o assunto, seja pela perda da memória local. Muito provavelmente ele está relacionado com o processo de povoação do lugar, que segue o rastro do inicio de exploração dos veios de ouro na região. Diversos vilarejos e arraiais foram erguidos pelos caminhos que levavam à Vila Rica o Eldorado do Brasil Colonial no século XVIII - e tiveram o fundamental papel de promover o abastecimento da capital das Gerais, desafogando a grande concentração de mineiros independentes à caça do mineral e realimentando o grau de dinamismo nas relações sociais e econômicas da região. A atual capela de Sant Ana, em Chapada, data da segunda metade do século XVIII. No frontispício da capela há a inscrição 1883. Porém, segundo os documentos, desde 1875 há uma movimentação para arrecadação de fundos para a construção da capela de Sant Ana da Chapada. A existência do distrito, no entanto, é anterior à da capela, conformando a hipótese de que a festa dedicada à padroeira da localidade tenha tido início durante meados do século XVIII, quando há indícios de modesta fixação populacional no local. Anterior à atual ermida, do século XIX, havia uma outra, datada do século anterior, localizada em um ponto abaixo da atual e que desabou, provocando a movimentação em fins do oitoccento para o levantamento de atual igreja dedicada à padroeira. Provavelmente pelo local passavam vários viajantes, uma vez que antigas estradas que dão acesso à Santa Rita, Santo Antônio do Salto, Catas Altas e Bandeiras passam pela Chapada. Esses caminhos facilitavam a participação de moradores vizinhos à Chapada nos seus eventos festivos, entre eles o principal: a festa de Sant Ana. A celebração da mãe de Maria em Chapada é mais uma das várias expressões do catolicismo popular que se conformou na região das Minas, abastecido pelas contribuições dos vários grupos étnicos existentes entre a população mineira. O fenômeno da festa religiosa é característica mais marcante desse tipo de catolicismo de que fala Sérgio Buarque de Holanda, uma religiosidade nada ritualística, menos atenta ao sentido íntimo das cerimônias do que ao colorido e à pompa exterior, (...) transigente, por isso mesmo pronta a acordos 2. Esse traço marcante do universo barroco está também na origem da festa de Sant Ana e das influências de que o sincretismo religioso foi capaz de fundamentar entre os brasileiros, em especial entre os mineiros, frutos e agentes de uma sociedade marcada pela religiosidade de sua população. A festa de Sant Ana é hoje marco principal para a população de Chapada, catalisando e acumulando sobre si, a força de identidade dos moradores do local e reafirmando os aspectos de sua história e tradição, que encontra na manifestação de celebração da santa, o momento de re-fundação do sub-distrito, presente no cerne da sua experiência, repetida e revivificada a cada ano. Os diferentes papéis conferidos a Sant'Ana se vêem expressos nas suas imagens. Existem, no entanto, três tipos mais comuns de representação: Santas Mães, Sant'Ana Guia e Sant'Ana Mestra. A primeira exalta o seu papel na genealogia messiânica e na concepção, mostrando a santa como uma extensão divina da parentela de Jesus: sempre é exibida acompanhada de sua linhagem (neto, filha e às vezes a mãe Merecianna) ou de ventre avantajado. É pouco comum, sobretudo por ser condenada pela Igreja desde o século XVI. 2 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro, José Olympio, 1956. p. 217. página 61 I 148

caracterização proteção legal informações descritivas bens relacionados As duas outras exploram a sua relação com Maria criança, engrandecendo principalmente o papel de educadora. Tem como atributo essencial o Livro da Sabedoria e do Evangelho. No tipo Guia, Sant'Ana está segurando a mão da filha lhe indicando o caminho com o braço erguido; é uma representação que exalta a causa da educação de Maria, sendo bastante rara. Sant'Ana Mestra, diferentemente, é aquela mostrada sempre com o livro aberto nas mãos ou sobre o joelho; pode estar de pé com a filha no seus braços ou sentada em trono. Pode ser apresentada acolhendo Maria no seu colo ou, caso esta esteja de pé, mostrando-a o livro. A escultura de Sant'Ana de Chapada refere-se ao último tipo. Ela é apresentada sentada envolvendo com o braço direito Nossa Senhora menina, que se encontra de pé. Sobre sua perna direita está aberto o livro onde lê sua filha. Apesar do trono que lhe confere o poder da educação, apenas Maria está coroada, reforçando a hierarquia divina. O palco em torno da capela é todo preparado para os festejos de Sant Ana. O interior da ermida é decorado com flores naturais, que junto à beleza característica do lugar dota de grande brio as celebrações ali realizadas. Por sua vez, o largo em frente ao templo é enfeitado com bandeirinhas coloridas, vasos de flores e bambus, além da fogueira montada especialmente para a festa. Nesse espaço, também são montadas as barracas que vendem comidas, bebidas e outros produtos. Num dos pontos mais altos da Serra do Trovão, que cerca o povoado, é devidamente preparado o aparato para a queima de fogos e o show pirotécnico, formando um grande espetáculo para as comemorações da padroeira. Outros elementos são ornados com cuidado para a ocasião. Dentre eles, as bandeiras de Sant Ana e de Maria Concebida são sempre preparadas por uma das famílias escolhidas a cada edição da festa, de cuja casa, sai a procissão com os objetos sagrados. A histórica imagem de Sant Ana, atribuída a Aleijadinho, também é outro dos bens mais relevantes para as comemorações e é enfeitada com coroa para o dia da festa, principalmente na procissão que se faz com ela pelas ruas de Chapada. O andor que leva a imagem é também ornado com flores decorativas. Não há proteção legal para a Festa de Sant Ana enquanto patrimônio imaterial. A proteção existente é indireta, recaindo sobre alguns dos elementos componentes da celebração: a Capela de Sant Ana e seu acervo integrado, tombados pelo município através do Decreto nº 110 de 29 de junho de 2005. Já a imagem de Sant Ana, obra de Aleijadinho esculpida na década de 1770, é protegida pelo IPHAN Conforme Processo n 1.162-T-85, inscrição n 588, Livro de Belas Artes V II, Fl.13, de 14 de outubro de 1987. A festa dedicada à Sant Ana no sub-distrito de Chapada tem o seu início marcado pela novena que realiza-se nos nove dias anteriores ao dia de celebração da padroeira. A reza é modesta e conta apenas com a participação das pessoas do local, especialmente as mulheres. A cada dia ocorre em uma das residências da localidade. Durante esses dias de oração é proferido o terço e entoados cânticos à Sant Ana e à Virgem Maria. Os dias máximos da festa ocorrem no fim de semana mais próximo à data oficial de Sant Ana, 26 de julho. Nos anos em que não coincide com o final da semana, há uma pequena missa no dia 26, dedicada à mãe de Maria. As práticas religiosas e de rua mais consistentes em torno da celebração da avó de Jesus, se dão então no sábado e no domingo mais próximos ao dia da santa. A novena sempre termina no sábado. Nesse dia, após a conclusão da reza, para serem erguidas no mastro, as bandeiras saem da casa do responsável, antigamente denominado mordomo. A nomenclatura, porém, não é mais usada, uma vez que a realização da festividade agora é de responsabilidade das instituições locais: Associação de Moradores, Conselho Comunitário de Pastorais (CCP) e, mais recentemente, também conta com a participação da ONG Serra do Trovão. Tais organizações indicam os responsáveis pela guarda das flâmulas. Assim, os conceitos em torno das figuras tradicionais da festa, festeiros, mordomos e procuradores, foram abandonados, o que reflete no andamento da mesma e no modo como os moradores locais encaram e encarnam os festejos. Seguinte à novena, a procissão com as bandeiras cursa as ruas e ladeiras de Chapada até a chegada à Capela de Sant Ana. O percurso é escoltado por banda de música junto aos fiéis, que com velas nas mãos, rezam e cantam em louvor à padroeira. As bandeiras, com representações de Sant Ana e Maria Concebida, são abençoadas pelo padre na chegada à igreja, onde se realiza uma missa, cantada. A celebração é acompanhada pelo coral local Jovens de Sant Ana. Após a missa, os devotos seguem com as bandeiras para o largo em frente à capela, com o intuito de elevação do nome da padroeira e do aumento da proteção por ela exercida no território festivo. Segue-se então uma enorme queima de fogos e, mais recentemente, um show pirotécnico a partir da Serra do Trovão, que cerca a localidade, um lindo espetáculo para os participantes da festa. Encerram-se as atividades religiosas, mas a programação de rua continua com a apresentação de grupos musicais no palco montado em frente à capela, onde também existem barracas de comidas e bebidas. As festividades adentram a fria madrugada dessa época do ano, acalentadas por uma enorme fogueira. No romper do domingo, há a alvorada, quando a população é despertada com novo foguetório, com o badalar dos sinos e com a o cântico da Ave Maria, que ecoa por todo o povoado. No domingo pela manhã, chegam no sub-distrito os competidores da corrida rústica, onde os participantes vão de Ouro Preto à Chapada, percorrendo um itinerário de 17 quilômetros. Essa prática é bastante recente e foi incorporada há dois anos no calendário da festa. Ainda de manhã, aparecem, pelos caminhos de terra que levam à Chapada, cavaleiros de várias localidades, para incrementaram as comemorações dedicadas à Sant Ana, relembrando um antiga prática, quando as pessoas de outros locais vinham para a festa nos lombos de mulas, burros e cavalos. Em seguida, é servido por preço módico o almoço comunitário. À tarde, entre uma retreta e outra na praça, realiza-se outra missa, com participação do coral Nossa Senhora dos Prazeres de Lavras Novas, distrito vizinho, acenando os cânticos em homenagem à santa. No rastro dessa celebração inicia-se outra procissão com a histórica imagem de Sant Ana, esculpida por Aleijadinho. Pelas ruas da Chapada a escultura segue no andor e é acompanhada por inúmeros devotos. Foguetes são estourados durante o trajeto e a população idosa, que já não consegue acompanhar o percurso, assiste a passagem do cortejo. Mais uma vez a banda de música segue a procissão e os fiéis cantam, ovacionando a padroeira. Na chegada à capela, Virgem Maria é coroada e a imagem de Sant Ana é tocada e beijada pelos fiéis, que se benzem pedindo a ela proteção. Assim, com a benção final do pároco, parte religiosa da festa se encerra. As comemorações, no entanto, continuam na Praça de Sant Ana. Ali, realiza-se um leilão, bastante apreciado, onde são oferecidos os vários prêmios doados pelos participantes, com o intuito de angariar fundos para o custeio do festejo. No adentrar da noite de domingo as práticas de rua também seguem para o seu fim. Em Chapada, os bens relacionados à ambientação das celebrações festivas, são a Capela de Sant Ana, as bandeiras e a imagem da padroeira. A igreja foi erguida ao fim do século XIX, segundo nos indica a documentação, que aponta o ano de 1885, como o período de conclusão da construção do templo. No frontispício há a inscrição 1883, como data inaugural de levantamento da capela. São também desse período as pinturas das paredes laterais, imitando papel de parede, as do forro da capela-mor e da nave com ilustrações de Sant Ana e de Nossa Senhora Menina. Outra característica singular da ermida de Chapada é o escudo em pedra-sabão presente em sua fachada. página 62 I 148

intervenções Já a imagem de Sant Ana foi esculpida em madeira tem confirmada a autoria de Francisco Antônio Lisboa, o Aleijadinho. A escultura foi inscrita no livro de Belas Artes do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional IPHAN, em 1987. Dizem que Aleijadinho esculpiu a mesma durante os anos iniciais de sua maturidade, entre 1761 e 1770. Segundo a tradição oral, a imagem chegou à Chapada casualmente, quando um condutor de tropa, morador do local, a salvou da destruição, já que a capela que a abrigava seria derrubada por um fazendeiro ateu, comprador das terras onde se encontrava a igrejinha, em Bandeiras. Dessa edificação demolida além da imagem de Sant Ana, ainda foi salva uma pia batismal em pedra sabão, que também foi trazida para Chapada, e segundo dizem é a mesma que está na capela atualmente. Durante esses séculos em que a imagem esteve em Chapada, várias foram as tentativas para levarem-na para Ouro Preto, o que não foi permitido pelos moradores locais. No entanto, a valiosa escultura de Aleijadinho não permanece no interior da capelinha, apenas é trazida no dia da festa. É interessante levar em consideração que a festa de Sant Ana abarca um processo de permeabilidade a novas práticas, impostas e verificadas no contexto de suas várias edições. Além do mais, os atores sociais à sua frente e participantes da mesma são sempre renovados, refletindo os aspectos geracionais, que marcam as manifestações ocorridas na festa. Mas o que é mais marcante diz respeito à sua organização. Se no início ela ficava a cargo da população local, ancorada na figuras dos festeiros, dos mordomos e dos procuradores, mais recentemente a realização da festa, pelo menos no que tange à sua parte religiosa, passou a ser de responsabilidade do Conselho Comunitário Pastoral (CCP). O conselho foi implantado em 1996, partindo de uma diretriz diocesana, em várias localidades. Uma das suas atribuições foi permitir às paróquias um maior controle da realização das festas religiosas. Pelo CCP, há a participação de seus membros na elaboração das celebrações religiosas das festividades e uma abertura para que outros participantes da comunidade estejam à frente de sua organização. Tal transformação evita teoricamente que as festas sejam usadas como palco de exclusivismos pessoais ou como eventos atravessados por intenções e posições políticas e econômicas. Como em vários locais, assim também ocorreu na celebração de Sant Ana, feito mais evidente de diferenciação ao longo da evolução da festa, sentido e lembrado por vários moradores e participantes da mesma. referências Bibliográficas CHAVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alan. Dicionário de símbolos: mitos, sonhos, costumes, gestos, formas, figuras, cores, números. Rio de Janeiro: José Olympio, 2003. CONTI, Dom Sevilio. O Santo do dia; Petrópolis:Vozes, 1984. FORTES, Solange Sabino Palazzi. Ouro Preto conta Ouro Preto: tradições da Terra do Ouro. Ouro Preto/MG: 1996. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro, José Olympio, 1956. MELLO e SOUZA, Maria Beatriz. Mãe, mestra e guia: uma análise da iconografia de Santa'Anna in Topoi, Rio de Janeiro, dezembro 2002, pp. 232-250. SANTIAGO, Camila Fernanda Guimarães. A Vila em Ricas Festas: celebrações realizadas pela Câmara de Vila Rica (1711-1744). Belo Horizonte: FACE-FUMEC, C/Arte, 2003. Orais GUIMARÃES, Ana Conceição. Entrevista: Chapada, 23/07/2005, 21/07/2005. QUIRINO, Maria Efigênia. Entrevista. Chapada, 03/06/2003. Eletrônicas <http//:www.religiaocatolica.com.br> <http://www.carmelitas.org.br> <http://www.ouropreto.com.br> imagens Viviane Corrado, 23 e 24 de julho de 2005. Programação página 63 I 148

Povoado de Chapada em dia de Festa de Sant Ana Bandeiras de Sant Ana e Maria Concebida: procissão e mastro Recentemente a festa foi incrementada pela corrida rústica página 64 I 148

Procissão página 65 I 148

Corporação Musical Bom Jesus do Matozinhos do Rosário Coral Jovens de Sant Ana Coroação ficha técnica levantamento Guga Barros (Comunicação) Guilherme Rodrigues (Sociologia) Hilário Figueiredo Pereira Filho (História) João Paulo Lopes (História) Patrícia Pereira (Arquitetura e Urbanismo) Sandra Fosque Sanches (Diretora de Promoção Cultural da Secretaria Municipal de Cultura e Patrimônio de Ouro Preto) Viviane Corrado (Arquitetura e Urbanismo) data jul/2005 elaboração Guilherme Rodrigues (Sociologia) João Paulo Lopes (História) data ago/2005 revisão Memória Arquitetura Ltda data jan/2006 página 66 I 148