EFEITO RESERVATÓRIO DAS ÁGUAS COSTEIRAS DO SUL DO BRASIL

Documentos relacionados
45 mm EVIDENCIAS DOS EVENTOS HOLOCENICOS DE TRANSGRESSÃO E REGRESSÃO NO RECONCAVO DA BAÍA DE GUANABARA NA REGIÃO DE DUQUE DE CAXIAS - RJ

ANÁLISE GEOCRONOLÓGICA DE CONCHAS DA PLANÍCIE COSTEIRA DE ITAGUAÍ-RJ E SUAS IMPLICAÇÕES

Sambaquis e Reconstituição Paleogeográfica da Bacia do Rio Ratones, Florianópolis (SC) 1

EVOLUÇÃO DA BARREIRA HOLOCÊNICA NO LITORAL DO ESTADO DO PARANÁ, SUL DO BRASIL

EVOLUÇÃO TEMPORAL DAS PIÇARRAS DESENVOLVIDAS SOBRE AS BARREIRAS HOLOCÊNINICAS DO LITORAL DE SANTA CATARINA

Universidade Guarulhos- Laboratório de Palinologia e Paleobotânica. Mestrado em Análise Geoambiental. Guarulhos, SP, Brasil.

Radar de penetração no solo em Arqueologia

DINÂMICA DA OCUPAÇÃO DA REGIÃO DO CAMACHO, LITORAL SUL DE SANTA CATARINA, A PARTIR DE 7500 ANOS ATÉ O PRESENTE


CONSIDERAÇÕES SOBRE O MÉTODO DE DATAÇÃO PELO CARBONO-14 E ALGUNS COMENTÁRIOS SOBRE A DATAÇÃO DE SAMBAQUIS

GEOLOGIA COSTEIRA DA ILHA DE SÃO FRANCISCO DO SUL/SC COASTAL GEOLOGY OF THE SÃO FRANCISCO DO SUL/SC ISLAND.

ALTERAÇÕES NA DIREÇÃO DE ENROLAMENTO DE GLOBIGERINA BULLOIDES DURANTE O HOLOCENO NA REGIÃO DE CABO FRIO-RJ

FEIÇÕES REGRESSIVAS E DE CRESCIMENTO DE ESPORÕES IDENTIFICADOS A PARTIR DE SEÇÕES GPR NAS PLANÍCIES COSTEIRAS PARANAENSE E NORTE CATARINENSE

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOLOGIA E GEOQUÍMICA DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

ROCHAS DE PRAIA BEACHROCKS

A ARQUEOLOGIA NA CONSTRUÇÃO E NA CALIBRAÇÃO DE CURVAS LOCAIS DE VARIAÇÃO DO NÍVEL MÉDIO DO MAR. Andreas Kneip 1 1

Datação com C-14. José Marcus Godoy IRD/CNEN/MCT Depto. Química/PUC-Rio

REVISTA DE ARQUEOLOGIA VOLUME 23 _ NUMERO 1 _ JULHO 2010 _ ISSN

VERMETÍDEOS FÓSSEIS EM COSTÕES ROCHOSOS DE GUARAPARI, ES: DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL, MORFOLOGIA, MINERALOGIA E δ 18 O

45 mm. Palavras-chave: Sistemas Laguna-Barreira, Sedimentação Lagunar, Terraços Lagunares, Evolução Costeira, GPR. 1. INTRODUÇÃO

ANÁLISE DOS FLUXOS DE CALOR NA INTERFACE OCEANO- ATMOSFERA A PARTIR DE DADOS DE UM DERIVADOR e REANÁLISE

PERFIS DE DIVERSIDADE DE MOLUSCOS BIVALVES E GASTRÓPODES DO SAMBAQUI DA TARIOBA, RIO DE JANEIRO, BRASIL

RELAÇÃO ENTRE EVENTOS EXTREMOS SECOS SOBRE O SUDESTE DO BRASIL E A TSM DO ATLÂNTICO SUL

Geografia de Santa Catarina

Como se estuda o clima do passado?

Eliana Lopes Ferreira Bolsista CNPq de Iniciação Científica, Grupo de Meteorologia, Departamento de Física, UFPR ABSTRACT

CONSIDERAÇÕES SOBRE IDADES LOE DE DEPÓSITOS COLUVIAIS E ALÚVIO- COLUVIAIS DA REGIÃO DO MÉDIO VALE DO RIO PARAÍBA DO SUL (SP/RJ)

REGISTO DA SÚBIDA POSGLACIAL DO NIVEL DO MAR NO ESTUÁRIO DO RIO POTENGI, RN, BRASIL

Registros de Lobo-Marinho Subantártico (Arctocephalus tropicalis) na porção central do litoral do Estado de São Paulo, no período entre 1998 e 2007

GEOLOGIA DO QUATERNÁRIO

ZOOARQUEOLOGIA DE UM SAMBAQUI MONUMENTAL: A CONTRIBUIÇÃO DOS VESTÍGIOS FAUNÍSTICOS PARA A COMPREENSÃO DO SÍTIO GAROPABA DO SUL

Análise do aquecimento anômalo sobre a América do sul no verão 2009/2010

RELAÇÕES ENTRE TEMPERATURAS DA SUPERFÍCIE DO MAR SOBRE O ATLÂNTICO E PRECIPITAÇÃO NO SUL E SUDESTE DO BRASIL

INFLUÊNCIA DO ANTICICLONE SUBTROPICAL DO ATLÂNTICO SUL NOS VENTOS DA AMÉRICA DO SUL

INDICADORES DO NÍVEL RELATIVO DO MAR E EVOLUÇÃO COSTEIRA DURANTE O HOLOCENO TARDIO NA COSTA DO CEARÁ, BRASIL

Fauna malacológica em dois sambaquis do litoral do Estado do Paraná, Brasil

Modificações de Longo Período da Linha de Costa das Barreiras Costeiras do Rio Grande do Sul

MUDANÇAS DA VEGETAÇÃO NA ILHA DE MARAJÓ DURANTE O HOLOCENO SUPERIOR

Geologia para Ciências Biológicas

ESTUDO CLIMATOLÓGICO DA VELOCIDADE E DIREÇÃO DO VENTO ATRAVÉS DOS DADOS DE REANÁLISES PARA O ESTADO DE ALAGOAS

O FENÔMENO ENOS E A TEMPERATURA NO BRASIL

PREVISÃO ASTRONÔMICA DAS MARÉS EM LOCAIS SELECIONADOS NO NORDESTE DO BRASIL

45 mm PALEOQUEIMADAS NO HOLOCENO DA REGIÃO DE CABO FRIO, RJ

POSICIONAMENTO DA ZONA DE CONVERGÊNCIA INTERTROPICAL EM ANOS DE EL NIÑO E LA NIÑA

AVALIAÇÃO DE DIFERENTES MATERIAIS PARA DATAÇÃO DE CARBONO 14 POR ESPECTROMETRIA DE MASSA COM ACELERADORES (14C-AMS)

A VARIABILIDADE ANUAL DA TEMPERATURA NO ESTADO DE SÃO PAULO 1971/1998: UMA CONTRIBUIÇÃO AO ESTUDO DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS NO MUNDO TROPICAL

O SIGNIFICADO DAS DATAÇÕES AO 14 C NA RECONSTRUÇÃO DE PALEONÍVEIS MARINHOS E NA EVOLUÇÃO DAS BARREIRAS QUATERNÁRIAS DO LITORAL PARANAENSE

45 mm OSCILAÇÕES DO NÍVEL DO MAR E A EVOLUÇÃO COSTEIRA DURANTE O HOLOCENO NO SUL DO BRASIL

Joaquim Olinto Branco* & Maria Jose Lunardon-Branco** ABSTRACT INTRODUÇÃO

Análise fitolítica e palinologia: vegetação e clima na costa norte do Espírito Santo, Brasil

45 mm CIMENTOS, IDADES E ISÓTOPOS ESTÁVEIS DE ARENITOS SUBMERSOS DO LITORAL PARANAENSE - BRASIL

Relação entre a precipitação pluvial no Rio Grande do Sul e a Temperatura da Superfície do Mar do Oceano Atlântico

TESE DE DOUTORADO MORFOLOGIA E ANÁLISE DA SUCESSÃO DEPOSICIONAL DO VALE INCISO QUATERNÁRIO DE MARAPANIM, NORTE DO BRASIL

VARIABILIDADE CLIMÁTICA INTERDECADAL DA PRECIPITAÇÃO NA AMÉRICA DO SUL EM SIMULAÇÕES DO PROJETO CMIP5

INSTRUÇÃO NORMATIVA IBAMA N 185, DE 22 DE JULHO DE 2008.

Relação da Zona de Convergência Intertropical do Atlântico Sul com El Niño e Dipolo do Atlântico

ESTUDOS GEOARQUEOLÓGICOS EM SAMBAQUIS DO LITORAL DE SANTA CATARINA. Marisa Coutinho Afonso 1

RELAÇÃO DA ZONA DE CONVERGÊNCIA SECUNDÁRIA DO ATLÂNTICO SUL SOBRE A OCORRÊNCIA DE SISTEMAS FRONTAIS AUSTRAIS ATUANTES NO BRASIL

EFEITO DA REGULARIZAÇÃO DOS RESERVATÓRIOS DAS USINAS DE SALTO OSÓRIO E SALTO SANTIAGO

1º. ProjESimpósio de setembro 2013 RNV Linhares, ES

UM ESTUDO PRELIMINAR SOBRE A PRECIPITAÇÃO EM ALAGOAS E SUA RELAÇÃO COM O SISTEMA DE BRISAS MARINHA / TERRESTRE

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO - INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS DEPARTAMENTO DE GEOLOGIA SEDIMENTAR E AMBIENTAL

CALAGEM NA SUPERFÍCIE DO SOLO NO SISTEMA PLANTIO DIRETO EM CAMPO NATIVO. CIRO PETRERE Eng. Agr. (UEPG)

SÍNTESE DA EVOLUÇÃO GEOLÓGICA CENOZÓICA DA BAÍA DE SEPETIBA E RESTINGA DE MARAMBAIA, SUL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

CLIMATOLOGIA MENSAL DO ANTICICLONE SUBTROPICAL DO ATLÂNTICO SUL. Universidade Federal de Rondônia Departamento de Geografia

RESULTADOS PRELIMINARES SOBRE A ESTRATIGRAFIA DA BARREIRA PLEISTOCÊNICA PARANAENSE

ESTUDO DO FLUXO DA CORRENTE DO BRASIL A PARTIR DE DERIVADORES OCEÂNICOS

1. (UNIPAM) Nas últimas décadas, diversos fenômenos climáticos têm sido foco de discussões na academia e na mídia, devido às implicações sociais,

. ANÁLISE ENTRE MÉTODOS DE DETERMINAÇÃO DE FETCH APLICADOS AO RESERVATÓRIO DE CAPIVARI-CACHOEIRA

VARIABILIDADE EXTREMA DO GELO MARINHO ANTÁRTICO ASSOCIADA À CIRCULAÇÃO ATMOSFÉRICA NA ESCALA DE TEMPO SINÓTICA.

EVIDÊNCIAS DE UM PALEOMANGUE NO LITORAL NORTE DA BAHIA

CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DA IDADE DO SISTEMA DE LAGOS DO BAIXO CURSO DO RIO DOCE (LINHARES, ES)

DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL E TEMPORAL DA PRECIPITAÇÃO PLUVIAL E EROSIVIDADE MENSAL E ANUAL NO ESTADO DO TOCANTINS

ANÁLISE PRELIMINAR DO IMPACTO DO RESERVATÓRIO DE ITÁ NO CLIMA LOCAL. Maria Laura G. Rodrigues 1 Elaine Canônica 1,2

CRESCIMENTO DE Xiphopenaeus kroyeri (HELLER, 1862) (CRUSTÁCEA: NATANTIA: PENAEIDAE) DA REGIÃO DE MATINHOS, PARANÁ, BRASIL.

PALEOCLIMATOLOGIA DA AMÉRICA DO SUL E REGIÃO OCEÂNICA ADJACENTE DURANTE O MÉDIO HOLOCENO

Fenômeno La Niña de maio de 2007 a abril de 2008 e a precipitação no Rio Grande do Sul

XIX CONGRESSO DE PÓS-GRADUAÇÃO DA UFLA 27 de setembro a 01 de outubro de 2010

Arqueologia dos sambaquis no litoral de São Paulo: análise da distribuição dos sítios e cronologia

CAPÍTULO XVII MAPEAMENTO DA PALEOLAGUNA E DOS SÍTIOS ARQUEOLÓGICOS DO CAMPO DE DUNAS DO PERÓ, CABO FRIO, RJ

CONDICIONANTES GEOMORFOLÓGICOS LIMITANTES À PRODUÇÃO DE SAL MARINHO NA PLANÍCIE FLÚVIO-MARINHA DO RIO JAGUARIBE, ESTADO DO CEARÁ.

ESTIMATIVA DOS FLUXOS TURBULENTOS NA REGIÃO METROPOLITANA DE SÃO PAULO Maria Helena M. MARTINS 1,2 e Amauri P. de OLIVEIRA 1

ANÁLISE DA PRECIPITAÇÃO NA REGIÃO DO SUB-MÉDIO SÃO FRANCISCO EM EVENTOS CLIMÁTICOS DE EL NIÑO E LA NIÑA

SANEAMENTO NAS CIDADES BRASILEIRAS

MODELO DE ESTIMATIVA DA INSOLAÇÃO DIÁRIA PARA MARINGÁ-PR RESUMO INTRODUÇÃO

INFLUÊNCIA DE EVENTOS ENOS 1982/1983 NA PRECIPITAÇÃO PLUVIAL DO MUNICÍPIO DE CAMPINAS, SP.

BALANÇO ENERGÉTICO NACIONAL 2006 ano base 2005

Anuário do Instituto de Geociências - UFRJ

CAT 16 Geografia Gabarito

GEOMORFOLOGIA DO QUATERNÁRIO

Souza, T.A. 1 ; Oliveira, R.C. 2 ;

VIII-Castro-Brasil-1 COMPARAÇÃO ENTRE O TEMPO DE RETORNO DA PRECIPITAÇÃO MÁXIMA E O TEMPO DE RETORNO DA VAZÃO GERADA PELO EVENTO

ALIMENTAÇÃO DE Rachycentron canadum NA BAÍA DE TODOS OS SANTOS

A FAUNA REPRESENTADA NOS ARTEFATOS DO SAMBAQUI ILHA DAS OSTRAS BAHIA - BRASIL

Índice de Bloqueio Associado ao Furacão Catarina

Análise da evolução dos preços de milho no Brasil

3. Área de Estudo Localização da Área de Estudo

ESTUDO COMPARATIVO DAS CARACTERÍSTICAS GEOMORFOLÓGICAS E PREENCHIMENTO SEDIMENTAR DE SEIS GRANDES ESTUÁRIOS BRASILEIROS

PROCESSOS OCEÂNICOS E A FISIOGRAFIA DOS FUNDOS MARINHOS

EVENTOS ZCAS NO VERÃO 2005/2006 E SUAS RELAÇÕES COM AS OSCILAÇÕES INTRASAZONAIS

Transcrição:

EFEITO RESERVATÓRIO DAS ÁGUAS COSTEIRAS DO SUL DO BRASIL Rodolfo José Angulo 1 ; Maria Cristina de Souza 2 ; Sueli Kimiko Sasaoka 3. 1 Dr., Departamento de Geologia, Universidade Federal do Paraná, Centro Politécnico Cxa Postal 19001 Phone: +55 41 361-3135. e-mail: angulo@ufpr.br 2 M.Sc.,Pós Graduação em Geologia, Departamento de Geologia, Universidade Federal do Paraná, Centro Politécnico Cxa Postal 19001 Phone: +55 41 361-3135. e-mail: cristina@geologia.ufpr.br 3 Dra., Museu de história natural Capão da Imbuia, Rua Benedito Conceição, 4407 RESUMO Para melhorar a precisão temporal das curvas de variação do nível relativo do mar, as idades 14 C convencionais podem ser convertidas para idades calendário que incluem a variação temporal do 14 C atmosférico. Para converter as idades 14 C convencionais para anos calendário é necessário primeiro corrigir as idades obtidas a partir de amostras de origem marinha pelo efeito reservatório (R). Contudo, existem significativas diferenças regionais do R ( R). Este trabalho apresenta seis novas datações que permitiram calcular um R de 33 ± 24 anos para a região sul e, adicionando a idade de nove amostras publicadas anteriormente, calcular um R de 63 ± 29 anos, para a região sul e sudeste do Brasil. ABSTRACT To improve the time accuracy of the relative sea-level curves, the 14 C conventional ages need to be converted into calendar ages, that include the 14 C atmospheric variations. To convert the 14 C conventional ages of marine samples into calendar ages it s necessary to correct the reservoir effect (R) before. However, R present significant regional differences ( R). This work presents a 33 ± 24 years R estimation for southern Brazil obtained from six marine shell samples collected in the states of Santa Catarina and Paraná. This work also presents a 63 ± 29 years R estimation for the Brazilian coast from the states of Rio de Janeiro to Santa Catarina obtained by adding nine ages published in previous works. Palavras-Chave: efeito reservatório, sul do Brasil, sudeste do Brasil 1. INTRODUÇÃO As curvas de variação do nível do mar no Holoceno no Brasil foram construídas com idades 14 C convencionais, corrigidas pelo δ 13 C, obtidas a partir de amostras de indicadores temporais de paleo-níveis marinhos que incluem restos de organismos continentais, estuarinos, lagunares e marinhos. Para melhorar a precisão temporal das curvas, as idades 14 C convencionais podem ser convertidas para idades calendário que incluem a variação temporal do 14 C atmosférico (Stuiver & Braziunas 1993). Porém para converter as idades 14 C convencionais para anos calendário é necessário primeiro corrigir as idades obtidas a partir de amostras de origem marinha pelo efeito reservatório (R). Stuiver & Braziunas (1993) recomendam a diminuição de 360 anos para as amostras marinhas do hemisfério sul, que seria o valor médio do efeito reservatório para águas superficiais deste hemisfério. Contudo, existem significativas diferenças regionais do efeito reservatório ( R), que podem alcançar valores de até 885 ± 45 anos como no Mar de Ross (Stuiver et al. 1986). Deste modo, é necessário conhecer o R regional para converter as idades 14 C convencionais em idades calendário das amostras de origem marinha. Até 2002 não existiam valores publicados de R para as águas superficiais costeiras do Brasil. Eastoe et al. (2002) publicaram os primeiros dados sobre o efeito reservatório das águas costeiras do Atlântico Sul a partir de amostras provenientes de Santa Catarina e Rio de Janeiro. Os dados incluíam amostras de conchas atuais e conchas antigas obtidas em sambaquis e conchas atuais de Santa Catarina datadas por Nadal de Masi (1999 apud Eastoe et al. 2002). Os dados apresentaram alta variabilidade dos valores de R (97 até 527 anos), inclusive seis amostras coletadas no mesmo ano e no mesmo local forneceram idades de R entre 192 e 527 anos. Eastoe et al. (2002) concluíram que o R é variável no tempo e que a idade das amostras marinha somente podem ser corrigida após se conhecer a variabilidade temporal do R. Segundo estes autores, amostras atuais e com idades entre 2.500 e 1.595 anos 14 C convencionais, do litoral de Santa Catarina, poderiam ser corrigidas por um R de 220 ± 20 anos, porém outras amostras atuais dos litorais de Santa Catarina e Rio de Janeiro teriam que ser corrigidas por um R de 510 ± 10 anos. Segundo os autores, as diferenças de envelhecimento das amostras poderiam ter sido originadas por variações do R de curto período (sazonais a decadais) nas á- guas costeiras causadas por fenômenos de ressurgência. Utilizando apenas amostras marinhas atuais publicadas por Eastoe et al. (2002), Reimer & Reimer (2003) calcularam um valor médio do R para o Atlântico SW de 89 ± 46 anos. 2. OBJETIVOS E METODOLOGIA Para tentar melhorar a determinação do R das águas costeiras do sul do Brasil foram obtidas amostras de conchas da coleção do Museu de História Natural Capão de Imbuia, com datas de coleta anteriores as explosões nucleares na atmosfera e que não apresentassem evidências de desgaste. Foram datadas duas amostras obtidas de conchas dos bivalves Macrocallista maculata e Raeta plicatella e três dos gastrópodes Janthina janthina, Pugilina moreo e Nassarius vibex, coletadas entre 1933 e 1944, nos litorais dos estados do Paraná e de Santa Catarina. Também foi datada uma amostra de cirripédio incrustado na concha de Pugilina moreo.

As idades 14 C foram determinadas pelo método AMS (accelerator mass spectrometry) nos laboratórios Geochron. Os valores de R e R foram calculados no Department of Geological Sciences and Quaternary Research Center, University of Washington. 3. RESULTADOS As datações forneceram idades 14 C convencionais entre 580 ± 40 e 410 ± 40 anos antes do presente (A.P.), com idade média em torno dos 500 anos A.P.; valores de R entre 392 ± 42 e 233 ± 42 anos e valores de R entre 112 ± 41 e -5 ± 41 anos (Tabela 1 e Figura 1). Tabela 1: Idades 14 C convencionais corrigidas pelo δ 13 C, efeito reservatório (R) e variação regional do efeito reservatório ( R) de amostras de conchas marinhas coletadas nos litorais dos estados do Paraná e de Santa Catarina entre 1933 e 1944. Gênero e espécie Classe Ano de coleta Macrocallista Pelecípoda 1944 maculata Local, Estado Latitude Idade 14 C convencional Ilha do Francês, Santa Catarina δ 13 C (%o) R R 27º25' 580 ± 40 + 0,3 392 ± 42 112 ± 41 Raeta plicatella Pelecípoda 1940 Campeche, Santa Catarina 27º41' 550 ± 40-0,9 373 ± 42 85 ± 41 Janthina janthina Gastrópoda 1940 Ilha do Francês, Santa 27º41' 500 ± 40-1,3 323 ± 42 35 ± 41 Catarina Pugilina moreo Gastrópoda 1940 Ilha do Mel, Paraná 25º30'/35' 410 ± 40-0,6 233 ± 42-55 ± 41 Cirripédio Artrópoda 1940 Ilha do Mel, Paraná 25º30'/35' 460 ± 40-1,3 283 ± 42-5 ± 41 Nassarius vibex Gastrópoda 1933 Mar de Dentro, Ilha do Mel, Paraná 25º31'/34' 490 ± 40 + 0,4 321 ± 42 30 ± 40

48º30 W 0º Ilha do Francês 10º B R A S I L Ilha de Santa Catarina 27º30 S Baía do Norte AMÉRICA DO SUL 20º PARANÁ Ilha do Mel SANTA CATARINA Ilha de Santa Catarina 30ºS Florianópolis Lagoa da Conceição 70ºW 60º 50º 40º 30º 25º29 32 S Ponta Oeste Ilha do Mel Fortaleza Campeche 27º40 S Baía do Sul Ilha do Campeche Baía de Paranaguá Saco do Limoeiro ou Mar de Dentro Farol das Conchas Oceano Atlântico Oceano Atlântico 0 1km 48º21 24 W Ponta de Encantadas 0 4km 27º50' S Figura 1: Locais onde foram obtidas amostras para determinação do efeito reservatório, nos litorais de Paraná e Santa Catarina, sul do Brasil. 4. DISCUSSÃO E CONCLUSÕES Um dos problemas das amostras utilizadas para determinar o R é que a data de coleta pode não corresponder à data da morte do organismo, pois não há especificação no livro tombo se a concha foi obtida a partir de um espécime coletado vivo ou morto. Para contornar este problema foram escolhidas conchas que não tivessem sinais de a- brasão. A melhor amostra sob este aspecto é a de Janthina janthina pois este gastrópode tem concha frágil e vive flutuando no mar, sendo pouco resistente ao transporte (Figura 2A). Como os exemplares da coleção não apresentavam nenhuma evidência de abrasão e ainda tinham a coloração púrpura característica, que se perde após a morte do organismo quando exposto ao sol, considerou-se que, neste caso, a idade da morte seria próxima à idade de coleta. Ademais, Goffergé (1950), que é o coletor da a- mostra datada, refere que em Santa Catarina coletou vários exemplares vivos que flutuavam sobre as água do mar. As conchas do bivalve Raeta plicatella também são frágeis e pouco resistentes ao transporte, sendo provável que a data da morte seja próxima a data de coleta (Figura 2B). Outra concha propícia para datação foi a de Pugilina moreo que ainda apresentava parte do perióstraco, que é uma camada orgânica de fácil deterioração após a morte do organismo (Figura 2C). Por outro lado, embora a concha datada de Macrocallista maculata não tivesse sinais de abrasão, ela foi obtida num lote de conchas que incluía exemplares com incrustações de cirripédios e ostras juvenis na parte interna da valva, indicando um lapso de tempo entre a morte do organismo e a sua coleta (Figura 2D). Embora a idade de 580 ± 40 anos A.P. seja um pouco superior ao das outras amostras, ela é compatível com as idades fornecidas pelas conchas de Janthina janthina e Raeta plicatella.

Figura 2: Exemplares das conchas datadas: (A) Conchas de Janthina janthina. (B) Conchas de Raeta plicatella. (C) Concha de Pugilina moreo - As partes mais escuras da concha correspondem ao perióstraco preservado. (D). Concha de Macrocallista maculata com incrustações de cirripédios e ostras juvenis, indicando um lapso de tempo entre a morte do organismo e a coleta da concha. Para verificar a compatibilidade de idades de organismos de espécies diferentes foi datada uma amostra dos cirripédios incrustados na concha de Pugilina moreo. A idade desta amostra (460 ± 40 anos A.P.) foi superior à da concha sobre a qual estava incrustada (410 ± 40 anos A.P.), porém dentro da margem de erro de determinação do método. Assim, as idades 14 C convencionais seriam compatíveis. Pode-se concluir que as datas de coleta das amostras datadas são provavelmente próximas das idades da morte dos organismos. Com relação aos valores de R obtidos por Eastoe et al. (2002) a partir de conchas de sambaquis, cabe considerar que eles podem estar influenciados por águas continentais, pois as amostras são provenientes do Sambaqui de Jabuticabeira, localizado na margem de uma paleolaguna (Martin et al. 1988), com importante aporte fluvial do Rio Tubarão. Assim, os valores de R poderiam não ser representativos das águas marinhas costeiras. Eastoe et al. (2002) atribuem as diferenças R encontradas nas amostras antigas e atuais a fenômenos de ressurgência sazonais a decadais. Para as amostras antigas, é difícil explicar como estes fenômenos podem influenciar lagunas com forte influência fluvial. Para as amostras atuais, embora as diferenças possam ser atribuídas a fenômenos de ressurgência, é arriscado atribuir as diferenças de R, encontradas entre amostras de conchas coletadas no mesmo local (Ponta das Canas, Santa Catarina) e no mesmo ano (1942), a uma mudança sazonal de R, pois a idade de coleta das amostras pode ser diferente da idade da morte do organismo. Pode-se concluir que uma média dos valores de R obtidos a partir de conchas atuais, coletadas antes das explosões nucleares na atmosfera, podem fornecer uma estimativa aceitável do R regional. Considerando os dados apresentados neste trabalho, o R para os estados de Paraná e Santa Catarina é de 33 ± 24 anos. Já, considerando os dados deste trabalho e os de nove amostras marinhas atuais apresentadas por Eastoe et al. (2002) o R médio é de 63 ± 29 anos. AGRADECIMENTOS Ao CNPq pelas bolsas de doutorado e produtividade em pesquisa e pelo projeto individual processo 460134/00-0, às biólogas Gilda Maria Siqueira Tebet, Chefe de Divisão, e Dra. Teresa Cristina Castellano Margarido, Chefe do Serviço de Administração e Manutenção de Coleções, do Museu de História Natural Capão de Imbuia, pelo auxílio na obtenção das amostras, e a Fundação Araucária pelo apoio financeiro através do projeto Protocolo 451, chamada 001/2000 A Dra. Paula Reimer do Department of Geological Sciences and Quaternary Research Center, University of Washington, pelos cálculos dos R e R das amostras. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS EASTOE C.J., FISH P., DULCE GASPAR M., LONG A. 2002. Reservoir corrections for marine samples from the south Atlantic coast, Santa Catarina State, Brazil. Radiocarbon, 44(1):145-148. GOFFERJÉ C. N. 1950. Contribuição à zoogeografia da malacofauna do litoral do Estado do Paraná. Arq. Museu Par., Curitiba, 8:221-282. MARTIN L., SUGUIO K., FLEXOR J. M., AZEVEDO A. E. G. 1988. Mapa geológico do Quaternário costeiro dos Estados do Paraná e Santa Catarina. Série Geol. DNPM. Brasília, n.28. 40p. 2 mapas.

REIMER P. & REIMER R. 2003. Marine Reservoir Correction Database. http://depts.washington.edu/ qil/marine. Acesso em 13/06/2003. STUIVER M. & BRAZIUNAS T.F. 1993. 14 C Ages of marine samples to 10,000 BC. Radiocarbon, 35(1) 137-189. STUIVER M., PEARSON G.W., BRAZIUNAS T. 1986. Radiocarbon age calibration of marine samples back to 9,000 cal years B.P. Radiocarbon, 28(2B):980-1021.