MARINA CHIARA LEGROSKI



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Transcrição:

MARINA CHIARA LEGROSKI SIGNIFICADOS: UMA ABORDAGEM DA SIGNIFICAÇÃO PELOS VIESES DA SEMÂNTICA DA ENUNCIAÇÃO EM COMPARAÇÃO COM A SEMÂNTICA CLÁSSICA E A PRAGMÁTICA. Monografia apresentada como requisito à obtenção do grau de bacharel em Letras, área de concentração Estudos Lingüísticos, no Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná. Orientadora: Prof. Dr. Claudia Mendes Campos. Curitiba 2007 1

Sumário Introdução e objetivos... 1 1. A Significação em diversas linhas... 3 1.1 A inclusão da enunciação dentro dos estudos lingüísticos... 4 2. As Semânticas da Enunciação e Clássica e a Pragmática: pressupostos e instrumental... 8 2.1 Semântica da Enunciação... 8 2.1.1 Ducrot e suas contribuições... 11 2.2 A Semântica Clássica... 19 2.2.1 O tratamento da referência... 24 2.3 O Tratamento da Pragmática... 28 3. Tratamento dos fenômenos pelas diferentes teorias... 31 3.1 Tratamentos de pressuposição... 31 3.2 Proposta de tratamento da sinonímia... 34 Considerações finais... 37 Referências bibliográficas... 39 2

Introdução e objetivos Dentro da lingüística existem diversas áreas que nos fascinam e que nos assombram, seja pela sua complexidade, seja pela forma com que concordamos ou discordamos delas. Nesse trabalho, dialogo de perto com as três coisas: pretendo trabalhar com três áreas extremamente complexas, com as quais concordo e das quais discordo ao mesmo tempo. Pela sua complexidade, precisei fazer um recorte e escolher que tipo de coisas trataria. Assim, escolhi trabalhar com a Semântica da Enunciação, a Semântica Clássica 1 e um pouco ainda com a Pragmática. Escolhi as três por serem disciplinas que tratam da significação, um problema muito discutido dentro dos estudos da linguagem, e por serem disciplinas que, ao mesmo tempo em que se afastam, se aproximam muito. Dentro dessas áreas, então, escolhi recortar que tipo de tratamento fazem do significado e o que incluem e o que excluem em suas abordagens. Além disso, pretendo tratar dos problemas com que elas mais classicamente se ocupam, para fazer um panorama, em certa medida pouco aprofundado, do que constitui cada uma delas. Creio que esse trabalho tem relevância tanto para a Semântica da Enunciação quanto para a Semântica Clássica e ainda a Pragmática, porque de certa forma trata de coisas que interessam aos estudiosos de cada uma delas, embora alguns deles, por vezes, não estejam ocupados em explicitar a delimitação que fazem de seus objetos de pesquisa. Para estudar esses fenômenos, então, li algumas obras mais ou menos representativas dentro da Semântica Clássica, da Pragmática e, principalmente, da Semântica da Enunciação, área a que, atualmente, me filio com mais intensidade. Foram necessárias leituras de manuais introdutórios, artigos de comentadores e, por muitas vezes, do próprio teórico em questão. O que, evidentemente, não significa que esgotei todas as questões que poderiam ter sido abordadas nem que a bibliografia consultada fosse a mais indicada para tal trabalho. De qualquer forma, creio que foi o suficiente para tocar em alguns pontos e instigar um estudo mais aprofundado. 1 Estou chamando de Semântica Clássica a área dessa disciplina que mais tradicionalmente apresenta tratamentos para fenômenos semânticos, como referência, sentido, antonímia, sinonímia, ou seja, a área que mais tradicionalmente apresenta trabalhos para dar conta desses fenômenos de significação. 3

Assim, pude observar um tratamento bastante diferente para fenômenos bastante semelhantes, o que me intrigou e me fez pensar em um método de tratamento, dentro da Semântica da Enunciação, de fenômenos que são tradicionalmente tratados pela Semântica Clássica. Meu trabalho se organiza, então, em 3 capítulos: um deles, o primeiro, introduz as diferentes formas de se olhar para o significado e que tipos de pressupostos cada um desses olhares toma, além de dar um panorama geral da inclusão do enunciador na língua, na perspectiva feita por Benveniste. No segundo capítulo, procuro dar um tratamento mais detido ao que é objeto de cada perspectiva teórica escolhida e de como esses pressupostos funcionam quando colocados em prática para análise de dados. Além disso, procuro identificar o que é sentido e referência para essas áreas. No terceiro capítulo, por fim, procuro exemplificar o que analisei até esse ponto e proponho uma forma de tratamento da sinonímia dentro da Semântica da Enunciação, nos moldes da apresentada por uma das teóricas que li. Esse tratamento, ainda bastante inicial e primitivo, caracteriza uma originalidade dentro de meu trabalho, considerando que não encontrei nada a respeito dentro da área. 4

1. A Significação em diversas linhas Sintetizar a abordagem que as sub-áreas da Semântica dão a seus objetos não é um trabalho fácil. São muitos os aspectos a serem considerados e, assim, serão sempre feitas reduções que, por vezes, deixam de fora aspectos muito importantes. Uma dessas tentativas, entretanto, encontrei no texto Semântica e Pragmática 2, de Eduardo Guimarães. Nesse texto, o autor dá uma grande visão do que entende que são os estudos lingüísticos do significado na atualidade. Para ele, a significação pode ser vista, desde que a Semântica deixou de ser uma área que se ocupava das mudanças históricas do significado das palavras, dentro de três grandes escolas: a Semântica Formal, a Semântica da Enunciação e a Pragmática. Dentro delas, então, ele aponta cinco formas diferentes de considerar a significação. Segundo ele, a primeira dessas formas vê o significado como uma relação dentro do eixo paradigmático da língua, seguindo o sistema estabelecido por Saussure. Dessa forma, as palavras significam na relação de uma com as outras ( cadeira é o que sofá não é, sofá é o que poltrona não é e assim por diante) e dentro de um grupo de sentidos semelhantes: festa de aniversário, bolo, refrigerante, balões, estabelecem entre si uma relação que não estabelecem com caminhão de bombeiros, computador ou iglu. Guimarães chama esse tipo de abordagem de estruturalista, justamente porque empresta de Saussure a idéia do valor lingüístico, em que as palavras têm seu significado dado pela relação opositiva entre os significados de cada uma. A segunda forma, a que Guimarães chama referencialista, é a que entende que as palavras possuem uma relação com o mundo e, além disso, uma relação com as outras palavras que estão juntas numa mesma frase. Assim, uma frase que diz O bolo do aniversário estava bom só significa quando se entende de que forma essas palavras se relacionam na frase para fazer sentido e a que tipo de coisas no mundo esses elementos lingüísticos se referem. É a abordagem da Semântica Clássica que analisarei nesse trabalho. 2 GUIMARÃES, E., Semântica e Pragmática, In: GUIMARÃES, E.; ZOPPI-FONTANA, M. Introdução às Ciências da Linguagem: a palavra e a frase. Campinas: Pontes, 2006. 5

No terceiro possível tratamento da significação, ela é entendida na relação entre a intenção da pessoa ao comunicar e a receptividade do interlocutor, ou seja, na comunicação. Ao falar de intenção, Guimarães mostra que existe uma abordagem lingüística que incorpora a intenção no tratamento da linguagem que, a princípio, não é parte do lingüístico, mas do interacional. O autor não nomeia, mas se trata da Pragmática. Assim, nessa abordagem da significação, há que se levar em conta o contexto em que a frase foi produzida, quais eram as pessoas envolvidas, ou seja, o sentido não se dá apenas pelas palavras e sua relação no mundo, mas pelo que o falante quis comunicar. A quarta forma de tratar o significado considera que ele acontece através do acionamento da linguagem pela pessoa que a está enunciando. Ou seja, cada enunciado possui seu significado próprio, atualizado a cada vez que um novo enunciador ativa essa linguagem; (...) é resultado do sentido que as palavras têm na língua e que se atualiza segundo as condições do funcionamento da língua no momento em que ela é posta em funcionamento por aquele que fala (op. cit., p. 117). Assim, a linguagem significa pelo simples fato de ter sido colocada em uso por alguém, por ter deixado de ser apenas uma possibilidade e ter sido, efetivamente, realizada. A quinta concepção de significação se assemelha bastante à quarta, mas considera ainda que esse falante aciona outros significados a depender de sua história, sua posição social e econômica. Ou seja, uma frase como O bolo do aniversário estava bom significa coisas diferentes se enunciada por uma confeiteira, pela mãe do aniversariante ou ainda por um dos presentes na festa. Essa quinta concepção tem a ver com o tratamento mais recente do significado feito por Eduardo Guimarães, a Semântica do Acontecimento. Dessa forma, Guimarães demonstra que, para tratar o mesmo objeto, que é o significado, existem diversos pressupostos teóricos diferentes configurando diferentes linhas teóricas. Para este trabalho, interessa pensar em quatro dessas abordagens: a primeira e a quarta que, juntas, constituem a Semântica da Enunciação, a segunda, que é a abordagem da Semântica Clássica, e a terceira, que é a abordagem da Pragmática. 1.1 A inclusão da enunciação dentro dos estudos lingüísticos Saussure, considerado o pai da ciência da linguagem como a conhecemos modernamente, em seu Curso de Lingüística Geral (1916), constitui, como objeto de 6

estudo, a língua enquanto oposição à fala. Nessa percepção, a língua é um sistema composto por signos que se inter-relacionam e que se definem nessa inter-relação: um signo é o que outro não é e se estabelece e se fundamenta sozinho, sem precisar recorrer a nada exterior a ele. Assim, tudo o que está fora desse sistema, ou seja, o sujeito, a história, o referente e o mundo, estão no domínio da fala, não mais da língua. Essa é a chamada teoria do valor, da qual rapidamente falei quando apresentei as formas de tratamento do significado na concepção de Eduardo Guimarães. Isso fica fortemente fundamentado no seu Curso: considerando o signo como formado por uma parte significado e uma parte significante, Saussure inclui a significação dentro do sistema. Essa significação, no entanto, é uma relação entre os signos, e o significado em um signo é o que não é significado no outro. Assim não há uma relação com o mundo (porque foi excluído no corte epistemológico proposto), mas dentro da própria língua. O que foi excluído pelo corte saussureano, entretanto, vem sendo incorporado aos estudos lingüísticos pela Semântica e também pela Pragmática, que fazem essa inclusão de forma bastante pertinente e justificada. Desde muito cedo, os filósofos que se ocupam de questões da significação e da relação entre o mundo e a forma de acessá-lo, através da linguagem, e os semanticistas, que fazem o mesmo trabalho, têm tentado incluir a relação com o mundo nos estudos lingüísticos, uma vez que a linguagem também pode ser vista por meio da relação que estabelece com o mundo. (Evidentemente, para Saussure isso é o domínio da fala, mas certamente pode ainda ser considerado como domínio da linguagem.) De qualquer forma, para esses estudos da significação, a unidade de análise não é mais o signo, mas o eixo das relações sintagmáticas que ele pode estabelecer. A incorporação do falante nos estudos semânticos se deu, principalmente, pelos estudos de Èmile Benveniste, que desenvolve uma teoria lingüística voltada para a enunciação. Antes dele houve estudos nesse sentido, inclusive de um aluno de Saussure, Charles Bally, e também com Roman Jakobson, que é um teórico bastante conhecido pela sua teoria da comunicação. Benveniste, no entanto, dá um passo a mais desenvolvendo um modelo teórico que assume que a estrutura da língua e o sujeito que acessa essa estrutura estão relacionados. Por ser um estruturalista, sua teoria não poderia deixar de passar pela idéia saussureana de língua como sistema; a grande diferença está na inclusão do falante 7

como o realizador da língua. Para ele, sem alguém que acesse esse sistema, a língua não é língua de fato: é apenas uma possibilidade não realizada. Benveniste, em alguns dos seus artigos, posteriormente publicados em livro, discute diversas questões que concernem a esse estudo 3. Para mostrar o que entende por significação, esse autor a separa em dois níveis: o semiótico, que ele considera ser o mesmo do estruturalismo saussuriano (de onde ele recupera a noção de estrutura para definir o signo como uma unidade semiótica), é aquele que dá um significado relacional dentro da estrutura da língua; e o nível semântico, que é o significado resultante da atividade do locutor quando coloca a língua em funcionamento. Assim, a referência existe apenas no nível semântico, porque a língua é capaz de referir para a exterioridade do sistema a partir da enunciação, i.e., durante a atividade enunciatória, o enunciador e o co-enunciador atribuem sentido para as construções que são próprias da estrutura, as frases. Dessa forma, a teoria sustenta que há uma inserção da subjetividade na linguagem, uma vez que ela está sendo usada por um falante e precisa de um interlocutor para que possa significar, ou seja, precisa necessariamente passar pelas experiências desses dois sujeitos. Isso porque ela é acessada por meio do falante, i.e., a língua precisa do falante para significar. Para correlacionar, então, o discurso à subjetividade, o autor propõe uma distinção entre personalidade e subjetividade. Dessa forma, as pessoas do discurso eu e tu seriam subjetivas e ele, categorizado como não-pessoa, seria apenas o elemento sobre quem o discurso incide. O eu é interior ao discurso, i.e., é a forma pronominal que o locutor usa para referir a si mesmo; é a única pessoa subjetiva, uma vez que a língua é acessada pelo sujeito para falar algo a partir dele e do momento em que ele vive. O tu, por outro lado, precisa sair do discurso para ter um referente e, por isso, não é subjetivo, mas uma pessoa. O ele, como não faz parte do discurso, tem sua significação apenas no nível semiótico, dentro do sistema sintático. Além disso, para Benveniste, o par eu-tu é discursivo porque estabelece um tipo de referência enunciativa, pois se refere ao momento da enunciação e às pessoas que participam dela. Nesse sentido, Benveniste chega à conclusão de que essas pessoas do discurso têm uma função dêitica, porque seu referente está no tempo, no local e nos locutores que estão presentes naquele momento de enunciação. Disso depreende-se que 3 Para apresentar essas questões, tomo por base uma apresentação feita dos estudos de Benveniste feita por FLORES, Valdir N. e TEIXEIRA, Marlene. (2005) Introdução à Lingüística da Enunciação. São Paulo: Contexto. 8

há um princípio de inversibilidade, já que o discurso se constitui quando cada sujeito se assume como eu em cada nova enunciação. Com isso, o autor pode afirmar que a língua também é dêitica, já que precisa de um locutor para ser acessada e esse locutor é também dêitico; i.e., a ponte entre os níveis semiótico e semântico, o falante, é quem vai fazer a língua referir a alguma coisa fora do sistema. E isso sempre a partir da dêixis do sujeito, que enuncia a partir do seu tempo, no seu espaço. No artigo Aparelho formal da enunciação 4, o autor mostra que a diferença da sua concepção em relação às outras é a apropriação pelo locutor do aparelho formal da língua, ou seja, sua sintaxe, sua fonologia, seus paradigmas, são preenchidos de significação apenas por meio do locutor. E se a enunciação é, pois, a língua sendo posta em uso em um ato individual de utilização, podemos perceber que Benveniste estabelece uma diferença entre língua e enunciação. A língua é, assim, um sistema que funciona quando é posto em funcionamento, ou seja, na enunciação. Além disso, só existe uma enunciação quando há um locutor e um co-locutor, i.e., um alocutário, que vai junto com ele produzir sentido para o enunciado. Para Benveniste, isso estabelece uma certa relação com o mundo, porque enquanto o locutor se apropria da língua para referir ao mundo, o colocutor pode co-referir da mesma forma. Essa referência, entretanto, possui um centro interno ao falante porque, ao se apropriar da língua, o locutor introduz aquele que fala (ele próprio) na sua fala, criando um centro de referência interno. Não se trata de referir o mundo, então, mas de referir o tempo, o espaço e o locutor. Dessa forma, mesmo quando não está explicitado, o enunciado é marcado pela subjetividade do sujeito. Isso se dá, por exemplo, com as formas verbais, sempre produzidas a partir do centro da enunciação, i.e., possuem um referente dentro do discurso. Assim, agora e verbos no presente significam o momento em que o enunciador fala, ontem e verbos no passado significam antes da enunciação e verbos e advérbios de futuro significam depois da enunciação. Com a inclusão do falante na significação, Benveniste funda uma linha teórica que possui ramificações bastante diferentes entre si e uma dessas ramificações é a Semântica Enunciativa. Benveniste inclui a significação dada pelo falante dentro do que concerne à lingüística, porque o falante é apresentado como grande formador de sentido no discurso. 4 BENVENISTE, É. Problemas de lingüística geral. 2 v. Campinas: Pontes, 1989. 9

2. As Semânticas da Enunciação e Clássica e a Pragmática: pressupostos e instrumental 2.1. A Semântica da Enunciação No mesmo Semântica e Pragmática 5, pouco mais adiante, Guimarães também apresenta a sua conceituação de sentença e enunciado e afirma que enquanto a semântica formal tem como unidade de análise a sentença, a semântica da enunciação e a pragmática tomam como unidade de análise o enunciado (op. cit., p.123). Por enunciado, ele entende um conjunto de sentenças inter-relacionadas que significam sozinhas (e, dessa forma, podem inclusive significar relacionadas a outros enunciados) e em conjunto no momento em que foram enunciadas. Entretanto, ele afirma que a sentença, tomada isoladamente, não necessariamente precisa ser deixada de lado nos estudos da enunciação: apenas não é o tratamento que ele pretende dar. Aparentemente, temos aqui uma relação muito semelhante àquela entre nível semiótico e semântico, apresentada anteriormente, dentro da teoria de Benveniste: a sentença pertence, assim, ao nível semiótico, enquanto o enunciado pertence ao semântico. 6 A diferença entre sentença e enunciado, assim, é muito semelhante à proposta por Benveniste. Por sentença, ele entende o tipo de construção lingüística, dotada de significado, tomada isoladamente, fora do seu contexto de enunciação. Ou seja, a sentença é a unidade da língua saussureana. Não se trata, portanto, de abrir mão da noção de sentença, como querem alguns, mas de incorporá-la e suplantá-la. O enunciado, por outro lado, é a sentença tomada dentro de seu contexto, ou seja, ele é o funcionamento dessa sentença em uma situação de enunciação. Dessa forma, mesmo que uma sentença seja repetida diversas vezes em um mesmo texto, significará coisas diferentes em cada uma dessas vezes, porque será parte de um novo enunciado. 5 GUIMARÃES, E., Semântica e Pragmática, In: GUIMARÃES, E.; ZOPPI-FONTANA, M. Introdução às Ciências da Linguagem: a palavra e a frase. Campinas: Pontes, 2006. 6 A diferença fundamental, então, entre a Semântica da Enunciação e a Pragmática seria, então, para Guimarães, que a semântica da enunciação, ao considerar o sujeito que enuncia, o toma como lingüístico, diferente da pragmática que o considera psicologicamente. (op. cit., p. 123) 10

A significação de um enunciado, dentro da perspectiva da Semântica da Enunciação, se dá pela intersecção de algumas das formas de estudo do significado citadas anteriormente no texto Semântica e Pragmática, de Guimarães: da primeira forma, que trata da relação dos significados pelo valor lingüístico, e da quarta forma, que toma o acionamento da linguagem dada pelo falante no momento em que ele enuncia. A depender de que momento da teoria se observa, também podemos citar a quinta forma, que inclui o acontecimento. Assim, o significado de uma sentença como: (1) O bolo do aniversário estava bom. se dá pelo significado de bolo, da especificação que do aniversário faz em bolo, da predicação que estava bom exerce em bolo do aniversário e assim por diante, caso houvesse mais elementos nessa sentença. Há que se considerar, de acordo com Guimarães, que não é necessário nada além do funcionamento lingüístico para interpretar essa sentença, porque é apenas uma unidade da língua tomada isoladamente. Essa significação, no entanto, é limitada porque pode adquirir significados diferentes em encadeamentos diferentes. Por exemplo: (2) O bolo do aniversário estava bom, mas o do ano passado estava melhor. (3) O bolo do aniversário estava bom, comi uns cinco pedaços. Esse tipo de observação é muito similar a uma já feita por Ducrot (1987), que é um dos teóricos que estão no pano de fundo da teoria de Guimarães. Os exemplos de Ducrot são: (4) São quase oito horas. Apresse-se. (5) São quase oito horas. Já é tarde. 7 7 DUCROT, Oswald. Polifonia y argumentación, citado por CAMPOS, Claudia M. O percurso de Ducrot na Teoria da Argumentação na Língua, Revista da Abralin, no prelo. 11

e servem para demonstrar que o funcionamento da sentença é puramente lingüístico, e não determinado por algum funcionamento externo. 8 Entretanto, são úteis para demonstrar que, fora do seu contexto de enunciação, o significado da sentença é apenas parcial. Um enunciado traz consigo uma relação com a pessoa que o enunciou. Assim, ele não é mais uma sentença, significando sozinha, mas um acontecimento que tem seu significado dado pela pessoa que falou, de onde, falou, e, além disso, com quem falou. Isso fica mais evidente quando temos um enunciado como: (6) O bolo do meu aniversário estava bom. Essa sentença traz consigo algo que não há como ser interpretado sem que se busque um referente, ou seja, quando alguém diz meu, o significado só pode ser atribuído em relação a quem disse meu 9. Essa é uma marca bastante forte, uma vez que o significado de meu não está na língua, mas no funcionamento lingüístico desse pronome (que é algo como procurar quem disse meu e só então atribuir a esse enunciador o significado de meu, antes mesmo de atribuir significado a o bolo do meu aniversário.) A significação de uma sentença como essa é vista como parte de um processo de colocar essa unidade lingüística em uso, e não só como um processo sintático. 10 Podemos pensar um pouco mais profundamente nisso tomando por base um outro exemplo, citado pelo próprio Eduardo Guimarães: 8 Ou seja, como os dois encadeamentos começam com a mesma frase, podemos ver que nelas mesmas não há nada que determine uma interpretação ou outra. 9 Estudos da significação dos pronomes foram feitos, anteriormente, por Èmile Benveniste, a quem se credita o fato de demonstrar que a língua é subjetiva por trazer todo o tempo marcas do momento em que é enunciada, ou seja, que toda a língua é dêitica porque sempre faz referência ao hic/nunc, como disse anteriormente. Sublinho que o sentido de dêitico para Benveniste não é o mesmo que para os referencialistas, pois ele não está lidando com a relação entre a língua e seus referentes no mundo, mas com o que ela acessa a partir do seu momento de enunciação. 10 Neste texto, Guimarães ainda distingue a língua enquanto sistema de regularidades, ou seja, o sistema saussureano, e enquanto objeto histórico, exemplificando que uma pessoa que fala português como língua materna é afetada por essa língua de uma maneira diferente de uma pessoa que fala português como língua estrangeira e, além disso, que a língua é constituída pelos seus falantes, ou seja para pensar a enunciação podemos considerar que as línguas (idiomas) se distribuem enquanto constituem seus falantes. Assim, o falante (...) é aquele que é tomado enquanto tal pelas línguas que fazem dele um falante. (op. cit., p. 124) Entretanto, esse tipo de trabalho está mais fortemente desenvolvido em seu livro Semântica do Acontecimento, que não interessa tratar nesse trabalho, por se tratar de estudos mais focados em outras áreas de interesse. 12

(7) Você poderia me trazer um jornal amanhã? Nesse exemplo, não sabemos ao certo o significado desse enunciado, porque está descolado de qualquer contexto. Não podemos saber se isso é uma ordem, um pedido ou mesmo um conselho, justamente porque é uma sentença fora da sua situação comunicativa. Dessa forma, o significado, que vem da relação entre o locutor e o alocutário (o falante e seu interlocutor), não pode ser estabelecido. Em uma situação em que o falante é o chefe do interlocutor, por exemplo, o enunciado seria uma ordem. Caso fosse um colega de repartição, seria um pedido, e assim por diante. O que ele quer ressaltar aqui é que a sentença significa, mas que o seu significado se amplia na medida em que seu contexto é trazido junto, ou seja, em que é vista como um enunciado 11. 2.1.1. Ducrot e suas contribuições Venho, até aqui, justificando a Semântica da Enunciação como pertencente a uma linha que parte de Benveniste, através da inclusão do enunciador nos estudos lingüísticos. O enunciador, para a Semântica Clássica, como veremos adiante, não faz parte da teoria. Não se leva em conta a enunciação, o contexto, o falante: apenas o sistema lingüístico importa. Entretanto, como já citado anteriormente, para Benveniste o sistema também conta, e o falante faz parte dele. O sistema lingüístico é fundamentalmente importante também para os trabalhos de Oswald Ducrot. Ele, aluno de Benveniste e, por isso, alguém que assume as mesmas concepções teóricas para dar início aos seus estudos, junto com J.C. Anscombre (na primeira parte de sua teoria e, mais recentemente, acompanhado de Marion Carel), desenvolve estudos para incluir, também no sistema, a argumentação dentro da enunciação. A partir do momento que o enunciador fala, portanto, não pode deixar de argumentar porque esse ato está inscrito na estrutura da língua. Ducrot cria espaço para sua teoria, primeiramente, suplantando o que ele chama de concepção tradicional da argumentação (que é a encontrada em diversos lugares, e 11 Nesse trecho, (p. 125-126), Guimarães deixa claro que não se trata da situação, mas do acontecimento. Esses dois termos estão diferenciados explicitamente dentro de seu trabalho. Entretanto, uso esses termos indistintamente porque são apenas para introduzir e porque não faz parte do meu trabalho discutir essas questões. 13

está exemplificada na Encyclopédie Philosophique Universelle 12 ). Ele a chama de tradicional porque é a utilizada pela maioria dos autores que se referem à argumentação e por representar a concepção de argumentação da retórica clássica. (Entretanto, como essa idéia ainda não parece muito difundida, encontram-se ainda hoje equívocos entre lingüistas no tratamento dessa questão.) Essa concepção entende que a argumentação é um ato retórico que tem por base a apresentação de um argumento que leva a uma conclusão, passando por uma lei moral ou social já conhecida, que é o que sustenta a argumentação. Assim, um falante que quisesse argumentar deveria impor a seu ouvinte uma conclusão através da apresentação de uma razão 13. Essa razão se desmembraria em argumento e lei, que seriam os responsáveis por fazer o ouvinte chegar do argumento à conclusão. Essa lei, moral ou social, não necessariamente precisaria estar explícita porque, se é de fato conhecida por todos, pode ser compreendida implicitamente. Assim, teríamos, por exemplo: (8) João não dirige mais o carro porque levou um susto na estrada. (A): João levou um susto na estrada (C): João não dirige mais. (L): Gato escaldado tem medo de água fria onde (A) é o argumento, (C) a conclusão e (L) a lei social (no caso, um ditado popular). Uma fórmula para representação visual seria algo como A C (L), ou seja, A que aponta para C passando por uma L. Ducrot, entretanto, percebe que nem sempre as sentenças que utilizamos para levar a uma conclusão passam por uma lei social. Dessa forma, ele desenvolve a teoria da argumentação na língua 14, i.e., entende que a argumentação é algo que está inscrito 12 In CAMPOS, Claudia. Efeitos argumentativos na escrita infantil ou a ilusão da argumentação. Tese de doutorado. Campinas, 2005. 13 Idem. 14 Em francês, L Argumentation dans la Langue, o que nos passa a idéia de inserido na, como sendo algo interior a ela. 14

na estrutura interna da língua e que ela acontece mesmo que não se leve em conta o mundo exterior. Nesse ponto da teoria, Ducrot postula, então, os topoi argumentativos: apresentados como princípios internos ao enunciado, são responsáveis por várias possibilidades diferentes de conclusões a partir de um mesmo enunciado. Assim, a partir do mesmo A usado no exemplo (8), em que concluímos C, podemos chegar a uma C : (9) Porque levou um susto na estrada, João agora dirige melhor. Aqui, C é oposta a C, que era apoiada em L, mas não há no enunciado nenhuma evidência que mostre que C não possa ser aceita, ou seja, que apenas C pode ser aceita a partir daquele enunciado. Como não há nenhum problema em aceitarmos esse enunciado, percebemos então que a conclusão C não se apóia em nada a não ser no próprio argumento A. Se a teoria dos topoi não é a mesma utilizada pela retórica, podemos perceber que ela não se pretende a explicar se o enunciador convence ou não o seu interlocutor (o que parece ser uma das principais bases da retórica) e nem mesmo diz se há ou não uma lei por trás disso: a preocupação é meramente estrutural e apoiada no sistema lingüístico interno. Isso significa dizer que a intenção está fora dos planos desse estudo e, além disso, que a conclusão tirada a partir do enunciado depende unicamente do interlocutor, por que o enunciador apenas produz um efeito de sentido: a conclusão não é dada pela sua vontade. Por exemplo, um enunciado como: (10) O tempo está bom. Vamos levar as crianças ao cinema. não traz nada anterior a ele, i.e., não há um dito popular ou uma lei social internalizada aos falantes que postule que, toda e qualquer vez que o tempo estiver bom, as pessoas devam levar as crianças ao cinema. Até mesmo porque, a depender da situação, o enunciador pode não entender o tempo está bom como argumento para levar crianças ao cinema (ou porque não há cinema na cidade, ou porque ele não tem crianças, ou mesmo porque pode estar fazendo muito calor para sair de casa). Além disso, o tempo estar bom não é uma condição essencial para que as crianças sejam levadas ao cinema 15

(em dias de tempo nublado, com vento ou com chuva, por exemplo, elas também podem ser levadas ao cinema). O que importa nessas observações é o fato de que (C), de qualquer forma, é a conclusão para (A) no exemplo (10) porque o enunciador fez essa escolha. (Caso o enunciado não trouxesse explicitada a conclusão, ela dependeria unicamente do interlocutor que poderia entender, assim, qualquer uma das opções dadas acima ou ainda outras, porque são muitas as possibilidades.) No entanto, a teoria de Ducrot vai além dessas observações. Para comprovar que a tal lei social não predetermina uma conclusão, ele apresenta um exemplo em que dois enunciados iguais apontam para conclusões diferentes (até mesmo opostas): (4) São quase oito horas. Apresse-se. (5) São quase oito horas. Já é tarde. Isso nos mostra que (C) não necessariamente é acionada por uma lei externa, porque o conteúdo informativo das duas sentenças é exatamente o mesmo. A conclusão não pode, então, depender do que está sendo informado ou mesmo de algo exterior e subentendido, mas o é apenas lingüisticamente. Vemos, então, que os topoi são elementos determinados a partir do contexto, i.e., do momento histórico da enunciação, de quem são os falantes em questão, de quais conclusões são passíveis de serem tiradas de um mesmo argumento. De fato, as conclusões não parecem ser tiradas de leis sociológicas antecedentes, mas do momento em que a enunciação se dá. A responsabilidade sobre qual conclusão deve ser tirada pertence, portanto, à língua, ao topos: princípio argumentativo que é o elo lingüístico responsável pelo salto de (A) para (C). Os topoi são entendidos, por Ducrot, como princípios com três características que explicam seu funcionamento na língua: são universais, gerais e graduais. Possuir uma universalidade não significa ser conhecido por todas as pessoas ou possuir um antecedente cognitivo (isso levaria a uma semelhança preocupante com as leis sociológicas), mas ser entendido como universal no momento da enunciação. Para que uma conclusão seja acessada, é necessário que todos aqueles que participam da enunciação, naquele momento, tratem a conclusão como sendo a única possível. (11) Estou feliz porque voltou a chover. 16

Nesse exemplo, podemos apenas retirar a conclusão estou feliz se eu e meu interlocutor estivermos de acordo quanto ao fato de que é uma coisa boa que chova, i.e., voltar a chover é um argumento válido na direção dessa conclusão nesse momento. Caso o topos da frase não seja entendido dessa forma, poderíamos causar um desentendimento, ou seja, meu interlocutor poderia me questionar, por exemplo, como assim? Chover é ruim, atrapalha as coisas. Por isso, no momento da enunciação, o topos é tratado como universal mesmo que seja compartilhado por apenas duas pessoas para que a conclusão apontada seja entendida como possível. Por outro lado, a generalidade dos topoi os torna utilizáveis em diversas situações. Isso significa que não são úteis para apenas uma situação, mas aplicáveis a diversas outras. Nas palavras do próprio Ducrot: é geral, ou seja, é aceito como princípio aplicável a uma infinidade de situações análogas e não só a situação em que é aplicado como base do encadeamento dos enunciados 15. Em (12) temos, por exemplo: (12) É bom que tenha voltado a chover. Aqui, podemos ver que a conclusão a que o argumento leva não é aplicada em todas as situações (mesmo porque eu já mencionei que essa conclusão pode ser questionada; por exemplo, em casos em que a região esteja passando por um período de enchentes), mas ela também se aplica a diversas outras situações, por exemplo quando a região passa por uma estiagem severa. Assim, em qualquer caso em que haja um racionamento de água ou que a chuva seja muito necessária, esse topos pode ser acessado. A generalidade trata das diversas aplicações do mesmo topos, a depender da situação. Por fim, a gradualidade mostra que os topoi podem ser colocados em escalas argumentativas, como sendo mais ou menos fortes para uma determinada conclusão. Assim, duas escalas argumentativas podem ser comparadas entre si. Como Ducrot define É gradual, porque estabelece uma relação gradual entre duas escalas argumentativas; atente-se para o fato de que a gradualidade considerada alude a uma propriedade dos predicados na língua e não dos objetos, qualidades, ações ou estados nomeados nos enunciados; ou seja, a gradualidade resulta do fato 15 DUCROT, citado por ZOPPI-FONTANA, Mónica. Retórica e Argumentação. In ORLANDI, E. e LAGAZZI-RODRIGUES, S. (orgs) Discurso e Textualidade. Campinas: Pontes Editores, 2006. 17

de que as palavras exprimem possibilidades de encadeamento, conclusivos, ou exceptivos, e que a força destes encadeamentos é ela mesma gradual. 16 página Isto significa que os topoi podem ser colocados num gráfico de proporcionalidade: sempre que o argumento sobe, a conclusão sobe; por outro lado, pode também ocorrer que sejam inversamente proporcionais e, assim, quando um lado sobe, o outro desce. Vejamos um exemplo: (13) Voltou a chover, então não há mais motivo para preocupação. Nesse caso, o argumento voltou a chover leva a conclusão de que a falta de chuva é motivo para preocupação. (Evidentemente, como já dito anteriormente, em casos em que a chuva é motivo para enchentes o argumento não valeria, mas não perderia sua gradualidade, ou seja, a relação escalar ainda seria mantida.) chuva preocupação Gráfico 1 (Lê-se quanto mais chuva, menos preocupação. Quanto menos chuva, mais preocupação. ) Se, por outro lado, a relação for invertida, ainda assim a gradualidade se mantém: chuva preocupação Gráfico 2 (Lê-se: quanto mais chuva, mais preocupação. Quanto menos chuva, menos preocupação. Esse topos seria válido no caso das enchentes, como citado acima. Como vimos, a operação é basicamente lingüística porque funciona apenas com os elementos da sentença. Se colocamos em cena operadores argumentativos, como as conjunções, 16 ANSCOMBRE e DUCROT, citados por ZOPPI-FONTANA, Mónica. Retórica e Argumentação. 18

podemos ver mais facilmente como a força argumentativa aumenta (e, assim, o argumento sobe na escala)): (14) O jantar estava bom. Maria repetiu. mas (15) O jantar estava bom. Até Maria repetiu. Quer dizer, com o uso desse operador argumentativo, o argumento ganha uma maior força, porque pelo seu funcionamento ele destaca o argumento a que precede como mais forte. O interlocutor pode não saber quem é Maria, mas o uso do até faz com que ela seja imediatamente identificada como alguém que não gosta muito de jantares ou mesmo de comer. Mas, se alguém nos diz que ela repetiu, e mais do que isso, que até ela repetiu, podemos concluir que o jantar estava bom. Na escala: r : O jantar estava bom. Até Maria repetiu. Maria repetiu. Gráfico 3 Com isso, podemos ver que as três propriedades com as quais os topoi se identificam evidenciam que a argumentação está inscrita na língua e é apenas o seu funcionamento que determina uma ou outra interpretação e, mesmo independente das conclusões a que apontem, os topoi mantêm as mesmas propriedades. Portanto, para a teoria de Ducrot, a língua é o que define a argumentação. Nessa mesma linha, Eduardo Guimarães surge como um teórico preocupado em dar conta da polifonia dentro dessa argumentação por meio da análise de conjunções. Ou seja, ele assume a polifonia e o estudo das conjunções iniciados por Ducrot para 19

formular um modelo que dê conta desses estudos em português. 17 Assim, em seu livro Texto e argumentação, Guimarães propõe um estudo do funcionamento polifônico e argumentativo de algumas conjunções demonstrando, inclusive por meio de gráficos, como podemos destacar os enunciadores que caracterizam essa polifonia. Ao entrar em contato com o conceito de polifonia, não podemos deixar de lado a carga histórica desse termo, cunhado pelo estudioso da linguagem russo Mikhail Bakhtin para explicar o romance de Fiódor Dostoiévski. Para Bakhtin, tal romance seria polifônico porque existem muitas vozes narrativas se entrelaçando no decorrer do texto. A concepção de polifonia utilizada aqui não é essa, embora tenha sido baseada nela. Por polifonia, Guimarães entende, emprestando o termo de Ducrot, um funcionamento de conjunções que coloca em cena, no discurso, duas orientações diferentes. Para simplificar, enquanto uma voz coloca em cena um argumento, outra voz coloca em cena outro argumento. A depender da conjunção utilizada, prevalece um ou outro. Vejamos um exemplo: (16) Embora não goste de carne vermelha, Maria freqüenta churrascarias. Podemos perceber que há nessa frase dois fragmentos : o primeiro diz Maria não gosta de carne vermelha e o segundo diz freqüenta churrascarias. Esses dois fragmentos seriam, a princípio, contraditórios entre si, mas podem ser colocados em uma mesma frase graças ao funcionamento da conjunção embora. A esses dois fragmentos, chamamos vozes enunciativas, ou seja, vêm de enunciadores diferentes. Isso não significa que são duas pessoas afirmando coisas diferentes, mas que na mesma frase podemos ter dois pontos de vista incorporados no discurso da mesma pessoa. Essa é a polifonia ou polifonia argumentativa. Além do embora, existem outras conjunções que possuem esse funcionamento, como o mas, o entretanto, e no entanto, por exemplo. Outra conjunção que apresenta uma configuração polifônica bastante interessante é a conjunção até, que foi objeto de estudos não só de Guimarães como também de Ducrot, que a viu como uma conjunção que é capaz de estabelecer uma escala, relacionando argumentos mais ou menos fortes. Além de ser estudado por 17 Eduardo Guimarães possui diversos trabalhos posteriores a esses que estou utilizando e lançou, recentemente, uma edição revista e ampliada de Texto e Argumentação, incluindo estudos que não dizem respeito exatamente à mesma linha adotada por Ducrot. Ele parte dela, mas dá um passo em outra direção. 20

Ducrot, o até é também apresentado em Texto e Argumentação, mas com um viés que inclui a polifonia, que relaciona mais que dois argumentos em direção a uma conclusão. Vejamos um exemplo: dia. (17) João não fez a lição de casa, tirou nota baixa e até levou suspensão por um Ou seja, para apontar na direção de uma conclusão como João não está bem na escola, são elencados três argumentos: (A 1 ) João não fez a lição de casa. (A 2 ) João tirou nota baixa. (A 3 ) João levou suspensão por um dia. Apresentados assim, esses três argumentos têm, lingüisticamente, o mesmo valor. Ou seja, não há evidência na língua de que um é mais forte que o outro. Quando o até introduz um deles, este passa a ser mais forte pelo valor que o até lhe confere. Assim, podemos ver que na direção da conclusão João não está bem na escola, o argumento que ele levou suspensão por um dia é o mais forte. O funcionamento das conjunções é bastante emblemático para que entendamos o que essa teoria chama de polifonia e de argumentação. Aqui, o que está em jogo não é apenas a carga semântica, mas a utilização dos elementos lingüísticos dentro de um enunciado, em um determinado momento. A Semântica da Enunciação, ao contrário da Pragmática (que poderia ser entendida como uma área que se ocupa de questões semelhantes), pretende ficar no nível lingüístico da relação entre os constituintes da frase, enquanto a Pragmática se ocuparia do contexto e das situações interacionais que dão margem a diversas interpretações. 2.2 A Semântica Clássica A fim de complementar os estudos da significação, considerei necessário voltar os olhos, ainda que muito mais rapidamente do que o necessário, para questões concernentes à Semântica Clássica. Para citar Roberta Pires de Oliveira (2001), a 21

Semântica Formal (...) historicamente (...) antecede as demais, o que a torna o referencial teórico e o grande inimigo a ser destruído 18. Embora não seja parte do meu objetivo com esse trabalho destruir o grande inimigo, pretendo discutir alguns pressupostos dessa área porque certamente as outras formas de estudar o significado travam com ela um debate muito forte, ou seja, é o referencial teórico com que, depois dela, se dialogou ou o que se refutou para postular novas teorias. Para lidarmos com o tratamento que a Semântica dá para as sentenças, precisamos antes conhecer alguns de seus conceitos. Existem na Semântica diversos estudos em campos mais lexicais, ou seja, relações como sinonímia, antonímia, hiponímia, que não são de especial interesse neste trabalho, porque me interessa particularmente o tratamento dado às sentenças. Começaremos com o conceito de acarretamento, uma das mais iniciais, mas nem por isso menos importante. Na Semântica Clássica, diz-se que uma sentença acarreta outra quando o sentido de uma está contido no sentido da outra, ou seja, quando a verdade de uma sentença depende da verdade de outra. Assim, uma sentença como: (18a) Isto é um bolo de morango. contém o sentido de (18b) Isto é um bolo e é de morango. Se a sentença 18b for negada, haverá uma contradição em relação à 18a, ou seja, não se pode dizer Isto é um bolo de morango, mas isto não é um bolo, ou ainda, Isto é um bolo de morango, mas não é de morango. Ou seja, o sentido de 18b está contido no sentido de 18a. Da mesma forma, uma frase como: (19a) João chegou atrasado na festa. contém o sentido de 18 OLIVEIRA, Roberta P. Semântica in BENTES, Anna Christina e MUSSALIN, Fernanda (orgs.) Introdução à Lingüística: Domínios e Fronteiras. Volumes 1 e 2. São Paulo: Cortez Editora. 2001 22

(19b) Alguém chegou atrasado na festa. Se é verdade que João chegou atrasado na festa, então também é verdade que alguém chegou atrasado. Entretanto, uma sentença como: (20a) Houve um roubo no shopping. não acarreta (20b) O shopping foi roubado. pois, como podemos imaginar, alguém que estava dentro do shopping pode ter sido roubado e isso não significa que quem foi roubado tenha sido o shopping. Logo, podemos negar (20b) sem que a sentença (20a) fique contraditória. Assim, podemos dizer, como encontramos em Cançado (2005) que duas sentenças estabelecem uma relação de acarretamento quando: a sentença (a) é verdadeira, a sentença (b) também é verdadeira; a informação da sentença (b) está contida na informação da sentença (a); a sentença (a) e a negação da sentença (b) são contraditórias (op. cit, p. 30). Logo, é a partir de testes como os que fizemos acima que comprovamos ou refutamos o fato de uma sentença acarretar a outra. Uma noção bastante próxima do acarretamento é a pressuposição. Este é um conceito bastante estudado por diversas linhas e que interessa diretamente a áreas dentro da Semântica. A abordagem que tomarei aqui é a mesma discutida por Cançado (2005), que é conhecida como referencialista 19. Assim, a pressuposição é um pouco diferente do acarretamento porque este é resultado apenas do conteúdo estritamente semântico de uma sentença. O acarretamento 19 Evidentemente, como estou usando diversos conceitos da Semântica Referencialista, é uma forma de tornar o trabalho mais coerente adotar a mesma linha para tratar dos diversos fenômenos. Cançado mostra, no entanto, que a abordagem feita por ela é a mesma adotada, por exemplo, por CHIERCHIA, 2003. LYONS, 1977; KEMPSON, 1977; entre outros, em oposição a correntes que tratam separadamente as pressuposições semânticas e as pragmáticas, como LEECH, 1981, e os que a entendem somente como uma relação pragmática, como STALKANER, 1974, por exemplo. 23

é apenas o que podemos extrair do sistema lingüístico sem precisarmos recorrer a exterioridades. Mas existe em determinadas sentenças, como observou Frege (1892) 20, um tipo de conteúdo que não é afetado quando mudamos a sua estrutura, ou seja, que mesmo que a neguemos, ou a coloquemos numa forma interrogativa ou ainda que façamos uma condicional, há algo nela que permanece imutável. Vejamos um exemplo: (21) João parou de fumar. a João não parou de fumar. a João parou de fumar? a Se João parou de fumar, Maria está feliz. b. João fuma. Em todas essas sentenças, permanece o conteúdo João fuma. Esse conteúdo é anterior ao que está sendo afirmado na sentença (21); precisamos assumir o sentido de b para que qualquer uma dessas sentenças possa ser dita. 21 Um caso diferente ocorre, por exemplo, quando a sentença é: (22) Maria acha que João fuma. a Maria não acha que João fuma. a Maria acha que João fuma? a Se Maria acha que João fuma, então deve estar louca. b. João fuma. Não é necessariamente verdade que João fuma para que Maria ache que ele fuma, ou seja, mesmo que ele não fume, ela poderia pensar que ele fuma, por qualquer outro motivo. Então, mesmo que João não fume, a sentença 22 não necessariamente 20 FREGE, On sense and reference, apud CANÇADO, M. Manual de Semântica, 2005. 21 Não estou, com isso, afirmando que não possa haver nenhuma implicação pragmática para essa sentença. Obviamente, se conhecemos João e sabemos que ele fuma podemos entender a sentença e até mesmo localizar a referência da sentença. Entretanto, o que é semântico nesse caso é o fato de que não é preciso que conheçamos João, nem saibamos que ele fuma, para sabermos que ele fuma quando ouvimos a sentença João parou de fumar. 24

deixa de ser verdadeira. 22 Empresto de Cançado (2005, p. 35) a definição de pressuposição: A sentença (a) pressupõe a sentença (b) se, e somente se, a sentença (a), assim como também os outros membros da família da sentença (a) tomarem a sentença (b) como verdade. (Por família, ela entende as quatro formas testadas acima, ou seja, a asserção, a negação, a interrogação e a condicional.) Além dos conceitos de acarretamento e de pressuposição, pretendo também discutir o conceito de sinonímia, uma propriedade do significado que é algo bastante complexo. Não vou discutir aqui sinonímia entre palavras, algo que certamente é motivo de grandes questionamentos na Semântica, mas sim entre sentenças. Para emprestar a definição de Ilari & Geraldi 23, podemos dizer que duas palavras são sinônimas sempre que podem ser substituídas no contexto de qualquer frase sem que a frase passe de falsa a verdadeira, ou vice-versa. Evidentemente, não é assim tão simples classificar as sentenças como sinônimas simplesmente pelo seu contexto, porque o contexto não é algo considerado formal para muitas teorias, embora ainda seja parte do lingüístico. Para inserir a sinonímia dentro de um tratamento formal, diz-se que a sentença (a) é sinônimo de conteúdo da sentença (b) quando (a) acarretar (b) e (b) acarretar (a) (Cançado, ibidem, p. 45). Isso significa, basicamente, que as duas sentenças devem possuir uma relação entre si tal que o significado de uma esteja contido no significado da outra e vice-versa. Um exemplo de sinonímia seria: (23) Eu fiz um bolo. e (24) Um bolo foi feito por mim. 22 Há uma regularização bastante interessante para os verbos que desencadeiam pressuposições e verbos que não desencadeiam. Os verbos chamados factivos, como por exemplo saber, esquecer, adivinhar, pressupõem a verdade do que está sendo afirmado. (Pensemos em Maria sabe que João fuma. ) Já os verbos não-factivos, como é o caso do achar supracitado e mesmo de imaginar, pensar, desconfiar, não pressupõem a verdade do que está sendo afirmado. (Cf. Cançado 2005, p. 38-39) Entretanto, como sabemos, o falante não é ingênuo ao escolher determinadas formas e, pragmaticamente, escolher uma forma em detrimento da outra já possui um significado. As relações de significação da pragmática serão discutidas posteriormente nesse trabalho. 23 ILARI, R. e GERALDI, J.W. Semântica, 1987, apud CANÇADO, M. Manual de Semântica, 2005. 25

porque, se é verdade que eu fiz um bolo, é verdade que um bolo foi feito por mim. Sentenças na voz passiva são geralmente entendidas como sinônimas de sentenças na voz ativa (embora existam exemplos em que essa relação não se verifique, como em (25) Eu fiz as malas. E (26) As malas foram feitas por mim, em que o sentido de 25 não necessariamente é o mesmo de 26). O principal aqui é mostrar que existe um teste para verificar se duas frases são sinônimas para essa abordagem: quando há um acarretamento mútuo entre as duas. Assim, uma frase como: (27) Eu fiz um bolo de laranja. acarreta que eu fiz um bolo, então ela seria sinônima da frase (23) e da frase (24), mas não acarreta que (28) Eu fiz um bolo de cenoura. ou seja, (27) não é sinônimo de (28). Embora essas exemplificações pareçam bastante óbvias e intuitivas, é necessário ressaltar que o que quero é mostrar que linguisticamente essas sentenças apresentam informações muito semelhantes, mas que ainda assim não se acarretam mutuamente, o que não as torna sinônimas. Além disso, é interessante notar que (23) e (27) também não se acarretam mutuamente e, portanto, não são sinônimas. O fato de apenas uma possuir relação de acarretamento com a outra não é suficiente para que se tornem sinônimas. 2.2.1 O tratamento da referência Antes de começar esse trabalho, foi necessário fazer um recorte de que tipo de estudos semânticos gostaria de confrontar, uma vez que muita coisa já foi feita dentro 26