AS CONTRIBUIÇÕES DA EXPOSIÇÃO CIÊNCIA, RAÇA E LITERATURA PARA A EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS



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OLIVEIRA, Luciano Amaral. Coisas que todo professor de português precisa saber: a teoria na prática. São Paulo: 184 Parábola Editorial, 2010.

Transcrição:

AS CONTRIBUIÇÕES DA EXPOSIÇÃO CIÊNCIA, RAÇA E LITERATURA PARA A EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS Thiago Leandro da Silva Dias (Pós-graduação em Ensino, Filosofia e História das Ciências - UFBA/UEFS), Charbel Niño El-Hani (Instituto de Biologia - UFBA), Juan Manuel Sanchez Arteaga (Instituto de Biologia - UFBA), Marco Leandro Barzano (Departamento de Educação - UEFS), Claudia Sepulveda (Departamento de Educação - UEFS). Resumo: Elencando como objetivo principal uma abordagem sobre a compreensão do processo histórico da construção do conceito de raça, a Exposição Ciência, Raça e Literatura configura-se como uma intervenção educativa construída colaborativamente por licenciandos em biologia e pesquisadores. Este trabalho objetiva analisar o potencial da exposição para promoção de uma educação das relações étnico-raciais. Para tanto, foi investigada a avaliação de professores e estudantes de dois cursos de licenciatura que visitaram a exposição, através de questionários abertos. Os resultados indicam que a exposição pode contribuir significativamente para educação das relações étnico-raciais, que justifica investimento em torná-la itinerante por um processo de remontagem colaborativa em outros contextos educativos. Palavras-chave: Educação das Relações Étnico-Raciais. Racismo Científico. Lei 10 639/03. 1 INTRODUÇÃO A exposição intitulada Ciência, Raça e Literatura envolve uma intervenção educativa cujas motivações iniciais estão relacionadas com a reflexão sobre os riscos potenciais que discursos teóricos e práticas das tecnociências podem apresentar para promover alterização, exclusão e marginalização de determinados grupos sociais e culturais. Elegendo o desenvolvimento histórico do conceito de raça como principal eixo temático, a exposição aborda o racismo científico como um dos exemplos emblemáticos de discursos e práticas científicas envolvidas em processos desta natureza. Tal proposta está alicerçada na necessidade da promoção de ações educativas que proporcionem instrumentos para compreender os valores, interesses e componentes ideológicos, políticos, econômicos, socioculturais, ambientais e éticos envolvidos nas relações ciência-tecnologia-sociedade (SANTOS & MORTIMER, 2001). Nesse sentido, a exposição 7226

objetiva (1) promover a compreensão do processo histórico da construção do conceito de raça, entendendo-o como resultado de uma relação entre ciências naturais e processos sociais de alterização, (2) analisar o papel das discussões sobre o conceito de raça na construção da identidade nacional e (3) promover uma visão crítica e equilibrada da ciência e de sua relação com a sociedade. Para tanto, a exposição encontra-se estruturada em torno dos seguintes temas: Desenvolvimento histórico do conceito de raça; Racismo Científico no Brasil; Discurso da genética contemporânea sobre estatuto do conceito de raça e implicações sociais; Raça na literatura nacional. Na sua gênese 1, a exposição foi elaborada por estudantes de licenciatura em ciências biológicas da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), como atividade referente à prática de estágio supervisionado. Além de desenvolverem ação educativa, orientando visitas guiadas para alunos de ensino médio e público em geral, os graduandos engajaram-se na construção colaborativa dos elementos expositivos, de roteiros orientados de visita, juntamente com professores e pesquisadores 2 envolvidos em investigações relacionadas ao racismo científico como plataforma para promoção de visão crítica das relações CTS e educação para cidadania. Esta construção colaborativa resultou na primeira edição da exposição realizada em janeiro de 2013, no Museu de Arte Contemporânea de Feira de Santana, Bahia. Desde então foram realizadas mais três edições. A segunda edição no Museu de Zoologia de Feira de Santana (MZFS-UEFS) no período de 23 de setembro a 04 de outubro de 2013, como uma das atividades da 7ª Primavera dos Museus: Museus, Memória e Cultura Afro-brasileira, promovida pelo Instituto Brasileiro de Museus. Em novembro deste mesmo ano, a exposição foi adaptada para ser montada em colaboração com uma comunidade escolar, compondo uma das atividades do Projeto Identidade Brasileira na Semana Nacional de Consciência Negra do Colégio Estadual José Ferreira Pinto, Feira de Santana, Bahia. Por fim, em sua quarta edição a exposição foi apresentada no Instituto de Biologia da Universidade Federal da Bahia (IB/UFBA), desta vez trazendo como título Ciência, Raça, Literatura e Sociedade. Vale 1 Outras intervenções educativas baseadas na história do racismo científico e relações CTS foram desenvolvidas anteriormente por pesquisadores e professores envolvidos na montagem da exposição, e subsidiaram o delineamento da proposta expositiva. Ver: Sánchez Arteaga, Sepulveda & El-Hani, 2013. 2 Membros do Grupo Colaborativo de Pesquisa em Ensino de Ciências (DEDU-UEFS) e do Laboratório em Ensino, História e Filosofia da Biologia (IB-UFBA). 7227

ressaltar que em cada edição foram feitas adequações com acréscimos, retiradas e refinamento de discursos e elementos expositivos. Em todos os processos de reelaboração e montagem, o caráter de construção colaborativa entre estudantes de graduação, pós-graduação e pesquisadores foi mantido. Ao longo desta trajetória, pesquisadores, professores e estudantes envolvidos atentaram para o papel que a exposição poderia desempenhar na promoção do ensino de história e cultura afro-brasileira e africana comprometido com o educar para relações étnicoraciais positivas, ações pretendidas pela Lei 10.639/03. Dialogando com a questão relativa às demandas da referida lei para o ensino de ciências e biologia, Verrangia (2010) chama atenção para a frequência com que o ensino de Ciências colabora com a manutenção do racismo, principalmente tendo em vista que essa forma de conhecimento é comumente percebida como politicamente neutra. Nestes termos, o autor chama atenção sobre a responsabilidade do ensino de ciências em enfrentar a realidade de injustiça social/racial existente no Brasil potencializando práticas e procedimentos de trabalho no ensino de Ciências com relações étnico-raciais. Este trabalho objetiva analisar o potencial da exposição ciência, raça e literatura a partir de análise da sua segunda edição - para promoção de uma educação científica para as relações étnico-raciais. Para tanto, foi investigada a avaliação de professores da educação básica e ensino superior a respeito da pertinência dos temas abordados na exposição e as possibilidades de diálogo com o currículo das disciplinas que lecionam. Foram investigadas também a compreensão do conceito de raça e a visão de ciência e de sua relação com racismo, desenvolvidas por estudantes das licenciaturas em educação física e ciências biológicas que visitaram a segunda edição da exposição. 2 QUADRO TEÓRICO Durante as últimas décadas, muitos autores têm utilizado o termo "othering" (traduzido como alterização), referindo-se aos processos simbólicos de geração e construção de categorias para incluir os "outros". Estes processos correspondem à nomeação e rotulação daqueles que são considerados diferentes do ponto de vista da comunidade ideal ou hegemônica; tais processos muitas vezes incluem a discriminação e inferiorização dos outros (SÁNCHEZ ARTEAGA & EL-HANI, 2012). Sendo assim, ao longo da história, determinados grupos étnicos, sociais, culturais e/ou políticos promoveram segregação, 7228

marginalização e privação de acesso a benefícios abertos a outros grupos humanos considerados e etiquetados, cientificamente, como diferentes daqueles que detinham o poder de estabelecer tais categorias e a tecnologia de comunicá-las e materializá-las nas relações sociais. Um exemplo histórico emblemático constitui a função ideológica desempenhada pelos conceitos de competição inter-racial e extinção de raças centrais nos discursos darwinistas sobre a evolução humana no século XIX - que legitimaram as ações imperialistas da Inglaterra vitoriana. Com base nestes conceitos darwinistas foram construídos discursos que naturalizavam os extermínios e genocídios de grupos étnicos promovidos pelo imperialismo britânico, a exemplo do extermínio dos tasmânios na década de 1870. Há ainda o exemplo dos projetos de eugenia norte-americanos, que futuramente inspiraram e financiaram a eugenia alemã. Estes discursos e práticas científicas, que ao longo do desenvolvimento do conceito de raça foram empregados para promover discriminação de grupos humanos, têm sido designados genericamente ciência da raça ou racismo científico. O racismo científico do século XIX constitui um caso exemplar de alterização científica, cujo estudo histórico, como argumentam Sánchez Arteaga e El-Hani (2012), pode funcionar como uma ferramenta extraordinária para promover a compreensão de como alguns compromissos ideológicos influenciam decisivamente tanto a produção quanto a difusão do conhecimento tecnocientífico, assim como as suas aplicações práticas. A abordagem do racismo científico do século XIX na Europa e no Brasil pode desenvolver uma forma de análise de como os discursos da biologia desempenharam uma função ideológica sobre as relações inter-raciais no passado, e nesse sentido serve como base para professores e estudantes analisarem as funções ideológicas do conhecimento biológico contemporâneo. Como sugestões de abordagens para a educação das relações étnico-raciais no ensino de Ciências e Biologia, Verrangia (2010) apresenta sinteticamente as seguintes temáticas: a) impacto das Ciências Naturais na vida social e racismo; b) superação de estereótipos, valorização da diversidade e Ciências Naturais; c) África e seus descendentes e o desenvolvimento científico mundial; d) Ciências, mídia e relações étnico-raciais, e) conhecimentos tradicionais de matriz africana e afro-brasileira e Ciências (VERRANGIA & SILVA, 2010). Com relação a abordagens sobre o impacto das ciências naturais na vida social e racismo, o autor sugere abordagens que, no ensino de Ciências, discutam este impacto levando em consideração o contexto histórico em que as teorias foram produzidas e apontando seus impactos no ideário social. Por exemplo, podem ser criadas atividades que 7229

explorem as relações entre os conhecimentos científicos e a orientação de relações étnicoraciais desiguais, como o papel das teorias raciais do século XVIII e XIX e a fundamentação do chamado racismo científico. Em tais atividades podem ser realizadas discussões sobre pesquisas, teorias e movimentos científicos que construíram conceitos como o biológico de raças humanas, ainda fortemente presente no ideário da população brasileira e que orienta tensas relações sociais. Neste mesmo sentido, o autor ressalta a importância de se dimensionar e avaliar, de forma crítica, o papel de movimentos científicos como a eugenia na formação do imaginário social sobre raças, miscigenação e etnia, e a permanência de ideias criadas em seu contexto, do início do século XX ao período atual. Tendo em vista esta proposição de Verrangia (2010), é possível prever que as temáticas exploradas pela exposição Ciência, Raça e Literatura não só podem responder às demandas de uma educação voltada para a construção de uma visão crítica das relações Ciência-Tecnologia-Sociedade, como também pode atender a alguns objetivos de uma educação das relações étnico-raciais propostos pela Lei 10.639. A Lei nº 10.639, de 2003, trouxe um importante desafio à educação em nosso país: desenvolver pedagogias de combate ao racismo e a discriminações. Ela tornou ainda mais urgente que nós, professores, formadores de professores e pesquisadores do ensino de Ciências, nos questionemos sobre como esse componente curricular pode contribuir para a educação de relações étnico-raciais justas (VERRANGIA, 2012). 3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS A fim de concretizar os objetivos desejados, partimos da segunda edição da exposição ciência, raça e literatura como início do processo de investigação, do qual participaram estudantes de duas turmas de graduação em licenciatura da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), uma de Educação Física e outra de Biologia, ambas do primeiro semestre, e com professores/as do ensino médio da rede pública estadual e uma do ensino superior. Como instrumentos de coleta de dados foram utilizados questionários abertos aplicados antes e após a vista à exposição para o público de estudantes, contendo questões temáticas sobre o conceito de raça, preconceito racial, visão de ciência e relação com racismo. Já para professores, os questionários abertos versaram sobre avaliação dos temas abordados na exposição e as possibilidades de diálogo com o currículo das disciplinas que lecionam. Os questionários para estudantes foram aplicados antes e depois da experiência de visitação, com mediação da professora que propôs a visita às turmas, e também participou da pesquisa 7230

respondendo um questionário após visita. As professoras do ensino básico receberam os questionários após visitação e devolveram respondidos em momentos distintos. A análise dos dados foi feita a partir de leitura minuciosa dos questionários aplicados e posterior categorização das respostas por meio de uma análise parcialmente indutiva, uma vez que foi mediada pelo diálogo com a literatura relacionada às temáticas investigadas. Para cada uma das categorias, foi estimada a frequência de ocorrência entre as respostas obtidas nos instrumentos aplicados antes e após a visitação à exposição. 4 RESULTADOS E DISCUSSÃO 4.1 Compreensão do conceito de raça A pergunta Para você, o que é raça? suscitou uma variedade de respostas e significados atribuídos a este conceito. Buscamos categorizá-los para melhor interpretação, porém as categorias escolhidas não são estanques e se relacionam com discursos mais amplos. As categorias foram: raça como pertença/identidade, categoria de distinção social, categoria de distinção de grupos biológicos, categoria de discriminação/exclusão, propriedade ontológica de animais (humanos e não-humanos), propriedade ontológica de animais humanos, propriedade ontológica de animais não-humanos e a categoria raças humanas não existem (Tabela 1). A categoria outros inclui resposta confusa e ausência de resposta. Significados atribuídos ao conceito de raça Pertença/ identidade Distinção social Distinção de grupos biológicos Discriminação/ exclusão Propriedade de animais Propriedade de animais humanos Propriedade de animais não-humanos Raças humanas não existem Outros Total Frequência Pré 2 29 14 1 3 1 3 3 6 das Pós 1 37 3 7 1-4 3 6 66 respostas Tabela 1: Categorização semântica e frequência de ocorrência dos diferentes significados atribuídos ao conceito de raça em respostas à pergunta Para você, o que é raça?. Entre as categorizações semânticas sobre o conceito de raça, a maioria das respostas atribuiu sentido à raça como distinção social, tanto antes como após a visitação. Avaliando a frequência de respostas entre pré e pós-exposição, é perceptível uma mudança de significação do conceito de raça. Respostas relacionadas à raça como categoria de distinção social foram 7231

mais frequentes no pós-exposição, assim como raça como categoria de discriminação/exclusão. Houve uma redução do número de respostas para categoria de raça como distinção de grupos biológicos após visitação. Nas outras categorias não ocorreu mudança significativa entre o pré e pós-exposição. Os resultados indicam uma mudança na frequência de respostas de algumas categorias diante da experiência de visitação à exposição, que se relacionam com uma mudança de significação do conceito de raça. Se a frequência de respostas que consideram raça como distinção social e discriminação/exclusão aumentou, em comparação com a redução da frequência de respostas indicando raça como distinção de grupos biológicos, podemos avaliar que o processo de visitação esteja colaborando com uma interpretação de raça como construção social e não como conceito classificatório de grupos biológicos. Neste aspecto, reforçamos que a mobilização desta interpretação pode ser positiva para o tratamento das questões étnico-raciais, principalmente se estiver relacionada com discursos que negam o status biológico de raças humanas e reconhecem o conceito como construto social, assim como posto pelo entendimento do que é raça presente nas Diretrizes Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino da História e Cultura Afro- Brasileira e Africana: se entende por raça a construção social forjada nas tensas relações entre brancos e negros, muitas vezes simuladas como harmoniosas, nada tendo a ver com o conceito biológico de raça cunhado no século XVIII e hoje sobejamente superado (BRASIL, 2004). 4.2 Visão de ciência e de sua relação com o racismo Comparando as respostas dos questionários pré-visita e pós-visita quanto ao questionamento sobre a existência de alguma relação entre ciência e racismo, os dados também indicam mudança de percepção dos estudantes (Tabela 2). Na análise pré-visita, não houve uma diferença significativa entre a frequência das respostas afirmativas e negativas, embora mais estudantes tenham afirmado não existir relação entre ciência e racismo. Nas respostas ao questionário pós-visita percebe-se uma maior frequência de respostas afirmativas quando comparadas com os dados do questionário pré-visita e com a quantidade de respostas negativas do pós. Sendo assim, podemos afirmar a partir dos dados que a maioria dos estudantes, após experiência de visita à exposição, concorda com a existência de alguma 7232

relação entre ciência e racismo. Além disso, após visitação o número de respostas em branco e incertezas diminuiu. Relação entre ciência e racismo Sim Não Incerteza Não respondeu Educação Física e Biologia Pré 20 22 9 15 Pós 36 21 0 9 Tabela 2: Frequência das respostas para o questionamento Existe alguma relação entre ciência e racismo?. Justificativas foram explicitadas por alguns estudantes e categorizadas como: ciência e suas práticas podem gerar preconceito, ciência influenciando e influenciada pela sociedade, ciência justificando racismo e ciência negando estatuto da raça. Comparada com outras justificativas, a categoria de respostas com maior frequência foi ciência justificando racismo. E se analisarmos os resultados comprando o questionário pré e pós-visita, percebemos o aumento desta ultima categoria de justificativa após a visitação (Tabela 3). Relação entre ciência e racismo (justificativas) Educação Física e Biologia Sim Não Ciência e suas práticas podem gerar preconceitos Ciência influenciando e influenciada pela sociedade Ciência justificando racismo Ciência negando estatuto da raça Pré 3 3 12 8 Pós 1 3 31 6 Tabela 3: Categorização e frequência das justificativas para o questionamento sobre a existência de alguma relação entre ciência e racismo. A compreensão de que existe uma relação entre ciência e práticas de alterização como o racismo é um dos principais objetivos pretendidos pela exposição ciência, raça e literatura, e colabora substancialmente com a elaboração de uma visão equilibrada que entenda ciência como construção social e influenciada por fatores históricos, sociais, econômicos e culturais. As categorias ciência e suas práticas podem gerar preconceitos e ciência influenciando e influenciada pela sociedade, também representam uma visão equilibrada de ciência. Embora não tenha sido expressa uma quantidade relevante de respostas negando a existência da relação entre ciência e racismo a partir da justificativa de negação do estatuto do conceito de raça, foi possível verificar, através dos questionários, que alguns estudantes que afirmaram existir relação entre ciência e racismo, após visita mudaram de opinião, justificando resposta pelo fato da ciência ter negado o estatuto biológico das raças. Estas respostas indicam um resultado não desejado da visitação à exposição, e apontam para cuidados na abordagem dos discursos da genética contemporânea e de suas implicações sociais. A negação do conceito de raça pela genética contemporânea não necessariamente isenta a ciência de colaborar e se relacionar com o fenômeno do racismo. Santos e Maio 7233

(2005), indagam se esses novos conhecimentos e tecnologias alteram o panorama social de maneira radical ou, pelo contrário, reinstalam e reforçam percepções sobre diferenças raciais de formas até mesmo mais insidiosas e deterministas. Por exemplo, geneticistas propõem uma interpretação da realidade brasileira que enfatiza a não-existência de raças, valoriza a miscigenação e fortalece a noção de que o racismo deve ser combatido através do antiracialismo, o que na visão de certos segmentos sociais é vislumbrada como potencialmente opressiva, visto que reforça o mito da democracia racial e dilui identidades historicamente construídas e bem demarcadas (SANTOS & MAIO, 2004). Em outra pergunta para o público de estudantes, indagamos sobre preconceito racial no Brasil, e não houve nenhuma discordância quanto à existência deste fenômeno, que é forte indicação de um problema recorrente no cotidiano, memória e em todas as esferas sociais do país. Segundo Munanga (2005), dialogando sobre abordagens e estratégias educativas e pedagógicas de combate ao racismo, a primeira atitude corajosa que devemos tomar nesse sentido é a confissão de que nossa sociedade é racista, que exige uma transformação radical de nossa estrutura mental herdada do mito de democracia racial, mito segundo o qual no Brasil não existe preconceito étnico-racial e, consequentemente, não existem barreiras sociais baseadas na existência da nossa diversidade étnica e racial. Essa reflexão é fundamental para o trabalho com relações étnico-raciais na educação, e segundo as respostas dos estudantes, a constatação de existência de racismo na sociedade brasileira é perceptível, o que encoraja e subsidia outras reflexões sobre a questão racial. Como reitera Gomes (2005) em discussão sobre abordagens de conceitos em torno do debate sobre as relações no Brasil, quanto mais a sociedade, a escola e o poder público negam a lamentável existência do racismo entre nós, mais o racismo existente no Brasil vai se propagando e invadindo as mentalidades, as subjetividades e as condições sociais dos negros. 4.3 Avaliação de professoras sobre a temática da exposição e pertinência desta para o contexto escolar e sala de aula Quando indagadas sobre a possibilidade da exposição contribuir como o trabalho pedagógico em salas de aula do ensino médio, as professoras indicaram alguns possíveis temas e saberes apontados pelo próprio questionário, como também propuseram outros temas e abordagens possíveis. A proporção das escolhas de cada professor encontra-se na Tabela 4, 7234

na qual os temas apontados são relacionados à área ou disciplina em que atuam os professores. Os saberes e temas abordados na exposição que se mostram apropriados para o trabalho em sala de aula, em ordem crescente de indicação, foram: relação ciência, tecnologia e sociedade (5), enfrentamento de situações cotidianas de racismo (8), construção de identidade étnico-racial (12) e história afro-brasileira e africana (12). Outros sete temas/abordagens foram indicados pelos professores, os quais propuseram a expansão do trabalho para outros níveis de ensino, envolvimento com o currículo, mudança de visão sobre ciência, outras metodologias como análise de imagens, interpretação de informações transdisciplinares e acréscimo da história indígena. Vale ressaltar que muitas professoras indicaram já trabalhar com temáticas abordadas na exposição relacionadas à questão racial, como cultura e religiosidade afro-brasileira, preconceito e racismo, racismo científico, entre outras. Professoras Área de atuação Relação ciência, tecnologia e sociedade Construção de identidade étnico-racial Saberes e temas Enfrentamento de situações cotidianas de racismo História e cultura afro-brasileira e africana 1 Matemática X X X X X 2 Redação X X 3 Redação/Literatura X X 4 Literatura X X X X 5 Literatura X X 6 História X X X X X 7 História X X X X X 8 História X X X 9 Biologia X X X X X 10 Biologia X X X X 11 Biologia Humana/ X X X X X Evolução 12 - X 13 - X Total 5 12 8 12 7 Tabela 4: Proporção da indicação de possíveis saberes e temas de contribuição da exposição para o trabalho em sala de aula, na opinião de professores por disciplina. Indicamos a seguir as temáticas indicadas na categoria outros pelos respectivos professores : Análise de imagem, iconografia e iconologia (professor 1); Literatura (professor 4); E ainda a história indígena (professor 6); Leitura e interpretação de informações transdisciplinares (professor 8); Discussão de currículo (professor 9); O trabalho deve ser expandido para outros níveis de ensino, EJA/Fundamental I (professor 10); Redimenssionamento do que é ciência, do que é ser cientista, a ciência é feita por pessoa, o homem no seu tempo (professor 11). Os professores 12 e 13 não identificaram área de atuação. Outros Os saberes com maior frequência de indicação foram construção de identidade étnicoracial e história afro-brasileira e africana. Ambos relacionados aos princípios contidos nas 7235

Diretrizes Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana: (a) desencadeamento de processo de afirmação de identidade, de historicidade negada ou distorcida e (b) conduzir ao conhecimento e valorização da história dos povos africanos e da cultura afro-brasileira na construção histórica e cultural brasileira (BRASIL, 2004, p. 18 e 19). Todas as professoras afirmaram que a temática da exposição (linguagem, disposição espacial das instalações, grau de interatividade) se mostra apropriada para o trabalho educativo com os estudantes, porém, ressaltaram algumas limitações e adequações necessárias, tais como aumentar a quantidade de interatividade com outros recursos, usar outras linguagens além da científica, ter mais tempo para aprofundar reflexões e interpretações com estudantes e explicar cada elemento integrante da exposição. Ao serem perguntadas sobre a possibilidade de montar uma exposição semelhante no interior de suas escolas, todas as professoras consideraram pertinente a montagem tendo em vista o contexto de cada escola. A professora do ensino superior propôs que a exposição assumisse um caráter permanente na UEFS. Todas as professoras indicaram interesse na participação do planejamento e execução deste projeto nas escolas. Vale ressaltar que a terceira edição da exposição foi realizada numa escola estadual de Feira de Santana como desdobramento deste primeiro contato entre professoras e organização pedagógica da segunda edição da ação educativa. 5 ALGUMAS CONCLUSÕES E PERSPECTIVAS Diante deste trabalho de investigação, podemos indicar algumas possibilidades de contribuição da exposição ciência, raça e literatura para promoção de uma educação para as relações étnico-raciais. Primeiramente, podemos avaliar que o processo de visitação colabora com uma interpretação de raça como construção social e não como conceito classificatório de grupos biológicos, além disso, apoia a ideia de existir relação entre ciência e racismo. Nesse sentido, a exposição favorece a construção de uma visão crítica do conceito de raça e de sua relação com a ciência e práticas de alterização, promovendo uma visão equilibrada da ciência, desconstruindo assim a ideia de neutralidade científica, tão comum em abordagens de ensino cientificistas. As concepções de raça construídas por estudantes visitantes, a reiteração da existência de preconceito racial na sociedade brasileira, e a indicação, por professores, de temas e 7236

saberes da exposição para o trabalho em sala de aula, fornecem subsídios para afirmarmos que já existem contribuições em curso da exposição ciência, raça e literatura para uma educação para as relações étnico-raciais. Nesse sentido, precisamos melhor defini-las para incentivar sua promoção em outros contextos educativos. Um ponto a ser considerado limitante foi o exemplo de interpretações de que o discurso da genética contemporânea sobre a inexistência de raças como conceito biológico possa gerar a noção de isenção de vieses e tendências racialistas e racistas da ciência. Sendo assim, se torna necessário inserir elementos e discussões sobre exemplos e casos de racismo científico contemporâneo, além de enfatizar as implicações sociais do processo de desinvenção da raça pela nova genômica. Um avanço desta experiência educativa diz respeito a sua possibilidade de continuidade, agora, no ambiente escolar, já que se mostra pertinente na avaliação das professoras, que também manifestaram interesse em participar do planejamento e execução da proposta em suas escolas e ainda apresentaram adaptações e outras abordagens para novas edições. Caminhando nesse sentido, a exposição consolida um caráter itinerante, amplia as oportunidades de dialogo direto com o público das escolas, podendo consolidar-se enquanto ferramenta ou práticas pedagógicas institucionalizadas de trabalho com relações étnico-raciais nas escolas, que exigem um compromisso de ação colaborativa e horizontal entre os sujeitos envolvidos. Sendo assim, entendemos como necessário o fortalecimento das relações e contatos estabelecidos no delineamento desta intervenção de pesquisa, para permitir além da ação educativa propriamente dita, um movimento contínuo de ação-reflexão-ação. 6 REFERÊNCIAS BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Ministério da Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília, 2004. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/003.pdf>. GOMES, Nilma Lino. Alguns termos e conceitos presentes no debate sobre relações raciais no Brasil: uma breve discussão. In: Educação anti-racista : caminhos abertos pela Lei Federal nº 10.639/03. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005. 236 p. 7237

MUNANGA, Kabengele (org). Superando o Racismo na escola. 2ª edição revisada. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005. 204p. SÁNCHEZ ARTEAGA, J. M. S.; EL-HANI, C. N. Othering Processes and STS Curricula: From Nineteenth Century Scientific Discourse on Interracial Competition and Racial Extinction to Othering in Biomedical Technosciences. Science & Education, 2012. SÁNCHEZ ARTEAGA, J. M.; SEPÚLVEDA, C.; EL-HANI, C. N. Racismo científico, procesos de alterización y enseñanza de ciencias. magis, Revista Internacional de Investigación en Educación, 6 (12) Edición especial Enseñanza de las ciencias y diversidad cultural, 55-67, 2013. SANTOS, R. V.; MAIO, M. C. Antropologia, raça e os dilemas das identidades na era da genômica. História, Ciências, Saúde Manguinhos, v. 12, n. 2, p. 447-68, maio-ago. 2005. SANTOS, R. V.; MAIO, M. C. Qual retrato do Brasil? Raça, biologia, identidades e política na era da genômica. Mana, 10 (1), p 61-95, 2004. SANTOS, W. L. P. MORTIMER, E. F. Tomada de decisão para ação social responsável no ensino de ciências. Ciência & Educação 7(1): 95-111, 2001. VERRANGIA, D.; SILVA, P. B. G. Cidadania, relações étnico-raciais e educação. Educação & Pesquisa, v. 36, n.3, p 705-718, 2010., D. O ensino das ciências e as relações étnicorraciais: alguns desafios para a compreensão de si e do mundo. VI Encontro Regional de Ensino de Biologia da Regional 2 RJ/ES. CEFET/RJ, 2012. 7238