Faculdade de Letras - Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Belo Horizonte, MG Brasil



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Transcrição:

Megan e Josh: um caso de veridicção Anderson Pimentel Borges (andersonpborges@yahoo.com.br) Faculdade de Letras - Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Belo Horizonte, MG Brasil Resumo: Megan Méier suicidou-se em decorrência de um cyber bullying praticado por Josh, um personagem criado por Lori e Sara Drew. Na internet, ele acabou se tornando namorado virtual de Megan, por meio de uma rede de relacionamentos. Objetivou-se analisar esse fato, por uma pesquisa documental de notícias publicadas na web pela imprensa mundial, a fim de compreender como a veridicção foi construída por Lori e Sara a ponto de levar Megan a morte. Em um primeiro momento, Josh utilizou da sedução e da tentação para manipular e criar um laço de confiança. Posteriormente, utilizou a intimidação e a provocação para que Megan sentisse uma tristeza extrema que a levasse ao desespero. A partir desse caso, pode-se perceber a necessidade de alertar os jovens sobre a importância de se construir conhecimentos e desenvolver habilidades para navegar de forma segura na internet, compreendendo a forma como as mensagens podem ser estruturadas e transmitidas e os impactos que a interatividade nas mídias digitais podem gerar quando se faz um uso ingênuo das possibilidades tecnológicas. Palavras-chave: cyber bullying; veridicção; fidúcia; semiótica; Introdução Segundo SaferNet Brasil (2011), o cyber bullying é caracterizado quando alguém recebe de forma contínua, por meio de mídias digitais, mensagens que o fazem se sentir agredido e humilhado. Essas agressões podem ser desencadeadas tanto por pessoas conhecidas como por pessoas desconhecidas, pode ser iniciadas como brincadeiras inocentes, mas que ao perdurarem podem gerar depressões nas vítimas. Como agir contra o ciber bullying? Esse é o desafio que a sociedade vivencia. Muitas vezes, apenas a denúncia resolve o problema. Porém, há casos em que a vítima não sabe que está sendo envolvida em um caso de cyber bullying. Afinal, há

situações em que aquilo que parece ser verdade não é. O sujeito pode estar sendo agredido e covardemente humilhado, mas sem ter consciência disso. Como detectar esse tipo de ciber bullying? No intuito de contribuir para compreender as formas de cyber bullying e, assim, abrir possibilidades para discutir ações que auxiliem no combate a esse tipo de crime digital, objetivou-se analisar, neste artigo, o caso de Mégan Meyer. Megan foi ludibriada por Josh, um perfil falso de uma rede de relacionamentos na internet. Durante semanas o namorou virtualmente até que recebeu uma mensagem de Josh que a levou a uma sensação de tristeza extrema e a motivou a cometer um suicídio. A partir das notícias publicadas pela imprensa mundial, foi analisada a construção da veridicção, a relação de confiança entre Megan e Josh, as formas de manipulação de Josh e a caracterização do cyber bullying nesse caso. O embasamento teórico da semiótica, considerado para essa análise, é apresentado no próximo item. 1 - Referencial teórico Matte (no prelo, p. 15) define as paixões como estados da alma do sujeito, disposições internas que são moralizadas coletivamente como excessivas ou insuficientes. Essas disposições internas são construídas nas relações com os objetos no mundo. Por isso, a forma como os sujeitos percebem e são percebidos interferem em suas ações e, conseqüentemente, nos estados de sua alma. Além disso, é preciso considerar a imagem que cada um possui de si mesmo e as expectativas que são geradas em relação a própria imagem perante a sociedade. Matte (no prelo, p. 16) ressalta que em toda paixão existe um tipo especial de simulacro em jogo, ou seja, a partir da imagem que cada um faz de si e do outro, criase uma relação de confiança com base em pressupostos e expectativas. Porém, essa confiança não é sedimentada em uma verdade absoluta. Isso implica uma verdade relativa, que depende das informações e do conhecimento de quem a sente e da forma como o sujeito a analisa. Por isso, equívocos na percepção de cada

um podem criar condições favoráveis para que aconteçam manipulações da verdade no intuito de construir laços fortes de confiança. Diante disso, cabem alguns questionamentos. Será que a imagem real condiz com a imagem ideal? O que parece ser verdade é verdade? A sensação de realidade é irreal? A semiótica discute essas questões a partir do conceito de veridicção, que nos permite analisar textos e buscar sinais sobre a verdade que neles pode ser construída. A veridicção abrange as possibilidades existentes que fazem com que um texto pareça ser verdadeiro. Para Matte (no prelo), se um texto será compreendido como verdadeiro ou não, depende da relação de identidade que é construída entre o receptor (destinatário) e o enunciatário (destinador). Isso implica, necessariamente, que aconteça um contrato fiduciário, com um laço forte de confiança. A fidúcia pode ser alcançada quando o destinador consegue manipular o destinatário por uma competência que envolve saber ou poder. O destinador utiliza a manipulação para que o destinatário faça algo que ele espera que seja realizado. Para isso, podem ser utilizados quatro tipos de manipulações: intimidação, tentação, sedução e provocação. A intimidação requer do destinador que ele tenha competência para exercer um poder sobre o destinatário. Ele age para causar uma apreensão no destinatário. Porém, para que isso aconteça é importante destacar que o destinatário deve assumir que o destinador é capaz de oferecer esse valor negativo. Apenas assim poderá acontecer a intimidação. A tentação também exige do destinador a competência modal de poder. No entanto, o valor que será oferecido ao destinatário é positivo e o que vai determinar se o destinatário irá aceitar a tentação é a sua vontade, o seu querer em relação ao valor positivo que lhe é oferecido. O destinatário precisa se envolver acreditando que o destinador é capaz de lhe oferecer algo que ele deseja muito. Já a sedução exige que o destinador saiba algo sobre a imagem positiva do destinatário. O objetivo é atraí-lo. Esse saber possibilitará que o destinatário tenha aflorado o seu querer e acabe aderindo a imagem positiva que o destinador lhe oferece.

A provocação é um tipo de manipulação que possibilita ao destinador gerar uma sensação de dever no destinatário. Afinal, ao se oferecer a imagem negativa ao destinatário, ele se sente abalado, porque reconhece que o destinador tem razão. Por isso, ele acaba aceitando a provocação. Conhecer essas possibilidades de manipulação favorece para o destinador agir sobre o outro e alcançar os resultados desejados com o seu discurso. Porém, conhecer essas possibilidades de manipulações também oportuniza para o destinatário uma nova forma de se ler e compreender os textos. A seguir, foram apresentados os critérios utilizados para se fazer o levantamento dos dados sobre o caso de Megan Meyer, para que se fosse feita a análise semiótica. 2 - Metodologia Optou-se por analisar o caso do suicídio de Megan Méier a partir de uma pesquisa documental, tendo como referência Almeida, Guindani e Sá-Silva (2009). Essa técnica contribui para que um fato ou fenômeno social seja discutido a partir de teorias científicas. Neste artigo, pela abordagem da semiótica, fez-se a análise documental. Por meio da veridicção buscou-se perceber sinais sobre o que levou Megan a estabelecer uma relação de confiança com Josh e possíveis razões que a influenciaram a cometer o suicídio. Para isso, serão consideradas as manipulações necessárias para se obter a fidúcia e como elas foram condicionantes para explorar possíveis paixões que a adolescente vivenciava. Para realizar essa análise, foram coletados documentos no site Google, http://www.google.com. Compreendeu-se como documentos pertinentes para a pesquisa, toda informação codificada e transmitida pela internet que aborda o suicídio de Megan Méier. Esses documentos foram vídeos, áudios, imagens e textos. Considerou-se, como dados pertinentes para a coleta, os resultados listados nas três primeiras páginas do mecanismo de busca Google. As palavras-chave utilizadas foram: Megan Meyer cyber bullying.

Por meio desses documentos, verificaram-se consensos e dissensos em relação ao caso de Megan Méier, quanto aos fatos que a levaram a cometer suicídio e que a caracterizavam como vítima de cyber bullying. A partir dos consensos, foram selecionados os fatos para a análise. Julgou-se pertinente esse cruzamento das informações publicadas na imprensa mundial para reportar os fatos com mais fidelidade, pois representariam uma parcela da percepção coletiva, a partir dos depoimentos dos principais envolvidos no caso Mégan Meyer. O ideal era que fosse feita uma análise das mensagens recebidas e enviadas originalmente por Mégan no site de relacionamentos, onde se configurou o cyber bullying. Porém, não se teve acesso a esses dados. Portanto, mesmo sendo os documentos imprecisos quanto ao fato, são importantes para apresentar uma nova percepção, na perspectiva da veridicção, e que pode contribuir para que outras pessoas possam prevenir-se contra esse tipo de cybe rbullying vivenciado por Megan. Para selecionar as informações dos documentos, buscou-se considerar a importância do veículo, sua linha editorial e compromisso ético para retratar notícias com imparcialidade na internet, os testemunhos das pessoas envolvidas diretamente no caso, além da autenticidade e confiabilidade das informações publicadas. A seguir são descritos e analisados os dados coletados. 3 - Descrição e Análise dos dados Em Dardenne Prairie, nos EUA, Sara Drew e Megan Meier 1 (nascida em 6 de novembro de 1992) eram grandes amigas, vizinhas, colegas na escola e tiveram uma amizade que durou por oito anos. O problema entre as duas começou quando Megan mudou de colégio. Com ciúmes da amiga, Sara acabou brigando com ela até que romperam as relações. 1 Noticia publicada pela Rede Record sobre o caso Megan Méier: http://www.youtube.com/watch?v=v-u17qk6zya&feature=related

Indignada com o fim da amizade, Sara e sua Mãe, Lori Drew, decidiram criar um personagem: Josh, um adolescente de 16 anos que se apaixonou por Megan e que queria se tornar seu namorado virtual em uma rede de relacionamentos na web. Assim, construiu-se um efeito de realidade. O desejo das duas era fazer com que Josh conquistasse Megan para depois desprezá-la. Assim, estaria consumada a vingança que desejavam. Para isso, Lori (a mãe) e Sara (a filha) colocaram em jogo suas competências modais em relação a um quadro de valores que já sabiam sobre Megan. Megan era uma pessoa triste, tomava remédios para depressão, tinha poucas amigas e era carente. Com isso, Josh, ofereceria para Megan a paixão, algo que lhe faltava. O contrato fiduciário foi estabelecido entre os dois. Existia, então, a veridicção. Lori e Sara eram as vizinhas que estavam brigadas com Megan (verdade) e passaram a ser Josh que se tornou namorado virtual de Megan (segredo). O problema é que o avatar (na rede de relacionamentos) de Megan era a representação mais fiel da pessoa que a controlava (verdade), enquanto o de Lori e Sara não (mentira). Esse era um segredo para Megan, que acreditava ser verdade. Eis o problema. Em um primeiro momento, Lori e Sara tentaram Megan. Fizeram com que ela acreditasse que poderia ter um namorado e amar alguém sendo correspondida. Esse era o valor positivo do destinador que o destinatário acreditava ser possível de se aderir. Além disso, Megan queria ser namorada de Josh e foi seduzida pelas declarações de amor e mensagens elogiosas. A imagem positiva que Josh criara de Megan foi aceita, porque Josh dizia o que ela desejava ser. Fez-se a confiança. Depois de seis semanas, quando as duas quiseram completar a vingança, a forma de manipular foi alterada. Lori e Sara provocaram Megan enviando mensagens que a fizeram se sentir desprezada e humilhada por Josh. Elas reforçaram a imagem negativa que Megan temia possuir. Pelas mensagens ficou demonstrado que Josh

conhecia bem Megan e reforçou ainda mais a tendência que adolescente possuía para sentir tristeza e depressão, em virtude de inseguranças quanto a sua aparência e personalidade. Até então, Josh resolvia os problemas de carência que ela possuía. Ele fingia acreditar naquilo que ela desejava e sonhava parecer ser. Por fim, Lori e Sara intimidaram-na dizendo que era preferível que ela não existisse no mundo e, conseqüentemente, terminaram o namoro virtual entre Josh e Megan. Megan aderiu ao que Josh escreveu e, como se fosse um dever, acabou se enforcando com um cinto dentro do armário de seu quarto, em 17 de outubro de 2006. Destaca-se que ela morreu sem saber que Josh nunca existiu. Para Megan, ele sempre pareceu real, pois estava muito envolvida. Por isso, foi seduzida tão facilmente por essa ilusão de verdade. Isso reforça o que Matte (no prelo, p. 12) disse: que a "fidúcia está no limiar entre a veridicção e a paixão". Megan sentia-se atraída pela idéia de ter um namorado e o cobiçou. Ela pensou que podia ser aquilo que sempre desejou, porém, ficou frustrada quando descobriu que não poderia ser. Sua certeza virou decepção e angústia. Por isso, a depressão que estava adormecida retornou reforçada a ponto de fazê-la se enforcar com um cinto. O simulacro neste jogo é a paixão de Josh por ela e como ele a idealizava. Isso foi possível porque Lori e Sara conheciam bem os desejos mais íntimos de Megan e ganharam a sua confiança. A justiça da cidade em que moravam não considerou o que Lori e Sara fizeram como um crime, pois para as leis locais não tratava-se de uma situação real. Já a justiça de Los Angeles, a cidade em que o site de Relacionamentos está hospedado, condenou Lori pelos atos contra Megan, tendo em vista que configurou-se um crime. Porém, não havia, à época, o enquadramento do crime como cyber bullying. O cyber bullying neste caso está caracterizado porque: - Megan rompeu a amizade com Sara em virtude das agressões verbais. Assim, não queria qualquer contato; - Mesmo com o rompimento, Sara utilizou-se de uma farsa para continuar a torturar Megan psicologicamente.

Considerações Finais O caso Megan Méier confirma os estudos da semiótica sobre a veridicção. Afinal, aquilo que é falso pode ser aceito como verdadeiro quando houver uma relação de confiança entre destinador e destinatário. Para o destinador, é muito mais fácil construir a fidúcia se ele conhece ou, pelo menos, tem sinais de estados da alma do destinatário. Com isso, ele pode manipular a informação para seduzir, tentar, intimidar e provocar de acordo com seus objetivos. Lori e Sara conheciam bem Megan e tinham informações privilegiadas sobre a adolescente. Tendo em vista esse caso, avalia-se como fundamental criar espaços na sociedade para discutir as novas competências que as pessoas devem promover para navegar com segurança na internet. É importante que crianças e adolescentes, e até mesmo adultos, compreendam o que pode ser publicado na internet e como deve-se interagir com o próximo resguardando sua intimidade. Além disso, é preciso saber validar informações. Desconfiar de verdades aparentes. É preciso agir com mais criticidade em um meio que oferece tantas possibilidades e facilidades para a autoria de conteúdos e para interagir com o outro, por meio de redes de relacionamentos. O desafio que a sociedade precisa vencer é formar pessoas capazes de se defenderem do cyber bullying e, ao mesmo tempo, contribuírem para a construção de um mundo em que todos sejam mais comprometidos com o respeito ao próximo. É preciso aprender a ser e a viver junto, fazendo com que os direitos de cada cidadão sejam garantidos em um mundo globalizado que aproxima cada vez mais pessoas com culturas tão diferentes. Referências ALMEIDA, Cristóvão Domingos de, GUINDANI, Joel Felipe e SÁ-SILVA, Jackson Ronie. Pesquisa documental: pistas teóricas e metodológicas. Revista Brasileira de História & Ciências Sociais. Ano I - Número I - Julho de 2009.

FIORIN, José Luiz. Paixões, afetos, emoções e sentimentos. Cadernos de Semiótica Aplicada. Vol. 5.n.2, dezembro de 2007. LARA, Gláucia Muniz Proença; MATTE, Ana Cristina Fricke. Ensaios de Semiótica: aprendendo com o texto. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009. MATTE, Ana Cristina Fricke. discursivos. (no prelo). Veridicção e paixão: entrelaçamentos narrativos e MATTE, Ana Cristina Fricke e ABRIATA, Vera. O corpo, a paixão no pensamento de Ignácio A. Silva (I): Corpo e Paixão: a gênese do sujeito. Cadernos de Semiótica Aplicada. Vol 2. n.2, dezembro de 2004. SaferNet Brasil. Desenvolvido por: SaferNet Brasil, em 2008. Site para a prevenção e combate aos crimes contra os direitos humanos na internet. Disponível em: <http://www.safernet.org.br/site/>. Acesso em: 26/11/2011.