CAMINHOS DO BARROCO Padre António Vieira Sermão de Santo António SÍNTESE DOS CONTEÚDOS Contextualização histórico-literária Século XVII Desaparecimento do rei D. Sebastião em Alcácer Quibir e consequente perda da independência e domínio filipino (1581-1640). Poder da Inquisição. O Barroco vigorou em Portugal durante todo o século XVII e na primeira metade do século seguinte. Características: teatralidade, contrastes (luz e sombra), movimento, exagero decorativo, de modo a provocar o êxtase e a emoção. Padre António Vieira é uma das mais influentes personalidades do século XVII, destacando-se pela sua intervenção política e pela sua ação missionária. Objetivos da eloquência (docere, delectare, movere) A eloquência é a arte de bem falar, é uma faculdade individual. A oratória é a arte de falar em público, de forma estruturada e deliberada, com a intenção de informar, persuadir ou entreter os ouvintes. Refere-se ao conjunto de regras e técnicas adequadas para produzir e apresentar um discurso e apurar as qualidades pessoais do orador. Funções da oratória Delectare deleitar (causar prazer, arrebatar) Docere ensinar (intenção religiosa ou moralizadora) Movere mover ou influenciar o comportamento do ouvinte, incentivando-o à ação
Sermão Género literário que compreende todo o discurso oral dirigido a um auditório com a finalidade de o persuadir de uma determinada mensagem, pela razão, pela sensibilidade ou pelo prazer que nele provoca o texto dito. Assunto e propósitos religiosos e/ou moralizadores. Temas Aspetos da vida social (acontecimentos mundanos: atos da vida pública e privada dos indivíduos, desde a entrada de personagens régias às festas de casamento, batizados ou funerais, cerimónias de profissão monástica, autos de fé, etc. Ideias políticas Intenção persuasiva e exemplaridade: exórdio, exposição/confirmação e peroração 1. Exórdio Conceito predicável Vós sois o sal da terra pregadores mensagem ouvintes No exórdio, e tendo como ponto de partida o conceito predicável (vós sois o sal da terra), o orador diz que a terra está corrupta, mas reconhece que o mal não está só do lado dos pregadores. Os seres humanos também têm culpa. Santo António é apresentado como exemplo do bom pregador, como modelo a seguir para moralizar os ouvintes (a terra). Diz Padre António Vieira: Santo António foi o sal da terra, e foi o sal do mar. Todo o sermão é, pois, um panegírico em torno da sua figura. Assim, à semelhança deste santo, também o Orador irá pregar aos peixes, já que os seres humanos não o ouvem: [ ] quero hoje, à imitação de Santo António, voltar-me da terra ao mar, e já que os homens se não aproveitam, pregar aos peixes [ ].
2. Exposição/Confirmação Ao longo do discurso, Padre António Vieira interage com os seus ouvintes e tenta perseguir os grandes objetivos do Sermão: ensinar moralizar; agradar cativar os seus ouvintes, despertando as suas emoções; persuadir apelar e convencer da necessidade de mudança através de uma argumentação sustentada. É o momento de comprovação ou demonstração das afirmações do orador. Para defender a sua tese, recorre a vários tipos de argumentos ilustrativos e convincentes: de autoridade as citações bíblicas, por exemplo; proverbiais ou de sabedoria popular; por analogia argumenta a partir do exemplo de Santo António; por experiência invoca a sua vivência; históricos recorre a exemplos da tradição histórica. 3. Peroração O orador recapitula os seus argumentos e esforça-se por influenciar afetiva e emocionalmente os seus ouvintes, de modo a obter a sua adesão. Pretende impressionar, convencer e influenciar o seu auditório. Crítica social e alegoria 1. Alegoria No seu significado etimológico, alegoria significa dizer uma coisa por outra. Assim, a justiça é representada alegoricamente por uma mulher de olhos vendados que segura uma balança nas mãos, a paz é figurada por uma pomba, a crueldade por um tigre, etc. O funcionamento da alegoria é fundamental na interpretação dos textos que representam e comunicam significados ocultos ou translatos de ordem religiosa, moral, política, etc. In Dicionário Terminológico. Disponível em: http://dt.dge.mec.pt/ (com supressões)
2. Crítica social O Sermão assenta numa alegoria, pois através dos peixes, o orador critica os seres humanos, as suas virtudes e os seus defeitos. As virtudes dos peixes são, por contraste, a metáfora dos defeitos humanos ( Oh grande louvor verdadeiramente para os peixes, e grande afronta e confusão para os homens! ). Os defeitos dos peixes são também enunciados, sendo o maior deles o de se comerem uns aos outros. Mas para que conheçais a que chega a vossa crueldade, considerai, peixes, que também os homens se comem vivos assim como vós. Aqui se manifesta a crítica à exploração social. São quatro os peixes evocados: Roncadores personificam a arrogância: É possível que sendo vós uns peixinhos tão pequenos, haveis de ser as roncas do mar?!; Pegadores representam o parasitismo/oportunismo: [ ] sendo pequenos, não só se chegam aos outros maiores, mas de tal sorte se lhes pegam aos costados, que jamais os desferram ; Voadores simbolizam a ambição desmedida: Não contente com ser peixe, quiseste ser ave [ ] ; Polvo encarna a traição e a hipocrisia: [ ] monstro tão dissimulado, tão fingido, tão astuto, tão enganoso e tão conhecidamente traidor! Conclusão O Sermão é uma sátira social. Padre António Vieira crítica a exploração e a ganância humana, particularmente aquela que é exercida pelos colonos sobre os índios.
Visão global do sermão e estrutura argumentativa Discurso figurativo e outros recursos expressivos À persuasão, fim último do Sermão, associam-se as intenções de instruir e de deleitar. Assim, a escrita de Padre António Vieira é marcada por um grande virtuosismo. Os recursos expressivos mobilizados, a construção frásica rigorosa e a riqueza vocabular reforçam o seu estilo lógico e engenhoso. A sedução dos seus raciocínios e o seu tom combativo tornam Padre António Vieira um escritor ímpar.