DESIGN DE UTENSÍLIOS CERÂMICOS PARA O CHIMARRÃO

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REVISTA TÉCNICO-CIENTÍFICA DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESIGN MESTRADO PROFISSIONAL EM DESIGN www.univille.br/ppgdesign DESIGN DE UTENSÍLIOS CERÂMICOS PARA O CHIMARRÃO DESIGN OF CERAMIC UTENSILS FOR MATE Bianca Marina Giordani 1 * Marilzete Basso do Nascimento 1 *Autora para correspondência: giordanibianca@gmail.com Resumo: Esta publicação destina-se a apresentar um projeto de design voltado à concepção de peças cerâmicas para o chimarrão. O desenvolvimento partiu da compreensão de aspectos como a história e os elementos relacionados ao chimarrão, aparatos e seu modo de funcionamento, materiais cerâmicos e particularidades do processo de fabricação. Métodos de design foram utilizados para guiar o processo. Com base em pesquisas, foi possível chegar aos requisitos de projeto e ao conceito dos produtos, possibilitando a geração de alternativas e a avaliação das opções. O resultado foi um conjunto de utilitários cerâmicos para o chimarrão com estética contemporânea. O protótipo de um dos produtos, a cuia, foi confeccionado por meio do processo cerâmico de colagem de barbotina, aliado à manufatura aditiva. Posteriormente, o produto foi submetido a testes com usuários reais que demonstraram satisfação em sua utilização, mas também indicaram a necessidade de melhorias e refinamentos no produto. Palavras-chave: chimarrão; design de produtos; cerâmica. Abstract: This paper presents a design project that aimed to conceive ceramic pieces for mate. The development started at the understanding of aspects such as history and elements related to mate, apparatus and its way of functioning, ceramic materials and particularities of the manufacturing process. Design methods were used to guide the process. Based on the research, it was possible to reach the project requirements and the concept of the products, allowing the ideation and evaluation of options. The result was a set of ceramic utensils for mate with contemporary aesthetics. The prototype of the cuia was made from the ceramic slip-casting process, combined with the additive manufacturing. Subsequently, the product was tested with real users who demonstrated satisfaction in its use, but also indicated the need for improvements and refinements in the product. Keywords: mate; product design; ceramics. 1 Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) Curitiba (PR), Brasil.

INTRODUÇÃO Falar da cultura e da identidade de um povo também é falar dos aspectos alimentares de determinada região, sobretudo quando um alimento é associado a um costume que sobrevive ao passar do tempo e participa do desenvolvimento de nações. Exemplo disso é a erva-mate. A planta está presente na vida dos povos americanos muito antes de Colombo e até hoje acompanha o dia a dia de brasileiros, uruguaios, argentinos, chilenos e paraguaios (MACIEL, 2007). Entre as formas de consumo da erva-mate, o chimarrão destaca-se. A bebida consiste em uma infusão que se dá de forma um tanto particular: erva-mate e água são inseridas dentro de um recipiente contendo uma bomba, uma espécie de canudo que filtra a água e faz com que o líquido chegue até a boca do usuário (BOGUSZEWSKI, 2007). O preparo do chimarrão envolve muitos utensílios, fundamentalmente bomba e cuia (FAGUNDES, 1980), além de outros objetos auxiliares, como chaleira, garrafa térmica, porta-erva, entre outros. Esses objetos são confeccionados dos mais diversos materiais de acordo com o seu uso. A cuia, o mais característico dos aparatos do chimarrão, é tradicionalmente feita de porongo. É graças ao porongo que a cuia possui suas curvas sinuosas, que são copiadas quando o objeto é feito de outros materiais. O hábito de beber chimarrão é oriundo da cultura guarani e existe muito antes da chegada europeia. Esse costume acompanhou as mudanças territoriais e sociais da América do Sul e hoje continua vivo, mesmo que inserido em uma realidade distante da qual foi difundido. Nos dias atuais, quem consome chimarrão não está necessariamente fazendo um culto às tradições, está fazendo algo tradicional espontaneamente (MACIEL, 2007, p. 50). Ou seja, o chimarrão transcendeu suas raízes e agora se relaciona também com outros contextos. Dessa forma, o trabalho aqui apresentado propôs o redesign dos utensílios relacionados com o preparo e o consumo do chimarrão de maneira a aproximar ainda mais o hábito ao contexto do século XXI, sem dissociá-lo das tradições que o permeiam, propondo configurações que facilitem ainda mais o consumo e que sejam esteticamente interessantes, tudo isso com a finalidade de valorizar o costume. O projeto valeu-se do material cerâmico para desenvolvimento dos utensílios do chimarrão, pois, de acordo com Almeida (1974), por meio da cerâmica podemos observar o processo evolutivo e os hábitos e costumes de uma civilização, sendo assim adequada para representar um costume tão rico de significados como o ato de beber e apreciar chimarrão. Além disso, a cerâmica é um material que permite variar formas e técnicas de produção e é bastante leve (LESKO, 2012), sendo apropriada para o chimarrão. Também é favorável para portar alimentos, pois os esmaltes aplicados na superfície garantem que o material possa entrar em contato com bebidas e comidas sem causar danos à saúde do usuário. Ademais, a cerâmica não absorve o cheiro dos alimentos nem mofa com facilidade, algo que ocorre com bastante frequência nas cuias de porongo, por exemplo. Com base nessa ideia, o trabalho desenvolveu-se passando por quatro etapas principais, propostas por Löbach (2001), como método de design. A primeira etapa, chamada preparação, procurou dar todos os insumos necessários para as fases seguintes. Assim, foi preciso compreender o desenvolvimento histórico do chimarrão e a relação homem-produto, promover análises sincrônica, diacrônica, da tarefa, da função, estrutural, de configuração e de públicoalvo e entender materiais e seus processos produtivos, com a finalidade de gerar requisitos a serem aplicados na concepção dos produtos. Depois, houve a fase de geração, que se dedicou a criar um conceito para os artefatos, que, juntamente com todos os dados levantados na etapa de preparação, deram suporte para a elaboração de alternativas e esboços. A terceira fase do projeto avaliação preocupouse em escolher as alternativas mais adequadas para os produtos, propondo melhorias constantemente. O resultado de tal etapa foi o estabelecimento do conjunto de utensílios cerâmicos de preparo e consumo do chimarrão, o objetivo central do projeto. No último passo do trabalho, 26

a realização, foram desenvolvidos modelos e em seguida protótipos funcionais de um dos objetos do conjunto, a cuia. O protótipo foi submetido a testes e avaliações a fim de atestar sua funcionalidade e a satisfação dos usuários no tocante aos requisitos de projeto. DESENVOLVIMENTO Métodos O método que norteou o desenvolvimento do projeto foi proposto por Löbach (2001), o qual é dividido em quatro etapas principais: preparação, geração, avaliação e realização. Preparação Na etapa de preparação, buscou-se levantar dados e promover todas as análises necessárias para elaborar os requisitos de projeto (Quadro 1) a serem atendidos pelo produto ao ser projetado. Por isso, foi preciso compreender o desenvolvimento histórico do chimarrão e as relações sociais que permeiam o hábito, promover análises sincrônica e diacrônica com a finalidade de conhecer a trajetória dos artefatos e como eles se apresentam atualmente, entender o papel que os utensílios desempenham nas tarefas de preparar e tomar o chimarrão, conhecer suas funcionalidades, compreender os mecanismos e componentes presentes nesses objetos, analisar aparência, identificar usuários, bem como explorar o material cerâmico e seus processos de fabricação. Quadro 1 Requisitos de projeto traçados com base nas informações coletadas na preparação Requisitos Estética agradável, visual atrativo Praticidade Funcionalidade Durabilidade Mobilidade Ergonomia Materiais Cores Objetivos - Características contemporâneas; - Bons acabamentos; - Combinação entre curvas sinuosas e formas geométricas; - Conceitos relacionados com o público-alvo, o chimarrão e a contemporaneidade. - Leveza, a fim de facilitar a tarefa (preparar e consumir) e o transporte; - Facilidade de limpeza. - Proposta de melhor experiência no ato de preparar e consumir chimarrão; - Dispositivos que conduzam à melhor funcionalidade, como a adoção de recursos mais tecnológicos e a simplificação de componentes. - Resistência; - Design para não obsolescência. - Alças e pegas adequadas; - Configuração voltada a propiciar o transporte. - Conforto no transporte e manuseio dos artefatos por meio de pegas e superfícies adequadas; - Peso leve, para evitar a fadiga do usuário; - Conforto térmico; - Dimensionamento do objeto adequado ao usuário. - Cerâmica e vidrados. - Branco, preto, metalizado e demais cores que remetam ao conceito de contemporaneidade. 27

Geração Após a definição dos requisitos de projeto, elaborou-se o conceito, dando início à etapa de geração. Enquanto os requisitos de projeto fornecem as diretrizes necessárias e desejáveis para as características do produto, o conceito é responsável pela criação de significados, resultando no estilo e em aspectos semânticos e simbólicos. O conceito utilizado para os produtos centra-se na ideia de contemporaneidade aliada às ideias tradicionais que permeiam o hábito de consumir chimarrão, aproximando um costume secular do usuário atual, numa tentativa de transcender as origens e adequar-se ao momento sem perder a substância. Com a definição do conceito, começou a geração de alternativas, partindo do redesign da cuia, culminando em um estilo a ser aplicado aos demais objetos. Para a cuia, foram gerados aproximadamente 80 esboços iniciais, que foram reduzidos a 12 nas etapas de modelagem em argila e digital. Dos 12, foi escolhida uma ideia, que passou por refinamentos. Para os demais objetos, bomba e chaleira, geraram-se ideias com base no formato da cuia, sendo elaboradas 12 ideias para a bomba foram geradas alternativas apenas para a parte do resfriador, em função da impossibilidade de construir a bomba completa em cerâmica e 20 para a chaleira. Além disso, foi realizado um filtro para as bombas, delimitando-se em três ideias para ser construídas em software de modelagem digital. Filtrando as ideias para a chaleira elétrica, chegou-se a cinco, que também foram reproduzidas em ambiente tridimensional (3D). Os esboços iniciais podem ser vistos na Figura 1. Figura 1 Esboços iniciais da cuia, do resfriador da bomba e da chaleira elétrica Avaliação Para a cuia, a alternativa escolhida passou por refinamentos, resultando em três formas para o objeto. Construíram-se modelos volumétricos para essas três alternativas, as quais foram apresentadas a um grupo de potenciais usuários para que votassem naquela que julgassem mais interessante. Assim, uma alternativa foi selecionada e modificada de acordo com o feedback do grupo. Para a bomba, foram analisadas as opções modeladas no corpo de uma bomba de aço inoxidável, e escolheu-se aquela que parecia mais harmônica em conjunto com a cuia. Das cinco propostas modeladas virtualmente para a chaleira elétrica, optou-se pelo modelo que mais respeitou a linguagem da cuia. Com os três utensílios propostos desenvolvidos (cuia, bomba e recipiente para água), tem-se o conjunto completo de utensílios para o chimarrão. Modelos digitais (renderings) foram 28

produzidos para que as peças pudessem ser visualizadas coletivamente, bem como para conferir como as formas interagem quando agrupadas (Figura 2). Figura 2 Modelo digital do conjunto de utensílios para chimarrão Com base nas alternativas escolhidas e nos modelos volumétricos digitais desenvolvidos, foi possível determinar as especificações técnicas para a produção do conjunto, dando início à próxima etapa: a prototipagem dos objetos. Em função do tempo disponível para a realização do trabalho, optou-se em produzir o protótipo apenas da cuia. Realização Uma vez que o processo eleito para a fabricação do protótipo deste trabalho foi a colagem de barbotina, existiu a necessidade do desenvolvimento de uma peça-modelo, aquela que serve como matriz para a criação dos moldes de gesso. A peça-modelo foi confeccionada pelo método de manufatura aditiva, a popular impressão 3D, e passou por uma série de tratamentos superficiais (lixamento, aplicação de massa poliéster e primer geral). A próxima etapa do processo foi a elaboração dos moldes em gesso a partir da peça-modelo. Optou-se pela confecção de um molde em duas partes, bipartido, tendo em vista a geometria da peça. A confecção da peça-modelo e do molde em gesso pode ser visualizada na Figura 3. Figura 3 Confecção da peça-modelo e do molde bipartido em gesso A B C 29

Visto que o molde em gesso estava pronto, iniciou-se de fato o processo de colagem de barbotina. Tal processo consiste em preencher totalmente o molde de gesso com cerâmica líquida (barbotina) e aguardar até que as paredes do gesso absorvam a água presente no material. Desse modo, o material cerâmico vai se prendendo ao molde e constituindo uma parede, dando origem à peça. Nesse caso, a barbotina ficou de 30 a 60 minutos dentro do molde, e, passado esse tempo, o excedente de barbotina foi retirado, restando apenas a cerâmica em estado sólido, que se fixou ao molde de gesso. Após aproximadamente 6 horas, o protótipo foi retirado de dentro do molde e passou por acabamentos antes de ser levado para a queima de biscoito (980ºC). Após a queima, foi aplicado esmalte (vidrado) alcalino, próprio para utilitários sobre as peças. Em cada uma das cuias, foram aplicadas três camadas, de forma lenta e uniforme e intercalando a direção das pinceladas. Com essa etapa concluída, as peças foram levadas para a segunda queima, em 980 ou 1.200ºC, de acordo com a temperatura recomendada para cada cor de esmalte (Figura 4). Figura 4 Processo de colagem de barbotina, queima e esmaltação A B C D RESULTADOS Com o produto finalizado, um dos protótipos da cuia foi levado para teste com potenciais usuários. Realizou-se o teste com as finalidades de avaliar o funcionamento do produto, de observar se ele cumpriu os requisitos estipulados pelo projeto e de conferir a percepção dos usuários em relação ao artefato. Primeiro teste O produto foi levado até os usuários dentro de sua embalagem. Pediu-se a eles que preparassem e consumissem um chimarrão. Então, foram observados executando essas tarefas. Os principais pontos verificados foram o conforto térmico do objeto e a pega da cuia. Em relação ao conforto térmico, os usuários não informaram nenhum problema. Relataram que alguns pontos da superfície da cuia estavam quentes, mas isso não os impedia de consumir o chimarrão, já que era possível segurar o objeto em diversos locais. Os usuários não apontaram desconforto no tocante à pega. Eles mesmos indicaram diversas maneiras para segurar o objeto de forma agradável (Figura 5). 30

Figura 5 Maneiras de segurar o objeto indicadas pelos usuários como confortáveis A B C D Segundo teste Assim como no primeiro teste, a cuia foi entregue às usuárias dentro da embalagem. Foi pedido para que elas preparassem um chimarrão utilizando a cuia do mesmo modo como fazem usualmente. As usuárias prepararam o chimarrão seguindo algumas etapas (Figura 6): molhar a cuia; inserir erva na cuia; acomodar a erva-mate em uma das laterais da cuia; colocar água e esperar a erva inchar; inserir a bomba. Não foi percebida nenhuma dificuldade para a preparação do chimarrão ocasionada pela cuia. As usuárias também não relataram dificuldades. Figura 6 Preparação do chimarrão A B C D No momento em que as usuárias estavam consumindo a bebida, procurou-se analisar suas reações em relação a algum desconforto de pega e temperatura da superfície do produto. Elas passaram bastante tempo portando a cuia, sem parecer estarem desconfortáveis. Quando questionadas sobre o assunto, uma delas contou que estava com medo de sentir calor ao segurar a cuia pela primeira vez, por isso teve a impressão de que de início o objeto estava mais quente, mas nada causou dor ou desconforto. Segundo o relato, depois de tomar algumas cuias ela achou que a temperatura estava mais agradável. A limpeza do objeto também foi observada. Notou-se que tal etapa foi executada de forma rápida e fácil. Quando questionada, a usuária confirmou que a atividade foi bastante simples. 31

Avaliação do produto Com a finalidade de avaliar se os requisitos de projeto foram atendidos, os usuários que utilizaram o produto foram submetidos a um questionário estruturado. Os resultados obtidos pelo questionário demonstraram que o produto atendeu, na perspectiva dos usuários, aos requisitos que procurou satisfazer: bonito, atrativo, contemporâneo, bem-feito, agradável, adequado para chimarrão, cores agradáveis, textura interessante, fácil limpeza, bom material, fácil transporte, fácil manuseio, prático, de fácil consumo, resistente, pega e superfície adequadas, conforto térmico, peso e tamanho adequados, seguro. Indicaram também a satisfação dos usuários com o produto, contudo alguns pontos não tiveram avaliação máxima. Isso revela que, apesar de bem avaliado, o produto ainda precisa passar por refinamentos e modificações em seu projeto. CONSIDERAÇÕES FINAIS Como já dito, o chimarrão é um alimento e hábito tradicional, especialmente para os habitantes da região mais ao sul do continente americano. Dessa forma, desenvolver aparatos relacionados a esse costume é uma tarefa complexa, pois lida com objetos que estão ligados ao dia a dia das pessoas e a suas tradições. Por isso, acredita-se que o objetivo central do projeto aqui relatado foi cumprido, visto que, de fato, utensílios cerâmicos que promovem o preparo do chimarrão e possibilitam o seu consumo foram desenvolvidos, e, até onde os testes e as avaliações chegaram, eles foram bem aceitos, uma vez que desempenharam suas funções de maneira satisfatória e são objetos esteticamente interessantes. Contudo, os resultados demonstraram também que os produtos ainda não estão finalizados. As avaliações revelaram que refinamentos ainda podem ser promovidos na cuia, melhorando a forma e função, especialmente quanto ao conforto térmico, à percepção de resistência do produto e à facilidade em transporte, pontos que foram apontados como inseguros pelos usuários, quando indagados no questionário. No caso dos outros artefatos, o caminho para sua conclusão ainda é longo, visto que protótipos funcionais ainda não foram confeccionados nem, por consequência, validados. Assim, entende-se que para dar continuidade ao projeto vários pontos ainda precisam ser esmiuçados. Para a cuia, além de buscar a solução para os pontos mencionados, novos testes visando averiguar a usabilidade devem ser promovidos, e outros posicionamentos no que se refere ao processo de produção podem ser testados. Já para a chaleira e a bomba, deve-se verificar se o método utilizado para a confecção do protótipo da cuia é viável para esses objetos e como os processos podem ser aprimorados. REFERÊNCIAS ALMEIDA, Carlos A. F. de. Cerâmica Castreja. Revista Guimarães, v. 84, p. 171-197, 1974. BOGUSZEWSKI, José Humberto. Uma história cultural da erva-mate: o alimento e suas representações. Dissertação (Mestrado) Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2007. FAGUNDES, Glênio. Cevando mate. 3. ed. Porto Alegre: Habitasul, 1980. LESKO, Jim. Design industrial: materiais e processos de fabricação. São Paulo: Edgard Blucher, 2012. LÖBACH, Bernard. Design industrial: bases para a configuração dos produtos industriais. São Paulo: Edgar Blucher, 2001. MACIEL, Maria Eunice. Chimarrão: identidade, ritual e sociabilidade. In: ; GOMBERG, Estélio (Orgs.). Temas em cultura e alimentação. Aracaju: Editora UFS, 2007. p. 39-55. 32