O ESTUDO DA HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA E A VALORIZAÇÃO DAS RELIGIÕES DE RAÍZES AFRICANAS *

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Transcrição:

O ESTUDO DA HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA E A VALORIZAÇÃO DAS RELIGIÕES DE RAÍZES AFRICANAS * Anamélia Soares Nóbrega ** Resumo O presente artigo busca analisar a interligação entre o estudo da História e Cultura Afro-Brasileira e a valorização das religiões de raízes africanas. A partir da Lei federal nº 10.639/2003, os estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, tiveram que incluir obrigatoriamente o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira. A metodologia adotada envolveu a pesquisa bibliográfica e a pesquisa da legislação. Essa lei incentivou os professores a aprofundar os conteúdos referentes às temáticas sobre a cultura negra nos diferentes componentes do currículo escolar. Além disso, o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira estimula o reconhecimento da importância das religiões afro-brasileiras, pois o campo religioso de raízes africanas possui um papel fundamental na história da religiosidade do Brasil. Assim, a Lei nº 10.639/2003 foi de grande importância para oficializar o ensino da contribuição do povo negro nas áreas histórica, cultural, religiosa, social e econômica pertinentes à formação da sociedade brasileira. Portanto, os alunos possuem o direito de estudarem conteúdos de ensino comprometidos com o respeito à história e à cultura do povo negro, mostrando os impactos positivos da inclusão da Lei nº 10.639/2003 nas diretrizes da educação nacional. Palavras-chave: História e Cultura Afro-Brasileira. Religiões Afro-Brasileiras. Lei nº 10.639/2003. Introdução A Lei nº 10.639/2003, de âmbito federal, determinou que os estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, devem incluir obrigatoriamente o ensino sobre História e Cultura Afro- Brasileira. Essa lei pode ser considerada como uma possibilidade de avanços no espaço educacional, bem como uma possibilidade de mudança nas práticas * Trabalho apresentado no III Congresso Nordestino de Ciências da Religião e Teologia, realizado entre os dias 8 e 10 de setembro de 2016, na UNICAP, Recife. GT 1 Religiões Afro-Brasileiras e Contemporaneidade. ** Doutoranda em Ciências da Religião pela Unicap. Mestre em Ciências das Religiões pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências das Religiões da Universidade Federal da Paraíba UFPB. E-mail: anamelianobrega@yahoo.com

40 pedagógicas, resgatando a contribuição do povo negro na formação da sociedade brasileira. A Lei nº 10.639/2003 estabelece que os conteúdos sobre a temática da História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, especialmente nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras. Apesar da lei destacar essas três áreas, ela não descarta a possibilidade dos conteúdos serem ministrados em outras disciplinas. Nesse entendimento, o Ensino Religioso, sendo uma disciplina integrante do currículo escolar, pode contribuir para a implantação da Lei nº 10.639/2003. Desse modo, buscamos analisar a interligação entre o estudo da História e Cultura Afro-Brasileira e a valorização das religiões de raízes africanas, pois essa lei proporcionou aos alunos afrodescendentes o reconhecimento de suas memórias históricas e culturais. O desenvolvimento de reflexões sobre a necessidade do ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira requer considerações mais apuradas sobre a identidade negra no Brasil, visto que, por um longo período, o estudo da história brasileira focou seus esforços no ensino do modelo cultural europeu. Essa tendência era apoiada na visão colonialista para determinar a formação da sociedade brasileira em seus costumes, valores, crenças e comportamentos. Isso denota a dificuldade que persiste na área de discussões mais aprofundadas sobre a História e Cultura Afro-Brasileira, abordando a luta dos negros no Brasil. A influência do estudo da história de um povo pode ser observada em todas as estruturas sociais, sobretudo nas formadoras de opinião, como é o caso da Educação, principalmente nas práticas educativas e pedagógicas. Assim, é necessário refletir sobre a quantidade de registros históricos sobre a História e Cultura Afro-Brasileira. Nesse sentido, essa lei mostra que é fundamental o surgimento de outras interpretações históricas que

41 permitam entender a identidade cultural negra, que possui as marcas de sua trajetória histórica, engendrada na complexidade do período da escravidão no Brasil. Além disso, o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira proporciona o reconhecimento da importância das religiões de raízes africanas, com destaque para a Umbanda e o Candomblé, pois o campo religioso afrobrasileiro possui um papel fundamental na história da religiosidade do Brasil. O tipo de pesquisa empregado foi a pesquisa bibliográfica e a pesquisa da legislação. Compreendemos que tal abordagem nos fornece os instrumentos necessários à realização do artigo, mostrando os vários aspectos da Lei nº 10.639/2003. Um dos assuntos de grande importância para se entender as complexas relações que envolvem o processo educativo é o estudo do currículo escolar. Por isso, a inclusão no currículo oficial da Rede de Ensino da obrigatoriedade da temática sobre História e Cultura Afro-Brasileira mostra novos mecanismos de ensino que contribuem para minimizar a discriminação racial. As escolas refletem as situações que acontecem no âmbito social. Por isso, o ato de ensinar a temática da História e Cultura Afro-Brasileira revela uma tendência de aceitação da diversidade cultural, entendendo o currículo escolar como uma ferramenta para diminuir as visões geradoras de processos excludentes. Portanto, se essa temática for ensinada nos estabelecimentos escolares com compromisso e responsabilidade, haverá a possibilidade de se dar um passo importante para a superação da desigualdade etnicorracial, baseada em preconceitos que, velada ou explicitamente, atingem a população afrodescendente.

42 A Lei Nº 10.639/2003 no âmbito escolar A Lei nº 10.639/2003 necessita do apoio dos professores, os quais deverão ensinar a temática da História e Cultura Afro-Brasileira em suas aulas, pois a implantação de conteúdos referentes a essa temática incentiva os alunos afrodescendentes a reconhecerem suas expressões culturais nos conteúdos ministrados no âmbito escolar. Compreendemos que a implantação dessa lei proporciona um avanço na discussão dos assuntos que abordam a questão etnicorracial. Nesse aspecto, os professores poderão priorizar uma educação construída de forma dinâmica e dialética, principalmente no contexto da educação etnicorracial, a qual pode ser considerada um possível mecanismo de valorização dos princípios de equidade, de tolerância e de respeito às diferenças etnicorraciais. Desse modo, podemos perguntar: Como o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira pode contribuir para a valorização das religiões de raízes africanas? Tal questionamento conduz a reflexão sobre a interligação entre a legislação e as abordagens teóricas no contexto educacional e religioso. Desse modo, conforme Macedo (2013, p. 79): Sendo assim, a história, a cultura, a vida, os hábitos e os costumes dos/as negros/as estão inseridos/as no contexto da sociedade brasileira e devemos fazer com que as pessoas fiquem informadas e orientadas para que com isso gere uma conscientização de toda a população. (MACEDO, 2013, p. 79) Nesse sentido, é possível discutir a discriminação racial que ocorreu ao longo da história brasileira, principalmente no período da escravidão, no qual uma das formas de resistência dos escravos foi a formação dos quilombos. Assim, a obrigatoriedade no currículo escolar do estudo da História e da Cultura Afro-Brasileira trouxe uma série de desafios alusivos à inclusão

43 de conteúdos que abordem esse tema, mostrando a História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional. Valorizar a contribuição africana na formação da sociedade brasileira é um dos impactos positivos gerados pela implantação da Lei nº 10.639/2003, tendo em vista as políticas públicas contra o racismo. Por isso, ressaltamos os esclarecimentos de Silva (2013, p. 228): Para que o combate ao racismo no ensino fundamental possa alcançar voos mais altos, deve ocorrer de forma coerente e sintonizada no contexto das políticas de currículo as quais sejam capazes de viabilizar a realização de ações e práticas pedagógicas consubstanciadas nas proposições estabelecidas pela Lei nº. 10.639/2003. (SILVA, 2013, p. 228) Nesse contexto, a Lei nº 12.288/2010, que instituiu o Estatuto da Igualdade Racial, destina-se a garantir à população negra a defesa de seus direitos, conforme estabelece o artigo 2º dessa lei: Art. 2. É dever do Estado e da sociedade garantir a igualdade de oportunidades, reconhecendo a todo cidadão brasileiro, independentemente da etnia ou da cor da pele, o direito à participação na comunidade, especialmente nas atividades políticas, econômicas, empresariais, educacionais, culturais e esportivas, defendendo sua dignidade e seus valores religiosos e culturais. (BRASIL, 2010) Dessa maneira, o poder público deve garantir as medidas necessárias ao combate a qualquer tipo de discriminação etnicorracial, que é conceituada, no âmbito do artigo 1º, inciso I, da Lei nº 12.288/2010, como: Discriminação racial ou étnico-racial: toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por objeto anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em igualdade de condições, de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública ou privada. (BRASIL, 2010).

44 A religiosidade está inserida na educação das relações etnicorraciais, pois algumas discriminações são amparadas pelos agentes religiosos e suas instituições, principalmente contra os cultos africanos. Entendemos que ocorre uma interconexão entre a escola e a sociedade. Por isso, os movimentos sociais, ligados à luta pelos direitos das comunidades afro-brasileiras, buscam espaços de reconhecimento de suas memórias históricas e culturais nas diretrizes curriculares, para que os alunos, principalmente os afrodescendentes, possam valorizar suas identidades culturais. Desse modo, destacamos a necessidade de currículos mais afirmativos da diversidade cultural que forma a sociedade brasileira, tendo em vista que, de maneira implícita ou explícita, predominavam os conteúdos vinculados ao contexto cultural europeu, os quais reforçavam os preconceitos no sistema educacional. A Lei nº 10.639/2003, com a proposta de se trabalhar a diversidade cultural na escola, parece ter um caráter provocador, porque a partir dela muitas discussões vieram à tona no que diz respeito aos temas ligados à cultura afro-brasileira, inclusive no campo religioso. A escola deve ser compreendida como um espaço aberto ao debate sobre a pluralidade cultural, embora se perceba que a Lei nº 10.639/2003 sofreu alguma resistência em sua implantação no cotidiano escolar. A valorização das religiões de raízes africanas As discussões sobre temas ligados à História e Cultura Afro-Brasileira foram ampliadas, dando ênfase também à diversidade cultural religiosa do Brasil. Desse modo, ressaltamos os esclarecimentos de Santos (2015, p. 31): Cotidianamente, podemos presenciar formas de intolerância para com os negros, inclusive dentro do ambiente educacional que também incorporou essa realidade e a reproduz.

45 Presenciamos ainda, frequentemente, o não reconhecimento do estatuto de religiões das religiões afro-brasileiras, muitas vezes lidas de modo superficial, sendo tomadas apenas enquanto folclore. Em muitos ambientes, falar de religiões afro-brasileiras é ainda um tabu tendo em vista o quase completo desconhecimento de sua cosmovisão e presença na formação da identidade nacional. (SANTOS, 2015, p. 31) As religiões de matriz africana contribuíram para a formação da religiosidade brasileira. Desse modo, o estudo da cultura afro-brasileira pode minimizar os preconceitos contra essas religiões, diminuindo as discriminações que a sociedade comete contra suas crenças religiosas. O Ensino Religioso, sendo uma disciplina integrante do currículo escolar, pode contribuir para o respeito à diversidade cultural religiosa. Nesse sentido, destacamos o artigo 33 da Lei nº 9.394/1996 que estabelece: Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo. (BRASIL, 1996) Os professores do Ensino Religioso podem ministrar aulas sobre temas ligados às religiões afro-brasileiras, tais como: suas origens e ramificações; as conceituações do sagrado para elas; os mitos e símbolos existentes em seus cultos; entre outros assuntos relevantes no contexto da religiosidade. No Brasil, existe o direito ao livre exercício dos cultos religiosos, sendo garantida a proteção aos locais de culto e as suas liturgias, bem como das festividades e das cerimônias relacionadas à religiosidade, priorizando o direito à liberdade de crença. A inclusão do estudo da cultura afro-brasileira no currículo escolar possibilitou a oportunidade de se ensinar sobre o valor artístico, arqueológico e cultural dos monumentos vinculados às religiões de matriz

46 africana, apoiando o artigo 18 da Lei nº 12.288/2010 que afirma: É assegurado aos remanescentes das comunidades dos quilombos o direito à preservação de seus usos, costumes, tradições e manifestos religiosos, sob a proteção do Estado. Considerações finais A Lei nº 10.639/2003 incluiu no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática sobre a História e Cultura Afro-Brasileira. Desse modo, entendemos que a inclusão dessa temática no currículo escolar pode auxiliar a diminuir os tabus que existem em torno das religiões afro-brasileiras. Nesse sentido, surgem condições para o diálogo sobre a diversidade étnica e religiosa. Por isso, a determinação do ensino dessa temática é um avanço no âmbito escolar, podendo se constituir em uma estratégia frutífera para se valorizar as religiões de raízes africanas. Portanto, os alunos possuem o direito de estudarem conteúdos de ensino comprometidos com o respeito à história e à cultura do povo negro, mostrando os impactos positivos da inclusão da Lei nº 10.639/2003 nas diretrizes da educação nacional. Referências BRASIL. LEI Nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm>. Acesso em: 02 maio 2016.. LEI Nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-Brasileira, e dá outras providências. Disponível em:

47 <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm>. Acesso em: 02 maio 2016.. LEI Nº 12.288, de 20 de julho de 2010. Institui o Estatuto da Igualdade Racial; altera as Leis n os 7.716, de 5 de janeiro de 1989, 9.029, de 13 de abril de 1995, 7.347, de 24 de julho de 1985, e 10.778, de 24 de novembro de 2003. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12288.htm>. Acesso em: 02 maio 2016. MACEDO, Wendel Alves Sales de. A História dos Afro-Brasileiros: breve olhar entre o século XVI até o XIX. In: ARAGÃO, Wilson Honorato; FERREIRA, Ana Paula Romão de Souza; LIMA, Norma Maria de. (Orgs.) Afroeducação. João Pessoa: Editora da UFPB, 2013. p. 66-80. SANTOS, Mirinalda Alves Rodrigues dos. Desconstruindo a imagem negativa de Exu: uma abordagem para o ensino religioso. In: SAMPAIO, Dilaine Soares; GONÇALVES, Iracilda Cavalcante de Freitas. (Orgs.) Religiões afro-brasileiras & espiritismo: diálogos e interlocuções. João Pessoa: Editora da UFPB, 2015. p. 29-45. SILVA, Lucas Vieira de Lima. A Lei nº 10.639/2003 no combate ao racismo na escola. In: ARAGÃO, Wilson Honorato; FERREIRA, Ana Paula Romão de Souza; LIMA, Norma Maria de. (Orgs.) Afroeducação. João Pessoa: Editora da UFPB, 2013. p. 218-230.