RELAÇÕES RACIAIS: IDENTIDADE E PRECONCEITO



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Transcrição:

RELAÇÕES RACIAIS: IDENTIDADE E PRECONCEITO Marcela Mari Ferreira Arai (marcela_arai@hotmail.com.br) UEL 1 Cecília Teixeira da Silva (ceciliatjornalista@hotmail.com) UEL 2 Jeniffer Modenuti (jeniffermodenuti@hotmail.com) UEL 3 Vanessa Natali Machado Correa (nessanatali@hotmail.com) UEL 4 GT 04: Racismo, intolerância e políticas públicas RESUMO A relevância de se tratar as questões de identidade racial no Brasil nos mostra uma processo de desigualdade racial, que apesar de mais de um século após da abolição ainda encontramos resquícios de seus efeitos desastrosos. Para isso, nos concentraremos na perspectiva histórica de como esses resíduos etnocêntricos se manifestam concretamente na sociedade contemporânea, partindo para a explicitação dos conceitos de raça, racismo, preconceito. A partir disso tomando por bases os sensos demográficos, analisaremos as dificuldades encontradas no povo brasileiro ao se classificar racial/etnicamente, o que destaca mais uma vez as questões ideológicas que permeiam este tema. Por último refletiremos sobre como o preconceito e a discriminação racial se fazem presentes em nossa sociedade, indicando que as questões raciais devem ser trabalhadas pelas ciências sociais, visto que estas são questões sociais, que movimentam toda a sociedade, envolvendo aspectos culturais, sociais e políticos da constituição da nação brasileira. Esse trabalho desenvolverá como a questão de identidade racial, em certo momento, se imbrica com o preconceito, aumentando a distância entre brancos e negros. Palavras-chave: Identidade racial; desigualdade; preconceito. 1 Graduanda do 5º período em Ciências Sociais pela Universidades Estadual de Londrina. 2 Graduada em Jornalismo pela Faculdade Metropolitana. Pós Graduada em Comunicação Visual e Mídias Interativas pela Universidade Norte do Paraná. Graduanda em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Londrina. 3 Graduanda do 5º período em Ciências Sociais pela Universidades Estadual de Londrina. Professora de Sociologia do Cursinho Estadual Pré-Vestibular/UEL. 4 Graduanda do 5º período em Ciências Sociais pela Universidades Estadual de Londrina.

1 INTRODUÇÃO Todo o processo histórico no mundo e no Brasil e atitudes etnocêntricas que marcaram as ações colonizadoras, imperialistas e militares da Europa e EUA agiram de maneira a inferiorizar e segregar o negro na sociedade. Uso da Biologia e Antropologia Física, que se baseavam no estudo biológico do corpo humano, a biometria, partindo de uma perspectiva da existência de raças superiores e inferiores. A biologia e a antropologia física criaram a ideia de raças humanas, ou seja, cria-se a ideia de diferentes raças, mas, sobretudo do de que determinada raça representaria um desenvolvimento diferencial de valores morais, de dotes psíquicos e intelectuais entre os seres humanos, hierarquizando as sociedades e populações humanas. Essa concepção tornou-se pseudociência, contudo, durante séculos sua perpetuação respaldou em políticas insanas, que geraram efeitos desastrosos, como genocídios e holocaustos. A 2ª Guerra Mundial foi considerada o ápice do racismo, dada a grande perseguição contra os que não correspondiam com as expectativas de raça ariana. Com os efeitos desastrosos da 2ª guerra Mundial, cientistas tentam descartar a ideia de raça, deixando de ser um termo propriamente científico, como um dos passos para acabar com o racismo. Alguns termos foram propostos em seu lugar. No caso dos cientistas naturais, propuseram a adoção do termo população ao se referir sobre determinados grupos que continham traços comuns. Coloca-se no Brasil o combate à ideia de Brasil atrasado devido ao mal das raças, já que no Brasil havia muitos afrodescendentes. 2 A RAIZ DO PRECONCEITO Para legitimar a escravidão foram utilizadas justificativas teológicas. Criaram, portanto, mitos para os negros trazidos para o Brasil. Muitos escravocratas e fazendeiros acreditavam, portanto, que tinham uma missão civilizadora e, que estariam redimindo esses descendentes, nos quais seriam apresentados para a civilização cristã e conheceriam, assim, o valor do trabalho. O que alimentou a escravidão no Brasil foi o tráfico e não a reprodução de escravos. O negro é colocado num sentido pejorativo, como algo ruim, sujo e animalesco. Cria-se um tabu a respeito do uso dos termos negro, preto, raça, racismo. O preconceito existe como uma reação emocional de um grupo racial (o branco) que se sente ameaçado por outro (o negro) na competição por recursos em uma ordem igualitária (democrática). O preconceito racial é uma

atitude ou disposição desfavorável, culturalmente condicionada, em relação aos membros de uma população, aos quais se têm como estigmatizados. O preconceito racial é visto como um elemento cultural intimamente relacionado com o ethos social, isto é, como modo de ser, culturalmente condicionado, que se manifesta nas relações interindividuais. Pode-se dizer que, raças são partes do efeito de discurso sobre a origem de indivíduos e, a transmissão de essências entre as gerações. Isso será característico da área referente às identidades sociais. Estas estudarão a origem desses discursos. Muito se discutia, nos primeiros estudos acadêmicos sociológicos, que raça não seria um princípio classificatório nativo, o que todos teriam e seria possível sua classificação era a cor. Essa forma de classificação, segundo esses estudos, não geraria danos ou preconceitos. Para Guimarães (1999) a raça passa a ter sentido se estudada a partir do estudo da prática, de sua construção histórica, e esta construção vem baseada no elemento fundamental: a cor. Formula-se então um impasse entre os que negam a existência do racismo e aqueles que afirmam imperar no Brasil o Mito da Igualdade Racial Durante anos, as discussões estavam fixadas se havia ou não preconceito no Brasil. Podemos distinguir, para a compreensão do tema, três relevantes momentos históricos nos tempos modernos, desde os anos 1930. Para o entendimento do Mito da Igualdade Racial citaremos o período das décadas de 1920 e 1930, em que o anti-racialismo é uma ideologia prevalecente. Esse discurso se cristaliza nessa época com Gilberto Freyre. A ideia de Democracia Racial, amplamente usada por Gilberto Freyre, coloca a riqueza do Brasil graças à vasta miscigenação e cordialidade do seu povo, que vivem sem distinção e preconceitos, numa verdadeira democracia das raças. Nela raças não existem, e a cor é um acidente, algo totalmente natural, mas não importante, pois o que prevalece é o Brasil como Estado e como Nação, um país em que praticamente não existem etnias, salvo alguns imigrantes. Essa democracia social seria a forma pela qual o país foi colonizado. Significou, portanto, miscigenar-se, igualar-se, integrar os culturalmente inferiores, absorver sua cultura, dar-lhes chances reais de mobilidade social no mundo branco. Na antemão posiciona-se o Movimento Negro Unificado, que tenta ressignificar o termo negro, falando para que o negro se reconheça como tal, não deixando sua cor passar em branco. Com esta ressignificação do negro eles pretendiam combater o racismo, visto que o então chamado mito da democracia racial desmobilizou o negro durante a história. Eles afirmam que existe uma desigualdade e é preciso lutar contra ela. É impossível pensar o movimento negro sem pensar que ele continua lutando para ser integrado a essa nação

Desse modo, o movimento unificado negro (em 1978) irá contestar a ideia de democracia racial. A ideia de raça vai ser reinventada, vai reivindicar a origem africana para identificar os negros. Ou seja, a ideia de raça envolverá suas origens, antepassados, é necessário, agora, reinventar a cultura negra. Nesse período, o termo raça reaparece. Mas então, o que seria identidade racial? Guimarães (1999) propõe que identidade racial/étnica é o sentimento de pertencimento a um grupo racial ou étnico, decorrente de construção social, cultural e política. Ou seja, tem a ver com a história de vida (socialização/educação) e a consciência adquirida diante das prescrições sociais raciais ou étnicas, racistas ou não, de uma dada cultura.( ) Vemos cientificamente a raça como construção social, e que deve ser estudada como um ramo das ciências sociais: Identidades Sociais. A conclusão de Guimarães (1999) é a de que ao lidar com respostas sobre identidade, é necessário investigar qual o discurso que está orientando as respostas. 3 QUEM É O NEGRO? Observamos, portanto que na sociedade há um problema no que se trata de classificação e identificação racial e a situação de discriminação que a partir disso vem sofrer o indivíduo. Ser negro é uma questão de opinião, é um processo de identificação. Ser negro é se reconhecer como parte de um grupo. Contudo, a necessidade de classificação se manifesta no momento em que se necessita de dados para estudos sobre desigualdades socioeconômicas, raciais, etc., com a finalidade de se construir políticas públicas que combatam essas divergências. Para Guimarães (1999) a raça passa a ter sentido se estudada a partir do estudo da prática, de sua construção histórica, e esta construção vem baseada no elemento fundamental: a cor. Na sociedade raça passa a existir e se tornar objeto de pesquisa dentro de uma perspectiva prática e histórica: o conceito de raça aparece como produto do imaginário social atribuições de valores às condições físicas do indivíduo. Estudos sociológicos comprovarão, por meio de pesquisas do IBGE, que as desigualdades econômicas e sociais entre brancos e negros, não podem ser explicadas nem pela herança do passado escravagista, nem podem ser explicadas pela pertença de negros e brancos a classes sociais distintas, mas que tais desigualdades resultam inequivocamente de diferenças de oportunidades de vida e de formas de tratamento peculiares a esses grupos raciais.

A miscigenação, traço marcante do Brasil, gerou uma imensa variedade de cores que não se enquadram em categorias pré-determinadas. O indivíduo se definir em uma cor não é exercício fácil. Segundo Schwartzman, 1999, em uma entrevista aberta realizada em 1998 com aproximadamente 90 mil brasileiros, surgiram cerca de 130 diferentes categorias de cor, visto que cada indivíduo associa sua cor a sua aparência física e também sua posição social ou grupos aos quais pertence. Coloca-se que a cor é, portanto uma construção social, e que no Brasil, com a particularidade da miscigenação, constroem-se diversas identidades a respeito da cor. Nos censos demográficos brasileiros, a informação acerca da cor é obtida a partir da autodefinição do indivíduo ou de informações prestadas por terceiros, e suas respostas são classificadas em torno de categorias de cor preestabelecidas. De 1940 a 1980, os indivíduos foram classificados em quatro categorias de raça ou cor: branca, preta, parda e outra. A partir do Censo de 1991, indígenas e amarelos passaram a contar com categorias próprias. (CARVALHO, 2003) Pesquisas apontam a identidade racial fortemente vinculado com a posição social dos indivíduos e aos grupos que estes pertencem. Fica portanto claro que raça ou cor e estratificação social no Brasil encontram-se estreitamente vinculados, e é em parte por isso que se especula que mudanças no status socioeconômico podem afetar a classificação de cor no país. De fato, pardos e pretos no Brasil são desproporcionalmente representados entre os mais pobres e menos educados. De acordo com Henriques (2001), pardos e pretos representavam, em 1999, 45% da população brasileira, 64% dos pobres e 69% dos indigentes. Quanto à escolaridade, adultos pardos e pretos tinham, em média, 6,1 anos de estudo, enquanto brancos tinham 8,4 anos. Entre indivíduos com i dade superior a 15 anos, 19,8% dos pardos e pretos eram analfabetos, mais que o dobro observado entre os brancos 8,3% (Henriques, 2001). Pardos e pretos ocupavam mais postos no setor informal e ganhavam salários mais baixos que os brancos, mesmo controlando por educação e ocupação (Barros, Henriques e Mendonça, 2000; Henriques 2001). Além de se encontrarem na base da pirâmide social, pardos e pretos possuem menos chance de ter ascensão social no Brasil (Hasenbalg, 1985). (CARDOSO, 2003) Estudos também apontam que indivíduos que tem maior envolvimento com movimentos e grupos religiosos, ou o maior acesso a educação possuem menos dificuldade em declarar-se negro ou afrodescendente.

O crescimento da população que se classifica negra ou parda, mesmo sem igual crescimento vegetativo, o que indica maior identificação racial. No sistema de classificação por cor ou raça da população utilizado atualmente pelo IBGE nas suas pesquisas domiciliares, constam cinco categorias: branca, preta, amarela, parda e indígena. No primeiro Censo Demográfico realizado no Brasil, em 1872, a classificação por raças estava presente na forma de quatro opções de resposta: branco, preto, pardo e caboclo. Posteriormente, foram implantadas ou retiradas outras terminologias. A seguir, nos Censos de 1900 e 1920, as informações sobre cor ou raça não foram coletadas e, em 1910 e 1930, não foram realizadas operações censitárias no País. Há aí mudança radical de perspectiva, pois o que se valoriza não são mais os tipos raciais originários, mas a cor, isto é, as tonalidades de pele, sem a antiga referência à continuidade sanguínea De acordo com a convenção do IBGE, portanto, negro é quem se autodeclara preto ou pardo. Embora a ancestralidade determine a condição biológica com a qual nascemos, há toda uma produção social, cultural e política da identidade racial/étnica no Brasil. 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS Os estudos sobre relações raciais não possuiriam relevância caso, além de questões do resgate cultural, não considerássemos de que os negros encontram-se em desvantagens econômicosociais. Segundo dados do relatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil 2009 2010 podemos identificar algumas situações de desfavorecimento do negro ou afrodescendente na sociedade brasileira: Tempo de estudo, em média, de uma pessoa com mais de 15 anos de idade: Tabela 1 Tempo de Estudo Ano Brancas Negras Diferença entre os grupos 1998 5,2 anos 3,6 anos 1,6 anos 2008 8,3 anos 6,5 anos 1,8 anos Fonte: "relatório de desigualdades raciais 2009-2010, do laboratório de análises econômicas, históricas, sociais e estatísticas das relações raciais (laeser)", UFRJ 2011. Em 20 anos, o tempo de estudo das pessoas brancas com idade superior a 15 anos passou de 5,2 anos (em 1988) para 8,3 anos (em 2008). Entre negros da mesma faixa etária, passou de 3,6

para 6,5. Ainda que ambos tenham aumentado o tempo na escola, a diferença entre brancos e negros passou de 1,6 para 1,8 ano. Tabela 2 Influência de cor e raça no Cotidiano. A cor/raça influencia no cotidiano das pessoas? Sim 63,7% Não 36,3% Fonte: pesquisa das características étnico-raciais da população: um estudo das categorias de classificação de cor ou raça, IBGE 2011. 63,7% de 15 mil entrevistados reconhecem que a raça e a cor influenciam a vida. As mulheres apresentam percentual maior do que os homens: 66,8% delas disseram que a cor ou raça influenciava, contra 60,2% deles. Tabela 3 Ambientes em que a cor/raça faz mais diferença. Local Frequência Trabalho 71% Justiça e a polícia 68,3% Convívio Social 65% Escola 59,36% Repartições públicas 51,3% Fonte: pesquisa das características étnico-raciais da população: um estudo das categorias de classificação de cor ou raça, IBGE 2011. 71% de 15 mil entrevistados acreditam que o trabalho é a área mais influenciada pela cor ou pela raça. Em seguida, aparecem a relação com a justiça e a polícia, o convívio social, a escola e as repartições públicas. Na mesma pesquisa, 96% dos entrevistados afirmaram que saberiam fazer sua autoclassificação. Também entre os dados apresentados pelo relatório, está um diagnóstico das principais causas de mortalidade entre a população negra. O estudo revela que nos anos 2006 e 2007, das 96 mil pessoas assassinadas no Brasil, 63% eram pretas ou pardas. Em 2007, o número de assassinatos entre as mulheres negras era 41,3% superior que o observado entre as mulheres brancas Assim, também, revelam-se as desigualdades na questão da mortalidade materna. Em 2007, a cada 100 mil nascidos vivos, 55 mulheres morreram em decorrência de problemas relacionados à maternidade. As mulheres negras representavam 59% desse total. O estudo ainda revela que as negras estão em piores condições quanto à realização de exames preventivos e de prénatal. Entre as mães brancas, 70,1% realizaram sete ou mais consultas, enquanto entre as negras o número é de 42,6%. (http://www.andi.org.br/infancia-e-juventude/pauta/)

Nosso argumento defende que o Tabu em se tratar de cor é resultado de uma ideologia que ora admite, ora nega a existência do preconceito racial. A subjugação do negro é fruto de um processo histórico que justificou sua exploração e o inferiorizou na sociedade. No século XX, após a 2ª Guerra Mundial surgem diversos tratados e políticas que visam combater o racismo, o que gera um movimento contrário à sua ideia inicial: mascara-se na sociedade a existência do racismo, o que faz com que fique mais difícil combatê-lo. Todos sabem que o que chamamos de racismo não existiria sem a ideia que divide os seres humanos em raças, em subespécies, cada qual com suas qualidades. Foi ela que hierarquizou as sociedades e populações humanas e fundamentou certo racismo doutrinário. Essa doutrina sobreviveu à criação das ciências sociais, das ciências da cultura e dos significados. Movimentos sociais e governos vêm defendendo Políticas e Ações Afirmativas de integração do negro na sociedade e favorecendo a formação ou continuidade de grupos que favorecem sua identificação racial, haja vista que estes visam combater o preconceito. O Estatuto da Igualdade Racial que objetiva alcançar cerca de 90 milhões de pessoas, afrodescendentes que ainda não possuem seus direitos plenamente desfrutados. O estatuto é uma maneira de o Estado brasileiro reconhecer que a igualdade racial não existe em nosso país, e com este passo tem-se em mãos um instrumento a favor da inclusão. Procura promover os direitos que são inalienáveis aos afrodescendentes, garantindo a igualdade entre todos os brasileiros. A fim de corrigir as desigualdades que se impuseram aos afro-brasileiros, reparando os equívocos históricos e atrasos que esta parcela da população brasileira sofreu nos últimos 124 anos, coloca-se o Estatuto em promoção das Ações Afirmativas que resgatem a cidadania desse povo e garantam-lhes a inserção plena e uso pleno dos seus direitos. Outro exemplo a ser citado expõe UEL, que desde 1985 vem trabalhado com o NEAA, Núcleo de Estudos Afro-Asiáticos, que é um órgão que objetiva desenvolver pesquisas e estudos acerca da cultura e outras temáticas das sociedades historicamente discriminadas, procurando desenvolver políticas públicas que lutem contra as desigualdades sociais e raciais. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARENDT, Hannah. O pensamento racial antes do racismo. In.: As origens do Totalitarismo. BERNARDINO, Joaze. Ação afirmativa e a rediscussão do mito da democracia racial no Brasil. Estud. afro-asiát., 2002, vol.24, no.2, p.247-273. ISSN 0101-546X

DANTAS, Carolina Vianna. O Brasil café com leite: debates intelectuais sobre mestiçagem e preconceito de cor na primeira república. Tempo [online]. 2009, vol.13, n.26, pp. 56-79. ISSN 1413-7704. GUIMARÃES, Antonio Sérgio Alfredo. Racismos e anti-racismo no Brasil. São Paulo. Editora 34, 1999 MAIO, Marcos Chor. Tempo controverso: Gilberto Freyre e o Projeto UNESCO. Tempo soc.[online]. 1999, vol.11, n.1, pp. 111-136. ISSN 0103-2070. NOGUEIRA, Oracy. Preconceito racial de marca e preconceito racial de origem: sugestão de um quadro de referência para a interpretação do material sobre relações raciais no Brasil. Tempo soc. [online]. 2007, vol.19, n.1, pp. 287-308. ISSN 0103-2070. SCHWARTZ, Lilia: Nomeando as diferenças: a construção da ideia de raça no Brasil. WIERIORKA, Michel. O retorno do racismo. In.: Novas lições de sociologia